Nº 2614 - Novembro de 2019
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Israel e as suas intervenções pontuais e cirúrgicas crescentes no ‘Grande Médio Oriente’ alargado
Major
Carlos Filipe Henriques Pereira
Major
Vítor Martins Afonso Salgueiro

Introdução*

O Estado de Israel assume-se como uma nação que busca a paz e ambiciona evitar confrontos (Belfer Center, 2016), posição reforçada por um dos pensamentos de Golda Meir, ao afirmar que se os palestinianos baixarem as armas, haverá paz, mas se os israelitas baixarem as armas, não haverá mais Israel.

Carateriza-se por ser um país pequeno com recursos limitados e rodeado por países vizinhos que se constituem como uma ameaça (Stratfor Worldview, 2018), pelo que, para sobreviver, Israel deve saber gerir as ameaças que surgem fora do seu território e, para tal, deve ser constantemente inteligente (Friedman, 2011).

As relações no Médio Oriente (MO) e no Norte de África mudaram significativamente nos últimos anos, em resultado de diversos acontecimentos, tais como, a onda de manifestações e os protestos iniciados em dezembro de 2010, apelidada de Primavera Árabe, a corrida ao armamento nuclear do Irão e a ascensão do Estado Islâmico. Na Síria, Iraque, Líbia e Iémen decorrem guerras civis, o Irão e a Arábia Saudita intensificaram a luta pela hegemonia regional através das designadas proxy wars e as negociações entre Israel e a Palestina estão num impasse (Babbitt, Bell, Lempereur, Mandell, & Wolf, 2017).

Face aos acontecimentos recentes, o equilíbrio de interesses tem vindo a mudar. Os conflitos no MO não se resumem somente à oposição entre Israel e Palestina ou entre Israel e os Estados Árabes. Esta nova realidade política, incluindo a escalada de ameaças e atividades terroristas, aproximou Israel de alguns Estados Árabes, com os quais tem vindo a partilhar interesses comuns (Babbitt et al., 2017).

Por outro lado, a região do “Grande Médio Oriente Alargado” (GMOA), encruzilhada de três continentes, carateriza-se por ser a região mais rica do mundo em reservas conhecidas de petróleo e das mais ricas em gás natural. Contudo, os possíveis conflitos futuros na região poderão ter como fonte de ignição a disputa pela água.

O objetivo geral deste trabalho consiste em caracterizar os interesses geopolíticos do Estado judaico no GMOA, bem como analisar as intervenções militares de Israel nos conflitos que se desenrolam nesta área do globo.

Para tal, o trabalho vai iniciar-se com o enquadramento geográfico de Israel, a fim de ser possível projetar o conhecimento geográfico na atividade política. De seguida, abordaremos a política de Defesa de Israel, visando clarificar o atual ambiente estratégico e operacional e os fundamentos dos princípios gerais do emprego das Israel Defense Forces (IDF).

Após esta clarificação, abordaremos os interesses geopolíticos dos diversos atores na região, os quais irão contextualizar o capítulo seguinte relativamente à análise das intervenções militares israelitas nos países vizinhos.

A finalizar, iremos prospetivar os próximos passos do ponto de vista israelita.

 

1. A Defesa militar de Israel

Israel está ameaçado de aniquilação. Para alguns, a aniquilação de Israel significa a destruição física do Estado em que as suas principais cidades e população estão destinadas à destruição. Para outros, a ameaça é mais subtil, não envolvendo qualquer destruição imediata, mas eliminando a natureza judaica do Estado. Qualquer que seja a forma da ameaça, viver sob a nuvem de que a sua existência pode um dia terminar teve um profundo impacto no comportamento de Israel, bem como nas ações de outros Estados, tanto amigos quanto inimigos (David, 2009).

 

1.1. Geografia e fronteiras

O Estado de Israel possui aproximadamente 470 Km de comprimento por 135 Km de largura, no ponto mais largo do território. Faz fronteira com o Líbano, a Norte, com a Síria, a Nordeste, com a Jordânia, a Leste, com o Egipto, a Sudoeste e com o Mar Mediterrâneo, a Oeste (Embaixada de Israel em Portugal, 2018).

São três os fatores que determinam o carácter de Israel: (i) a sua posição no Mediterrâneo, na encruzilhada de três continentes e dois oceanos, e no limite entre o deserto e o terreno fértil; (ii) a topografia predominantemente montanhosa, onde predominam os calcários; e o (iii) clima caraterizado por invernos chuvosos e verões totalmente secos, que modelam o solo e a vegetação (Orni & Efrat, 1973).

O Estado de Israel é formado por três partes principais, conforme exposto na figura 1: (i) a região montanhosa a Norte, que se estende desde o sopé do Monte Hermon ao Sul de Jerusalém; (ii) a planíce costeira que se entende desde o Norte de Tel Aviv até Haifa; e (iii) a área ocupada entre Jerusalém e o rio Jordão, designada de West Bank (Friedman, 2011).

                                                                                                                                         Fonte: (Friedman, 2011)

Figura 1 – Localização de Israel.

 

O mar da Galileia (lago Kineret), situado entre os montes Golã e os montes da Galileia, a 212 metros abaixo do nível do mar, tem 8 km de largura e 21 km de comprimento. É o maior lago de Israel e é o principal reservatório de água do país. Aliás, a necessidade de controlar e diversificar os recursos hídricos tem sido uma faceta central no desenvolvimento das bases territoriais, demográficas e económicas do Estado de Israel, tendo desempenhado um papel crucial no cálculo geopolítico de Israel em relação à sua fronteira com a Síria (Morag, 2001).

Ao longo das margens situam-se alguns locais de importância histórica e religiosa, assim como comunidades agrícolas, de pesca e de turismo (Embaixada de Israel em Portugal, 2018).

O Mar Morto é o ponto mais baixo da terra, a aproximadamente 400 metros abaixo do nível do mar, e fica no extremo sul do Vale do Jordão. As águas do mar Morto apresentam o mais elevado nível de salinidade e densidade no mundo, são ricas em potássio, magnésio e bromo, assim como em sais industriais e de mesa. O ritmo natural de recessão do mar Morto tem sido acelerado nos últimos anos devido a uma taxa de evaporação muito alta (1,6 m anualmente) e a grandes projetos de desvios de Israel e da Jordânia, para suprir as suas necessidades de água, causando uma redução de 75% no fluxo de entrada de água (Embaixada de Israel em Portugal, 2018).

Do ponto de vista defensivo, Israel está protegido em três direções. O deserto do Sinai protege o território dos egípcios, resultante da enorme dificuldade logística para mobilizar Forças para este tipo de terreno. A Sudeste, Israel possui um obstáculo natural – o deserto de Negev, cuja travessia por uma força com grandes dimensões será impossível. Do lado Oriental, a segurança está garantida também pelo obstáculo natural que é dado pelo deserto, que começa a cerca de 20 a 30 milhas do rio Jordão e pelo controlo da Cisjordârnia. No Norte de Israel é onde se encontra a vulnerabilidade defensiva do país, uma vez que não existe nenhum obstáculo natural neste eixo de aproximação. A melhor linha defensiva neste setor é o Rio Litani com a condicionante de o mesmo não ser intransponível (Friedman, 2011).

Face às dimensões do seu território, Israel não possue a profundidade estratégica desejada, entendida como a distância física entre a ameaça e o que precisa ser defendido, para o empenhamento das suas forças militares, tendo somente 20 Km de largura na sua zona mais estreita.

O país é pequeno e, na ausência de profundidade estratégica, o espaço não pode ser trocado por tempo. Contudo, a doutrina estratégica israelita identifica ativos e oportunidades geográficas, na medida em que o pequeno tamanho e localização central do país em relação aos seus adversários conferem as vantagens das linhas internas: as forças podem ser rapidamente movimentadas de uma frente para outra (Ben-Horin & Posen, 1981).

Por outro lado, o controlo do mar poderá constituir-se como uma mais valia, apesar da presença russa e turca na região.

A ausência de profundidade estratégica também poderá ser um dos motivos pelo qual as IDF conduzem a guerra para fora do seu território sempre que possível, seja através dos ataques preemptivos seja através de rápidas contraofensivas, ou seja, para Israel, o teatro de operações começa no território dos seus vizinhos.

 

1.2. A Política de Defesa

Como vimos anteriormente, Israel é um país pequeno e sem profundidade estratégica, cercado por uma mistura hostil e regional de adversários estatais e não estatais, e tem permanecido num estado quase perpétuo de conflito desde 1948 (Vinson, 2014).

O planeamento estratégico para as IDF baseia-se nos interesses nacionais vitais, em pressupostos básicos de segurança nacional e nos princípios do pensamento e da ação militar. Os objetivos nacionais que orientam o planeamento são: (i) garantir a existência do Estado de Israel, defender a integridade territorial e a segurança dos seus cidadãos e habitantes; (ii) defender os valores do Estado e o seu caráter como Estado judaico e democrático como a terra natal do povo judaico; (iii) garantir a força social e económica do Estado de Israel; e (iv) fortalecer o estatuto internacional e regional do Estado de Israel enquanto se esforça para a obtenção da paz com os seus vizinhos (Belfer Center, 2016).

O Estado de Israel carateriza o ambiente estratégico internacional com as premissas que o seu inimigo ambiciona impor o domínio islâmico no MO, inclusive dentro do seu território, que os movimentos islâmicos aspiram a substituição dos regimes dos Estados e tentam estabelecer-se em zonas onde o governo é fraco, e a ocorrência de alguns conflitos com os Estados Ocidentais derivado à legitimidade internacional de Israel (Belfer Center, 2016).

Israel identificou a necessidade de adaptação das IDF às novas ameaças irregulares dos atores não-estatais e organizações terroristas suportadas pelo Irão. As ameaças ocorrerão nas linhas de fronteira, com um incremento do poder de fogo, através de volume, ritmo e precisão e na tentativa de atacar os pontos fracos no território e da economia nacional. A principal ameaça de intrusão no território de Israel, prende-se com facto de as ameaças estarem concentradas e alinhadas com outras Forças (Belfer Center, 2016). Por outro lado, a capacidade da realização de ataques simultâneos em várias direções, dependendo da sua capacidade de coordenação pode vir a representar uma séria ameaça para Israel (Friedman, 2011).

Israel enfrenta três grandes ameaças. A primeira, é a ameaça do eixo xiita liderado pelo Irão, que inclui aliados iranianos, nem todos xiitas, e é conhecido como o “eixo da resistência” por causa da sua ideologia dirigida ao Ocidente e a Israel. A segunda, é a ameaça resultante da incapacidade de resolver o conflito israelo-palestiniano. A terceira, é a ameaça de vários grupos jihadistas salafistas, especialmente o Daesh, bem como a Al-Qaeda e outros grupos dentro do campo jihadista global (Brom & Schweitzer, 2015; Belfer Center, 2016).

Como tal, Israel tem lutado contra o Hezbollah, no Líbano, e em outros lugares, contra o Hamas e a Jihad Islâmica, na frente palestina e, nos últimos anos, contra as proxies wars iranianas que operam contra Israel a partir da Síria (Orion, 2018).

O posicionamento de Israel é claro, tendo sido definidas uma série de linhas vermelhas que, se alcançadas, implicariam uma ação unilateral do exército israelita, conforme explicação do Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, no seu discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2017[1]:

“Nós agiremos para evitar que o Irão estabeleça bases militares permanentes na Síria para os seus exércitos terrestres, aéreos e marítimos. Atuaremos para impedir que o Irão produza armas mortais na Síria ou no Líbano para uso contra nós. E vamos agir para impedir que o Irão abra novas frentes terroristas contra Israel ao longo da fronteira norte”.

Este conceito e a forma de o alcançar está perfeitamente latente nos documentos orientadores da Política de Defesa Nacional (PDN) israelita.

Em relação às armas nucleares, importa referir que, devido ao pequeno tamanho geográfico de Israel e à concentração de grande parte da população no triângulo Tel Aviv – Jerusalém – Haifa, um número muito reduzido de armas nucleares poderia devastar o país. Se os adversários de Israel obtivessem armas nucleares, a sobrevivência de Israel seria questionada pela primeira vez desde a guerra de 1948 (David, 2009).

Não obstante as tentativas de controlo, o Irão está prestes a produzir armas nucleares, pelo que Israel tem tentado retardar este acontecimento. Contudo, o Irão tem muitos amigos poderosos, como a China, a Rússia e a França, e como o país é um importante fornecedor de petróleo e gás natural, a maioria dos seus clientes não quer ver as suas fontes de energia desaparecerem e resistirão a qualquer tentativa de sanções significativas (David, 2009).

Na vertente militar, a doutrina de segurança de Israel é refletida nos conceitos de dissuasão[2], alerta oportuno, defesa e decisão. As premissas subjacentes para esta doutrina são: (i) manter longos períodos de segurança, de forma a permitir o desenvolvimento da sociedade, da ciência e da economia e melhorar a prontidão para emergências e guerra; (ii) criar efeito de dissuasão no ambiente regional e nos elementos que podem vir a tornar-se uma ameaça através da criação de uma força militar forte e relevante com capacidade de empregar todo o poder militar quando necessário; (iii) durante os períodos de rotina, implementar, melhorar e manter a dissuasão; (iv) em períodos de emergências e guerra, eliminar rapidamente a ameaça de forma a minimizar os danos ao Estado de Israel e aumentar o efeito de dissuasão na região (Belfer Center, 2016).

Segundo David (2009), se a prevenção e a defesa não forem suficientes para deter um ataque nuclear iraniano contra Israel, então o foco deverá ser a dissuasão. A dissuasão pretende persuadir um oponente a não fazer algo que seja capaz de fazer quando ameaçado de punição.

O termo dissuasão refere-se à ameaça da utilização da força, a fim de desencorajar um oponente de tomar uma ação indesejada. Isto pode ser conseguido através da ameaça de retaliação (dissuasão por punição) ou negando os objetivos de guerra do oponente (dissuasão por negação) (Rühle, s.d.). Existindo racionalidade, o ator ameaçado pesa os custos e os benefícios da sua ação, e se os custos superam os benefícios, ele abstém-se dessa ação. Os Estados usam ameaças de dissuasão para influenciar o comportamento de outros Estados (Lieberman, 2009).

O conceito de atuação de Israel recorre a uma estratégia direta. A estratégia direta procura obter a dissuasão através do emprego de forças militares, sendo estas consideradas como o meio de coação principal (Borges, 2013).

A dissuasão não é apenas sobre os equilíbrios militares, mas também sobre os interesses. Se o interesse do adversário em alcançar um determinado objetivo for maior do que o seu, a dissuasão pode falhar (Rühle, s.d.), ou seja, os atores enunciam um conjunto de interesses que querem proteger e comprometem-se a defender esses interesses. O sucesso da dissuasão ativa a credibilidade das ameaças. A questão chave é: o que torna as ameaças credíveis? (Lieberman, 2009).

A dissuasão pode ser associada a um conjunto de medidas que são tomadas para influenciar a perceção do alvo, aumentando os custos e/ou diminuindo os benefícios do desenvolvimento, expansão ou da transferência de uma capacidade militar (Krepinevich & Martinage, 2008).

O elemento mais importante para a concretização da dissuasão é a capacidade. O estado desafiado deve ter a capacidade de negar ao desafiante os seus objetivos. A capacidade, no entanto, não é suficiente. O equilíbrio de interesses também é um elemento importante no processo de tomada de decisão. Um defensor pode ter a capacidade de negar ou punir um adversário, mas o adversário pode valorizar os interesses em jogo o suficiente para criar uma situação em que o defensor decide que não é do seu interesse lutar. Assim, o defensor também deve ter um forte interesse no conflito. Ter a determinação de defender uma questão específica é uma função da capacidade do defensor e da avaliação de interesse (Lieberman, 2009).

A nível nacional, uma capacidade militar é o conjunto de elementos que se articulam de forma harmoniosa e complementar e que contribuem para a realização de um conjunto de tarefas operacionais ou efeito que é necessário atingir, englobando componentes de doutrina, organização, treino, material, liderança, pessoal, infraestruturas e interoperabilidade (MDN, 2014).

Um elemento importante para tornar credíveis as ameaças dissuasivas é demonstrar determinação. Demonstrar determinação exige que um ator desenvolva uma reputação de resistência. Combatendo guerras, um ator desenvolve uma reputação que o separa de um ator fraco, que apenas tenta imitar o comportamento de atores durões (Lieberman, 2009).

Assim, é possível referir que Israel desenvolveu uma política, estratégia e cultura de dissuasão como uma necessidade estratégica, sendo que a dissuasão tem sido um pilar da estratégia de defesa nacional de Israel. Em particular, a dissuasão tem servido como base estratégica ao desenho e execução por parte das IDF de “operações de dissuasão” como uma ampla abordagem para alcançar e manter um estado relativo de dissuasão contra um conjunto de ameaças num ambiente dinâmico (Vinson, 2014).

Como princípios gerais para o emprego das IDF, o Estado de Israel identifica: (i) impedir o confronto e deter o inimigo, através da demostração de força e cooperações regionais e internacionais; (ii) alerta oportuno; (iii) defesa e proteção, em todas as quatro dimensões – ar, terra, mar e ciberespaço; e (iv) vitória e derrota, através da superioridade militar (Belfer Center, 2016).

