General José Luiz Pinto Ramalho*
A discussão sobre o Serviço Militar, particularmente o seu carácter obrigatório, está em discussão na Europa, designadamente nos países da OTAN, onde oito membros o mantêm; isso deve-se à guerra entre a Ucrânia e a Rússia que persiste e entrou no terceiro ano e, também, à indiscutível perceção da Rússia como uma ameaça à Europa, o que constitui o catalisador desse sentimento.
Sendo assim, esse debate é hoje uma realidade em vários países da União Europeia e da OTAN, sabendo-se que, na Alemanha, o Ministro da Defesa determinou às autoridades militares que, no prazo de seis meses, fosse apresentada uma proposta para a futura política pública de prestação de Serviço Militar à República. A solução que ali vier a ser adotada, juntamente com a que se pratica atualmente nos países nórdicos da OTAN, não deixará de provocar reações muito próximas, eventualmente idênticas, nos restantes membros das duas organizações.
Infelizmente, em termos nacionais, estamos confrontados com uma atitude irresponsável de se fazerem afirmações desconcertantes, por parte de responsáveis políticos que deveriam tratar estes assuntos com sentido de estado, de forma esclarecida e não esconderem a sua incapacidade política para um debate sério, perante o cliché “de que não há condições políticas para o regresso do Serviço Militar Obrigatório”, sem acrescentar qualquer outro argumento. Em democracia há sempre espaço político para debater questões estruturantes do Estado, como são as políticas públicas de prestação do Serviço Militar à Republica, envolvendo a Sociedade Civil, o Governo, a Academia e a Instituição Militar.
Trata-se de um Debate urgente e necessário, para definir as políticas mais ajustadas ao sentir nacional sobre a matéria, adequadas à dimensão estratégica nacional, consentâneas com o expresso no paragrafo 1, do Art.º 276º da Constituição da República, de que “a Defesa da Pátria é um Direito e Dever de todos os Portugueses”, fazendo dessa afirmação, mais do que uma figura de estilo, a oportunidade para a criação de um quadro de responsabilização e de capacitação que torne isso possível.
Mais, esse debate permitiria clarificar ideias e um modelo que respeite as nossas tradições históricas, os desafios da sociedade moderna, que satisfizesse as necessidades estruturais humanas e materiais das Forças Armadas que o País e os seus Cidadãos consideram dever garantir e sustentar, como expressão visível da sua determinação e vontade de defesa. Esse conhecimento impediria a importação acrítica de modelos definidos por outros, designadamente internacionais ou comunitários, estranhos à identidade nacional e à tradição histórica, quer passada quer recente.
Já expressei publicamente, por mais de uma vez, que defendo um modelo de Serviço Nacional à Republica, geral e obrigatório para homens e mulheres, com duas vertentes: armada e não-armada. Modelo apoiado num quadro legislativo robusto, que assegure um universo de recursos humanos com formação militar, que corporize uma capacidade de mobilização, se necessária, e que permita também, relativamente às necessidades do Sistema de Forças das Forças Armadas, criar condições para o aumento do recrutamento e da retenção no regime de contrato. Tendo em consideração os efetivos necessários a cada uma das vertentes, de acordo com as necessidades para cada um dos Ramos da Forças Armadas, haveria a possibilidade da opção de escolha aos cidadãos, homens e mulheres, para a prestação desse serviço armado, mas também na vertente não armada, necessariamente diferenciados em duração e direitos, com privilégio para o primeiro.
Um modelo assente num quadro legislativo que garanta a normal qualificação académica dos jovens que a fazem de uma forma continuada, a sua normal inserção no mercado de trabalho, após a prestação do serviço militar e o acolhimento político e social daqueles cidadãos que, genuinamente, têm objeções de consciência, perante o uso da violência e que neste sistema podem também servir a comunidade nacional.
A vertente não-armada seria vocacionada para as funções de cidadania no âmbito da proteção civil, do ambiente, da saúde, das novas tecnologias de informação, do apoio social e de muitas outras que hoje encontram alguma resposta no voluntariado, apoiadas e geridas pelos diversos Ministérios capazes de corporizar essas tarefas e esse tipo de desempenho.
