Nº 2615 - Dezembro de 2019
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O P2V-5 em África

José Matos

 

Os primeiros dois P2V-5 Neptune foram entregues a Portugal em abril de 1960 vindos da Marinha Real Holandesa, que se preparava para substituir este modelo pelo P2V-7 Neptune. Os aviões tinham sido revistos na Aviolanda holandesa e faziam parte de um lote de 12 aeronaves que Portugal recebia para desempenhar missões de patrulhamento marítimo e de luta anti-submarina no âmbito da NATO. Os aviões eram fornecidos ao abrigo MAAG (Military Assistance Advisory Group) e destinavam-se à Esquadra 61 da Base Aérea n.º 6 (BA6), no Montijo, que operava anteriormente os Lockheed PV-2 Harpoon[1].

A chegada dos Neptune ao Montijo representou um salto qualitativo na capacidade de Portugal patrulhar o Atlântico, podendo o avião transportar diversas configurações de armamento. Com o início da guerra de África em 1961, a Força Aérea fez deslocar rapidamente vários meios aéreos para os chamados territórios ultramarinos e os P2V-5 passam também a ser usados nas colónias portuguesas em missões de natureza diversa. Para evitar as pressões políticas que tinham acontecido na Guiné com a deslocação dos caças F-86 de Monte Real, foi decidido que os Neptune estariam baseados no Montijo efectuando destacamentos pontuais em África consoante as necessidades.

 

Crédito – Paulo Alegria

Figura 1 – Ilustração de um P2-V5 Neptune.

 

Desta forma, os primeiros destacamentos de aviões P2V-5 em terras africanas são realizados, a título temporário, durante 1961, com a criação do Destacamento 61 na Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG). Baseado inicialmente em Bissau, este destacamento passa, no início de 1962, para a ilha do Sal, em Cabo Verde, onde a Força Aérea tinha o Aeródromo de Trânsito n.º 1 (AT1). O destacamento era composto por dois aviões P2V-5 e respectivas tripulações, além de uma equipa de elementos de manutenção e respectivo material de apoio, que garantia a reparação de pequenas avarias e as primeiras inspecções intermédias dos aviões ao fim de 30 horas de voo[2]. De referir que estas inspecções dos P2V-5 eram realizadas às 30, 60, 120, 180 e 240 horas de voo, sendo possível efectuar a primeira na ilha do Sal, pela equipa de manutenção da BA6. Sendo um avião fornecido pelo MAAG, a Força Aérea tinha algum cuidado nas deslocações que os Neptune faziam a Bissau, de forma a evitar qualquer constrangimento político que pudesse surgir no âmbito dos aliados da NATO, o que não impediu, no entanto, a FAP de manter em permanência um dos aviões e respectiva tripulação em Bissau.

 

Crédito Sargento-mor Touricas

Figura 2 – Um P2-V5 juntamente com um F-86 Sabre na ilha do Sal.

 

Na Guiné, este avião é usado em algumas missões de reconhecimento marítimo no arquipélago de Bijagós e também em missões de reconhecimento terrestre, percorrendo as fronteiras de toda a colónia, a fim de detectar possíveis linhas de infiltração da guerrilha[3]. Com o início da guerra, em 1963, o P2V-5 começa também a ser usado em missões ofensivas de fogueteamento e bombardeamentos diurnas e, mais tarde até, em missões de bombardeamento e flagelação nocturnas. O avião dispunha de um porão para bombas com 12 estações, onde podiam ser montados os suportes para a fixação de armamento, podendo levar desde bombas de 50 kg até bombas de 340 kg, além de outros tipos de armamento destinados à missão anti-submarino, como torpedos, cargas de profundidade e minas marítimas. Além disso, tinha também 16 suportes para foguetes, sob as asas, podendo normalmente levar foguetes de calibre 2.25”, 2.75” ou 5”, num total de 16 foguetes. Porém, o Neptune não dispunha de um sistema de pontaria que permitisse um bombardeamento de precisão, o que limitava o seu uso ao bombardeamento de área para fins de flagelação[4].