As IDF podem ser empregues no contexto de três situações funcionais militares: situação de rotina, situação de emergência e situação de guerra. A situação de rotina refere-se à segurança contínua, a um confronto em curso e a uma campanha entre guerras. A situação de emergência refere-se a campanhas e operações limitadas que não se enquadram numa situação de guerra. Na situação de rotina, as operações ofensivas e defensivas destinam-se a reduzir a liberdade de ação do inimigo e pretendem criar legitimidade e liberdade de ação para Israel. Na situação de emergência limita-se o emprego da força militar, não se pretendendo obter uma mudança estratégica imediata. O propósito do uso da Força pretende dissuadir o inimigo a empregar a Força contra Israel. Na situação de guerra, o uso da Força carateriza-se pela mobilização significativa dos recursos militares tendo em vista alcançar a vitória (Belfer Center, 2016).

Face às situações funcionais militares de emprego das IDF, pode deferir-se que as mesmas se encontram num estado ativo de operacionalidade, indo ao encontro da doutrina de segurança, visando a dissuasão, alerta oportuno, defesa e decisão.

Assim, podemos concluir que a Doutrina militar israelita atualmente em vigor é uma resposta a um conjunto de restrições e problemas, a qual tem vindo a ser adaptada e reflexiva, face ao impacto das armas nucleares que o Irão pretende desenvolver e fruto do desenvolvimento do conflito na Síria.

 

2. Os atores na Região

Do ponto de vista israelita, os interesses geopolíticos na região encontram-se, em grande parte, projetados e comprimidos na guerra da Síria.

Em relação a esta guerra e de forma muito perfunctória, existem quatro fatores estratégicos que têm significativa influência sobre os desenvolvimentos futuros: o sucesso dos rebeldes em manter os seus postos avançados no norte da Síria e a construção de uma rota de acesso à fronteira com a Turquia; o intuito e a qualidade do envolvimento russo na Síria e a profundidade da cooperação entre a Rússia e o Irão; o nível de disposição entre as várias organizações rebeldes de unir forças e criar uma massa crítica para resistir ao regime de Assad; a dinâmica regional, nomeadamente, o campo sunita liderado pela Arábia Saudita contra o campo xiita liderado pelo Irão, que procuram aumentar a sua influência na Síria (Dekel, 2016).

Desta forma resumida, foi possível verificar a enorme quantidade de atores com interesses geopolíticos no conflito, os quais devem ser mais aprofundados. Na realidade, a Síria é, atualmente, uma importante plataforma internacional central (Magen, 2016).

 

2.1. Síria

A Síria é a principal passagem para o envio de armas iranianas para o Hezbollah, no Líbano (Rio, 2018).

A Síria está dentro da órbita iraniana, tem fronteira com o inimigo israelita e serve como um elo com o Hezbollah: se a Síria cai nas mãos da oposição sunita e, por extensão, da Arábia Saudita, seria uma séria derrota para o Irão, pois perderia a sua influência na área em benefício do seu inimigo sunita, e o Hezbollah estaria praticamente isolado e não seria mais uma ameaça para Israel (Rio, 2018).

A guerra na Síria permitiu, pela primeira vez, que as milícias xiitas, controladas pelo Irão pudessem ter acesso aos Montes Golã, com a possibilidade de expandir a linha da frente do Líbano entre o Hezbollah e Israel para o leito do rio Yarmuk, onde as fronteiras da Síria, Israel e Jordânia se encontram, o que permitirá cercar Israel (Cano, 2018).

 

2.2. Rússia

No conflito sírio, a Rússia tem um interesse substancial na coordenação com Israel e os dois países implementaram vários mecanismos para esse fim. Moscovo está ciente da necessidade de Israel impedir a consolidação de grupos terroristas na sua fronteira e também da sensibilidade de Israel para a presença iraniana na área de fronteira (Magen, 2016). Tal é a relevância que a Rússia adquiriu para Israel que, de setembro de 2015 a fevereiro de 2018, houve sete ocasiões em que oficialmente o Primeiro-Ministro Netanyahu se reuniu pessoalmente com o presidente russo. Os tópicos da conversa deveriam ter abordado a coordenação militar, especialmente no que diz respeito ao espaço aéreo, e o Irão, o Hezbollah e as linhas vermelhas sobre os Montes Golã definidas por Israel para não intervir diretamente na Síria (Cano, 2018).

 

2.3. Hezbollah

O Hezbollah é o exemplo mais bem-sucedido de organização dentro da rede de influência xiita que o Irão está a tecer no MO e é a chave para a sua expansão e o modelo que deseja instalar nos países em que interfere, como vai tentar no Iraque e na Síria e, quando chegar a hora, dependendo do resultado da guerra, no Iémen; o Hezbollah é o paradigma de sucesso do Irão e a ferramenta para atacar Israel (Cano, 2018). A conexão do Irão com o Hezbollah é o meio de influência de Teerão na política libanesa. O Irão, principal fornecedor das capacidades militares do Hezbollah, fornece à organização financiamento, armas e apoio estratégico que permitirão enfrentar Israel de maneira eficaz (Michael & Siboni, 2016).

Através da guerra na Síria, o Hezbollah deixou de ser uma potência local, circunscrita ao Líbano, para se tornar uma potência regional. A sua entrada no conflito sírio a favor do regime de Assad, na primavera de 2013, serviu de trampolim para a internacionalização no âmbito da estratégia da liderança iraniana para criar um eixo de resistência contra a Arábia Saudita, contra Israel e contra a influência americana na região (Cano, 2018).

O envolvimento da milícia libanesa na Síria e a importância que atribui ao conflito é elevado, o que justifica as grandes perdas sofridas e que, por exemplo, o seu líder militar, Mustafa Badreddine, tenha morrido em combate perto do aeroporto de Damasco, em 14 de maio de 2016 (Rio, 2018).

