Nº 2584 - Maio de 2017
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Editorial
General
José Luiz Pinto Ramalho

Certamente seria possível apontar razões diversas, umas fundamentadas na conjuntura estratégica internacional atual, outras por avaliações económicas e sociais e outras, ainda, por razões políticas, mas a realidade concreta é a de que o debate sobre o regresso do Serviço Militar Obrigatório (SMO) está a ganhar dimensão e atualidade no continente europeu. A Suécia decidiu reintroduzir o SMO, o atual Presidente da França, Emmanuel Macron, fez do assunto tema de campanha, sendo igualmente na Alemanha objeto de debate e, na realidade, o mesmo manteve-se em países como a Áustria, a Dinamarca, a Estónia, a Finlândia, a Grécia, a Lituânia e a Noruega.

Em Portugal, o SMO foi abolido oficialmente a 19 de Novembro de 2004, tendo sido substituído de forma simbólica pelo Dia da Defesa Nacional, de comparência obrigatória para os jovens de ambos os sexos. Mas importa ter presente as circunstâncias políticas e ideológicas que deram origem ao debate sobre esta importante matéria e ao carácter “datado” dessa discussão, puramente política, em que a referência a opções semelhantes no campo internacional foi apenas instrumental e não resultante de um processo de uma crítica objetiva das razões que as fundamentavam.

Na realidade, em Portugal, em termos de perceção da opinião pública, a obrigatoriedade do SMO só começou a ser publicamente contestada, a partir da década de 80 do séc. xx, sobretudo por parte de algumas organizações partidárias de juventude, mantendo-se, contudo, uma larga maioria da população favorável àquele modelo de prestação de serviço militar.

Face ao que, na atualidade, a comunicação social tem vindo a referir, relativamente à posição política sobre esta matéria, por parte das diversas formações partidárias, é legitimo concluir que o tema SMO constitui uma questão fraturante, quer em termos políticos quer no seio da Sociedade e um bom indicador para aferir as preocupações daquela com a Defesa Nacional, quer ainda a consistência, em termos de cidadania, do espírito de defesa nacional.

Apesar do referido, o tema SMO deveria voltar a ser objeto de debate nacional, não centrado nas juventudes partidárias, como aconteceu na altura da decisão de o desconstitucionalizar, mas sim de forma alargada e aberta, procurando gerar consensos sobre esta matéria, que queiramos ou não é de significativo interesse nacional.

O SMO não pode ser apenas avaliado segundo uma óptica económica, mas também por aquilo que representa em termos constitucionais e de cidadania, de formação de valores, de identidade e conhecimento dos interesses nacionais, de serviço à Pátria, da ética, da solidariedade e coesão nacional, da camaradagem e espírito de pertença, da preparação de líderes e de oportunidades de valorização cultural e profissional.

Desde a implantação da República, e com a Reforma de 1911, a Instituição Militar viveu diversas experiências, desde o exército miliciano à conscrição absoluta durante o período da guerra em África; ao sistema misto – SMO e Voluntariado – em simultâneo e, actualmente, umas Forças Armadas constituídas por militares do Quadro Permanente e outros em Regime de Contrato. Os diversos regimes enunciados coexistem em termos internacionais e a eficácia e eficiência dos instrumentos militares mede-se pelo seu desempenho, para o que contribuem a instrução, formação e treino, a dimensão dos efectivos, a organização, os equipamentos e armamentos atribuídos e a capacidade de reconstituição das suas unidades operacionais, decorrente de uma adequada sustentação logística, em pessoal e material.

Debater a necessidade de retorno do SMO, centrando a discussão em termos de falta de efetivos, numa análise simplista de custos de um ou outro modelo ou pela necessidade de emprego das Forças Nacionais Destacadas no exterior do Território Nacional ou, ainda, pelo impacto das novas tecnologias ou da sofisticação dos equipamentos de defesa e sistemas de armas, configura um quadro de argumentação redutor e escamoteia que a opção tem como razão primeira uma escolha política e social.

Em termos nacionais, políticos e sociais, um primeiro fator de decisão passa por se assumir, claramente, que se quer umas Forças Armadas institucionais, prestigiadas e atrativas a todos os estratos sociais da Sociedade Nacional ou dirigidas apenas a alguns, configurando uma organização que sirva como instrumento de promoção ou integração social, constituindo, potencialmente, um corpo desinserido da comunidade e conferindo aos restantes cidadãos um “direito de ausência” e de desresponsabilização, relativamente a algo que não lhes diz respeito.

Como resposta ao desafio do debate, evitando-o, não basta dizer que o atual modelo não está esgotado, ou que a questão não se coloca, porque o mesmo tem respondido bem às solicitações que lhe têm sido colocadas; a reflexão tem de assentar na escolha do modelo que melhor sirva o interesse nacional, que melhor corporize a coesão e a expressão visível do espírito de defesa, que melhor se adapte à dimensão estratégica nacional, que melhores garantias de resposta dê a potenciais ameaças e contenção de riscos de instabilidade internacional e regional, assim como o cumprimento das missões constitucionais de soberania e que capacidades congregue em termos de ampliação do Sistema de Forças Nacional (SFN), sem perder de vista que a coerência de qualquer modelo adotado dependerá sempre da vontade política em lhe atribuir os recursos humanos, materiais e financeiros, necessários à sua correta implementação.

Mas este debate só será esclarecedor se, a montante, não existirem dúvidas, em termos nacionais, políticos e sociais, de que queremos ter Forças Armadas credíveis e que missões lhes queremos atribuir – se continuamos a validar as atuais missões constitucionais ou se, como aconteceu com a atual revisão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, utilizamos isso de forma instrumental, para confundir prioridades estratégicas.

Relativamente à atualidade, o modelo em vigor corporiza um SFN, abusivamente influenciado pela “Troika” e adotado politicamente na altura, de forma acrítica e passiva, o qual evidencia inegáveis “astenias” em recursos de toda a ordem, que nada têm a ver com o SMO ou com a opção pela Profissionalização. A sua realidade obriga a que a sua utilização em ambiente internacional (Segurança Cooperativa), se ajuste apenas àquilo que é possível fazer (menos missões, menos efectivos e menor duração temporal das missões de empenhamento operacional), e não àquilo que, no quadro da OTAN, da UE e da ONU poderíamos e deveríamos fazer, em concordância com o constante no Conceito Estratégico Militar ainda em vigor (níveis de empenhamento de Forças) e como aconteceu anteriormente, em que tínhamos uma presença continuada com unidades operacionais diversificadas, no Afeganistão, no Kosovo e no Líbano; paralelamente, coexistem legítimas preocupações quanto à sua efectiva capacidade para cumprir, plenamente e de forma exigente se for necessário, as missões constitucionais de soberania.

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General

José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

REVISTA MILITAR @ 2024
by CMG Armando Dias Correia