General José Luiz Pinto Ramalho*
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.
(Canto I, 3)
Na última Assembleia-geral da Revista Militar, por unanimidade, os Sócios expressaram a sua vontade no sentido da Direção encontrar uma forma de participar, mesmo de forma isolada e da sua iniciativa, nas Comemorações dos 500 anos do nascimento do nosso Poeta Maior, Luís Vaz de Camões.
Para isso, foi decidido encontrar uma forma adequada e específica para, revisitando os Lusíadas, centrar a pesquisa, tirando partido da argúcia da visão de Camões, sobre os acontecimentos relatados, da sua atenção e sabedoria para escutar os relatos e as personagens, o que lhe permitiu construir a sua Obra maior, caracterizando a índole, o carácter, o sentimento e o temperamento do homem português.
Realça também a expansão marítima, como grande projeto nacional, a mobilizar a energia de todo um povo e, por extensão, a alma de Portugal, perante diversos acontecimentos políticos e militares da altura, avançando inclusive para o enunciar do destino e dos desígnios nacionais, sempre anunciados e em permanente busca e concretização.
A presente edição da Revista Militar é assim dedicada a Camões e à tentativa de descrever os aspetos militares que o poeta-soldado relatou nos Lusíadas, salientando a sua personalidade como militar, a sua paixão pelo mar, a sua condição de ser soldado como modo de vida, as suas referências à disciplina militar, aceitando, conformado, as fatalidades que lhe foram acontecendo, sobrevivendo, em paralelo, com a compensação que o talento da pena lhe trazia, realidade que traduz de forma inequívoca, aquela sua dupla condição.
Mas Camões também realça o ânimo e a valentia, o esforço coletivo dos combatentes portugueses, a sua dedicação e o seu espírito de sacrifício, a perseverança demonstrada na procura de um desígnio comum, que hoje poderíamos qualificar de resiliência, a par da exaltação do patriotismo, do sentido do dever e a dedicação à Pátria.
É uma avaliação das qualidades dos combatentes portugueses que antecipa aquilo que hoje designamos por condição militar, que é intrínseca aos fundamentos éticos, operacionais e profissionais da Instituição Militar, materializados no comando, na hierarquia, na disciplina, na disponibilidade, na camaradagem, no espírito de coesão, na solidariedade entre todos, no espírito de pertença e, sobretudo, no patriotismo.
Também a sua avaliação dos valores cívicos e culturais, que destaca no comportamento político e militar das grandes figuras que menciona e descreve, torna claro a sua importância no reforço da autonomia política que existia no passado e tão útil hoje, no relacionamento nacional na Europa e Mundo, fazendo também a interpretação contemporânea do fenómeno da guerra e dos vários acontecimentos militares relatados ao longo dos dez Cantos da Obra. Aspetos que esta edição da Revista Militar pretende realçar, nessa perspetiva militar, com as diversas abordagens dos artigos que agora são apresentados.
As descrições detalhadas dos acontecimentos militares descritos nos Lusíadas, a par da sua comparação com outros registos históricos, de outras fontes e de outras visões, permitiu aos autores, com engenho, espírito crítico, a par de uma responsável contenção, dissertar sobre aquilo a que poderemos classificar da ação estratégica militar desenvolvida, nos respetivos períodos históricos e dos consequentes objetivos políticos e militares definidos e passíveis de serem alcançados.
Nesse sentido, a Direção da Revista Militar convidou um conjunto de Personalidades Civis e Militares, que pudessem concretizar esta intenção editorial e olhar para os Lusíadas segundo essa visão militar, algo que até agora parece ter sido pouco concretizada e avaliada.
O nosso agradecimento vai para todos os Autores dos Artigos que constam desta Edição, sendo de salientar a sua pronta disponibilidade e a sua generosidade para aceitar o nosso desafio. Bem Hajam, por esse facto.
Destacamos ainda nesta edição comemorativa a republicação de dois artigos na Revista Militar que interpretam Os Lusíadas e que destacam a vida e obra de Luís de Camões: do General Câmara Pina, em 1979, com a experiência do Poeta-Soldado, desde que saiu de Portugal até ao seu regresso do Oriente; e do General António Barrento, em 1999, narrando as conceções e manobras estratégicas dos portugueses no Oriente do séc. XVI.
É nossa convicção de que esta edição temática se destacará de todas as que têm vindo a ser produzidas no nosso passado editorial, que certamente atingirá um universo de leitores mais amplo que os tradicionais seguidores da Revista Militar e que, mais importante que tudo isso, poderá passar também a ser mais uma referência bibliográfica, para os estudiosos de Camões e dos Lusíadas.
Por último, a Direção da Revista Militar remeteu para a senhora Ministra da Cultura um ofício dando conhecimento desta iniciativa, o qual foi reencaminhado para a Estrutura de Missão responsável pelas Comemorações do V Centenário do nascimento de Luís de Camões, com a finalidade de garantir o apoio institucional para a presente edição da Revista Militar.
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* Presidente da Direção da Revista Militar.