O envolvimento do Hezbollah no conflito sírio ampliou as capacidades do grupo (Hanauer, 2016) e tem inúmeras repercussões tácitas: a experiência em combate adquirida nos últimos cinco anos transformou-os num exército; adquiriu armas mais sofisticadas, entre os quais mísseis e foguetes com maior alcance e capacidade; desenvolveu novas capacidades, como o uso de mísseis no âmbito da guerra naval (semelhante ao que os Houthis, no Iémen, realizaram contra um navio saudita, em outubro de 2016), armas antitanque e o uso de drones avançados, incluindo a capacidade para piratear drones israelitas (Brom & Schweitzer, 2015; Michael & Siboni, 2016; Cano, 2018), os quais são usados em táticas de guerrilha (Michael & Siboni, 2016).

O Hezbollah baseia a sua abordagem operacional militar em vários aspetos. Uma delas é a construção de uma infraestrutura militar num ambiente civil, com o entendimento de que esse ambiente irá protegê-la, motivo pelo qual as bases do Hezbollah estão instaladas em centenas de aldeias no sul do Líbano (Michael & Siboni, 2016).

O aumento de forças, juntamente com a experiência operacional que acumulou nos combates na Síria, as características geográficas da área e a proximidade com a fronteira das comunidades israelitas tornam o Hezbollah uma ameaça potencial muito grave para a estabilidade na região (Michael & Siboni, 2016).

 

2.4 Israel

Israel é um dos principais atores do conflito sírio (Rio, 2018). Contudo, Israel não quer promover o colapso do regime de Assad, o que poderia criar um monstro, na medida em que todos os grupos extremistas que emergissem voltariam a sua atenção para Israel. Atendendo a que as forças armadas convencionais de Assad não representam uma ameaça militar a Israel, mesmo com a ajuda do Irão e da Rússia, e que Assad provou ser previsível e dissuasivo, o vácuo de segurança provocado pela queda do dirigente sírio poderia levar a escaramuças transfronteiriças ou a ataques ao território israelita. Para Israel, há, portanto, alguma lógica em preferir a sobrevivência de um demónio enfraquecido que ele conhece à incerteza do surgimento de um demónio que não conhece (Hanauer, 2016).

Para Israel, a principal prioridade e preocupação com a segurança, com a política internacional e o risco da sua existência é o Irão. Além da repetida retórica usada pelos líderes iranianos contra Israel, a República Islâmica do Irão tem aproveitado todos os conflitos no MO para aumentar a sua influência na região, além de expandir as suas redes de milícias xiitas, dispostas a lutar em qualquer frente com tropas iranianas e sob as ordens da Força Quds, a qual é responsável por projetar e implementar as políticas militares internacionais do Irão. Essa rede é global, composta de organizações não-estatais, com capacidade e experiência militar – algumas delas contra os EUA e Israel – e tem sido usada em países como a Síria, o Iraque, o Iémen, o Líbano ou o Afeganistão (Cano, 2018).

Contudo, a estratégia de Israel também mudou, tendo o Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu anunciado um novo nível de cooperação regional, que, segundo ele, surpreenderia muitos[3]. Em linha com esta ideia, o próprio Netanyahu, no seu discurso de 2014, à Assembleia Geral das Nações Unidas, disse «Há um novo Médio Oriente. Apresenta novos perigos, mas também novas oportunidades. Israel está preparado para trabalhar com os parceiros árabes e com a comunidade internacional para enfrentar esses perigos e aproveitar essas oportunidades. Juntos, temos que reconhecer a ameaça global do Islão militante, a prioridade de desmantelar a capacidade militar, a energia nuclear e o papel indispensável dos estados árabes para promover a paz com os palestinianos »[4].

Hoje, Israel compartilha objetivos estratégicos com a Arábia Saudita, abrindo um importante campo de colaboração entre os dois países e fazendo parte da dinâmica regional de Israel. Resta saber se se trata de uma questão conjuntural focada exclusivamente na ameaça iraniana e que, portanto, não implicará o reconhecimento de Israel no futuro (Cano, 2018) ou se será uma alteração mais profunda.

Desde o início da guerra, Israel adotou uma política de não-intervenção, enquanto reforçava três linhas vermelhas: ataques a Israel, transferência de armas químicas para elementos terroristas e transferência de armas avançadas para o Hezbollah (Orion, 2018).

 

3. As Intervenções Militares de Israel no “Grande Médio Oriente” alargado

A intervenção militar de Israel no GMOA tem-se traduzido em:

– Ataques israelitas contra alvos na Síria e no Líbano para impedir a transferência de armas avançadas para o Hezbollah, bem como para evitar as ameaças do Hezbollah na fronteira;

– Realização de ataques com o objetivo de dissuadir o Irão de construir instalações militares para o fabrico e operação de armas em território sírio;

– Coordenação com Rússia, EUA e Jordânia para estabelecer zonas de exclusão no sul da Síria, afastando o Hezbollah e outros aliados iranianos o mais longe possível da fronteira israelita (Cano, 2018).

O quadro 1 resume as vinte e sete intervenções militares de Israel, desde o ano de 2014[5], cuja versão completa pode ser consultada no apêndice A (pág. 1143), sendo possível verificar que Israel tem vindo a realizar intervenções militares cirúrgicas em perfeito alinhamento com as linhas vermelhas traçadas pelo seu Governo bem como visando retardar ou impedir a capacitação das forças inimigas na região.

 

Quadro 1 –Intervenções militares israelitas, no período 01/01/14 a 31/12/18[6].

