Nº 2563/2564 - Agosto/Setembro de 2015
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Editorial
General
José Luiz Pinto Ramalho

A questão dos migrantes, como tem sido referida, o fluxo de imigrantes/refugiados provenientes da bacia sul do Mediterrâneo e do Sahel, mas também do Afeganistão, fugindo da guerra, das limpezas étnicas e do radicalismo político e religioso, tem ocupado os “media” escritos e de imagem, e essa realidade coloca à Europa um desafio novo, onde se misturam ética, princípios, medidas para lhe dar resposta e o desejo de articular posições nacionais, que apontam sobre este problema soluções muito diversas.

A resposta tem sido titubiante, vai-se discutindo o Plano Junker e as suas quotas atribuídas aos vários países membros, que tardam em acordar em posições comuns e, enquanto isso, o fluxo de migrantes, que materializa a crise não para, assim como o número das tragédias que lhe estão associadas.

Foi necessária a publicação dramática da imagem de uma criança morta, afogada, de bruços na praia, o pequeno Aylan Kurdi, em Bodrum, na Turquia, para que as consciências se sobressaltassem e assumissem a verdadeira tragédia dos que têm perdido a vida nesta aventura e se assistisse à mudança da atitude política de alguns países, no sentido de uma maior abertura para receber refugiados; parece ter acordado finalmente a solidariedade, embora deva a mesma ser continuamente estimulada, pelo risco conhecido de depressa se atenuar.

Infelizmente, na Europa, a solidariedade parece ter um carácter conjuntural, sectorial e deixa-nos por vezes uma interrogação quanto ao seu verdadeiro alcance; tem dificuldades em se aplicar a si própria, como é o caso da crise social, motivada pela austeridade e desemprego, nos países do sul da Europa, por exemplo; já assistimos à afirmação da solidariedade europeia no pós “Charlie Hebdo”, sem se perceber no final para que objetivo; também se colocam interrogações relativamente à solidariedade no quadro da crise do Euro e dos países sob intervenção financeira e as opções que estavam em cima da mesa.

A Europa, nesta questão dos migrantes, tem de encontrar uma resposta política, sustentada com meios financeiros, para dar resposta à situação atual e previsível no curto prazo, mas que não ignore os cidadãos europeus afetados pela crise e que se debatem com a perda e ausência de emprego, com a penhora da sua casa e com a falta de recursos para educar e muitas vezes alimentar os seus filhos. É importante dar-lhes mais do que apenas esperança em dias melhores, para que não sejam presa fácil do xenofobismo e do radicalismo.

A União Europeia admite acolher 160 000 refugiados, dos quais há 40 000 que do antecedente aguardam uma decisão e 120 000, dos 320 000 que já estão em países da união, num universo que as Nações Unidas consideram poder atingir 850 000, até ao fim do ano e durante 2016; importa ter presente ainda que a Jordânia, a Líbia e a Turquia albergam cerca de quatro milhões de refugiados.

Sobre este tema, a Revista Time, numa das suas últimas edições “on line”, colocava a seguinte questão: “porque razão, tendo a guerra no Iraque, no Afeganistão e na Síria durado já há vários anos, a par das limpezas étnicas e repressão política em vários países de África, ainda há mais tempo, o fluxo de migrantes aumentou, exponencialmente, este verão, procurando o estatuto de asilo – porquê agora?”.

Duas razões são apontadas: a primeira prende-se com o facto da Chanceler Merkel ter prometido aos refugiados sírios, e passo a citar a Revista, “se conseguirem, fisicamente, chegar à Alemanha, poderão pedir asilo neste país”; uma declaração que contraria as regras da União Europeia, porquanto o pedido de asilo tem de ser feito para o país de entrada na união. A segunda razão poderá estar relacionada com a aproximação do inverno e os riscos acrescidos, que tornam as viagens, quer por terra quer por mar, mais difíceis e mais perigosas. Subsidiariamente, as informações dos que já atingiram os destinos desejados podem constituir o estímulo e o encorajamento para outros tentarem o mesmo objetivo.

A rota preferida pelos migrantes, considerada como mais fácil e mais segura para atingir a Europa Ocidental, é conhecida pela rota dos Balcãs, através da Turquia, Grécia, Macedónia, Sérvia, Hungria e Áustria. O grande problema deste trajeto, para além da travessia do mar, tem sido a política restritiva e de perseguição por parte do governo húngaro.

É legítimo ainda questionarmo-nos acerca desta recente abertura por parte da Alemanha, relativamente a esta situação, tanto mais que, tendo recebido, em 2014 cerca de 200 000 pedidos de asilo admite agora que, ao longo deste ano e do próximo, esse número possa atingir os 800 000 e a recente decisão de suspender o Acordo Shengen, na fronteira com a Áustria.

Recordo uma conversa com antigos responsáveis militares alemães, em 2012, no centro de Berlim, onde a atividade da construção civil, expressa numa floresta de gruas, era bem a evidência do progresso económico, que me referiam necessitarem, nos cinco anos seguintes, de, pelo menos, trinta mil engenheiros e técnicos altamente qualificados e que, certamente, o seu recrutamento seria feito através da imigração e nos países da Europa do sul.

No debate e avaliação desta problemática, especialistas europeus e americanos concordam num ponto; as medidas que vierem a ser tomadas poderão atenuar e minorar os problemas que estamos a enfrentar e os movimentos de refugiados, mas a verdadeira solução passa por resolver a questão de fundo na origem, evitando ou fazendo acabar os conflitos e promovendo o desenvolvimento e a boa governação.

Mas os conflitos armados e o desrespeito pelos direitos humanos não são as únicas causas para o movimento de refugiados, são também as alterações climáticas que têm transformado zonas agrícolas em desertos, como está a acontecer no Médio Oriente e em África, particularmente na região do Sahel, onde a falta de água é crítica.

No futuro próximo, para além dos refugiados de guerra, poderemos estar confrontados com fluxos de refugiados, provocados por catástrofes climatéricas, zonas de cheias diluvianas ou secas severas, que destroem zonas agrícolas e culturas, dizimam os rebanhos e a caça e promovem a desertificação, ou a pesca intensiva que esgotam os bancos piscatórios; as alterações climáticas, a falta de água e de alimentação, passam assim a constituir um multiplicador dos riscos e das ameaças e a gerarem vagas de migrantes à procura não só de segurança, mas também de abrigo e subsistência.

 

 

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José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

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by CMG Armando Dias Correia