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1. Luis Vaz, um homem de contradições
Mestre Maria João Silvestre
Jorge Dias (1985: p. 56) destaca o paradoxo como um traço identitário do ser português.
Luís Vaz de Camões será um exemplo maior de perfil contraditório e, simultaneamente, também de figura geradora de contradições. [...]
2. Camões e a Instituição Militar
General António Eduardo Queiroz Martins Barrento
Como qualquer português que ame a sua Pátria, ou no mínimo a preze, conheço alguma coisa de Camões, do seu notável poema épico e também da sua poesia lírica. Confesso, porém, não conhecer a sua vida e acção como militar e combatente no norte de África e no Oriente. [...]
3. Camões Soldado (Republicação, Revista Militar N.º 6, junho de 1979, pp. 301-324)
General Luiz Maria da Câmara Pina
Um homem de talento faz tudo o que quer.
Um homem de génio só faz o que pode.
O génio provoca, de certo modo, uma limitação: quase que a genialidade se sobrepõe à personalidade, por assim dizer comandando-a, não a deixando desviar-se, obrigando-a a concentrar-se na sua essência própria e a continuamente manifestar essa essência em actos e palavras. [...]
4. Os Lusíadas, poema de Guerra e de Amor
Prof. Doutor José Augusto Cardoso Bernardes
Na Proposição d’Os Lusíadas indicam-se, como heróis, os “...barões assinalados”, pelo esforço guerreiro ou seja, aqueles que “...foram dilatando / A fé, o Império, e as terras viciosas / de África e de Ásia andaram devastando.” (I, 2) [...]
5. A Guerra em Os Lusíadas
Major-general João Vieira Borges
Os Lusíadas, de Luís de Camões (1524-1580), enquanto obra maior da literatura nacional, está umbilicalmente ligada à epopeia dos Descobrimentos Portugueses e à História de Portugal, desde as origens até ao final do século XVI. [...]
6. Memórias de um esforço
Coronel Carlos Manuel Mendes Dias
O citado de início, de forma intencional, permite às operações do espírito calcorrearem vários trilhos e caminhos aprimorados, quer para um mesmo destino final, quer para diversas estações durante a «linha», de carreiras mais ou menos longas, passando por paisagens diferentes amarradas a espaços objeto de toponímias específicas, [...]
7. N’Os Lusíadas… D. Afonso IV e e Batalha do Salado
Tenente-coronel Abílio Pires Lousada
Luís Vaz de Camões, o mais português de sempre!
A vida de Camões (1524?-1580?) atravessa a ascensão, o apogeu e o declínio do Império Português do Oriente, ou seja, sentiu e viveu as grandezas e misérias do Portugal Imperial. [...]
8. Quando o Renascimento encontra a Idade Média. Luís de Camões, D. João I e a Batalha de Aljubarrota
Prof. Doutor José Varandas
D. João I é um rei medieval europeu que no seu tempo disputou um dos mais sangrentos e duradouros confrontos militares. Para lá da sua controversa ascensão ao poder, à Coroa, e que já há muito se resolveu na memória nacional, este monarca viveu toda a sua vida em permanente estado de conflito. [...]
9. Guerras no Norte de África
Prof. Doutora Margarida Garcez Ventura
EFEMÉRIDES
Tomada de Ceuta – 22 de Agosto de 1415
Tratado de rendição após a derrota em Tânger – 16 de Outubro de 1437
Derrota de Alcácer-Quibir – 4 de Agosto de 1578 [...]
10. Vasco da Gama, Descobridor, Almirante e Vice-Rei (c.1469-1524)*
Capitão-de-mar-e-guerra José António Rodrigues Pereira
Vasco da Gama, um dos mais conhecidos navegadores portugueses, é para a maioria das pessoas o descobridor do caminho marítimo para a Índia. Mas o navegador tomou também parte noutras importantes acções da nossa História Naval. [...]
11. Afonso de Albuquerque, o Leão dos Mares (1453-1515)
Capitão-de-mar-e-guerra José António Rodrigues Pereira**
Afonso de Albuquerque foi militar, estratega, governador e um dos maiores génios da História de Portugal. [...]
12. Uma Acção Militar no Oriente (Republicação, Revista Militar N.º 1, janeiro de 1999, pp. 455-470)
General António Eduardo Queiroz Martins Barrento
Para um número especial da Revista Militar, a publicar em 1999, no quadro de “A presença de Portugal no Oriente”, solicitaram‑me um pequeno artigo sobre a actividade militar terrestre ali desenvolvida pelos portugueses. [...]
13. 1546 – O segundo cerco de Diu n’os Lusíadas
Prof. Doutor Gonçalo Couceiro Feio
Feito maior das armas portuguesas no Oriente do século XVI, o segundo cerco de Diu revela, para a História, a medida do sacrifício colectivo e da fidelidade de portugueses à Coroa; e, para a História Militar, um dos mais interessantes episódios de mestria militar que dão forma a uma arte da guerra tão própria dos protagonistas envolvidos. [...]