Nº 2566 - Novembro de 2015
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Proliferação de armas de destruição massiva
Brigadeiro-general
Ana Rita Duarte Gomes Simões Baltazar

“Globalisation has made it easier for weapons of
mass destruction (WMD) to fall into terrorists hands”

(Agence France-Presse, 2005)

 

a. Introdução

Este artigo centra-se na problemática da proliferação de armas de destruição massiva (ADM) no mundo globalizado. Para a administração Bush foi a existência (e utilização) de ADM que justificou a invasão do Iraque, em março de 2003 (Oren & Solomon, 2013). Relativamente aos grupos terroristas, existem reportes de que a Al-Qaeda tentou (tenta) adquirir este tipo de armamento (Macfarlane, 2005).

Na teoria sobre ADM identificam-se quatro tipos diferentes – biológicas, químicas, radiológicas e nucleares (Cirincione, Wolfsthal, & Rajkumar, 2005, p. 6) – mas, se se considerar que, para a sua definição, existe uma associação direta ao desenvolvimento tecnológico – grau de letalidade, consequência do uso e disponibilidade de medidas de proteção contra elas – poder-se-á imaginar a possibilidade de, no futuro, haver outros tipos de armas[1]. Não sendo as armas químicas, biológicas e radiológicas de descurar face ao seu poder de destruição, as armas nucleares são, até à data, as de efeitos mais devastadores e aquelas que têm sido usadas por alguns estados (e.g., Estados Unidos da América e Rússia) nas suas estratégias de dissuasão.

Após a II Guerra Mundial e a destruição nuclear de Hiroshima e Nagasáqui (1945), a ameaça nuclear passou a fazer parte do quotidiano mundial. Nesta fase, acreditava-se que o armamento nuclear apenas servia como dissuasor e nenhum estado seria suficientemente imprudente para o utilizar. Paralelamente, os tratados e os acordos internacionais proibindo a proliferação também contribuíram para uma sensação de alguma segurança. Porém, o “Tratado de Não-Proliferação” que obriga os países, não detentores de armas nucleares, a não as desenvolver, concede-lhes o “direito inalienável” de produzir tecnologia deste tipo, para fins pacíficos.

Atualmente, para além do receio da proliferação de arsenais nucleares das superpotências (proliferação vertical) e de se disseminar a capacidade de produção de material físsil para outros estados (proliferação horizontal), nomeadamente, estados pária, aumenta ainda o receio de que as armas de destruição massiva cheguem às mãos de organizações terroristas.

Nos últimos tempos, o autodesignado “Estado Islâmico” tem revelado ser uma organização terrorista perigosamente recrutadora de jovens nascidos na Europa (mais de mil) com progenitores emigrantes, oriundos de países muçulmanos. As suas ações terroristas têm ganho dimensão, preocupando a comunidade internacional e tornando o Médio Oriente numa das zonas mais voláteis (Shanedling, 2004).

Na tese de Fonseca (2014, p. 5), o autor carateriza “o contexto de segurança dos tempos atuais (...) por um conjunto de ameaças e riscos não convencionais (...)”. Acrescenta que “ao nível transnacional, tomam relevo os fenómenos do terrorismo, da criminalidade organizada, dos fundamentalismos, da proliferação de armas de destruição em massa, (...) que colocam em perigo a vida humana“.

De forma a controlar qualquer tipo de arma de destruição massiva, a Comunidade Internacional, nos seus acordos, tem que ter em consideração o efeito da globalização, não só porque o acesso às matérias-primas está mais facilitado, como também está o acesso ao conhecimento. Acresce ainda o facto de países como a Rússia deixarem dúvidas, na Comunidade Internacional, sobre a capacidade de controlo do seu arsenal – perigos ambientais, vendas clandestinas, fuga de cientistas.

 

b. Armas de destruição massiva

O termo ADM foi utilizado pela primeira vez, em dezembro de 1937, em Londres, num artigo do “The Times” sobre o bombardeamento aéreo, pelos alemães, de cidades espanholas (Macfarlane, 2005).

