IN MEMORIAM
General José Alberto Loureiro dos Santos
(1936-2018)
Deixou-nos o General José Alberto Loureiro dos Santos.
Foi com estas palavras que o General Loureiro dos Santos começou o In Memoriam dedicado ao seu camarada e amigo, General Gabriel Augusto do Espírito Santo, publicado na Revista Militar, no seu número de novembro de 2014.
Deixou-nos no passado dia 17 de novembro de 2018, depois de cerca de três anos de luta contra a doença e o infortúnio, mas continuará certamente na nossa memória e no nosso coração, como o militar e o académico de excelência, como o camarada e amigo extremoso, sempre pronto a ajudar e sempre presente, e como o familiar exemplar para filhos e netos. Para todos, sem exceção, constituiu indiscutivelmente uma referência ética.
As manifestações de reconhecimento público surgiram dos mais diferentes quadrantes da sociedade portuguesa, desde o Presidente da República ao General Ramalho Eanes, passando por camaradas (dos mais antigos aos mais jovens), políticos, jornalistas, mulheres e homens de cultura, mulheres e homens de Sabrosa e cidadãos anónimos, que o acompanhavam através das suas obras ou dos seus comentários nos diferentes órgãos de comunicação social. Esse reconhecimento foi patente nas cerimónias fúnebres, desde o velório, que teve lugar na capela da Academia Militar, à última morada no talhão dos combatentes do cemitério de Carnaxide, muito perto da morada em vida e dos seus familiares mais próximos.
Apesar de nos ter deixado, sou um privilegiado!
Privei com o General Loureiro dos Santos como seu secretário, quando desempenhou as funções de Presidente da direção executiva da Revista de Artilharia, em acumulação com as de Chefe de Estado-Maior do Exército (CEME).
Privei, ainda, como seu aluno no mestrado em Estratégia no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) e, depois, como seu orientando na tese final.
Privei também, enquanto assessor do Instituto da Defesa Nacional (IDN) e comandante do Regimento de Artilharia AntiAérea 1, períodos em que me disse sempre “Presente”, em resposta a qualquer convite ou solicitação, fosse para conferências ou cerimónias.
Tive oportunidade de participar, com alguns dos seus camaradas e amigos (e coordenada pelos jovens Proença Garcia e Pires Lousada), na obra “Da História Militar e da Estratégia – Estudos de homenagem ao General Loureiro dos Santos”, publicada em 2013, com um texto em jeito de biografia, intitulado “Uma análise da obra e do pensamento do General Loureiro dos Santos”.
Tive oportunidade de apresentar alguns dos seus livros e de, mais recentemente, apresentar a sua biografia, da autoria da Luísa Meireles, na cidade do Porto, um excelente livro que faz jus à sua vida e obra (ver recensão nesta mesma Revista Militar).
Privei com o General Loureiro dos Santos e com a família (em especial os filhos, Cristina, Sofia e José Paulo, mas também os netos), nos bons e nos maus momentos, e em particular nas suas últimas horas de vida.
Por todas estas razões, sou um privilegiado, constituindo uma Honra e um Privilégio escrever estas linhas na sua e nossa Revista Militar.
O General Loureiro dos Santos foi Soldado, por convicção, Político, pelas contingências (da revolução de 25 de abril de 1974), Diplomata, por natureza, Professor, pelo saber e Comentador, por reconhecimento (dos camaradas, em particular, e dos portugueses, em geral). Pertencendo a uma geração que combateu, com a espada e a pena, por um Portugal livre, independente e democrático, deixou à minha geração um legado de saber, de carácter e de liderança.
O General Loureiro dos Santos foi um dos mais ilustres militares da sua geração, que combateu pela democracia e pela liberdade e que, como soldado, político, diplomata professor e escritor, serviu Portugal nas áreas da estratégia, da segurança, da defesa e das relações internacionais, sem deixar de defender as suas fortes convicções.
Considero, ainda, que constitui um exemplo de inteligência, de capacidade de adaptação a novas situações, de resiliência, de visão estratégica, de espírito de bem servir a Nação, mas também de coragem moral, de camaradagem, de capacidade pedagógica invulgar, de defesa permanente dos interesses nacionais, de grande seriedade e capacidade diplomática, de grande cultura multidisciplinar e de pensamento livre, com sentido de Estado.
