Nº 2627 - Dezembro de 2020
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Editorial
General
José Luiz Pinto Ramalho

Com a presente edição da Revista Militar termina o ano editorial de 2020, um ano marcado pela Pandemia que tem condicionado a nossa vida e, por extensão, todas as nossas atividades, quer profissionais quer familiares, designadamente, os nossos contactos que passaram a ser, preferencialmente, virtuais. Este facto levou a que um conjunto de atividades planeadas para o corrente ano não se viesse a realizar, concretamente os tradicionais Encontros da Revista Militar e a Workshop sobre as Políticas Públicas de Prestação do Serviço Militar à Republica.

Em contrapartida, foram publicadas duas edições sobre Temas da maior atualidade, com a participação de personalidades de reconhecida autoridade e prestígio nas matérias tratadas, quer sobre o impacto da Revolução Digital quer sobre a Pandemia COVID-19 que estamos a viver. Quer uma quer outra, produziram reflexões que afetam o nosso futuro próximo, apontam caminhos e constituem alertas que, em termos nacionais, deveriam merecer a maior atenção. Na verdade, verifica-se que a atualidade dos conteúdos da primeira está diretamente ligada a muitas das respostas aos desafios colocados pela segunda.

É um facto que, em termos internacionais e também nacionais, se foram esquecendo os ensinamentos e experiências do passado e confiámos demasiado no nosso desenvolvimento tecnológico, nas nossas opções económicas e de desenvolvimento humano e social. Não protegemos as nossas fragilidades, por incúria, por preconceito ou talvez por excesso de confiança nas nossas capacidades, na presumida rapidez da eficácia das nossas respostas, na inovação, no conhecimento científico, etc. Contudo, voltámos a ser surpreendidos por algo que era novo, para o qual não tínhamos meios específicos para o seu controlo e neutralização e confrontámo-nos com a realidade da doença e da morte, que não conseguimos evitar.

Temos visto apontar-se o ano de 2020 como um ano sem precedentes, pela disrupção mundial que tem provocado e que nenhuma sociedade estava preparada para os desafios da Pandemia COVID-19. Como já se referiu anteriormente, o grau de preparação e de resposta não foi o mesmo nas diferentes partes do mundo, o que revela que uns estavam, apesar de tudo, mais bem preparados do que outros, temos de reconhecer que a Comunidade Internacional – uns porque não podiam alocar recursos, outros porque não quiseram e outros ainda, por pura incúria ou incompetência – ignorou a memória histórica da Peste Negra de 1346-1353, a Gripe Espanhola/Pneumónica de 1918, esta a primeira verdadeira pandemia de nível global de que há registos sanitários, sociais e demográficos, mas também os avisos do final do século XX e princípio do atual, com as ocorrências do HIV, do SARS, do Ébola, do MERS e da Gripe H1N1. A Pandemia COVID-19 tornou nítidas as fragilidades das nossas sociedades, provocadas por falta de investimento em recursos humanos e infraestruturas e por falta de previsão e planeamento.

A leviandade com que continuamos a enfrentar estas questões estende-se também à maneira como temos lidado com a utilização da energia nuclear, designadamente, a sua proliferação em termos militares, mas também com as alterações climáticas, com a poluição, nomeadamente dos oceanos e com os desafios e riscos, que estão associados aos avanços da biotecnologia e da inteligência artificial. A ausência de mecanismos, quer de controlo e de contenção quer de ações concretas para corrigir disfunções, deixam, uma vez mais, a Comunidade Internacional à mercê de uma nova possível catástrofe.

Ao fim de quase um ano de pandemia, percebe-se quais os países que melhor têm vindo a responder aos desafios com que, sucessivamente, temos vindo a ser confrontados. A primeira linha de separação estabelece a diferença entre os que aprenderam com as realidades e planearam e prepararam as respostas para as situações que se adivinhavam e utilizaram judiciosamente, tempo e recursos, para ampliar e ajustar a capacidade de resposta, numa palavra – Preparação.

A segunda grande diferença tem a ver com a qualidade da liderança e capacidade de, rapidamente e de forma oportuna, tomar decisões, fruto de uma informação sustentada do ponto de vista científico, decorrente de uma atitude institucional de envolvimento formal da comunidade científica que crie, através de uma Comunicação clara, objetiva, mobilizadora e que motive, dê esperança e Confiança às populações.

Sobre estas matérias, em termos nacionais, podíamos ter feito melhor, pois ignoraram-se os alertas relativos à preparação de uma segunda vaga que já na altura se antecipava. Esses alertas começaram em abril e maio, que apontavam para a necessidade de se otimizarem recursos e se ampliar a capacidade hospitalar orientada para a COVID-19, pois já se estava a perceber o efeito que as insuficiências estavam a provocar no atendimento geral a outras patologias, quer em termos de diagnóstico precoce quer na resposta clínica a situações de intervenção atempada.

A experiência histórica da Gripe Pneumónica mostrou que, após o confinamento, o seu levantamento não acautelou as medidas de proteção que deveriam ter continuado a ser seguidas, possibilitando a eclosão de uma segunda vaga, mais gravosa e a necessitar de maiores exigências no domínio hospitalar, situação que a realidade atual não pode deixar de levantar comparações, interrogações e naturais críticas, quando observamos que, em 11 de junho, havia 1505 óbitos e, em 11 de dezembro, seis messes depois, existem 5461.

No domínio da prevenção e otimização de recursos merece referência a atual situação do antigo e erradamente desativado Hospital de Belém, vocacionado para atuação sanitária no tipo de patologia da presente Pandemia, objeto de um alerta para a sua urgente reativação, subscrito por uma centena de personalidades, que não teve sequer uma resposta do Primeiro-ministro, a quem foi dirigido, que desvalorizou e assumiu uma penosa indiferença, permitindo que continuasse, de forma persistente e sem suporte técnico adequado, um processo inapropriado às circunstâncias conduzido pelo MDN, de recuperação parcial de apenas de um ou dois andares e com capacidade clínica limitada, admitindo, inclusive, a alienação da infraestrutura.

Mais recentemente, relativamente ao Plano de Vacinação começam a surgir dúvidas quanto à sua consistência e eficácia, face às múltiplas varáveis em presença, algumas das quais dependentes de terceiras entidades, que o País não controla, dúvidas que poderiam ser evitadas se, à semelhança do que acontece noutros países, se atribuísse esse planeamento a uma instituição habituada a fazê-lo em ambiente de grande incerteza e a executá-lo nessas condições – as Forças Armadas.

Esta edição da Revista Militar pretende ser mais uma contribuição para uma reflexão sobre a matéria, desta vez com o artigo sobre o Combate à Tuberculose, no País e no passado recente, lembrando práticas e ações, quer preventivas quer de resposta efetiva, que devem constituir lições aprendidas a não serem ignoradas.

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* Presidente da Direção da Revista Militar.

 

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José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

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by CMG Armando Dias Correia