Desde a segunda metade do século XX que a cena internacional tem assistido a um rarear, cada vez mais acentuado, no número de guerras entre Estados e a um proliferar de guerras dentro de estados. Estas últimas caracterizam-se como guerras caóticas, poluídas e penetradas pelo crime organizado (i.e., tráfico de drogas, armas e seres humanos; branqueamento de capitais e crimes económicos; contrabando de bens lícitos e ilícitos; crimes tecnológicos; falsificação de moeda)[2], pelo terrorismo e pelo tribalismo (Bauer & Raufer, 2003). O desafio permanente para a Comunidade Internacional será perceber as motivações dos diferentes atores, estatais e não-estatais, e impossibilitar o acesso destes a qualquer tipo de ADM, através do desenvolvimento de ações políticas, económicas e militares que evitem potenciais situações de crise. A iniquidade das organizações terroristas e/ou de alguns estados, associada à possibilidade de obterem ADM, representam, segundo diversos atores da cena internacional – Estados Unidos da América (EUA), North Atlantic Treaty Organization, União Europeia (UE) – a grande ameaça à segurança.

Segundo Meyer, Spinella e Cieslak (2014), o risco de poder vir a ser utilizado armamento biológico, químico ou radiológico aumentou, na medida em que os terroristas se familiarizaram mais com essas armas e com o seu potencial. Para além daquelas, existem as nucleares como discutiremos mais à frente e com maior detalhe.

As armas biológicas – onde se incluem organismos vivos como as bactérias (e.g: antrax), as toxinas, os vírus (e.g.: ébola) – são ADM que não necessitam de ser armamentizadas para serem utilizadas. Os agentes biológicos são invisíveis a olho nu, e sem odor (Meyer, Spinella, & Cieslak, 2014, p. 645). Comparativamente com as químicas, são mais complexas, devido à necessidade de manipular bactérias ou toxinas. Os seus vetores de distribuição são diversos, indo do simples envelope ao míssil balístico, o que dificulta a sua deteção e controlo. O objetivo das armas biológicas é infetarem o corpo humano, levando-o à morte. A eficácia deste tipo de arma é relativa, na medida em que os seus agentes biológicos têm que ter elevada concentração para, se disseminados (efeito dominó) pela água ou atmosfera, produzirem um grau de letalidade elevado. Para além disso, a doença pulmonar provocada por este tipo de arma pode ser prevenida através da vacinação.

Estas armas são conhecidas desde a Antiguidade, época em que se recorria ao uso de substâncias tóxicas derivadas de organismos vivos. No século passado, nos anos 30 e 40, foram usadas, pelos japoneses, em combate contra cidades chinesas. Entretanto, em 1975, através da Biological and Toxin Weapons Convention (BWC), foi proibida a criação e armazenamento de armas biológicas. Em meados dos anos 90, voltaram a ser motivo de preocupação para as populações e seus governantes, dado o avançado desenvolvimento da biotecnologia que permite que estas se tornem seletivas “escolhendo”, por exemplo, que tipo de ser humano se pretende eliminar (e.g.: raça). A agravar a situação, em 2001, os ataques com antrax, colocados em envelopes e distribuídos por correio, espalharam o medo em várias regiões do mundo, em particular nos EUA. Este tipo de armas é por vezes chamado de “mass casualty weapons” por se considerar que, embora não destrua prédios nem transportes, destrói vidas humanas (Cirincione, Wolfsthal, & Rajkumar, 2005).

As armas químicas atacam diretamente o sistema nervoso, a epiderme e os tecidos, afetam a capacidade do sangue processar o oxigénio e afetam ainda o aparelho respiratório. Num paralelismo com as armas biológicas, as químicas necessitam de maior quantidade para serem letais (Baylis, Wirtz, Gray, & Cohen, 2007, p. 278), mas são as de fabrico mais simples. A primeira referência a armas químicas pode ser encontrada na Grécia Antiga: uma mistura de enxofre com resina de pinheiro que serviu para intoxicar as tropas inimigas durante a guerra de Troia. As armas químicas são fabricadas através de processos químicos que sintetizam diferentes substâncias. Normalmente, encontram-se no estado líquido quando armazenadas disseminando-se através de implosão ou por sistema de pulverização. Este tipo de armas foi utilizado pelos alemães, contra os franceses, durante a I Guerra Mundial, estimando-se a morte de cinco mil vítimas (Meyer, Spinella, & Cieslak, 2014, p. 647). As mais conhecidas designam-se por gás mostarda (produzido pela primeira vez em 1822, em Inglaterra) e gás sarin (sintetizada pela primeira vez em 1936, pela Alemanha, e usado, por exemplo, no metro de Tóquio). Antes da II Guerra Mundial, vários países assinaram uma convenção para a não utilização deste tipo de armamento, mas só em 1993 é que se vem a adotar a Chemical Weapons Convention, que proíbe o uso de gases tóxicos e métodos biológicos durante os conflitos armados. De facto, em 1988, a operação militar “Anfal”, no Norte do Iraque, tinha levado à morte 100 mil curdos, através de ataques químicos com gás mostarda (BBC, 2007), relembrando, da pior maneira, a Comunidade Internacional, do potencial desta arma. Mais tarde, os ataques do 11 de setembro de 2001 fizeram ver ao mundo que os terroristas usarão os meios necessários e possíveis para alcançar os seus fins. Em outubro de 2001, foi usado Antrax nos EUA, disseminado por correio, matando cinco pessoas e contaminando vinte e duas (Meyer, Spinella, & Cieslak, 2014, p. 647). Este tipo de armas pode ter como vetores de entrega, entre outros, as bombas, as aeronaves e os mísseis.

As armas radiológicas, conhecidas também por “dirty bombs”, são bombas que, através de explosão, espalham material radioativo, podendo tornar toda uma área radioativa. Foram usadas, supostamente, em maio de 1991, no Golfo Pérsico, pelos americanos (Moret, 2007). Os materiais usados para desenvolver armas radiológicas são comummente utilizados em estabelecimentos de investigação, instituições médicas, instalações industriais e militares. Este tipo de ADM tem a sua produção relativamente facilitada e, como é sabido, todos os anos se verificam roubos, abandonos ou perda de fontes radioativas médicas e industriais. Desta forma, dada a sua simplicidade de fabrico e emprego, são particularmente apetecíveis para os chamados atores não-estatais, como são, por exemplo, as organizações terroristas.

Por último, as armas nucleares são essencialmente de dois tipos: a bomba atómica e a bomba de hidrogénio. A bomba atómica obtém-se a partir da fissão de núcleos atómicos de elementos pesados e instáveis, enquanto a bomba de hidrogénio se obtém da fusão de núcleos de átomos leves – pelo que o processo envolve grandes quantidades de energia. As explosões causadas pela sua deflagração são devastadoras, essencialmente devido às altas temperaturas e radiações emitidas. Dos tipos de ADM existentes, estas são, tecnicamente, as mais difíceis de produzir ou adquirir, e são também as mais mortais (Cirincione, Wolfsthal, & Rajkumar, 2005, p. 5).

Para além do problema da proliferação de qualquer tipo de armamento que provoque uma destruição massiva, existe o problema da enorme variedade de vetores de entrega deste tipo de armas – mísseis balísticos, mísseis cruzeiro, aviões, artilharia, navios, camiões e, até, envelopes (como vimos ser exequível com as armas biológicas), e também a possibilidade de desenvolvimento de outros sistemas de lançamento. Alguns destes vetores proporcionam elevados alcances, da ordem dos 12 000 km, ou seja, capazes de atravessarem vários continentes. A título de exemplo, nos anos 60 (século XX), apenas os EUA e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) tinham mísseis balísticos intercontinentais; atualmente, vários são os países com essa capacidade (Larsen, 2002).

 

c. Primeira e segunda era nuclear

Entre 1945 e 1991 viveu-se a “primeira era nuclear”, protagonizada principalmente pelas duas superpotências: EUA e URSS. Estes dois países tinham começado os seus testes nucleares (de fissão) em 1945 e 1949, respetivamente. Ainda em 1945, menos de um mês depois do primeiro teste norte-americano, duas bombas atómicas – com os nomes de “Little Boy” [3] e “Fat Man” [4] – são utilizadas contra duas cidades japonesas (Hiroshima e Nagasáqui). Nesta “primeira era nuclear”, três outros estados, oficialmente reconhecidos, desenvolveram ADM nucleares: Reino Unido (RU), França e China. Mais tarde, África do Sul, Israel e Índia iniciaram também os seus programas, embora não tenham sido reconhecidos membros do clube nuclear (Dougherty & Pfaltzgraff, 2003).