A Academia Militar, onde o General Loureiro dos Santos assentou praça e de onde saiu para a última morada, continua a formar oficiais com Carácter, Saber e Liderança. E o General Loureiro dos Santos, que ao longo da sua vida sempre cuidou da sua Escola de Comandantes, incorpora todas estas qualidades, virtudes e competências.
O Caráter, presente desde o jovem com personalidade, firmeza e coerência de atitudes, através dos relatos dos seus colegas de escola, até, mais tarde, ao general, às decisões mais solitárias em defesa dos camaradas e ao serviço do Exército e da Pátria. Resistiu sempre às tentações com valores e atos, que marcaram todos à sua volta, militares ou civis, pois tudo o que sempre fez, disse e escreveu, foi pautado por elevação, dignidade e sentido construtivo.
O Saber ao longo da vida, desde a juventude até aos últimos dias da sua vida, desde o liceu à Escola do Exército, passando pelo Curso de Estado-Maior em Portugal e no Brasil (onde fez o doutoramento em Ciências Militares), pelo Instituto de Altos Estudos Militares (IAEM), mas também pelo ISCSP e pela Universidade Nova de Lisboa (UNL). Foi um leitor e um autor prolífero, com vasta obra publicada, mas sobretudo com pensamento. Com saber e coragem moral, marcou a política de segurança e defesa em Portugal durante mais de vinte anos. O saber está ainda presente no pensamento e nas ideias, que o tornaram num dos maiores pensadores da estratégia em Portugal.
E a Liderança, diferente da de outros, marcada pelo exemplo em Angola (austero, disciplinado e disciplinador), em Cabo Verde, durante o período revolucionário, como Ministro ou Vice-CEME, como Comandante do Centro de Instrução de Artilharia Antiaérea de Cascais (CIAAC), e como General, até chegar ao topo da carreira como CEME, que certamente teria sido mais longa se se deixasse levar pelas tentações do poder, em detrimento dos valores que comungava. Como líder, influenciava facilmente os seus superiores e subordinados, porque era reformador, tinha sentido prospetivo, nunca confundia o essencial com o acessório e dispunha de um sentido de serviço ímpar.
O General Loureiro dos Santos nasceu em Vilela do Douro – Paços, concelho de Sabrosa (Vila Real), a 28 de agosto de 1936 (oficialmente registado a 2 de setembro), em plena Guerra Civil de Espanha. Iniciou os seus estudos em Vila Pouca de Aguiar, tendo seguidamente frequentado o Liceu D. Manuel II, no Porto (atual liceu Rodrigo de Freitas – na companhia, entre outros, do seu amigo Espírito Santo), onde lhe foi atribuído o prémio nacional dos liceus (1953), em reconhecimento das suas elevadas capacidades intelectuais.
Terminado o Liceu, Loureiro dos Santos assentou praça como voluntário, na Escola do Exército (atual Academia Militar), em 15 de outubro de 1953. Frequentou a Escola do Exército, entre 1953 e 1956, e terminou como primeiro classificado do curso de Artilharia, na companhia, entre outros, do seu camarada e amigo Espírito Santo.
Ao longo da sua carreira de exceção, marcou Portugal e a Instituição Militar em todas as unidades, entidades, órgãos ou “ministérios” em que serviu, pela dedicação, pelo saber, pela inteligência, pelo sentido reformista e pelo sentido de futuro.
Como oficial de Artilharia, Loureiro dos Santos foi promovido sucessivamente a Alferes (1957), Tenente (1959), Capitão (1961), Major (1969), Tenente-coronel (1976) e Coronel (1979). Começou por servir na Escola Prática de Artilharia (em Vendas Novas) e no CIAAC, pouco antes de embarcar para uma comissão na Região Militar de Angola, entre 1962 e 1965, inicialmente como Comandante de Bateria de Artilharia Antiaérea 386 e, mais tarde, como adjunto da Repartição de Operações. De volta ao continente, serviu no Centro de Instrução de Condução Auto nº 3 (Elvas) e, logo no ano seguinte, frequentou o curso de Estado-Maior no IAEM – entre 1966 e 1969, com a classificação de “Distinto” e, pouco depois, o Curso de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro (em 1971 – onde fez um doutoramento em Ciências Militares). A partir de então, não mais deixaria de ser “o Professor”, não só do IAEM mas também do Instituto de Altos Estudos da Força Aérea, do IDN e, mais tarde, do ISCSP, muitas vezes em acumulações com funções de elevada responsabilidade.