 

O fim do Destacamento 61

Entretanto, no início de 1963, o P2V-5 vê-se envolvido num novo teatro de operações em África. Por essa altura, a 2.ª Região Aérea em Angola solicita a criação de um destacamento idêntico ao que existia na ilha do Sal. Para esse fim, a Força Aérea desloca o material sobressalente e a equipa de manutenção que tinha no AT1 para a Base Aérea n.º 9 (BA9), em Luanda, ficando o apoio técnico do Destacamento 61 dependente unicamente da BA6 no Montijo. Esta decisão tem, no entanto, graves consequências no Destacamento 61, que se torna muito dispendioso e pouco rentável em termos operacionais. Sem o apoio da manutenção no Sal, qualquer reparação dos aviões implicava grandes períodos de inactividade aguardando o transporte de peças por via área a partir da metrópole ou então obrigando à deslocação de pessoal especializado do Montijo para reparar a aeronave avariada. Por outro lado, os aviões do destacamento tinham de ser rendidos ao fim de 60 horas de voo para efectuar a segunda inspecção intermédia na BA6. Levando em linha de conta que gastavam, destas 60 horas, cerca de 20 horas na viagem de ida e volta ao Sal, mais 13 horas de voo em duas viagens (de ida e volta) à Guiné, o seu rendimento operacional reduzia-se a cerca de 27 horas de voo operacionais disponíveis para um período de tempo de cerca de um mês e meio, período este que correspondia à possibilidade de rendição de aviões pela manutenção da BA6. Desta forma, podemos ver que o rendimento operacional dos P2V-5 na ZACVG era muito baixo e que a deslocação da equipa de manutenção para Luanda agravou a situação obrigando ao cancelamento do Destacamento 61, em finais de 1964. A partir de então, os P2V-5 da ZACVG passaram a estar sedeados na base do Montijo, onde a Força Aérea tinha sempre dois aviões e duas tripulações em prontidão para poder destacar para Cabo Verde ou Guiné, em caso de emergência ou de necessidade[5].

 

Entre Angola e Moçambique

Em Fevereiro de 1963 é então criado um novo destacamento de P2V-5 em Angola com a designação de Destacamento 62. A base de Luanda (BA9) passa a dispor de dois aviões e respectivas tripulações, além de uma equipa de manutenção e de um armazém de peças sobressalentes. Do ponto de vista operacional, o Destacamento 62 limita-se à realização de voos de reconhecimento, tanto em zona marítima como terrestre, tirando vantagem da enorme autonomia do P2V-5. Entretanto, em 1966, o Ministério da Defesa decide criar um novo destacamento de aviões na Base Aérea n.º 10 (BA10), na Beira, Moçambique, por causa do bloqueio naval imposto à Rodésia pela comunidade internacional. Esta crise foi provocada pela declaração unilateral da independência da Rodésia (hoje Zimbabwe), em Novembro de 1965, o que levou a Grã-Bretanha, com a cobertura do Conselho de Segurança da ONU, a decretar um embargo petrolífero contra o jovem país africano, em Abril de 1966. O embargo implicou o bloqueio do porto da Beira por uma força naval inglesa fazendo aumentar a tensão na zona. Neste ambiente de tensão, o Governo português faz deslocar para a zona tropas pára-quedistas, seis caças F-84G de Luanda e os dois Neptune que estavam na BA9, formando assim o Destacamento 63, na base da Beira. A decisão de transferir os aviões para Moçambique com as respectivas tripulações, material de apoio e pessoal de condução e manutenção não é bem aceite no comando aéreo de Angola, que se queixa junto do Estado-Maior da Força Aérea, devido às consequências negativas para a capacidade operacional da BA9 que tinha a extinção do Destacamento 62[6]. O general Almeida Viana, comandante da 2.ª RA, chamava a atenção para o facto do pessoal adstrito ao destacamento prestar também serviços de manutenção ao PV2 que estava em Luanda, que ficava assim desfalcado com a saída dos técnicos para Moçambique. Além disso, os dois capitães piloto que estavam no destacamento estavam também qualificados como comandantes do avião C-47, que via assim a sua operação também afectada, pois na base só existia mais um piloto qualificado para este avião. Almeida Viana pedia, por isso, que fossem colocadas na BA9 duas tripulações completas de aviões Noratlas em que os comandantes estivessem também qualificados em C-47[7].