DIA

MÊS

ANO

LOCAL

OBJETIVO

26

janeiro

2014

Latakia

Armazém de mísseis S-300

24

fevereiro

2014

Vale Beqaa

Base de mísseis do Hezbollah

7

dezembro

2014

Damasco

Armazém de mísseis S-300

18

janeiro

2015

Quneitra

Hight Value Target (HVT) do Hezbollah (Yihad Mughniyeh, Comandante nos Montes Golã) e das milícias iranianas

25

abril

2015

Qalamoun

Campos de treino do Hezbollah e comboio de armas

21

junho

2015

Vale Beqaa

Israel destruiu o seu próprio drone, o qual tinha sido abatido por forças sírias

20

agosto

2015

Montes
Golã

Eliminação de células operativas do Hezbollah que tinham disparado rockets em direção a Israel

21

agosto

2015

Montes
Golã

Eliminação de células operativas do Hezbollah que tinham disparado rockets em direção a Israel

31

outubro

2015

Qalamoun

Alvos do Hezbollah no sul da Síria, incluindo um comboio de armas

11

novembro

2015

Damasco

Armazéns de armas do Hezbollah

19

dezembro

2015

Jaramana

HVT do Hezbollah (Samir Qantar)

30

novembro

2016

as’Saboura

Complexo militar sírio em Damasco e comboio de armas do Hezbollah

7

dezembro

2016

Mezzeh

Inteligência militar síria, bem como vários arsenais e uma prisão

8

janeiro

2017

Zabadani

Diversas instalações do Hezbollah

12

janeiro

2017

Mezzeh

Depósito de munições sírio

22

fevereiro

2017

Damasco

Carregamento de armas do Hezbollah

17

março

2017

Palmyra

Após ataque aéreo com 4 aeronaves israelitas, vários mísseis sírios S-200 foram disparados; um míssil foi abatido por um “sistema de defesa aérea”, provavelmente o Arrow 3

27

abril

2017

Damasco

Depósito de munição usado por milícias apoiadas pelo Irão

7

setembro

2017

Masyaf 

Centro de pesquisa científica síria (sistemas de precisão para mísseis)

21

setembro

2017

Damasco

Depósito de armas sírio

16

outubro

2017

Damasco

Bateria antiaérea SA5 tipo de míssil

1

novembro

2017

Hisya

Fábrica de cobre síria

3

dezembro

2017

Damasco

Base militar síria

4

dezembro

2017

Jamraya 

Centro de pesquisa científica sírio

10

fevereiro

2018

Homs

Após captura de drone iraniano que entrou no espaço aéreo israelita e ataque aéreo ao local de controlo, um F-16 israelita é abatido pela antiaérea síria

10

maio

2018

Síria

Após ataque das forças iranianas Quds, múltiplos ataques foram lançados tendo em vista alvos iranianos e sírios, visando depósitos de armas, armazéns de apoio logístico e centros de inteligência

4

dezembro

2018

Kfarkela

Forças israelitas desencadearam uma operação terrestre tendo em vista destruir os túneis escavados pelo Hezbollah na fronteira norte de Israel

Figura 2 – Localização dos ataques israelitas.

 

A análise às intervenções militares israelitas demostra bem a vontade e a capacidade por parte de Israel em atacar preventivamente as capacidades iranianas e sírias à medida que emergem no teatro de operações, antes de amadurecerem como uma ameaça significativa, bem como a sua prontidão para atacar diretamente as forças iranianas e expor o envolvimento e o modus operandi do Irão. Não há dúvida de que o apoio da administração americana e a articulação operacional com a Rússia são um componente importante no espaço operacional (Orion, 2018), sem o qual seria extremamente difícil intervir no território sírio.

Orion (2018) refere que esta campanha de dissuasão que Israel tem vindo a adotar baseia-se na análise efetuada à estrutura iraniana instalada, a qual integra componentes funcionais essenciais em vários teatros, com adaptações locais. Do ponto de vista israelita, o sistema inimigo é construído da seguinte forma:

a) Os procuradores militares, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica palestiniana, As-Sabiroon e outras milícias xiitas (todos eles ostentando a insígnia da Guarda Revolucionária Iraniana) são os empregadores diretos da força nos teatros de operações adjacentes a Israel, visando desgastar a sua força e a impedi-lo de operar diretamente contra o Irão;

b) As áreas de apoio logístico (e.g. fábricas de armas, instalações de transição, depósitos e armazéns) permitem que os procuradores militares se armem para continuar o conflito;

c) Os países de acolhimento (Síria, Líbano, Iémen) permitem a construção e alavancamento das forças inimigas de Israel dentro dos seus territórios, em total impunidade;

d) Os mecanismos de sustentação desses atores por procuração visam financiar, treinar e armar, sendo a mais conhecida a força Quds, um dos cinco ramos da Guarda Revolucionária Iraniana, responsável pelas operações fora do Irão, incluindo a construção de organizações terroristas, recolha de inteligência, envolvimento em diplomacia e logística encobertas, e lançamento de ataques diretos.

Desta forma, conseguimos encontrar o racional para a atividade militar cirúrgica de Israel, o qual se pode considerar estar alinhado com o conceito basilar da sua política de defesa.

 

4. Perspetivas Futuras

À medida que o conflito sírio está a entrar numa nova fase, as partes começam a movimentar-se em direção a novas etapas e objetivos, onde a questão síria já é mais relativa. Para o Irão, a próxima fase deverá ser continuar a consolidar a Síria dentro da sua órbita da influência, mantendo o regime de Assad e transformando o país numa base para facilitar a contínua expansão do poder e livre fluxo de Teerão para o Líbano. Além disso, a possibilidade de ameaçar diretamente a fronteira israelita em duas frentes diferentes é um trunfo estratégico, para além do controlo do poder político na Síria (Cano, 2018).

A ameaça a Israel é cada vez mais diversificada e multidimensional. Atualmente, a ameaça é híbrida, baseada principalmente numa combinação de terrorismo multidimensional e guerrilha usando as ferramentas dos exércitos regulares. Mas o Líbano e a Síria permanecerão no olho do furacão porque, se Israel, a Arábia Saudita e os EUA quiserem acabar com o poder do Irão, terão que derrotar o Hezbollah e lançar uma ofensiva contra o regime sírio de Assad (Rio, 2018).

Para tal, Israel deverá conduzir uma campanha multidimensional, combinada e contínua, baseada nos princípios de continuidade (apenas existe uma campanha militar), profundidade (condução de operações contra todos os elementos do sistema inimigo nas três dimensões: geográfica, funcional e temporal) e paralelismo (combatendo o esforço nuclear iraniano e o braço armado que o suporta através das proxies). Para conseguir isso, deve fazer os seus inimigos perceberem que nunca poderão derrotá-lo à força e que os seus esforços são inúteis e exigirão um custo insuportável (Orion, 2018).

Por outro lado, Israel precisa aprofundar a sua aliança com o pragmático mundo sunita (Egito, Jordânia, Arábia Saudita e os Estados do Golfo), com os quais compartilha interesses comuns, na medida em que a prontidão para lidar com ameaças mútuas abre uma janela para os esforços cooperativos entre Israel e esses Estados. Esses interesses constituem uma base sem precedentes para o desenvolvimento de relações significativas com o bloco sunita que serão úteis a Israel tanto a curto como a longo prazo. A capacidade de trabalhar em conjunto para frustrar a irrupção iraniana e as aspirações do Irão em adquirir uma bomba nuclear e alcançar a hegemonia regional e a assistência israelita na luta contra o Daesh são importantes para ambos os lados. No entanto, forjar essas relações depende do progresso no caminho palestiniano (Cano, 2018).

Sobre a questão nuclear, Israel deverá continuar a impedir que o Irão adquira armas nucleares e manter o mais longe possível a obtenção dessa capacidade (Orion, 2018).

Israel evitou, com sucesso, ser arrastado para uma guerra em larga escala e a imagem dissuasora das suas capacidades militares permitiram o crescimento económico contínuo e a estabilidade estratégica. Enquanto isso, a ameaça convencional representada pelos exércitos regulares dos países vizinhos praticamente desapareceu, pelo que se julga que Israel deverá concentrar-se em implementar soluções para lidar com os grupos semi-estatais híbridos que possuem capacidades avançadas de terrorismo e guerrilha, onde se salienta o Hezbollah e os seus, cada vez mais temidos, foguetes e mísseis (Hour & Eisenstadt, 2018).

Por outro lado, julga-se que a Síria, o Irão e o Hezbollah vão continuar a trabalhar para estabelecer uma rede militar e de milícias nos montes Golã e ao longo de toda a fronteira norte de Israel. De facto, julga-se que o potencial para mais uma guerra – de escopo e complexidade sem precedentes – é um resultado da guerra civil na Síria, a qual tem permitido ao Irão construir uma infraestrutura militar na Síria e implementar a sua «legião estrangeira» xiita nas fronteiras de Israel.

De salientar que poderá haver um crescimento da violência na região tendo por base uma eventual resposta ao endurecimento das sanções internacionais contra o Irão.

A próxima guerra no norte de Israel envolverá, provavelmente, muitos atores em múltiplas frentes, a qual trará desafios sem precedentes, devido ao número de atores envolvidos, ao potencial de combate em várias frentes, teatros e domínios (incluindo o ciberespaço) e ao papel das grandes potências (Hour & Eisenstadt, 2018).

De acordo com Friedman (2011), um conflito armado com a intervenção de Israel pode resultar num de três cenários:

– Guerra do Líbano: uma guerra entre Israel e o Hezbollah no Líbano, na qual também participam o Irão, combatentes estrangeiros xiitas e até mesmo o Hamas. A frente Síria permanecerá controlada resultante das intervenções cirúrgicas de Israel com o objetivo de controlar os movimentos de armamento e combatentes para o Líbano;

– Guerra na Síria: uma guerra entre forças israelitas e iranianas, milícias xiitas (incluindo combatentes do Hezbollah) e talvez até mesmo elementos do Exército sírio. A frente libanesa não entrará no conflito;

– Guerra de duas frentes: uma guerra no Líbano e na Síria entre as tropas israelitas e iranianas, o Hezbollah, as milícias xiitas e talvez até elementos do Exército sírio, em que ambos os lados tratam o Líbano e a Síria como um único e unificado teatro de operações.

Friedman (2011), complementa o seu raciocínio referindo que todos os cenários atrás identificados ainda poderão originar as seguintes frentes de combate com o envolvimento de novos atores:

– A guerra no Líbano e/ou na Síria poderá originar ataques a Israel com origem na Faixa de Gaza, ataques terroristas no território de Israel, ataques de milícias xiitas a partir do Iraque e respetiva retaliação, ataques a interesses Israelitas, como por exemplo o tráfego marítimo no estreito de Bab Al-Mandeb por parte dos Houthis e respetiva retaliação por parte de Israel;

– Durante os combates na Síria ou no Líbano, Israel pode atacar o Irão com o objetivo principal de atacar o centro de gravidade da coligação inimiga de forma a influenciar o curso da guerra;

– O Irão, a partir do seu território, pode intensificar os ataques a Israel com o objetivo de destruir infraestruturas críticas e alvos militares, originando a retaliação de Israel, com possível apoio da Arábia Saudita e talvez os Emirados Árabes Unidos. A contraofensiva do Irão poderá ter como objetivo a sabotagem ou ataques cibernéticos nas instalações petrolíferas árabes no Golfo Pérsico, levando a uma escalada de conflito na região e talvez até a uma intervenção militar dos EUA.

Para além disso, como as capacidades militares de ambos os lados e o ambiente geopolítico estão a evoluir rapidamente, o caráter de uma futura guerra será grandemente influenciado pelo seu timing, o que poderá colocar em análise a realização de um ataque preemptivo por parte de Israel (Hour & Eisenstadt, 2018).

A Rússia continuará a ser um ator fundamental na Síria e poderá ser um fator chave numa futura guerra, podendo impedir Israel de usar força decisiva, motivo pelo qual ambos os países devem continuar a coordenação que tem vindo a ser realizada.

Por fim, uma questão em relação aos recursos hídricos na região, pois o desenvolvimento das bases territoriais, demográficas e económicas de Israel teve como papel central a necessidade de controlar e dispersar os recursos hídricos, cuja principal fonte de água localiza-se nos montes Golã, no lago Lineret. Contudo, face ao rápido desenvolvimento do país, a mesma não é suficiente para suprimir as suas necessidades (Morag, 2001).

Face à constante necessidade do recurso hídrico como garantia de desenvolvimento e bem-estar dos países, este assumirá um papel cada vez de maior relevo e possivelmente será uma das causas para o início de conflitos futuros na região.

 

Conclusões

Israel é um Estado pequeno e com reduzida profundidade estratégica, fatores que não têm impedido a Doutrina Estratégica israelita de identificar as oportunidades geográficas e as vantagens competitivas que o país possui, salientando-se o atual controlo dos montes Golã e o consequente domínio da sua principal fonte de água.

Ao longo do trabalho foi possível identificar que os interesses geopolíticos de Israel estão centrados no conflito na Síria, no frágil e hábil balanceamento do relacionamento com os Estados Árabes do Golfo e a Rússia, e nas tentativas de evitar ou retardar que o Irão possua armas nucleares.

O conflito da Síria originou uma escalada de ameaças e atividades terroristas junto às fronteiras de Israel, originando a possibilidade de instalação de uma infraestrutura militar xiita hostil junto às suas fronteiras. Por outro lado, o conflito permitiu o aparente desanuviamento ao nível das relações entre Israel e o pragmático mundo sunita com os quais compartilha interesses comuns.

Em relação às intervenções militares de Israel no GMOA, é possível afirmar que a Política de Defesa Nacional, o discurso político e a estratégia militar são claras em relação aos critérios, aos métodos e aos efeitos, tendo sido definidas linhas vermelhas concretas e pragmáticas cuja violação tem originado a ação militar cirúrgica.

Israel desenvolveu uma política, estratégia e cultura de dissuasão militar como uma necessidade estratégica e como resposta a um conjunto de restrições e problemas, face ao impacto das armas nucleares que o Irão pretende desenvolver e fruto do desenvolvimento do conflito na Síria, sendo que a dissuasão tem sido um pilar da estratégia de defesa nacional de Israel, aspeto que tem sido suportado pela determinação e capacidades demonstradas ao longo das últimas décadas.

A caracterização dos atores que gravitam em redor dos interesses geopolíticos de Israel permitiu cartografar as respetivas importâncias e interesses na região, o que permitiu determinar a grande complexidade existente atualmente na região e a quase inevitabilidade da ocorrência de uma guerra, fruto dos interesses altamente antagónicos que têm sido demonstrados.

A análise às intervenções militares israelitas demostra também a vontade e a capacidade de Israel em atacar preventivamente as capacidades sírias e do Hezbollah à medida que emergem no teatro de operações, bem como a sua prontidão para atacar diretamente as forças iranianas e expor o seu envolvimento e respetivo modus operandi. De salientar que tais intervenções não teriam sido possíveis sem o apoio da administração americana e a articulação operacional com a Rússia.

A exposição de uma série de cenários futuros permitiu percecionar a relevância que a Rússia continuará a ter na região, que a Síria, o Irão e o Hezbollah vão continuar a erguer as suas capacidades de forma a infligir ataques cada vez mais perigosos em direção ao território israelita e que novos atores poderão fazer parte deste tabuleiro bélico, aumentando consideravelmente as consequências nefastas deste conflito.

Assim, concluímos que, como as capacidades militares de ambos os lados e o ambiente geopolítico estão a evoluir rapidamente, o caráter de uma futura guerra será grandemente influenciado pelo seu timing, motivo pelo qual os desafios emergentes na região deverão continuar a ser acompanhados de forma permanente e próxima, salientando-se que as interdependências económicas e securitárias irão moldar parcerias, até há bem pouco tempo (aparentemente), improváveis.

 

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Quadro resumo das intervenções militares de Israel no GMOA (2014-2018)


* O texto corresponde a trabalho feito durante a frequência do Curso de Estado-Maior Conjunto 2018/2019, no Instituto Universitário Militar.

[1]    Discurso do Primeiro Ministro Netanyahu, na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 19 setembro 2017. Disponível em: http://www.pmo.gov.il/English/MediaCenter/Speeches/Pages/speechun190917.aspx.

[2]    Deterrence.

[3]    Gaza War Triggers Anti-Iranian Regional Alliance. CBN News. 9 agosto 2014. Disponível em http://www1.cbn.com/cbnnews/insideisrael/2014/august/gaza-war-triggers-anti-iranian-regional-alliance.

[4]    Discurso do Primeiro-Ministro Netanyahu na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 29 setembro 2014. Disponível em: http://mfa.gov.il/MFA/PressRoom/2014/Pages/PM-Netanyahu-addresses-the-UN-General-Assembly-29-Sep-2014.aspx.

[5]    Relembra-se que, entre 2010 e 2012, quatro cientistas nucleares iranianos – Masoud Alimohammadi, Majid Shahriari, Darioush Rezaeinejad e Mostafa Ahmadi Roshan – foram assassinados. Outro cientista, Fereydoon Abbasi, foi ferido numa tentativa de assassinato. Dois dos assassinatos foram realizados com bombas magnéticas presas aos carros dos alvos; Darioush Rezaeinejad foi morto a tiro e Masoud Alimohammadi foi morto numa explosão de um motociclo. Todos os ataques foram atribuídos a Israel.

[6]    Entre 4 de dezembro 2018 e 13 de janeiro de 2019, as IDF lançaram a Operação Northern Shield para localizar e destruir os túneis utilizados pelo Hezbollah para infiltração no Norte de Israel. Devido à tipologia da operação, a mesma não foi analisada e registada no quadro.

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Major

Carlos Filipe Henriques Pereira

Licenciado em Engenharia Militar pela Academia Militar. Habilitado, entre outros, com o Curso de Estado-Maior Conjunto, curso Avançado de Planeamento Militar Terrestre, Curso de Coordenador de Segurança, Curso CIMIC, Curso de defesa NBQ e Curso de Vigilância e Contra Vigilância.

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Major

Vítor Martins Afonso Salgueiro

Licenciado em Ciências Militares pela Academia Militar, especialidade GNR Armas.

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