As contingências da “condição militar” e da “guerra do ultramar” levariam o então Major de Artilharia, em 1972, a uma nova comissão em África (Cabo Verde), missão que seria interrompida pelo 25 de abril de 1974 – altura em que, com 37 anos, foi Encarregado do Governo, delegado da Junta de Salvação Nacional e Comandante-Chefe das Forças Armadas em Cabo Verde (entre maio e setembro de 1974).
O Major Loureiro dos Santos voltaria ao continente para servir no Estado-Maior do Exército (como Adjunto na Repartição de Gabinete), e, pouco depois, no Estado-Maior General das Forças Armadas, como Adjunto do Gabinete, Secretário Permanente do Conselho da Revolução (entre março e agosto de 1975) e Vice-Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas (VCEMGFA, a 6 de abril de 1977 – por inerência de funções, membro do Conselho da Revolução), então como Tenente-coronel, graduado em General. Neste período pós revolucionário, participou no planeamento e execução das operações que contiveram o golpe do 25 de novembro de 1975.
Terminadas as suas funções enquanto VCEMGFA (exonerado pelo General Ramalho Eanes a seu pedido, no final de 1977), voltou a ser professor no IAEM e assessor no IDN, mas por pouco tempo. Pouco depois, foi empossado nas funções de Ministro da Defesa Nacional (MDN) dos IV e V Governos Constitucionais (com Carlos Mota Pinto – entre 22 de novembro de 1978 e 7 de julho de 1979 – e depois com Maria de Lurdes Pintassilgo – entre 7 de julho de 1979 e 3 de janeiro de 1980).
Após o exercício das funções governamentais voltou ao Exército como Coronel, Comandante do CIAAC, entre 1980 e 1981, altura em que reformou toda a artilharia antiaérea portuguesa com processo de reequipamento de que ainda hoje usufruímos. Interromperia estas funções para servir no IAEM como professor do Curso Superior de Comando e Direção, tendo então sido promovido a Brigadeiro (1982) e indigitado como Diretor do Departamento de Operações do EME.
Como oficial general (General em 1987), Loureiro dos Santos viria a desempenhar várias funções, algumas delas em acumulação e de que destaco: Comandante da Zona Militar da Madeira e Comandante-Chefe das Forças Armadas na Madeira; Diretor da Arma de Artilharia; Quartel-Mestre General do Exército; e Diretor do Instituto de Altos Estudos Militares, de onde marchou (em razão do acidente brutal e mortal do General Mário Firmino Miguel) para o desempenho das funções de Chefe do Estado-Maior do Exército (e Diretor da Revista de Artilharia em acumulação, no biénio 1990/1), entre 1991 e 1992. Entretanto, deixaria estas nobres funções, na sequência de um exemplar pedido de demissão, quando entendeu (no âmbito da famosa lei dos Coronéis) “não ter condições para conseguir que o poder político anuísse a pontos de vista seus, alicerçados na opinião generalizada dos seus subordinados, sobre assuntos essenciais para a sua carreira…”.
