Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
As especificidades da logística sanitária militar
Coronel
José Manuel Pires Duarte Belo
1.  Introdução
 
Os modelos logísticos que são aplicados aos vários campos de actividade vão variando consoante as várias especificidades em presença. No caso militar, e em particular na saúde militar, há especificidades inerentes à condição militar (como sejam, por exemplo, prontidão operacional, reserva estratégica, informação classificada) que são importantes de serem consideradas e compreendidas. No presente artigo tenta analisar-se e sistematizar o modelo actual de logística sanitária do Exército e concluir qual ou quais os seus aspectos considerados mais importantes. Toda esta análise não pretende proceder a grandes considerações teóricas, nem aprofundar os modelos actuais ou os que se perspectivam, mas sim constituir-se num conjunto de considerações gerais que permitam reflectir e ponderar opções futuras de uma forma mais abrangente.
 
 
  
 
Fig 1
 
 
2.  Conceitos gerais
 
Nas Organizações actuais os aspectos logísticos e em particular a gestão da cadeia de abastecimento, condiciona todo o planeamento estratégico e desta forma influencia o sucesso.
 
No Exército os antecedentes históricos têm demonstrado que a logística é saber fornecer “os bens ou serviços certos no momento em que são precisos, no local em que fazem falta e na quantidade adequada” e ter capacidade de o fazer de forma eficiente, influenciando assim, de modo determinante, o cumprimento da Missão que está superiormente atribuída.
 
A logística, pela sua abrangência, determina toda e qualquer manobra militar. De um modo mais simples é necessário ter a “inteligência”, leia-se sabedoria, para dotar os meios para passar da concepção à acção e deste modo atingir o objectivo.
 
A manobra militar, na prática, a interligação das duas manobras, a estratégica e a logística.
 
A manobra militar deve ser de simples execução.
 
No entanto há um paradoxo, a obtenção e a reunião dos meios materiais e humanos em tempo oportuno, pode implicar demora que por sua vez condiciona toda a manobra no teatro de operações.
 
Assim, o modo de contornar a complexidade que está subjacente ao apoio logístico, é conseguido através de orgãos de gestão centralizados que procedem a um planeamento detalhado, a estruturas funcionais devidamente enquadradas e sobretudo a meios humanos com elevada qualificação técnica e interligação com as componentes operacionais.
 
Pelo referido, é facil extrair a necessidade de existir um modelo organizacional bem definido, estável e com os recursos adequados.
 
Ao referido há mais dois aspectos que devem estar sempre presentes: a aplicação de regras de economia de meios (os recursos são sempre escassos) e sobretudo a utilização de uma flexibilidade de conduta.
 
Como conclusão destas reflexões iniciais, pode dizer-se que o bom funcionamento da logística é uma face invisível e que o seu sucesso muitas vezes passa despercebido e, pelo contrário, o seu insucesso é realçado, mesmo quando há factos pouco significativos de que alguma coisa correu mal.
 
Hoje de um modo evolutivo, o conceito de logística avançou para um processo estratégico que é mais do que distribuição física, mais do que a simples gestão de materiais ou serviços, mais do que o (re)abastecimento, mas sim, isto tudo numa perspectiva global, mais quantificada e em que os fluxos de informação possibilitem um controlo e uma rapidez, que no caso militar são de importância vital.
 
No caso dos Serviços de Saúde, a logística ganha uma importância acrescida porque hoje há realidades novas que importa considerar e só a título de exemplo, pode citar-se o seguinte:
- a evolução constante e acelerada das ciências médicas,
- o grau de incerteza no planeamento de saúde em especial em situações de imprevisibilidade,
- a necessidade de uma mobilidade adequada e de transporte apropriado,
- a compatibilização de suas diferentes vertentes,
- a necessidade de reduzir custos através da optimização das opções de medicamentos ou artigos a fornecer,
- a importância de adequar a informação por circuitos de suporte adequados,
- e, sobretudo, o aumento quantificado da qualidade do abastecimento logístico.
 
Por outro lado, recentemente, as Forças Armadas têm sido cada vez mais chamadas a desempenhar desafios novos que, de uma forma muito pragmática, influenciam a logística sanitária, como por exemplo:
- a projecção imediata de Forças para teatros de operações inopinados, (Fig 2)
- apoio em situações-problema que se constituem relevantes para populações civis, (Fig 3)
- constituição e manutenção de reservas que se constituam possibilidades de apoio em situações de força maior. (Figs 5 e 6)
 
 
3.  Especificidades da logística num serviço de saúde
 
Do já referido sobressai, desde já, a possibilidade de vislumbrar especificidades.
No caso da logística aplicada à saúde militar aplicam-se, para além de todos os princípios e regras gerais da logística actual, incluindo a necessidade premente de racionalizar custos um conjunto de especificidades como por exemplo:
• Capacidade de apoiar os vários tipos de conflitos militares,
• Capacidade de possibilitar a projecção de Forças, muitas vezes de forma imediata, (Fig 4)
• Capacidade de constituir reservas ou apoiar situações de catástrofe,
• Capacidade de gerir as várias vertentes logísticas numa perspectiva polivalente.
 
Para conseguir a interligação de todos estes aspectos é, sobretudo, necessário:
Saber calcular as quantidades certas em quantidade e qualidade; conhecer a conduta operacional; ter altos níveis de prontidão; conhecer os diferentes TO e enquadrar-se numa linha hierárquica de Comando.
 
 
4.  Enquadramento histórico
 
Para dar corpo ao modo como é concebida a logística sanitária, são estabelecidos modelos de organização, que historicamente têm tido uma concepção relativamente semelhante.
 
Neste aspecto, importa referir que os modelos existentes têm-se baseado em 3 pilares básicos. O primeiro é o responsável central pelo enquadramento da gestão e planeamento. No caso do Exército esta estrutura central tem estado localizada no Comando da Logística e na Direcção dos Serviços de Saúde do Exército, procedendo a um accionamento e a um controlo dos aspectos técnicos, de qualidade, ou mesmo orçamentais, de todas as acções de fornecimento de bens e/ou serviços.
 
Os outros pilares têm sido as estruturas de execução operacional e funcional para a logística de medicamentos e de os outros artigos não considerados de consumo. Assim, no caso dos medicamentos e outros produtos farmacêuticos e químicos, surgiu em 1918, a Farmácia Central do Exército que mais tarde deu origem ao Laboratório Militar de Produtos Quimicos e Farmacêuticos. (Fig 7) Esta estrutura não se limitou apenas à produção, mas estabeleceu-se como uma unidade funcional de aquisição, armazenamento e distribuição, para além de assumir outras valências técnicas relevantes para o Exército.
 
A existência deste estabelecimento fabril desenvolveu-se desde 1918 até aos dias de hoje, sendo actualmente considerada a principal estrutura logística dos serviços de saúde do Exército. Não cabe aqui fazer a análise desta estrutura, no entanto, interessa realçar, face à mudança dos tempos, a sua capacidade de evolução e adaptação.
 
Paralelamente ao Laboratório Militar, a logística sanitária contou com o contributo de uma estrutura tipo Depósito, designada como Depósito Geral de Material Sanitário e hoje integrada no Depósito Geral de Material do Exército, ao qual foram atribuídas missões de depósito de material sanitário e de módulos sanitários fundamentalmente destinados à componente operacional.
 
Todas estas estruturas basicamente têm-se mantido, obviamente com processos de evolução e adaptação às diferentes necessidades de apoio, sendo certo no entanto, e só para citar alguns casos, o mérito reconhecido destas estruturas nos grandes empenhamentos do último século, essencialmente nas grandes projecções de forças para Flandres (1ª Guerra Mundial), nos territórios ultramarinos (1961-1974) e nas Operações de Manutenção de Paz (desde 1991 e até à actualidade).
 
 
5.  O modelo logístico sanitário actual
 
O Exército atravessa uma fase de reestruturação, sendo certo que há mudanças em curso que se reflectirão no futuro, sobretudo em alguns procedimentos e circuitos. No entanto, uma forma muito sintética, é possível referir que a logística sanitária é:
• Um modelo centralizado com alguns aspectos particulares descentrali­zados.
• Integra de forma complementar vários aspectos técnicos e acções logísticas como sejam: obtenção de artigos (aquisição normal, aquisição de artigos critícos, aquisição de artigos por importação especial, produção própria), obtenção/controlo de serviços laboratoriais e outros serviços de sanitarismo, armazenamento, distribuição, controlo técnico na aquisição de artigos com controlo de carga, catalogação e coordenação com a farmácia hospitalar e outros serviços hospitalares.
• Concentra todo o apoio sanitário numa estrutura simples gestão e controlo técnico em circuitos operacionais enquadrados pelos serviços de saúde.
 
 
6.  Conclusão
 
A logística sanitária destina-se a apoiar a componente operacional das Missões militares.
 
Efectivamente todos os paradigmas da sua intervenção basearam-se nas especificidades próprias da Saúde Militar.
 
A capacidade de fornecer “os bens ou serviços certos no momento em que são precisos, no local em que fazem falta e na quantidade adequada” em Missões militares, tem sido possível essencialmente pelos seguintes factos:
• Integração da logística nos serviços de saúde e uma coordenação total com a componente operacional que se pretende apoiar.
• Estruturas operacionais, claramente definidas, tecnicamente capazes e com a capacidade de flexibilizar circuitos e procedimentos.
• Diferenciação técnica e formação adequada de técnicos empenhados.
 
 
Fig 2
 
 
 
  
Fig 3 - Destacamento Sanitário 7 MONUA, 1997.
 
 
 
 
Fig 4
 
 
 
 
Fig 5 - Reserva sanitária de medicamentos.
 
 
 
 
Fig 6 - Reserva sanitária de equipamentos para o Hospital de Campanha.
 
 
 
 
Fig 7 - Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos.
 
___________
 
*      Ex-Director do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos.
 
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2006-10-22
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