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2675 - Dezembro de 2024

Editorial

No final deste ciclo anual de publicação da Revista Militar é habitual anunciar o programa de trabalho para o novo ano e, conforme foi anunciado e referendado na última Assembleia-geral, desta vez centrar-se-á na publicação dos doze números habituais, na realização dos Encontros da Revista Militar, com Tema ainda a definir e que poderá resultar de um “Workshop” a realizar sobre a evolução da Conjuntura Estratégica Internacional, que permita contextualizar os grandes desafios da atualidade e as suas implicações para Portugal, designadamente no domínio da segurança e da defesa e as correspondentes implicações para a estratégia militar nacional e para as Forças Armadas.

Relativamente ao futuro próximo, estamos perante uma realidade incontornável da evolução dessa conjuntura internacional, decorrente da eleição do novo presidente dos EUA, Donald Trump, cuja eleição será confirmada em 6 de Janeiro e a sua tomada de posse a 20 do mesmo mês. Para além das declarações que lhe temos ouvido e das que são atribuídas à sua equipa, o seu discurso de posse irá vincar o seu empenho no MAGA (Make America Great Again), o primado do interesse americano em primeiro lugar e sobre tudo o resto, mas poderá também dar indicações quanto ao futuro da guerra na Ucrânia e no Médio Oriente, assim como sobre o seu relacionamento com a China e com a Europa, em particular com a OTAN. Temos de aguardar para ver, mas os meses de janeiro e fevereiro perspetivam-se como desafiantes.

Inesperadas e controversas são já as afirmações de Trump relativamente ao Canadá e ao México, salientando que o primeiro vive “protegido pelos EUA”, tem
um desequilíbrio a seu favor de transações comerciais inaceitáveis e que é necessário uma “anexação” do mesmo por uma coação económica, uma verdadeira integração/fusão neste domínio; quanto ao México, será seguido um processo idêntico, uma vez que “é um lugar perigoso, que alberga milhões de pessoas que procuram entrar ilegalmente nos EUA e é governado por cartéis da droga”, igualmente salienta a sua intenção de alterar o nome de Golfo do México para Golfo da América – “What a beautiful name and it is appropriate”, afirmações suas.

Mas as declarações surpreendentes e igualmente desestabilizadoras da coesão transatlântica, englobam a referência à necessidade de controlar o Canal do Panamá, construído pelos EUA há cem anos, com uma importância fundamental para a segurança nacional americana que não pode estar sujeita a uma nacionalização que aceite “um controlo estrangeiro, que pode fazer concessões a outros países considerados hostis”. Relativamente à Gronelândia, região autónoma da Dinamarca, que tem manifestado desejos de independência, já tinha sido objeto do interesse de Trump em 2018, quando apontou o seu desejo de a querer comprar, mas que agora volta a salientar a sua importância estratégica para a segurança dos EUA e para o controlo do Ártico, não ignorando também os recursos minerais que o degelo tem revelado, em particular hidrocarbonetos e terras raras, apostando igualmente numa pressão económica sobre a Dinamarca ao mais alto nível, não descartando, se necessário “o uso da força”. Estas declarações numa das últimas entrevistas de Trump, também transcritas no jornal Financial Times, serviram para acrescentar, também, que “compreendia as motivações de Putin, relativamente à Ucrânia”.

A Europa tem de ter presente, quer a OTAN quer a UE, que para Trump o primeiro interesse é o dos EUA, a sua principal preocupação é o Indo Pacífico, em particular a China; não se conhece em que lugar estarão as questões europeias mas, nesta linha, entende-se que queira terminar aquilo que, para si, constitui “uma distração estratégica”, que é a guerra na Ucrânia e, por outro lado, a sua disponibilidade para dar carta branca a Netanyahu para resolver a questão do Médio Oriente, do Hamas e dos Palestinos, eventualmente também sobre o Irão, afastando-se igualmente, cada vez mais, da solução dos dois Estados na Palestina.

Relativamente à Europa, é conhecida a sua intenção de exigir aos europeus da Aliança, que aumentem os gastos com a Defesa para 5% do PIB, a par do aumento de compras de petróleo e de gás liquefeito americano, por parte da UE.

Para o reforço do crescimento económico americano, Trump conta com três instrumentos que, repetidamente, tem referido: a fileira da Indústria do Armamento
e as expetativas da procura europeia, do Japão, da Coreia do Sul, da Austrália e, também, de Taiwan; a fileira da venda de energia, gás e petróleo, designadamente aos países europeus; e, ainda, uma política agressiva do ponto de vista fiscal (tarifas extraordinárias, protegendo a economia americana) e do mercado financeiro e bancário.

Contudo, o que mais preocupa a Europa, designadamente os líderes que a querem conduzir, a França, a Alemanha, o Reino Unido e mais recentemente a Polónia, por um lado, e a UE e a OTAN, por outro, centra-se naquilo que poderá ser a solução de Trump para terminar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, e o futuro da Aliança. Quanto a este último, não restam dúvidas que passa pela demonstração inequívoca de que a componente europeia da Aliança vai investir mais na Defesa (eventualmente, qualquer coisa entre 3 e 5%, do PIB, decisão a concretizar um junho de 2025 na Cimeira de Haia) e a afirmação do compromisso e da disponibilidade, para assumir maiores responsabilidades no domínio da segurança e defesa no continente europeu, designadamente no futuro próximo e antes da estabilização de um acordo sobre o conflito, decorrente, quer de uma redução drástica do apoio militar americano à Ucrânia quer da presença de forças militares terrestres dos EUA, no teatro europeu.

Quanto à questão da Ucrânia, a primeira preocupação é a de que a “solução Trump” seja tratada apenas pelos EUA e pela Rússia, acordada entre ambos, partindo de pressupostos que têm vindo a ser divulgados – a Ucrânia tem de estar preparada para cedências territoriais e para não aderir à OTAN, pelo menos nas próximas décadas, que a situação da Crimeia está fora desta discussão territorial – aspetos para os quais Zelensky se tem oposto. Será que a Ucrânia e a Europa estão preparados e dispõem de condições para contrariar um modelo desta natureza? Será possível concretizar um “cessar fogo/congelamento do conflito”, como no passado e conforme outros exemplos internacionais, quando Merkel e Holland desacreditaram os Acordos de Minsk e introduziram a desconfiança na Rússia? Como criar uma zona desmilitarizada e garantida por forças internacionais, aceites pelas duas partes, legitimada pelo CS/ONU, quando do lado europeu os países que detêm as Forças Militares que poderiam conduzir essa missão, integram o grupo de Ramstein em claro apoio à Ucrânia? Também o Plano de Paz de Zelensky, a par do seu mais recente “Plano para a Vitória”, dificilmente poderão ser um instrumento realista, perante a posição americana de reduzida adesão aquando da sua apresentação, quer perante a oposição Russa relativamente aos mesmos.

Seria desejável que o potencial acordo entre as partes, certamente estabelecido entre os EUA e a Rússia pudesse, para além de uma conciliação de posições,
tendo em conta a realidade territorial no teatro de Operações, dar corpo e consolidar uma arquitetura de segurança no continente europeu. Uma arquitetura de
segurança em que houvesse na sua formulação uma participação das Instituições Europeias e da Ucrânia que, na base da previsibilidade de comportamentos estratégicos e da aceitação de reais medidas de confiança e também de segurança, favorecesse o abrandamento da tensão internacional, atenuasse o “dilema de segurança” OTAN/Rússia e definisse as regras e os limites das relações internacionais do relacionamento europeu, com a Federação Russa, garantindo também a prevalência da Ucrânia como país independente e viável, do ponto de vista político, económico e militar, o seu futuro relativamente às instituições europeias (OTAN e UE), clarificando as questões ainda associadas à sua eventual “neutralidade ou desmilitarização” e o início da sua reconstrução pós conflito.

A realidade do discurso internacional mostra-nos que está criada uma perceção, de que um futuro acordo não corresponderá às expectativas ucranianas de uma “paz justa”, que siga escrupulosamente as regras e princípios do Direito Internacional, no que toca à inviolabilidade das fronteiras e à integridade territorial de um país soberano. Tendo em conta a atitude transacional que se tem vindo a atribuir a Trump, podemos, perversamente, vir eventualmente a ser confrontados com um acordo que seja instrumental, em termos da política externa americana e sirva, também, para procurar atenuar a relação estratégica da Rússia com a China e, em particular com o Irão, fruto de um apaziguamento das relações EUA/Rússia, envolvendo um abrandamento ou o fim das sanções aplicadas, incluindo o descongelamento dos fundos financeiros russos, nos bancos europeus e americanos. Esta última possibilidade é extremamente sensível, não só para o relacionamento da UE, com os EUA, designadamente se tivermos em conta que esta estabeleceu quinze pacotes diversificados de sanções, quer ainda porque parte da ajuda financeira europeia à Ucrânia é garantida pela cativação dos juros desses montantes financeiros russos congelados.

O arrastar de um processo negocial, contudo, permitirá a continuação do conflito, eventualmente estimulando uma escalada do lado russo, na sequência da realidade operacional atual, o que coloca a Ucrânia numa situação decisória dilemática, entre aceitar uma “má paz”, mas com a paragem do conflito, ou a continuação de uma guerra ruinosa, em baixas e destruição, impeditiva da reconstrução do país.