Em 1958, a Irlanda avançou com uma proposta que recomendava uma concentração de esforços da Comunidade Internacional no sentido de evitar o alargamento do número de países com armas nucleares. O então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Frank Aiken, considerava que as duas superpotências – EUA e URSS – se encontravam num ponto de equilíbrio e que, não sendo provável o seu desarmamento, seria aconselhável travar qualquer tentativa de entrada de novos membros para o clube nuclear. Entretanto, em 1962, no decorrer da Guerra Fria, o mundo esteve muito perto de uma guerra nuclear, naquilo a que se chamou “Crise dos mísseis de Cuba”. Esta crise iniciou-se com a colocação, por parte dos soviéticos, de mísseis com capacidade nuclear naquele país, em resposta às investidas norte-americanas a Cuba – com a finalidade de ali implementar um novo governo – iniciadas em 21 de outubro de 1959 e à instalação americana, em 1961, de mísseis balísticos de alcance intermédio – “Júpiter” e “Thor” – na Turquia. A situação resolveu-
-se, passados treze dias, com a retirada dos mísseis, tanto de Cuba, como da Turquia. Daqui resultou um acordo entre os EUA, a URSS e o RU, em 1963, onde se proibiam os testes nucleares. Cinco anos mais tarde, em 1968, o Tratado de não-proliferação (TNP) foi assinado, assentando em três pilares fundamentais: a não-proliferação, o desarmamento e o uso para fins pacíficos. Contudo, este só entrou em vigor em 1970, não evitando que, em outubro de 1973, ressurgisse uma nova situação de tensão: a possibilidade de ser usado armamento nuclear na Guerra de Yom Kippur que opôs o Egipto, Síria e Jordânia (apoiados pela URSS), a Israel (apoiado pelos EUA). Em 1986, o acidente nuclear de Chernobil, na Ucrânia, alertou o mundo para a perigosidade de lidar com material físsil.

A “primeira era nuclear” revelou um tipo de dissuasão em que imperou a capacidade ofensiva sobre a defensiva. A existência de estados nucleares pressupõe a possibilidade de ocorrência de um ataque com estes meios, mas a sua capacidade de destruição é tal que os estados acabam por não a usar, criando-se assim o conceito de destruição mútua garantida. Provavelmente, seria mais seguro manter este armamento em estados capazes de o ter e não o utilizar. Como defendem vários autores, a racionalidade é um requisito da dissuasão nuclear, ou seja, antes da sua utilização é equacionada a razão entre o ganho e a perda que daí poderá advir (Zagare, 2000). A dissuasão nuclear encoraja o raciocínio “Se me atacares, posso não ser capaz de impedir o ataque, mas posso retaliar de forma tão vigorosa que não vais tomar a iniciativa de atacar em primeiro lugar” (Nye, 2002). Esta doutrina baseia-se na “balança do terror” (Gay, 2014, p. 482).

Depois de 1991, dá-se início à “segunda era nuclear” onde as duas superpotências já não são rivais – não se afigurando previsível um confronto entre ambas –, mas ainda detêm os maiores arsenais. A nova era caracteriza-se pelo aparecimento de outros estados – que a comunidade ocidental considera instáveis e perigosos – a possuírem ou tentarem adquirir ADM. Desta forma, e segundo os autores de “Strategy in the contemporary world” (Baylis, Wirtz, Gray, & Cohen, 2007), há agora uma maior probabilidade de um confronto nuclear, uma vez que o ambiente internacional está hoje mais perigoso do que no período em que durou a Guerra Fria (Baylis, Wirtz, Gray, & Cohen, 2007, p. 210). Por outro lado, seria de certa forma ingénuo pensar que as teorias da dissuasão aplicadas na “primeira era nuclear” fossem igualmente aplicáveis na atualidade e com os mesmos resultados. No entanto, a incerteza da sua utilização está sempre presente e diretamente relacionada com os interesses particulares de cada estado que, por sua vez, estão dependentes dos interesses e convicções dos seus líderes. Por exemplo, será que a Coreia do Norte e o Irão não usarão armas deste tipo contra a Coreia do Sul ou Israel, porque as retaliações da Comunidade Internacional poderiam ser devastadoras? Assim, esta “segunda era nuclear” vem pôr em causa alguns dos pressupostos presentes na “primeira”, tais como: os estados são sempre racionais (onde podem não se englobar os estados ditos párias[5]) no que diz respeito à utilização de ADM; sistemas de defesa antimíssil debilitam o efeito de dissuasão; o controlo do desarmamento e os tratados de desarmamento são o melhor método de contraproliferação (Baylis, Wirtz, Gray, & Cohen, 2007, p. 220).

