General José Luiz Pinto Ramalho*
Nesta data, a situação político militar na Ucrânia levanta naturais preocupações, a vantagem operacional afigura-se estar do lado da Rússia. Esse facto é reconhecido por Zelensky que chama a atenção dos países ocidentais para a necessidade de um maior apoio militar e mais célere, face à situação militar na região de Kharkiv, fruto da iniciativa por parte das forças russas. Concretamente, tem havido um esforço ofensivo naquela região, que Putin caracteriza como destinada a criar uma “buffer zone”, para proteger as povoações russas junto à fronteira, designadamente Belgorod e Donetsk, afastando a artilharia ucraniana, segundo uma accção militar que se tem desenvolvido de acordo com três eixos: um oriental na direção de Vovchansk e Staritsa; outro, na direção ocidental dirigido a Lipsi e Zeleni ; o terceiro, procurando cercar Chasiv Yar, no “oblast” de Donets. Os serviços de informações ucranianos admitem também,que possam ainda ser abertas novas frentes, na região de Sumy, Lyman e Siversky, esta última ameaçando Sloviansk e Kramatorsk e permitindo avançar até ao rio Dniepre. Do lado ucraniano tem havido algumas dificuldades, fruto de uma questão fundamental com que está confrontada - uma Lei de Mobilização difícil de implementar, carência de recursos humanos e dificuldades de recrutamento, e a situação das tropas na primeira linha, que permanecem nessas posições desde o início da guerra, o que afeta, naturalmente, o seu moral e o seu desempenho. A outra dificuldade mencionada por Zelensky prende-se com a necessidade de maior apoio militar, designadamente em defesas antiaéreas, munições de artilharia e mísseis de longo alcance. Sobre esta matéria, a nível europeu e do lado americano, tem havido um esforço no sentido de procurar satisfazer os pedidos ucranianos; contudo, há dificuldades reais que impedem que, quer em quantidade quer em rapidez, esses pedidos possam ser satisfeitos, assim como visões distintas quanto às implicações políticas desse apoio ou da possibilidade de uma escalada do conflito, o que tem condicionado esse apoio. Importa ter presente que, para além da situação operacional anteriormente descrita, a Ucrânia tem sido sujeita a uma guerra de atrito que, embora dirigida ao seu potencial de combate, tem igualmente sido orientada para a sua base militar industrial, redes energéticas e infraestruturas de gás, aquecimento e distribuição de água que afeta, decisivamente, a sua economia e condições de vida das populações. Essas ações de bombardeamento russo têm igualmente visado vias de comunicação rodoviárias e ferroviárias, também com a intenção de dificultar a chegada do apoio ocidental às frentes de combate. Isto tem acontecido em todo o território nacional da Ucrânia, em particular nas regiões de Kherson, Lviv, Odessa, Dnipro, Robotine na frente sudoeste de Zaporijia, Poltava e outras. Em relação aos cenários, não se afigura que do lado da Ucrânia exista capacidade militar para expulsar a Rússia dos territórios ocupados, assim como do lado russo não está presente, à data, um potencial de combate que faça prever uma ofensiva que, no imediato, provoque o colapso da capacidade de defesa da Ucrânia e uma exposição fraturante dos seus centros de decisão político-militar. O tempo e o grau de atrição referido têm, no entanto, maiores implicações para o lado ucraniano, o que pode levar a que as populações e o próprio ambiente político e social, associado a um continuado avanço das forças russas, perante uma cada vez maior fragilidade das defesas ucranianas, crie as condições para um ambiente político, militar e social que seja recetivo e aconselhe o início e a concretização de um processo negocial, situação que não se configura de momento, para ambas as partes.
Do ponto de vista histórico, as guerras ou se resolvem pela capitulação, ou derrota militar de um dos contendores; por um acordo de paz aceite pelas partes, o que pressupõe um processo negocial, com ou sem mediação; ou ainda, por um cessar fogo, em que no terreno não há alteração do posicionamento das forças militares e o conflito fica como que “congelado”, uma situação político-militar semelhante à que vive se nos dias de hoje em Chipre ou entre as duas Coreias. Seria desejável parar este conflito, por via negocial, por forma a evitar a continuada destruição da Ucrânia, o sofrimento e deslocação das suas populações, mas especialmente o número de baixas de ambos os lados, que é inaceitável e a que a comunidade internacional não pode ser indiferente. O eventual “congelamento do conflito”, corresponderia a uma permanência da realidade vivida no terreno, com áreas ocupadas pela Rússia, incluindo a situação da Crimeia, algo que não corresponderá à expectativa, certamente da Ucrânia, de uma Paz justa, embora a ocupação territorial continue a não ser reconhecida pela Comunidade internacional Ocidental, mas que permitiria, por um lado, a reconstrução e estabilização económica, militar e social daquele País, com o apoio ocidental e, por outro, a necessidade da Rússia continuar o seu empenhamento económico e militar, nas regiões que ocupa, evitando uma disponibilidade estratégica para outras ações no teatro europeu.
As consequências de um prolongamento da guerra comporta dois riscos permanentes: o risco de uma escalada e o “cansaço da guerra”, seja económico, militar ou em termos gerais, das opiniões públicas interna e internacional. Este risco envolve também a possibilidade de uma alteração do ambiente político passar a ser menos favorável aos objetivos da Ucrânia, designadamente pela evidência de uma contestação política no interior do país, fruto da não realização de eleições e sem vislumbre de horizonte para a sua realização futura e, em termos internacionais, o crescimento do populismo e nacionalismo em diversos países europeus, que pode não só alterar as posições nacionais atuais, relativamente ao conflito, como pode igualmente alterar a configuração do Parlamento Europeu e as consequentes decisões deste, relativamente à postura de continuado apoio militar e financeiro que tem vindo a ser prestado a Kiev. Por último e talvez mais determinante, o resultado das eleições americanas, a ter lugar em novembro e uma eventual vitória de Trump. Para além destes aspetos, que poderão ser determinantes na resolução qualitativa do conflito, não no estabelecimento de uma solução política, consolidada, naturalmente aceite sem reservas pelas partes, há a realidade da continuação da destruição da Ucrânia e do aumento de baixas, mortos, feridos e incapacitados e as consequências económicas e sociais, também para a Rússia.
A Europa, naturalmente, não está imune a este processo conflitual: um primeiro aspeto tem a ver com as consequências económicas do conflito, fruto das sanções económicas aplicadas, da alteração do mercado da energia, petróleo e gás natural e das solicitações relativamente ao apoio militar, que obriga os europeus a repensar os gastos com a defesa e as suas políticas públicas de prestação de serviço militar. Mas o maior risco decorre de uma alteração da coesão política europeia, fruto do que se referiu anteriormente relativamente a este aspeto, que afete também a coesão da União Europeia e da OTAN. Importa referir que a desejada e necessária segurança europeia não se obtém e garante, com a continuação de uma guerra interminável no centro da Europa, com riscos de escalada, de desfecho imprevisível e com posições distintas por parte de diversos países europeus, quer acerca da sua condução quer quanto a uma possível solução. Essa segurança só se consegue com uma arquitetura de segurança europeia, que contemple a Rússia e com uma capacidade militar dissuasora europeia, desejavelmente pelo reforço do pilar europeu da OTAN, seguido pelos países da UE que não integram a Aliança e que demonstre que qualquer agressão não terá êxito.
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* Presidente da Direção da Revista Militar.
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