No entanto, a decisão do ministro era irreversível e os aviões chegam à BA10 em Maio de 1966 e começam a fazer voos de reconhecimento marítimo numa faixa compreendida entre os paralelos da foz dos rios Save e Zambeze numa profundidade de 150 milhas. Durante o pico da crise rodesiana, os aviões conseguem desenvolver várias missões de reconhecimento, embora o potencial de horas voadas ficasse sempre aquém do potencial-mensal atribuído aos dois aviões (95h/mês). Mas, a partir de Outubro de 1966, a actividade operacional decresce e passa a ser praticamente residual, com voos esporádicos de reconhecimento marítimo quase nunca ultrapassando um máximo de uma saída semanal por tripulação. Esta fraca actividade operacional é devida essencialmente às más condições de manutenção do P2V-5 em Moçambique e aos atrasos no envio de sobressalentes da metrópole. Desta forma, os dois aviões passam longos períodos de inactividade e podemos ver que, durante 1967, voam apenas 293 horas, o que indica um rendimento operacional muito baixo, não justificando a sua permanência em Moçambique. Neste sentido, a Força Aérea propõe a concentração de todos os aviões P2V-5 na BA6, criando depois um sistema de alerta que permitisse a sua intervenção eficiente e oportuna em quaisquer dos teatros de operações africanos[8]. Chegava, assim, também, ao fim o Destacamento 63 em Moçambique, com o regresso ao Montijo, em 1968, dos dois aviões destacados na Beira. Entretanto, em agosto desse ano, era constituído na ilha do Sal um subcentro de busca e salvamento (SAR), por haver fortes dúvidas a nível internacional que o Senegal fosse capaz de garantir o centro SAR que tinha em Dakar. Dessa forma, um P2V-5, da Esquadra 61, passou a operar a partir de Cabo Verde em missões SAR, patrulhamento marítimo e fotografia aérea. Os Neptune continuariam assim a marcar presença nas três colónias portuguesas, mas, a partir de então, de forma pontual ou em destacamentos de curto prazo, deixando de haver destacamentos permanentes. No Montijo, os Neptune voavam cerca de 1500 horas por ano, uma média mensal de 10,5 horas por aviões atribuído, mas mesmo esta taxa baixíssima de utilização vai-se degradando a partir de 1971 com problemas de falta de pessoal e de disponibilidade das aeronaves[9]. Portugal era o único país da NATO que ainda usava este avião e a sua substituição tornava-se prioritária, mas por falta de verbas nunca viria a acontecer em tempo útil.

 


[1] MATOS, José e LANDEWERS, Arno – “U-Boot-Jäger Lockheed P2V-5 Neptune“ (Flieger Revue X, Outubro de 2016).

[2] ADN – F2.1/61/228/42 – Informação n.º 140 da 1.ª REP do SGDN: Destacamento de P2V-5 no Ultramar, 9 de Junho de 1967.

[3] Ibidem.

[4] Ibidem.

[5] Ibidem.

[6] ADN – F2.1/77/270/2 – Informação nº 14/66 do Comando da 2.ª Região Aérea: Consequências imediatas da extinção do Destacamento de aviões P2V5, 18 de maio de 1966.

[7]   Ibidem.

[8] ADN – F2.1/61/228/42 – Informação n.º 62/A/68 da 1ª REP do SGDN: Destacamentos de P2V-5 no Ultramar, 18 de março de 1968.

[9] ADN – F1/7/35/51 – Memorando da 3.ª REP do SGDN: Substituição dos P2V-5, 28 de outubro de 1971.

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