Com a passagem à situação de reforma, o General Loureiro dos Santos fechou uma porta que limitava a sua liberdade de ação enquanto chefe militar, abrindo simultaneamente outra porta ao serviço da Nação, enquanto professor, observador e comentador atento das questões de Segurança e Defesa. Efetivamente, desde então, o General Loureiro dos Santos ganhou um espaço único na sociedade portu-
guesa, enquanto comentador respeitado (e por isso ouvido e lido) sobre assuntos de Estratégia, Segurança, Defesa e Relações Internacionais, em vários órgãos de comunicação social. Publicou inúmeros artigos em revistas e jornais, com destaque para a nossa Revista Militar (25 artigos e o In Memoriam de Espírito Santo – ver em artigos publicados, nesta mesma Revista Militar, de que foi sócio efetivo desde 1984), tendo também recebido o Prémio “Almirante Augusto Osório”. Editou várias obras, que continuam atuais no que respeita ao pensamento (nas áreas da História, Estratégia, Relações Internacionais e Segurança e Defesa) e de que destacamos: Apontamentos de História para Militares (1979); Forças Armadas, Defesa Nacional e Poder Político (1980); Incursões no Domínio da Estratégia (1983); Como Defender Portugal (1991); Reflexões sobre Estratégia (sete volumes de 2000 a 2014); Ceuta 1415 – A Conquista (2002); E depois do Iraque? General Loureiro dos Santos responde a Luísa Meireles (2003); A Ameaça Global – O Império em Cheque – A Guerra do Iraque em Crónicas (2008); General Câmara Pina (2010); História Concisa de Como se Faz a Guerra (2010); Forças Armadas em Portugal (2012); O Futuro da Guerra (2014); A Guerra no meio de nós – A Realidade dos conflitos do século XXI (2016). Na escrita dos seus últimos livros, dirigidos fundamentalmente ao Futuro, agradeceu o apoio reiterado dos companheiros que mais o apoiaram na sua escrita: o António Teixeira (genro da parte da filha Sofia) e o José Paulo (filho mais novo) na revisão e comentários; e o Carlos Miguel (neto da parte da filha Cristina) no apoio informático.
O General Loureiro dos Santos foi entretanto agraciado, entre outras, com as seguintes condecorações: Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo; Grau de Comendador da Ordem Militar de Avis; Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique; cinco medalhas de serviços distintos (uma de ouro e quatro de prata); duas medalhas de mérito militar (1.ª e 2.ª classes); medalhas de ouro e de prata de comportamento exemplar; medalhas Comemorativas das Campanhas de Angola e das Comissões de Serviços Especiais – Cabo Verde; Medalha de Ouro do Município de Sabrosa; Medalha de Ouro do Município de Vila Pouca de Aguiar; Medalha de Mérito, Grau Ouro, do Município de Oeiras. Possui ainda as seguintes condecorações estrangeiras: Medalha do Pacificador do Brasil, Grã-Cruz da Ordem de Mérito Militar com distintivo Branco, de Espanha; Grã-Cruz de Mérito Naval, de Espanha; Grande Oficial da Medalha da Ordem de Mérito, da República Italiana; Grã-Cruz da Ordem do Mérito Militar, do Brasil. Mais recentemente, a 30 de julho de 2018, foi agraciado pelo Presidente da República, Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.
Entretanto, o General Loureiro dos Santos foi Presidente da Assembleia Geral da Associação dos Militares na Reserva e na Reforma (ASMIR) e sócio efetivo da Academia das Ciências de Lisboa (um marco significativo no reconhecimento dos militares mais ilustres, como o seu antecessor na secção de letras, o General Câmara Pina), membro do Conselho Cientifico do Centro de Investigação de Segurança e Defesa do Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM – sucessor e herdeiro do IAEM), do Conselho de Honra do ISCSP e membro (cooptado) do Conselho Geral da Universidade Nova de Lisboa.
Mais recentemente contribuiu decididamente para a criação do CEISDTAD, o Centro de Estudos e Investigação de Segurança e Defesa de Trás-os-Montes e Alto Douro, que alia as competências e recursos do município de Sabrosa, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e do Exército Português. O General Loureiro dos Santos, que constitui uma referência de cidadania local, regional e nacional, doou à terra natal o seu vasto espólio, de índole bibliográfica, militar e mesmo pessoal, ao denominado “Espaço Vida e Obra” que se situa em Sabrosa, precisamente no edifício do CEISDTAD, em Sabrosa. Foi ainda eleito como primeiro (e único) Membro Honorário da sua Revista de Artilharia, em junho de 2018.
O seu legado nunca será esquecido, pois constitui uma referência de “Carácter, Saber e Liderança” para todos os Portugueses e em especial para os futuros oficiais das Forças Armadas e das Forças e Serviços de Segurança de Portugal.
Até sempre, meu General.
Major-general João Vieira Borges
Comandante da Academia Militar
Vogal da Direção da Revista Militar. Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar.