Libros Relege, Volge, Lege:
O livro antigo na Biblioteca do Exército
Coord: Mário J. Freire da Silva e Tiago C.P. dos Reis Miranda
O Livro Antigo na Biblioteca do Exército, coordenado pelo respetivo diretor, o Coronel Mário Freire da Silva, em parceria com o Doutor Tiago Reis Miranda, do Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades (CIDEHUS) da Universidade de Évora, começa por incluir uma nota de abertura do Presidente da República, um prefácio do Ministro da Defesa, uma apresentação do General Chefe do Estado-Maior do Exército e uma introdução, escrita a duas mãos pelos seus coordenadores. O Livro inclui ainda, dezanove textos, desde a “Breve história da criação da Biblioteca do Exército (1773-1929)” por Mário Freire da Silva, a “Babel” da autoria de Ilídio Salteiro e à “Coleção do Livro Antigo da Biblioteca do Exército” por Berta Torrado e Henriqueta Santos. Inclui, ainda, um rico “Catálogo dos séculos XVI a XVIII e Manuscritos”, os índices de autores, obras anónimas e proveniências e notas biográficas dos autores. Os dezanove textos abordam temas tão diversos como “As proveniências conventuais na coleção de livro antigo da Biblioteca do Exército” (por Fernanda Campos), a análise dos livros quinhentistas (supremacia da História, desde Tito Lívio à Cosmographiae Universalis de Sebastian Munster, por Ana Isabel Buescu), seiscentistas (dominados pelo Padre António Vieira e pela História e arte militar, com destaque para as Guerras da Restauração) e setecentistas (marcados pela militarização da ciência, a par dos seiscentistas por César Freitas, Paula Mendes e Zulmira Santos), os livros dos Távoras (por Tiago Miranda), os descobrimentos de António Galvão (por Luciana Villas Bôas), a biblioteca do brigadeiro Bernardo de Wiederhold (por Pedro de Brito), a língua portuguesa (por Filomena Gonçalves), um atlas manuscrito (por Corrêa-Martins), as questões do direito (por Vitor Gil Prata) e da disciplina militar (destaque para Espejo y Deceplina Melitar, de Francisco de Valdés, de 1578, por Paulo Dias), do fenómeno da guerra em geral e de algumas guerras em particular (caso da Guerra da Restauração da Independência, por Adelino Matos Coelho), da fortificação (por Ribeiro Berger), do armamento e fardamento (por Jaime Regalado e Pedro Soares Branco) e dos regulamentos do Conde de Lippe (por Pedro de Brito). Na sua maioria, constitui um aprofundar do acervo militar da Biblioteca do Exército (1386 títulos e 2739 volumes da coleção de livro antigo), importante para consolidar a memória cultural da instituição, mas, sobretudo, de um Portugal rico de História, de “fortes gentes”, mas também de magníficos Livros, que materializaram investimentos na cultura de que hoje somos privilegiados beneficiários. Todo este acervo constitui um património importante para a consolidação, entre outras áreas temáticas, da história militar, da organização militar, da engenharia e arquitetura militar (destaque para a obra o Methodo lusitânico de desenhar as fortificaçoens das praças regulares, de 1680, escrito por Luís Serrão Pimentel) ou do comando e liderança no concerto das ciências militares, numa altura em que o Ensino Superior Militar ocupa o seu devido e merecido espaço no âmbito do Ensino Superior em Portugal e na Europa de Bolonha. Efetivamente, a Biblioteca do Exército constituiu, na sua génese, um estandarte fundamental no apoio à formação cultural e académica dos militares do Exército e em especial do seu corpo de oficiais (incentivados pelo Conde de Lippe), numa ligação sempre próxima com a Escola do Exército (atual Academia Militar).
Escrito 180 anos depois da entrega dos primeiros volumes do Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos à Secretaria do Ministério da Guerra, O Livro honra a memória e deixa um legado para o presente e para o futuro. Honra uma memória associada à abertura do espaço do livro das livrarias dos Conventos/Mosteiros/Colégios (o fenómeno da «desconstrução» referido por Fernanda Campos, p. 52) e das Universidades, às então novas bibliotecas abertas ao cidadão do Mundo, mais iluminado, com mais fé na razão humana, com mais espirito de contestação das conceções tradicionais e com mais vontade de mudança, inspirada na convicção da capacidade do Homem para transformar esse mesmo Mundo. Uma memória em que O Livro representava o conhecimento e em que o seu acesso era ainda muito condicionado pelas origens sociais. Uma memória em que o livro era certamente o testemunho da ciência e da arte, do debate e da reflexão, da razão e do coração, do registo e do pensar, do criar e do ousar, do sonhar e do legar, da ficção e da história, enfim, de uma cultura geral, neste caso pesada pela arte e ciência militar. Deixa um legado para o presente e, sobretudo, para um futuro incerto, em que O Livro vai perdendo espaço relativo na sua representação em papel (apesar de tudo nunca se publicou tanto em papel como hoje, apesar do crescendo do digital). Um presente e um futuro em que, apesar de tudo, a massificação da Universidade e a generalização do conhecimento pressiona a edição, nem sempre associada ao rigor e à qualidade e muitas vezes utilizando outros instrumentos e tecnologias de edição. Um futuro que condiciona crescentemente a leitura do Livro por razões de tempo, crescentemente escasso, pressionando as sínteses, os resumos e as imagens. Mas um futuro, em que, acreditamos, O Livro continuará a ser o instrumento da razão e da coragem, de uma nova roupagem do iluminismo, com um novo “ousar saber”, enfim, da nova forma de cultura, independentemente do formato da sua leitura. E será este o caso, com a abertura da Biblioteca do Exército ao livro digital e à sua disponibilização on line através do seu site e das várias plataformas em que se encontra integrada, o que permite o acesso ao Livro em segundos, a partir de qualquer parte do Mundo Novo em Mudança (facilitando assim, a consolidação das ciências militares, mas não dispensando a visita ao novo espaço ocupado pela Biblioteca do Exército).
Como refere Marcelo Rebelo de Sousa, “a presente obra representa um contributo inestimável para a História do Exército, ao recolher e sistematizar, de modo compreensivo e pedagógico, um acervo essencial para esse ramo das nossas Forças Armadas” (in Nota de Abertura, p. 13). Felicito os organizadores, os autores e todos os atores envolvidos nesta obra de referência, que releva indiscutivelmente a Biblioteca do Exército de Portugal (com o apoio feliz e significante da Universidade de Évora). A obra redescobre O Livro Antigo, os espólios esquecidos, e coloca-os à disposição dos novos leitores. Incentiva, ainda, os mais jovens a este tipo de trabalhos simultaneamente tão íntimo e discreto quão consequente, mas alvo de tanto empenho e dedicação por parte de alguns historiadores e técnicos menos conhecidos do público em geral.
É certamente um Livro para ler e reler, que contribui para o conhecimento, a divulgação, a valorização e a preservação do Livro Antigo. Como cidadão, como historiador e utente da Biblioteca do Exército, como militar do Exército, como presidente da Revista de Artilharia, como comandante da Academia Militar e como sócio da Revista Militar, os meus sinceros parabéns pelo excelente trabalho desenvolvido, com elevado sentido de oportunidade, enorme respeito pela memória, grande rigor e contributo indiscutível para a consolidação das ciências militares, elevado empenho e dedicação e, muito especialmente, com grande sentido de Legatus.
Major-General João Jorge Botelho Vieira Borges
Vogal da Direção da Revista Militar
Vogal da Direção da Revista Militar. Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar.