Nº 2635/2636 - Agosto/Setembro de 2021
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Crónicas Bibliográficas

Recrutamento no Exército Português

Do condado portucalense ao século XXI

 

Sendo o recrutamento militar um dos aspectos mais importantes da organização e um dos que mais influi na actividade militar – “quem não tem sucesso a recrutar não consegue ter os meios necessários para vencer”, como se lê na nótula introdutória –, este é, paradoxalmente, um dos temas menos abordados pelos estudos de História Militar. Os motivos não são fáceis de identificar, mas é possível que se liguem às características das fontes, escassas, pouco eloquentes e, frequentemente, silenciosas para cronologias mais recuadas, nomeadamente para a Idade Média; muito abundantes e demasiado prolixas para períodos mais avançados, circunstâncias que podem, quer num caso, quer no outro, ter funcionado como um factor dissuasor da sua abordagem. E ainda que existam já alguns trabalhos que se debruçaram sobre o tema – se bem que numa lógica mais ampla e enquadrada no estudo de um determinado período histórico –, nunca o tema do recrutamento foi objecto de uma análise própria e com uma abrangência cronológica tão alargada, cumprindo um arco que se inicia em 1128 e que se estende até aos nossos dias.

Nesse sentido, o trabalho que agora se apresenta, constitui, pelo seu carácter inovador, um recurso fundamental para o conhecimento da evolução do processo de recrutamento para os exércitos portugueses, desde o século XII até ao século XXI e, por isso, um elemento incontornável para todos quantos se dedicam à História Militar entendida numa dimensão multifacetada e não unicamente centrada nos episódios bélicos. De facto, a observação atenta dos modelos de recrutamento proporciona não só um melhor conhecimento das instituições militares e da sua organização, dos exércitos e da sua composição e dimensão, como permite uma visão mais ampla da própria sociedade e do contexto histórico em que esses modelos foram produzidos. Assim, foi em boa altura que o Comando do Pessoal do Exército de Portugal, em parceria com a Fronteira do Caos, deu à estampa a obra colectiva “Recrutamento no Exército Português. Do condado portucalense ao século XXI”.

Coordenada pelo Coronel Luís Barroso e pelo Tenente-coronel Carlos Filipe Afonso, que assinam também o texto introdutório onde, de certo modo, sintetizam os principais aspectos de cada um dos capítulos, esta obra inclui ainda uma nótula introdutória do Ajudante-General do Exército, Tenente-general José Fonseca e Sousa, e um prefácio da autoria do Chefe do Estado-Maior do Exército, General José Nunes da Fonseca.

Com mais de 550 páginas, com um aparato de grande qualidade (capa dura, papel couché e imagens a cores), este livro conta com a colaboração de treze historiadores (ora do Exército ora dos meios académicos), cada um especialista num período histórico específico, e está organizado em igual número de capítulos, numa abordagem diacrónica:

1. “O Recrutamento e a Mobilização na Reconquista Portuguesa – 1128-1249”. Tenente-coronel Carlos Filipe Afonso.

2. “O Recrutamento Militar Entre o Final da Reconquista e as Vésperas de Ceuta (1249-1415)”. Doutor Miguel Gomes Martins.

3. “Entre a Hispânia e o Norte de África (1415-1495)”. Mestre António Martins Costa.

4. “Recrutamento Militar no Século XVI Português: a inconsistência de um sistema (1495-1578)”. Doutor Gonçalo Couceiro Feio.

5. “A Mobilização, Recrutamento e Guerra Durante a Monarquia Dual (1581-1640)”. Doutor Luis Filipe Costa e Sousa.

6. “Da Aclamação à Restauração 1640-1668”. Tenente-coronel Abílio Lousada.

7. “Recrutamento e Mobilização no Antigo Regime (1701-1792)”. Major-general João Vieira Borges.

8. “A II Guerra Global Portuguesa (1793-1817)”. Brigadeiro-general Nuno Lemos Pires.

9. “O Recrutamento (1820-1887): O Contexto. Os Problemas. As Soluções?”. Mestre Marco Fortunato Arrifes.

10. “1890-1926: Fé e Deus ou Honra e Pátria. Quatro Décadas de Recrutamento”. Coronel Miguel Freire.

11. “Nação e Mobilização. Estratégia e Recrutamento na Era Salazar (1933 -1959) ”. Doutor António Paulo Duarte.

12. “A Guerra em África (1961-1974) Recrutamento e Mobilização das Tropas Portuguesas”. Tenente-coronel Pedro Marquês de Sousa.

13. “O Recrutamento no Portugal Democrático”. Major-general Rui M. Rodrigues Lopes.

Assim, pelo interesse do tema, pelo âmbito cronológico alargado e pelas novidades que encerra, creio que estamos perante uma obra que rapidamente se irá converter num estudo de referência obrigatória para futuros trabalhos de História Militar, os quais, sem uma abordagem das temáticas relacionadas com o recrutamento estarão, necessariamente, incompletos. Esperemos, por isso, que esta monografia tenha a divulgação que seguramente merece, eventualmente através de uma edição mais económica, de forma a chegar a um público vasto e diversificado.

E, por isso, espero poder vê-la rapidamente nos escaparates das livrarias. Ainda assim, é de saudar o Comando do Pessoal do Exército, que disponibiliza, a partir de hoje e de forma gratuita a todos os interessados a versão electrónica desta obra (em e-book e em pdf):

– https://assets.exercito.pt/SiteAssets/CmdPess/Livro_Recrutamento/recrutamento.aspx;

– https://bibliotecas.defesa.pt/ipac20/ipac.jsp?

session=16328534XO899.7014&profile=bdn&source=~!dglb&view=subscriptionsummary&uri=full=

3100024~!428619~!2&ri=2&aspect=subtab11&menu=search&ipp=20&spp=20&staffonly=&term=

Recrutamento+no+Ex%C3%A9rcito+Portugu%C3%AAs&index=.GW&uindex=&aspect=subtab11&menu=search&ri=2.

Nesta breve apresentação, não quero deixar de sublinhar que, mais uma vez, estamos em presença de um trabalho que articula o contributo das Forças Armadas e das Universidades, um caminho desbravado, nas últimas décadas do século XX pelo saudoso General Manuel Themudo Barata, então presidente da Comissão Portuguesa de História Militar e que tem nesta obra, depois de muitos outros, mais um importante marco de um trajecto que, tenho a certeza, continuará a ser percorrido em estreita colaboração.

Renovo os meus parabéns ao Comando de Pessoal do Exército Português por esta iniciativa e sublinho que foi um gosto e, simultaneamente, um orgulho, enquanto um dos autores, poder dar o meu modesto contributo para a realização desta obra, a partir de agora, essencial para o conhecimento dos diversos modelos de recrutamento que deram forma ao Exército Português entre a Idade Média e os nossos dias.

 

Nota da Direção

A Direção da Revista Militar felicita o Comando do Pessoal do Exército pela iniciativa desta obra e disponibilização na internet, bem como os coordenadores e os autores dos artigos. A recensão, que se agradece, resultou da intervenção do seu autor no Colóquio Recrutamento e Organização Militares na Península Ibérica (Séculos IV-XVI), da Associação Ibérica de História Militar (Palmela, 10 e 11 do corrente mês).

Doutor
Miguel Gomes Martins
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Doutor

Miguel Gomes Martins

Doutor em História da Idade Média pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (UC). Investigador do Instituto de Estudos Olisiponenses, Investigador integrado do Instituto de Estudos Medievais, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova, onde lecciona a cadeira opcional de História da Guerra na Idade Média.

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