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2685 - Outubro 2025

Editorial

General José Luiz Pinto Ramalho*

 

Na conjuntura estratégica internacional atual existe um conjunto de quatro grandes desafios, agrupados da seguinte forma: os que, utilizando ou que potencialmente podem fazê-lo, usam a coação militar e colocam em causa a Paz e a Estabilidade Internacional; o fator nuclear e a banalização do discurso estratégico sobre o mesmo; o desafio das alterações climáticas, associado à transição energética, às novas tecnologias, em particular a IA, sem regulação internacional ou aceitação de protocolos de segurança, a par da procura do normal funcionamento das cadeias de fornecimento, quer de micro processadores quer das “terras raras”; por último, as migrações desordenadas, que introduzem tensões entre os direitos humanos, o acesso à dignidade humana e o dinamismo dos populismos que, no seu conjunto, podem afetar a estabilidade política e social do Estado.

Na atual conjuntura surge como primeira evidência dessa instabilidade a guerra Rússia/Ucrânia, seguida da atual situação na margem Sul do Mediterrâneo, envolvendo Israel, o Líbano, o Irão, o Iraque, a Síria e o Yémen, em processo precário de estabilização, mas também a Turquia com o seu diferendo Curdo no norte da Síria, sem esquecer a situação em Gaza e na Cisjordânia, o futuro dos Palestinianos e a consolidação da fórmula dos dois Estados; igualmente, a potencial instabilidade na região Indo-Pacífico, a afirmação regional e global da China, as reivindicações territoriais nos mares do Sul da China e a questão sempre presente de Taiwan; por último, a permanente tensão na península Coreana, com a presença do fator nuclear.

No caso do fator nuclear, temos assistido, mesmo por parte de membros do Conselho de Segurança da Nações Unidas, a uma banalização do discurso sobre a posse e eventual emprego operacional das Armas Nucleares, designadamente as de nível tático, o arrastar da Renegociação do Tratado NEW START, que visa a redução destes sistemas de armas e dos seus lançadores o que, a par do discurso irresponsável referido, pode levar à corrida a estes armamentos, ao possível aumento de “atores nucleares”, em que as primeiras “vítimas” serão o Tratado de Não Proliferação Nuclear e a Segurança Internacional.

A Conjuntura Internacional tem demonstrado, infelizmente, uma certa apatia ou incoerência na defesa, que deveria ser intransigente, quer do Direito Internacional quer do Direito Internacional Humanitário, incluindo o respeito pela Carta das Nações Unidas, a par da incapacidade de fazer cumprir os Mandatos emitidos pelo Tribunal Penal Internacional. Neste ambiente estratégico, com um misto de surpresa e desconforto, somos levados a recordar as palavras do Professor Adriano Moreira, quando, confrontados com “anomalias” de carácter político e estratégico, igualmente num ambiente de incerteza, referia que “a Ordem Internacional que conhecíamos já não existe e que a Nova Ordem ainda não se configurou”. A realidade da Conjuntura Estratégica atual coloca-nos perante a mesma interrogação.

A essa interrogação soma-se a perceção do desaparecimento de “um mundo unipolar e de uma única Potência reconhecida, ou que por vontade própria não queira ser vista como determinante” no contexto internacional. Estamos a aceitar a configuração de um mundo multipolar e a antever, de forma algo perversa, a definição e consequente aceitação de esferas de influência, onde se assumem Polos de Poder com capacidade para fazer a afirmação de estratégias nacionais de forma autónoma, alicerçadas no seu poder económico, militar, incluindo o fator nuclear, na extensão territorial, na dimensão da sua população, na posse de recursos estratégicos críticos, mais uma vez as “terras raras”, no domínio e posse de novas tecnologias, a IA e os micro processadores, na inovação, na exploração espacial e também na atração ideológica.

Desta realidade temos vindo a assistir a arranjos geopolíticos a nível global, que serão determinantes na definição de um novo relacionamento entre atores no quadro estratégico que venha a configurar uma Nova Ordem Internacional. De um lado, os EUA, apoiados por um Ocidente Alargado onde estão naturalmente incluídos, o G-7, a OTAN, a Europa e a UE, o Japão, a Nova Zelândia, a Austrália e a Coreia do Sul; do outro, a Rússia, a China e a Índia, que mobilizam o Sul Global, onde se inclui o Irão e a Coreia do Norte e o Médio Oriente, embora aqui exista uma divisão quanto ao posicionamento político e estratégico de Israel, que alinha pelo Ocidente Alargado e também de alguns países árabes, designadamente do Egipto, da Jordânia e da Arábia Saudita que tem ligações importantes com o Ocidente.

Uma palavra relativamente à UE, que surge neste contexto como um ator estrategicamente incompleto, com uma relação de dependência dos EUA para as questões de segurança, com um discurso dúbio de cariz económico na relação com a administração americana, com posições pouco firmes relativamente aos grandes acontecimentos internacionais, como sejam a Rússia e o Médio Oriente, a par da continuada incapacidade para dar passos no sentido daquilo que, repetidamente, afirma procurar – a sua autonomia estratégica.

A importância da OTAN continua a manifestar-se, porque é uma Aliança de sucesso, materializa as relações de segurança transatlânticas, EUA e Canadá, que os europeus se devem esforçar por preservar, onde o pilar europeu pode fazer uma efetiva afirmação de capacidades, quer por pertencer à estru-
tura militar integrada, o que não acontece na UE, quer porque a aprovação do investimento em defesa, 3,5% mais 1,5% do PIB, dão corpo ao conceito de dissuasão credível, onde reside a Paz e a estabilidade internacional.

Este aspeto em termos europeus é extremamente importante, pelo que representa na afirmação de uma postura estratégica de dissuasão na Europa, numa altura em que a atual administração americana parece proceder a uma retração estratégica no conflito Ucrânia/Rússia e também no Médio Oriente para se dedicar àquilo que considera ser a sua principal área de interesse estratégico, a China e o Indo-Pacífico e numa altura em que paira uma perceção de um certo enfraquecimento da força jurídica do Art.º 5.º, por parte dos EUA.

No Sul Global, os três países mencionados não só funcionam como seu dinamizador, integram e lideram duas organizações importantes, a Organização de Cooperação de Xangai e os BRICS. Todos contestam a liderança inter-
nacional dos EUA e a Ordem Internacional que conhecemos e, juntamente com o Sul Global têm queixas relativamente ao Ocidente Alargado, seja quanto aos programas de cooperação tidos como injustos seja o que consideram ser um deficiente e desigual tratamento humanitário dos refugiados provenientes destas regiões do globo.

São igualmente razões de queixa e crítica a definição de políticas inadequadas e gravosas, relativamente ao combate às alterações climáticas e transição energética, decorrentes do não reconhecimento do seu atraso no desenvolvimento económico e, ainda, alguns antigos traumas coloniais que permanecem.

Uma palavra relativa à Índia, que embora tenha uma ligação estratégica à Rússia, por razões de obtenção de energia a preços vantajosos e de acesso à tecnologia militar e que procura uma relação não conflitual com a China nas questões fronteiriças, tem procurado fazer aproximações à Europa e aos EUA para beneficiar de acordos económicos e comerciais, que considera vantajosos. Relativamente aos EUA, a política de Trump, relativamente ao estabelecimento de Tarifas e a forma como foi conduzido o cessar fogo, entre a Índia e o Paquistão, causou algum afastamento político e uma maior aproximação à China.

As Nações Unidas atravessam um período delicado, fruto da sua dimensão organizacional considerada excessiva. Está confrontada com uma crise de financiamento dos principais contribuintes e, fundamentalmente, está bloqueada, pela utilização, à vez e de forma sucessiva, do direito de veto por cada um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, porque todos eles de forma individual estão envolvidos diretamente nos “Hot Spots”, anteriormente referidos. Paralelamente, tem sofrido por Parte do G-7 e de Trump uma competição, com iniciativas relativas à Ucrânia e ao Médio Oriente que a desvalorizam e subalternizam.

Perante os arranjos geopolíticos a nível mundial que foram apontados, podemos antecipar um Sistema Internacional com tendência multipolar, com três ou eventualmente quatro Polos de Poder, afirmando-se, fruto dos fatores de poder que foram atrás enunciados, através de um funcionamento que será a resultante da dinâmica desses fatores, designadamente do político, do militar e do económico, no seu relacionamento com os demais atores da cena internacional e no seio das Organizações Internacionais onde intervêm, em termos políticos e estratégicos.

A Ciência Política e a Teoria Geral da Estratégia ensinam-nos que o funcionamento e a estabilidade dos Sistemas Internacionais Multipolares estão diretamente ligados à natureza e postura estratégica dos diversos Polos de Poder e, igualmente, à disponibilidade política e estratégica que estão dispostos a assumir no relacionamento mútuo com os outros poderes, nesse contexto internacional mais complexo.

Se os Polos de Poder desenvolverem uma postura estratégica de flexibilidade e de cooperação, o Sistema evidenciará ordem e estabilidade, com relações internacionais harmónicas entre os atores, seguindo regras e princípios aceites como comuns e as suas ações tornar-se-ão previsíveis, abrindo espaço para a Diplomacia e para a Cooperação.

De outra forma, se os Polos de Poder adotarem uma atitude estratégica mais rígida, as relações tornar-se-ão mais crispadas, passará a existir menor previsibilidade das reações dos atores intervenientes, a Competição toma o lugar da Cooperação, diminui a capacidade da Diplomacia, a subida da tensão internacional é possível e o Sistema torna-se instável.

Por fim, se os Polos de Poder assumirem no seu relacionamento atitudes radicais e antagónicas, o Sistema torna-se rígido e conflitual, as relações internacionais e as reações entre os atores passam a ser imprevisíveis, tende-se para o isolacionismo, não há espaço para o desenvolvimento da Diplomacia
e da Cooperação, diminuem os canais de comunicação e as crises, a conflitualidade e a guerra são potenciais.

No futuro próximo, a desejada resolução dos conflitos da Ucrânia/Rússia e no Médio Oriente, havendo dúvidas legítimas quanto aquele que é mais complexo, relativamente à sua solução, mas serão os Acordos que vierem a ser estabelecidos que irão dar indicações claras, quer quanto à definição de uma arquitetura de segurança naquelas regiões, designadamente na Europa, mas também no Indo-Pacífico, quer relativamente à qualidade estratégica do relacionamento entre os principais polos de poder e à definição do tipo e natureza do futuro Sistema Internacional, com o qual seremos confrontados, assim como as características estratégicas e políticas da nova Ordem Internacional em que iremos viver.

A Conjuntura Estratégica atual é marcada por aquilo que alguns estudiosos da Estratégia designam por um “Dilema da Incerteza e dos Riscos Associados”, precário e perigoso utilizado como denominador comum do desenvolvimento das relações entre os atores da cena internacional. O Presidente Trump, entre a aplicação de Tarifas punitivas e a ameaça de anexações de territórios ou Países, caso do Canadá, é o principal responsável por essa perceção.

Parece ser o momento de voltar a reler Kissinger e Brzezinski, sobre as suas visões do mundo e da relação entre os grandes poderes, quando referiam que, perante as situações de tensão na Ordem Internacional, o primeiro punha a tónica na Ordem e o segundo na Justiça, mas que a procura de um ajustamento pragmático e aceitável entre ambas era a única hipótese de um possível entendimento entre as partes. Este é um aspeto extremamente impor-
tante que os europeus devem reter, porque, relativamente à atual situação na Ucrânia, já no passado, ambos, que conheceram Putin, concordavam que, ”do futuro da Ucrânia, reside a guerra ou a paz” e esta era uma afirmação que não se limitava ao ambiente estratégico regional. Igualmente, não pode ser descurado o “dilema de segurança” em que esta não pode ser obtida para um ator à custa da segurança do outro, situação que é sempre inaceitável em termos estratégicos.

Perante este sentimento de incerteza, numa conjuntura estratégica em mutação acelerada, os desafios do ambiente, de transição energética, do impacto das novas tecnologias, designadamente a IA, sem mecanismos de controlo e garantia da sua aplicação sob controlo humano, a necessidade do controlo e resolução das pandemias futuras, de combater a fome e a exclusão, de garantir um Desenvolvimento sustentado, e de assegurar a Paz e a estabilidade internacional, as elites políticas, estratégicas e intelectuais, a Sociedade Internacional e as suas organizações, ou fazem um esforço de lucidez, de tolerância e de criarem espaço para a Diplomacia e para a Cooperação ou corremos o risco de não subsistir.

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* Presidente da Direção da Revista Militar.

 

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Resumo do Acervo Articular da Revista

 

1. IN MEMORIAM - Major-general Manuel Alberto Simões Rios

   Coronel António de Oliveira Pena

 

2. Desafios à Condição Militar

    Cor Carlos Manuel Gervásio Branco

O militar tem sido tradicionalmente reconhecido, entre outras características, como uma pessoa frugal, honesta, leal e responsável que pontua a vida por uma ética própria, que sobrepõe o interesse colectivo ao individual e que assume como valores superiores a Nação e a defesa da Pátria. [...]

   

3. Brigadeiro Paraquedista Armindo Martins Videira, primeiro comandante das Tropas Paraquedistas Portuguesas

   Tenente-coronel Miguel Silva Machado

Armindo Martins Videira (19 de Setembro de 1922 – 9 de Agosto de 1992) foi o primeiro militar português a especializar-se em paraquedismo, em França no ano de 1951. [...]

     

4. Cinco batalhas que definiram a Identidade de Portugal!

   Tenente-coronel Abilio Lousada

Portugal, o mais antigo Estado-Nação da Europa e com uma História quase milenar, é um país talhado à espada ou, como referiu Mouzinho de Albuquerque, «obra de soldados» [...]

 

5. Crónicas

Minimum standards and Guiding principles for a Special Group Rules of Procedure of the Special Group on the Implementation of Security Action for Europe running from 2025 to 2030 [...]

 

6. Crónicas Bibliográficas - G3 – A Grande Arma Nacional

   Coronel Tir Lúcio Agostinho Barreiros dos Santos

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