Uma outra perceção que está instalada na Europa, particularmente nos membros europeus da Aliança, é de que vai ser necessário gastar mais com os orçamentos de defesa, esperando-se já que a Cimeira da OTAN, que vai ter lugar em junho de 2025, em Haia, situe o nível de despesa em 3% do PIB. No caso nacional, o PIB de 2023 atingiu 266 Mil Milhões de Euros, o que significa que, mesmo não considerando o crescimento verificado no ano findo, o critério de despesa indicado aponte para um Orçamento da Defesa de 7,98 Mil Milhões; para que tenhamos uma noção do que acontece no país, importa referir que o Orçamento da Defesa em 2024 foi de 2,9 Mil Milhões – temos, portanto, que ponderar como percorrer este caminho e que opções políticas e estratégicas temos de assumir.

Antes de se começar a debater este assunto, de forma pouco sustentada e numa perspetiva demagógica de opções políticas restritivas, entre ”canhões ou manteiga” e que a viabilidade deste investimento vai pôr em causa o estado social e o desenvolvimento, deveríamos refletir sim e desde já, onde poderemos ter ganhos de eficiência ao nível do Estado e da sua máquina administrativa, de todo o aparelho da Administração Pública, eliminando duplicações e “gorduras”, para não falar em situações de benefícios, apoios, assimetrias de tratamento financeiro e compensações desajustadas e injustificadas e, ainda, apostar no domínio da defesa, avaliando e escolhendo a participação em projetos cooperativos de reequipamento, que possam envolver e Industria Nacional.

As Forças Armadas em geral e o Exército em particular, necessitam de investimento em novos sistemas de armas, distintivos para cada um deles, tendo em conta o meio onde atuam e a especificidade das suas missões, mas a prioridade atual situa-se na obtenção e retenção de Recursos Humanos, pois sem eles não haverá novas capacidades para responder aos desafios operacionais do futuro e, mesmo hoje, corre-se o risco de afetar o cumprimento, com eficiência e eficácia, das missões constitucionais atribuídas.

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* Presidente da Direção da Revista Militar.

 

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Resumo do Acervo Articular da Revista

 

1. Comunicado aos Sócios

    Exmos. Sócios da Revista Militar,

   Esta Direção, no contexto do Plano de Atividades para 2024, pretendeu levar a efeito um conjunto de iniciativas que procuravam homenagear os “500 Anos do Nascimento de Luís Vaz de Camões”, conjugando uma edição especial comemorativa da n/Revista Militar, e a sua apresentação em sessão solene, que esteve agendada para decorrer na Sociedade de Geografia de Lisboa (Sala Portugal), no pretérito dia 10 de dezembro de 2024 e que, como é sabido, não se realizou. [...]

 

2. General Carlos de Barros Soares Branco (1886/1963)

    Coronel António de Oliveira Pena

 A biografia do general (tenente-general), oriundo da Arma de Engenharia, Carlos de Barros Soares Branco (1886/1963), agora publicada pela Revista Militar, fez-se tendo em consideração que a História Não Dorme, principal conceito para procurar que se alargue o conhecimento da vida profissional deste General. [...]

 

3. Os Engenheiros Militares e a demografia na Ilha de São Miguel na transição do Séc. XVIII para o XIX (Parte II)

    Coronel José Manuel Salgado Martins

O jornal Investigador Português em Inglaterra ou Jornal Literário, vol. XVIII, p 141 a 149, março de 1817 (BPARPD) publicita uma carta de Francisco Borges da Silva de 8 de janeiro de 1817, pela qual este informava que iria imprimir em Londres um seu trabalho intitulado Statistica das Ilhas de São Miguel, e Santa Maria. [...]

   

4. Desafios e oportunidades para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa nos próximos 25 anos

    Coronel Laércio Eduardo de Araujo

A ideia da criação de uma comunidade de países que compartilham a língua portuguesa, unida pela herança histórica, idioma comum e visão de desenvolvimento e democracia, foi um sonho acalentado na segunda metade do século XX. [...]

     

5. Prémio “Revista Militar” 2022 e 2023

  A Revista Militar, cumprindo o Regulamento para atribuição dos Prémios em epígrafe, nomeou um Júri, que contou com a colaboração de delegados designados pelos três Ramos das Forças Armadas e do Comando-geral da Guarda Nacional Republicana, para apreciação dos trabalhos publicados durante os anos de 2022 e 2023. [...]

 

6. Crónicas Bibliográficas

    a) Um grande Militar Português: General Bethencourt Rodrigues (1918-2011)

        Major-general João Vieira Borges

        Tenente-coronel João José Brandão Ferreira

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by COM Armando Dias Correia