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2652 - Janeiro de 2023

Editorial

Em 24 de fevereiro de 2022, a Conjuntura Estratégica Internacional passou a estar marcada pelo conflito aberto entre a Rússia e a Ucrânia, tornando aquilo que se considerava improvável – uma guerra entre Estados – uma realidade chocante, em pleno século XXI e no cento da Europa desenvolvida. Em termos estratégicos, não é mais possível esquecer ou subalternizar na Defesa Nacional a sua componente militar, materializada na existência de Forças Armadas.

Na atual Conjuntura Estratégica, mesmo nas sociedades ditas modernas, a existência de forças armadas continua a ser a expressão visível do espírito e da vontade de defesa nacional. Para um País como Portugal, com fracas potencialidades estratégicas e capacidade de coação, no quadro das Estratégias Gerais Económica e Militar, é indispensável que disponha de umas Forças Armadas credíveis, modernas, atrativas a todos os extratos da sociedade nacional, coesas, equilibradas, com elevado grau de prontidão operacional e adequadas à dimensão estratégica do País.

O presente conflito tornou claro que a orientação estratégica da preparação militar e dos meios atribuídos aos Sistemas de Forças, centrados durante cerca de trinta anos, nas Operações de Paz e, na última década, na conflitualidade inerente ao combate ao terrorismo e à contra-insurreição, degradou a capacidade de Comando aos níveis Operacional e Tático, relegou para uma pretensa dispensabilidade, meios pesados e artilharia e correspondentes reservas de guerra, criando grandes dificuldades para combater uma guerra de média ou alta intensidade, designadamente um conflito aberto, como estamos a assistir no Teatro de Operações da Ucrânia.

Esta conflitualidade mais exigente, que tem envolvido os três Ramos das Forças Armadas e, no caso do Exército, atribuído acrescidas responsabilidades operacionais aos escalões táticos, trazendo para o combate meios, por alguns considerados dispensáveis – os Carros de Combate, a Artilharia, com as sua missões táticas de apoio direto (A/D), reforço de fogos (R/F) e ação conjunta (A/C) e a Defesa Antiaérea (AAA), com os seus vetores tradicionais, canhões e mísseis que, pelo menos, cubram a Baixa e a Média Altitude – mas também as Novas Tecnologias de Informação, a Internet of Things (IOT), o Global Positioning Sistem (GPS), os Data-Links, com data e imagem em tempo real, a robotização, a IA e a utilização do Espaço.

Também a necessidade de recompletamento de efetivos, seja por necessidade de ampliação do Sistema de Forças seja pela dimensão das baixas, obriga a repensar as políticas públicas de prestação de serviço militar, a preparação militar adequada e oportuna dos contingentes e ainda otimização dos sistemas de mobilização. No âmbito do Pessoal, estamos também confrontados com novas realidades – as Companhias Militares Privadas e as “Brigadas/Legiões Internacionais”, diretamente envolvidas em operações militares, em parceria com as Unidades Regulares dos Exércitos.

Essa nova realidade estratégica está patente na evidência do nível de destruição e dos números de baixas, só vistas nas I e II Guerras Mundiais, pelos gastos de munições de artilharia, a exigir volumes logísticos de centenas de milhares de projéteis, pelo emprego distintivo das diversas Armas no campo de batalha e por quatro fatores estratégicos, de importância acrescida – a utilização do espaço aéreo, por Unmanned Aerial Vehicle (UAV) e pela Informação proveniente de satélites diversificados, indispensáveis ao C4 Warfare; a importância da utilização do Ciberespaço e a Estratégia Comunicacional; o emprego massivo da Artilharia nos seus múltiplos vectores (projéteis normais, assistidos, inteligentes, de longo alcance, Drones e Mísseis) e, por último mas não menos importante, as capacidades “anti” – AAA, anticarro (A/CAR) e Anti-Satélites de Baixa Órbita.

São questões que não podem ser ignoradas nos recursos a atribuir às Forças Armadas, com vista à constituição do Sistema de Forças Nacional, que deve responder aos desafios da Conjuntura Internacional que vivemos e que venha a configurar uma Nova Ordem Internacional, certamente mais crispada do que a que se verificava até fevereiro de 2022, por uma reconstituição de Blocos antagónicos, marcada por uma desconfiança relativamente à Rússia, mais exigente do ponto de vista da defesa militar, quer nos orçamentos, nos níveis de pessoal e na prontidão operacional dos meios, quer ainda na dimensão das reservas de guerra.

Tendo em conta a importância dos quatro fatores estratégicos anteriormente referidos e que constituem lições aprendidas, consequência das características da conflitualidade e meios de resposta verificados no Teatro de Operações da Ucrânia, não pode ser ignorado o impulso estratégico que as novas tecnologias conferem aos países de dimensão média, na ampliação do seu potencial militar.

Para um país com a dimensão estratégica de Portugal, que subordina a sua Estratégia Operacional aos sistemas de armas que consegue obter, operar e sustentar, será sempre com a qualidade e competência revelada pelos seus recursos humanos, pelas suas lideranças nos diversos escalões de comando e pela otimização dos recursos tornados disponíveis, que poderá fazer a sua afirmação distintiva, inclusive em “nichos” de competências, junto de aliados e amigos. Na nossa História Militar, tem sido sempre assim.

Essa postura implica rever a atual mecanização e blindagem das unidades de manobra, o apoio de fogos, de combate e a logística de campanha, um recrutamento mais exigente, treino adequado a esse novo ambiente operacional e o investimento na inovação e modernização dos sistemas de armas, reservas de guerra e com a recuperação da missão dos escalões táticos, a nível divisionário e brigada. Em termos políticos e em matéria de gastos com
a Defesa, esta visão credibiliza a decisão da OTAN, de efetivar pelos países membros, o investimento de 2% do PIB, para os Orçamentos e a aplicação de 20% dessa verba em inovação, modernização e eliminação de lacunas operacionais relevantes. A aposta vai também para as novas tecnologias de informação e capacidade de atuação no ciberespaço, passando a Força Aérea a ser considerada “air and space” e a Marinha a aumentar o número de navios de superfície e a sua capacidade oceânica.

O reconhecimento da utilização e impacto operacional daquelas novas tecnologias deram origem a uma “Nova Tríade de Capacidades”, equilibradora de potenciais militares, tidas como superiores, constituída por: veículos não tripulados (Drones de vigilância e com capacidade ofensiva, mísseis e artilharia de longo alcance); capacidade ofensiva e defensiva, no ciberespaço (cyberstrikes); Forças Especiais, altamente qualificadas e especializadas, dotadas de grande poder de fogo, acesso a informações em tempo real, meios de comando e controlo, que associem uma grande mobilidade que permita a dispersão e a concentração (meios de deslocação terrestres e aéreos – Helicópteros, que permitam o swarming) e que lhes confira a capacidade de atuarem de forma mais rápida, alcançarem objetivos mais longe e serem mais letais. Estas são realidades políticas, militares – operacionais e técnicas – que terão necessariamente de estar previstas na definição e financiamento da concretização dos Sistemas de Forças Nacionais, designadamente quanto às exigências da Dissuasão, da efetiva evidência de reais capacidades militares e de uma real capacidade de resposta à nova Conflitualidade e às ameaças que se configuram na atual Conjuntura Estratégica.

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* Presidente da Direção da Revista Militar.

 

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Resumo do Acervo Articular da Revista

 

1. Em democracia, os exércitos só devem ocupar-se da defesa militar

   Capitão de mar-e-guerra Jorge Silva Paulo

A presença de militares na segurança interna em Portugal é uma constante desde a Guarda Real de Polícia, criada em 1801. Esta presença manteve-se em sucessivos regimes e devia ter acabado em 1982 com a 1ª Revisão Constitucional. Mas não: sobreviveu com a Armada ainda a dominar a Autoridade Marítima; só na década de 1990 a PSP deixou de ser militarizada; e ainda são oficiais do Exército que comandam a GNR. (...)

 

2. Casa Ducal de Bragança – Memorial Histórico
   Tenente-coronel Abílio Pires Lousada

Formalmente constituído em 1442, o Ducado de Bragança encontra raízes numa época em que o rei D. João I e o condestável D. Nuno Álvares Pereira sustentaram a independência portuguesa face a Castela, após vitória na batalha de Aljubarrota, travada em 14 de agosto de 1385. (...)

 

3. A Zona Desmilitarizada entre Vietnames (1966-1972)
   Doutor Orlando J. B. Almeida Pereira

Em 1620, o norte e o sul do Vietname iniciaram uma separação de 150 anos. No sul, os Nguyen, apoiados pelos portugueses, construíram duas enormes muralhas perto da parte central do Vietname. Os Trinh, apoiados pelos holandeses, nunca conseguiram atravessar ambas as muralhas. (...)

 

4. Os Hunos, uma vez mais: A morfologia do Império Romano e alguns apontamentos sobre o contexto de surgimento dos Hunos 
   Prof. Doutor Henrique Modanez de Sant’Anna

Em seu poema sobre os Hunos, o poeta russo Briusov (1873-1924) mescla um interesse confesso em questões apocalípticas com um estereótipo há muito consolidado no pensamento moderno, não apenas do lado ocidental: a chegada catastrófica, violenta e barbárica dos Hunos à Europa. (...)

 

5. Crónicas Bibliográficas

a) Timor Testemunhos de Quatro Anos de Presença de Forças Nacionais Destacadas Lusas em Terras do Sol Nascente, 2000-2004

 

                 Major-general Adelino de Matos Coelho
 

b) Uniformes do Exército Português 1862-1884

                 Major-general João Vieira Borges

 

c) Ultramar Colonial. O modo português de Fazer a Guerra (1961-1974)

                 Major-general Adelino de Matos Coelho

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