Ao longo da história o Continente Africano foi assolado, quase que em permanência, por conflitos externos e internos. Se analisarmos as últimas quatro décadas, verificamos que cerca de 20 países africanos passaram, pelo menos uma vez, por um período de Guerra Civil1. Segundo os relatórios mensais da Organização Não Governamental (ONG) - International Crisis Group, cerca de 20% da população africana a sul do Sahara vive subjugada a conflitos (ainda que de baixa intensidade) que tendem a alastrar-se aos países vizinhos.
Os efeitos regionais deste tipo de conflitos podem manifestar-se internamente (influência/intervenção) ou externamente (difusão, contaminação), estando relacionados com a disseminação de armamento, deslocação económica (economia paralela), terrorismo, fluxos migratórios e desestabilização da política regional. Neste último caso, verificamos que a vida interna dos países vizinhos se vê afectada por mecanismos directamente associados ao clientelismo, ao mercado negro e a redes criminosas.
Por outro lado, constata-se que estes conflitos tendem a surgir com mais frequência em Estados cujos modelos de construção estatal, geralmente importados de um processo colonizador, fracassaram2. De acordo com a terminologia de Francis Fukuyama, os Estados “fracos” ou “fracassados”, caracterizados que são por uma fraca capacidade institucional na implementação e imposição de práticas políticas, serão os mais propensos a este tipo de conflito uma vez que a ausência desta capacidade é muitas vezes induzida por uma falta subjacente de legitimação do sistema político como um todo.
Aliado a este fracasso está também o da implantação de modelos económicos de desenvolvimento e de modernização, que, ao não serem bem sucedidos, não conseguem romper com a dependência face aos Estados Centrais do sistema internacional. Importa ainda referir que o processo de globalização, nas suas dimensões sócio-económicas, reforçou a fragilidade geral das funções reguladoras do Estado bem como a sua capacidade de fornecer bens públicos. Este contexto empurrou os Estados pós-coloniais à obrigação de construírem um Estado Moderno, transparente e eficaz num curto período de tempo e de acordo com padrões internacionais que os Estados ocidentais só alcançaram após séculos de construção estatal.
A um outro nível de análise constata-se que também a partilha dos recursos naturais é muitas vezes responsável pelo agravamento de tensões.
Como se referiu anteriormente, existe uma elevada propensão para a ocorrência de Guerras Civis em África, tendo-se atribuído à diversidade étnica e a factores que dela decorrem (tentativas de subjugação entre membros de etnias diferentes, escalada consequente do medo e do ódio) a total responsabilidade pelo facto. Esta ilação é evidente se tivermos em conta que os movimentos rebeldes africanos são por norma definidos em termos étnicos, no entanto, serão eles os únicos responsáveis pelo ambiente belicista que se vive no continente?
A diversidade étnica e religiosa é de facto tida por alguns investigadores como a principal causa para o despoletar de conflitos em África. No entanto, estudos desenvolvidos recentemente vieram comprovar que para além da fragmentação etnolinguística a que muitos países estão sujeitos desde tempos imemoriais, a preponderância de conflitos está igualmente relacionada com altos níveis de pobreza; colapso das instituições políticas e dependência económica dos recursos naturais.
Em Março de 2001, o British Department for International Development (organismo criado em colaboração com o Foreign and Commonwealth Office e o Ministry of Defence) elaborou um relatório onde enuncia as principais causas dos conflitos em África. As causas enunciadas neste relatório coincidem com as que o antigo Secretário-Geral das Nações Unidas Kofi Annan relata num documento apresentado em Setembro de 1997 no Conselho de Segurança daquela organização e intitulado “The Causes of Conflict and the Promotion of Durable Peace and Sustainable Development in Africa”. Neste documento podemos perceber que mais do um fruto oriundo da diversidade étnica, a propensão para este género de conflitos é proveniente do colapso das instituições democráticas, dos elevados níveis de pobreza e da dependência económica dos recursos naturais.
Esta introdução pretendeu sumarizar aquelas que as causas/fontes estruturais (descolonização e regimes pós-independência; pobreza, subdesenvolvimento e economia política; identidade, etnicidade e cidadania) e as fontes próximas (liderança, Estados fracos ou fracassados; recursos naturais; democratização e processos eleitorais) que marcam a especificidade dos conflitos em África3. A argumentação que a seguir se expõe analisará contudo alguns aspectos das fontes próximas, nomeadamente a questão dos Estados Fracassados, a da liderança (ou falta dela) e a que se relaciona com os processos eleitorais.