Quando se abordou a questão relativa ao “Tratado de Não-Proliferação” afirmou-se que este concede aos países o “direito inalienável” de produzir tecnologia nuclear, desde que para fins pacíficos. Esta é uma situação que provoca tensão, na medida em que permite que entidades civis tenham acesso a tecnologia nuclear que se baseia em matérias, infraestruturas e conhecimento idêntico aos necessários para produzir armamento nuclear (Brown & Kaplow, 2014). A questão do duplo-uso prende-se com isto mesmo e a preocupação com esta matéria está refletida no último relatório de segurança interna português (Sistema de Segurança Interna, 2014, p. 26): “sobressaíram os riscos de aquisição de bens de uso dual ou de carácter sensível, bem como de transferência de tecnologia intangível e de utilização do sistema financeiro de países ocidentais“.

 

d. O acesso de entidades não-estatais às ADM

Pelo que se tem assistido ao longo destes últimos cinquenta anos, a Comunidade Internacional acredita que atores estatais podem ser dissuadidos de utilizar armamento nuclear, pelo receio de retaliação. No entanto, no caso dos terroristas, a situação é diferente, uma vez que não lhes é (era) reconhecida uma terra, ou uma população, ou seja, aparentemente não há o que ameaçar ou quem ameaçar sem prejudicar terceiros. Contudo, o “Estado Islâmico”, não sendo um estado reconhecido, aparenta ter já um território.

Para Cebeci (2013), foram os ataques na Europa que levaram a que este continente lhes desse a relevância que hoje têm nas discussões sobre segurança e que conduziu a mais esforços para combater o terrorismo. De facto, com os ataques de Madrid (março de 2004) e de Londres (julho de 2005) – para não falar do 11 de setembro de 2001 e outros que se seguiram (por exemplo, no Iraque em agosto de 2007 e Líbano em agosto de 2013) –, a possibilidade de um grupo terrorista adquirir ADM tornou-se, talvez, a maior ameaça à segurança internacional.

Na declaração do Conselho Europeu de 2004, estabelece-se um conjunto de objetivos de combate ao terrorismo, por exemplo: trabalhar em conjunto nas várias vertentes, prevenir o acesso dos terroristas a recursos financeiros e económicos, desenvolver medidas para maximizar as capacidades de deteção de possíveis ataques, controlar fronteiras, diminuir as condições de recrutamento (Council of the European Union, 2004). Na estratégia contra o terrorismo (Council of the European Union, 2005) estabelecem-se quatro princípios: prevenir, proteger, perseguir e responder.

Mas, como podem estes atores não estatais possuir ADM? Por um lado, poderão tentar desenvolvê-las e, por outro, adquiri-las ou mesmo roubá-las. As químicas não aparentam ser, neste caso, de maior preocupação, uma vez que são necessárias grandes quantidades para que tenham um grau de letalidade superior ao de uma arma biológica. As biológicas poderão ser as de eleição, pois têm efeitos letais, são mais fáceis de produzir, de transportar e também mais difíceis de detetar do que as nucleares. Assim, o acesso de atores não-estatais às armas nucleares parecerá ser menos provável, na medida em que necessitarão sempre de terceiros e esses estarão associados a estados que se encontram à margem do TNP (eventualmente, o Paquistão, Israel, Índia, Irão, Coreia do Norte...). Mas, para esses estados, o armamento que possuem deverá ser essencial para as suas estratégias e as quantidades existentes não devem possibilitar a sua venda. O perigo estará no acesso indevido a armamento ou materiais deficientemente armazenados e militarmente desprotegidos, de que são exemplo os estados da ex-URSS e o Paquistão (Cirincione, Wolfsthal & Rajkumar, 2005, p. 16). A boa notícia é que, segundo os dados da “Agência Internacional de Energia Atómica” (IAEA.org, 2014), desde 2006 (onde houve um pico de cerca de 130 incidentes), há uma certa tendência para a diminuição de incidentes envolvendo perdas ou furtos de material radioativo e nuclear. Desde 2011 que há uma tendência ligeira de subida, não tendo sido ultrapassados os quarenta incidentes relacionados, essencialmente, com materiais utilizados em aplicações industriais ou médicas. Este material poderá servir para as “dirty bombs” (radiológicas) pelo que deverão ser aquelas que causarão maior preocupação e, consequentemente, necessidade de maior controlo.

Tanto a UE como os EUA apontam, explicitamente (na “Estratégia Europeia de Segurança” e no “National Security Strategy”, respetivamente), como principais ameaças à segurança, o terrorismo e a proliferação de ADM. A Organização das Nações Unidas (ONU), no sentido de minimizar o risco de acesso dos terroristas às ADM, através das Resoluções 1540 (Abril de 2004) e 1673 (27 de Abril de 2006), obriga todos os Estados a criminalizarem a proliferação, a colocarem em prática “controlos rígidos de exportação” e a tornarem “seguros todos os materiais sensíveis dentro das suas fronteiras”.

Também Portugal refletiu no seu Relatório Anual de Segurança Interna (Sistema de Segurança Interna, 2014, p. 26) a preocupação com “alguns fenómenos que se apresentam como ameaças globais e se projetam negativamente na segurança interna”. Referiam-se ao terrorismo, à criminalidade organizada (i.e., tráfico de estupefacientes, tráfico de pessoas, migrações ilegais e pirataria marítima), às ciberameaças, aos extremismos políticos e ideológicos e à proliferação de armas de destruição massiva. O próprio Conceito Estratégico de Defesa Nacional (Governo de Portugal, 2013, p. 15) inclui, no ponto relativo às ameaças e riscos a proliferação de armas de destruição massiva, alertando para a possibilidade “de poderem ser apropriadas por grupos terroristas”.

 

c. A Globalização

Existem inúmeras definições para globalização, mas também existem dúvidas se a globalização existe de facto, na sua plenitude, uma vez que a sua dimensão é económica, política, militar e cultural. De uma forma genérica, ao falar-se de globalização, associa-se ao aumento global do fluxo de pessoas, de dinheiro e de tecnologia. Foi através do desenvolvimento da tecnologia que se revolucionou todo o conceito de comunicação e de informação, deixando praticamente de haver limites neste domínio. Nesse sentido, a globalização é encabeçada por atores estatais, mas também por atores não estatais, se pensarmos nas grandes multinacionais.

Na literatura consultada sobre este assunto, verifica-se que os estados, relativamente ao efeito da globalização, têm maior dificuldade em controlar o crescente aumento de fluxo de pessoas e informação. Segundo Fonseca (2014, p. 1), “a globalização intensificou os perigos que encaramos, como o terrorismo internacional e disseminação/propagação de tecnologias letais, perturbações económicas e a mudança climática”.

A própria Europa, ou parte dela, com as regras Schengen, permite que os nacionais dos seus estados tenham o direito de se deslocar para todos os outros países da Europa sem terem de cumprir quaisquer formalidades especiais (União Europeia. Comissão Europeia. Direcção-Geral dos Assuntos Internos, 2012). De alguma forma, o estado perde um certo controlo das suas fronteiras físicas e, até mesmo, informacionais.

De facto, em termos de segurança internacional, o problema que se coloca a cada estado é, genericamente, o controlo e a contenção da proliferação. De relembrar que, neste artigo, olhamos não só para a proliferação dentro de um estado que já seja nuclear, mas também para a proliferação em novos estados, sejam eles quais forem (considerados hostis, frágeis ou outros) e para a obtenção deste tipo de armamento por atores não estatais. De que forma a globalização pode estar a favorecer a proliferação? Existem três pontos que devem ser considerados para perceber o efeito da globalização:

– O desenvolvimento tecnológico torna os dados mais compactados, as velocidades de processamento aumentam e, como resultado, a tecnologia está cada vez mais ao alcance de todos. Para cada estado, torna-se cada vez mais difícil desenvolver mecanismos capazes de controlar o ritmo dos fluxos da informação e tecnologia;

– As multinacionais e as Organizações Não-Governamentais continuam a difundir-se por todo o mundo, levando tecnologia e informação a regiões desenvolvidas e subdesenvolvidas. As organizações terroristas, que permanecem enraizadas no ambiente internacional, podem ser consideradas globais (e.g., Al-Qaeda e Hezbollah);

– A livre circulação de informação, mercadorias, dinheiro e pessoas tem produzido um ambiente que requer, por parte dos estados, novas medidas de controlo e, consequentemente, de segurança. O estado de segurança de um país já não pode ser avaliado, única e exclusivamente, pelo número de atos violentos (roubo, agressão, assassinatos...) uma vez que, hoje, as ameaças possíveis vão para além dessa fronteira de violência. O controlo da informação, por exemplo, devido aos avanços tecnológicos, está a diminuir o domínio por parte do estado. A dificuldade maior está, já que estamos a falar de uma infinidade de fluxos, em saber o que controlar, como regular e quando.