Aqueles que optassem por prestar o serviço armado, constituiriam a base fundamental do recrutamento para a situação de contrato e preenchimento do Sistema de Forças Nacional, como aliás acontecia, quando o SMO/SEN convivia com o voluntariado e o regime de contrato, podendo ainda ingressar nas carreiras de Sargento ou Oficial dos Quadros Permanentes, através das escolas Militares. Subjacente ao modelo está a indispensável necessidade de dignificar a Condição Militar e as condições sociais e económicas de prestação de serviço nas Forças Armadas, numa palavra, tornando-as atrativas a todos os extratos sociais da Sociedade e as ações que promovam, quer o recrutamento quer a retenção, desejavelmente, até ao fim do período de contrato.
Mas esta é apenas uma visão, disponível para ser confrontada com outras, nesse Debate alargado que se mencionou, onde analisadas as vantagens e inconvenientes de cada uma, as respetivas implicações logísticas, de infraestruturas e financeiras, permita a construção de um modelo de prestação de serviço militar, que melhor sirva o interesse nacional.
A proposta do Ministro da Defesa Nacional de incorporar jovens delinquentes nas Forças Armadas, secundada pela Ministra da Administração Interna, dizendo que aquele falava pelo Governo, torna urgente conhecer a opinião do Primeiro-ministro sobre a matéria e se considera que esta é uma medida prioritária e programática, para a dignificação e para a atratividade, quer da Condição Militar quer da captação e retenção dos recursos humanos necessários às Forças Armadas. É uma proposta infeliz que desrespeita a Instituição Militar, mostra desconhecimento da mesma e da nobreza das suas Missões. Não é um bom começo, no sentido da resolução do problema atual e crucial para as Forças Armadas – o recrutamento dos recursos humanos necessários e a sua retenção no período de contrato.
_____________________________
* Presidente da Direção da Revista Militar.
-------------------------<>-------------------------
1. Ainda a crise da COVID-19: sete “pecados mortais”
Tenente-general Abel Cabral Couto
Este artigo foi gizado, e começou a ser escrito, em Setembro de 2021, quando a generalidade dos especialistas antevia o fim próximo da pandemia e parecia adequado tentar-se uma análise crítica do que acontecera, a nível mundial, com vista ao estabelecimento das linhas gerais de uma doutrina, que permita evitar catástrofe semelhante no futuro. E entendia, como um dever cívico, dar um contributo, por modesto que fosse, para tal finalidade. [...]
2. Belly of Wars
Major-general Nuno Correia Barrento de Lemos Pires
“Belly of Wars” é um novo construto que significa em português “barriga de guerras”. Surgiu no seguimento do atual contexto securitário internacional, reportando-se ao conjunto de guerras/conflitos, que partilham vários denominadores comuns – tais como disputa por recursos fundamentais, ameaças híbridas, presença/intervenção de atores revisionistas e contínua ação de grupos terroristas transnacionais –, com consequências (diretas e indiretas) a nível mundial, quer no mar, quer em terra (numa perspetiva contínua de Sea-Land-Sea). [...]
3. Serviço Militar Obrigatório: uma discussão necessária
Brigadeiro-general Henrique José Pereira dos Santos
A discussão em torno do serviço militar obrigatório (SMO) parecia estar definitivamente encerrada em Portugal, após a sua extinção em 2004 até que, de súbito, a guerra da Ucrânia veio novamente colocar o assunto na ordem do dia. Rapidamente foram tornadas públicas diferentes opiniões, análises e propostas, elaboradas de acordo com as mais diversas perspetivas. [...]
4. IV Centenário do início das invasões holandesas no Brasil. 1.ª Batalha de São Salvador (Maio de 1624)
Coronel Cláudio Ricardo Hehl Forjaz
Este ano de 2024, mais precisamente no dia 8 de maio, comemora-se o início das invasões holandesas ao Brasil, com o ataque e conquista de São Salvador (como era conhecida Salvador), então capital da colônia luso-americana, ocorrido há quatro séculos atrás. [...]
5. A Robotização da Guerra
Major João Amílcar Rodrigues Marques
Inicialmente empregavam-se as máquinas em tarefas repetitivas, desgastantes e perigosas. Na década de 90, as Forças Terrestres (FT) já usufruíam de vistas aéreas com recurso a sistemas de controlo remoto e mais tarde, no Iraque e no Afeganistão, assistiu-se ao emprego militar de Sistemas Autónomos (SA) na recolha massiva de dados e na realização de tarefas cujo risco era inaceitável para os humanos (Sloan, 2015). [...]
6. ANTOLOGIA. Programa do Movimento das Forças Armadas Portuguesas
Republicação (Revista Militar, n.º 7 – julho de 1974, pp. 297-315)