Para alguns estados, do dito mundo ocidental, a preocupação maior estará no controlo de fluxos relacionados com as ADM (informação, cientistas, material ou vetores que possam servir organizações terroristas ou estados frágeis), no tráfico humano e no branqueamento de capitais. De facto, quando os governos lidam com “offshores“ ou mercados negros, a deteção e a interdição tornam-se mais difíceis. Por outro lado, também existem, agora, redes governamentais interestaduais que cooperam entre si de forma a tornarem o processo de controlo mais eficiente. Por exemplo, os meios de vigilância por satélite são utilizados para controlar a proliferação de ADM e a movimentação das mesmas, sendo recolhidas inúmeras informações que é necessário filtrar. Este esforço de análise é enorme e requer um elevado número de pessoas e meios informáticos.

Mas a Internet é também uma via de comunicação por excelência e extremamente difícil de controlar. Segundo Michael Chertoff, Secretário da Segurança Nacional dos EUA, entre 2005-2009, a Internet é um meio privilegiado de desenvolvimento de ideologias radicais e atividades terroristas (Nimmo, 2006). Através da Internet é possível recrutar e treinar, tendo em vista a organização de atentados. O governo norte-americano reconhece que o processo de recrutamento de simpatizantes da causa associada ao “Estado Islâmico” seja através de propaganda on-line (Congressional Digest, 2014, p. 13).

A 19 de fevereiro de 2015, Portugal aprovou, em Conselho de Ministros, oito propostas de lei relativas ao combate ao terrorismo, nomeadamente, a criminalização relativa ao ato de aceder ou ter acesso a sites que incitem ao terrorismo. No já mencionado Relatório Anual de Segurança Interna (Sistema de Segurança Interna, 2014), Portugal continua a participar em reuniões da UE sobre assuntos “tão variados como a cooperação policial e judiciária em matéria penal (incluindo a prevenção e o combate ao crime, a luta contra as diversas formas de tráfico e a troca de informações em matéria policial), a gestão e o controlo de fronteiras, a política de imigração, de asilo e de vistos, a proteção civil, a segurança rodoviária e as relações com países terceiros.” No Conceito Estratégico de Defesa Nacional (Governo de Portugal, 2013, p. 12) também encontramos referências relativas ao “processo de globalização e à revolução tecnológica” que tornou possível “uma difusão equivalente de ameaças e riscos em todas as dimensões, que incluem tanto a projeção das redes terroristas e de crime organizado, como a proliferação das armas de destruição massiva (…)”.

Relativamente à Internet, Garcia (2006) alerta-nos para a sua problemática, nomeadamente, por ser de fácil acesso e por conter informação relativa, por exemplo, ao fabrico de ADM.

A obtenção da paz e da segurança é hoje um objetivo global partilhado, não sendo, para tal, suficientes os acordos e tratados particulares entre um e outro estado, nem a simples existência de uma única potência. Uma ameaça de proporção global requer uma defesa, também, global – concertada entre várias nações.

Um atentado terrorista contra um país pode ter efeitos catastróficos noutro, que vão desde consequências de índole não apenas económica, mas sobretudo humanitárias. Esta interligação leva a um novo consenso sobre segurança, apresentado no ponto 81 do documento final da Cimeira do Milénio, “cujo princípio primordial será de que todos têm direito de viver sem medo e que tudo o que constitui uma ameaça para um é uma ameaça para todos (...) Devemos mostrar-nos empenhados em eliminar a ameaça das armas de destruição maciça (...) devemos ter uma atitude preventiva (...) e agir suficientemente cedo (...)” (Nações Unidas, 2005, p. 31). Porém, uma vez que as ações a montante podem assumir índole absolutamente diferente da militar ou diplomática, serão necessárias medidas de combate à pobreza extrema e à degradação ambiental (Annan, 2004). Relativamente ao terrorismo, é necessário desenvolver esforços no sentido de prevenir a radicalização e o recrutamento, combater o financiamento do terrorismo (controlando transferências suspeitas, roubos em sectores como a ourivesaria) e controlar o circuito de materiais com potencialidades para o fabrico de ADM. No caso de Portugal, é também importante controlar a emissão de passaportes e tomar medidas que dificultem a sua falsificação. Neste sentido, em agosto de 2006, iniciou-se a produção de passaportes biométricos.

No já referido Conceito Estratégico de Defesa Nacional (Governo de Portugal, 2013, p. 33), a resposta a este tipo de ameaças passará pelo “reforço das políticas de controlo e não-proliferação dos armamentos, das tecnologias de destruição massiva, para a prevenção e combate ao terrorismo, ao narcotráfico e a outras formas de criminalidade organizada”.

Entretanto, e a nível global, em junho de 2002, resultou do G-8 um programa denominado “Global Partnership against Weapons of Mass Destruction” com o objetivo de prevenir a proliferação de armas deste tipo (Gay, 2014).

 

f. Conclusão

Resultante da análise efetuada, entende-se que a proliferação, vertical e horizontal, de ADM afeta a segurança internacional, na medida em que, globalmente, quanto maior for o número de armamento ou de países com acesso a esse armamento, maior será a probabilidade de ocorrer uma catástrofe. Na verdade, aumenta o risco de elas serem verdadeiramente utilizadas, passando de um campo de dissuasão para um campo de potencial utilização efetiva; aumenta a possibilidade de um país atuar preventivamente contra os seus adversários; e aumenta, também, a possibilidade destas armas ou de materiais físseis chegarem às mãos de grupos criminosos. Para além de existirem vários atores nucleares, ou em vias de o serem, existem também facilitadores da própria proliferação.

A globalização, com toda a liberdade de informação, comunicação, circulação de bens e pessoas, facilita a transferência de tecnologia e a aquisição ou desenvolvimento deste tipo de armamento. No entanto, o cenário não deve ser pessimista relativamente à globalização. Todos os pontos “favoráveis” à proliferação também podem ser úteis para a combater. A tecnologia é essencial para detetar, por exemplo, a produção de ADM e os seus testes e os acordos internacionais globais poderão contribuir para um controlo mais eficiente. Desta forma, como já era apontado no ponto 98 do documento final da Cimeira do Milénio, é essencial que a Comunidade Internacional (trabalhando como um todo, com objetivos comuns) continue a desenvolver esforços no sentido do desarmamento e da não-proliferação.

Neste artigo abordaram-se essencialmente as armas nucleares por serem consideradas, por vários autores, aquelas que poderão infligir maiores danos (Cirincione, Wolfsthal, & Rajkumar, 2005, p. 5). Desta forma, e por não existir ainda uma arma reconhecidamente superior a esta, é expectável que nos próximos anos, o armamento nuclear continue a ter um papel importante e decisivo na política internacional.

 

g. Obras Citadas

Abbot, C., Rogers, P., & Sloboda, J. (2007). As ameaças do mundo atual. Lisboa: Editorial Presença.

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* Mestre em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações Internacionais, pela Universidade Autónoma de Lisboa. Professora do Instituto de Estudos Superiores Militares, desde 2010, e Investigadora integrada do Centro de Investigação em Segurança e Defesa do Instituto de Estudos Superiores Militares (CISDI).

 

[1] No reino da ficção é usual fazer-se menção a um tipo de arma de efeitos de destruição muito superiores à arma nuclear – a bomba antimatéria. A Organização Europeia de Investigação Nuclear diz não ser possível, pois não existe matéria em quantidade suficiente.

[2]  (Fonseca, 2014).

[3]  Com 20 quilotoneladas de Trinitrotolueno (TNT), uma superfície destruída de 1,8 km2 e 80 000 mortos e desaparecidos (Couto, 1988, p. 7).

[4]  Com 20 quilotoneladas de TNT, uma superfície destruída de 0,7 km2 e 40000 mortos e desaparecidos (Couto, 1988, p. 7).

[5]  Países com condutas que não são aceites pela comunidade internacional, pretendendo, por exemplo, adquirir ADM, cometer crimes contra a humanidade, apoiar e receber terroristas (Abbot, Rogers, & Sloboda, 2007, p. 115).

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2015-12-16
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Brigadeiro-general

Ana Rita Duarte Gomes Simões Baltazar

Licenciada Engenharia Aeronáutica. Mestre em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações Internacionais, pela Universidade Autónoma de Lisboa. Atualmente é a Subdiretora-geral de Política de Defesa Nacional.

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