Nº 2651 - Dezembro de 2022
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Crónicas Bibliográficas

GUERRA E MUDANÇAS

na Europa e no Mundo no Século XXI


 

“Guerra e Mudanças na Europa e no Mundo do Século XXI” é um livro escrito por António Telo em plena Guerra na Ucrânia e crise no Indo-Pacífico, com os riscos que isso acarreta.

O livro inclui três ensaios escritos entre 2019 e 2022, todos eles tendo por base a reflexão sobre as recentes macro mudanças no mundo e todos revistos e atualizados para efeitos desta edição da Tribuna

São três ensaios que têm em comum, nas palavras do autor, “a perspetiva global, a identificação das mudanças no mundo, o seu sentido, a sua lógica e a forma como vão alterar a nossa maneira de viver nas próximas décadas”. Transmitem, no seu conjunto, a sua visão síntese de uma das maiores mudanças da humanidade, que começou algures na transição para o século XXI, mas que está em curso e que, nalgumas vertentes (nomeadamente a ecológica) continuará por alguns anos.

A linha condutora principal é a segurança e a defesa, sem descurar outras dimensões, como a ecologia, os valores, a política, as relações internacionais, etc. A sua visão do Mundo é de síntese, desafio exigente e ao alcance de poucos historiadores que trabalham, na prática, aquilo que gosta de designar como a “História do Futuro”. A sua visão é assumidamente parcial e limitada, do sentido da mudança global, pois não mexe naquilo que designa como todas as gavetas do Móvel do Mundo. Nas suas palavras “Explicar é a missão e o dever da História, o que é diferente de descrever ou narrar.”. Mas só faz sínteses que tem conhecimento para tal, e não quem quer…

E assim podemos ler os três ensaios simultaneamente como explicação e reflexão, alinhados de acordo com um pensamento próprio e coerente, em vez de perdidos em revistas com diferentes opiniões sobre diversas matérias.

O primeiro intitulado “Um século depois, as lições da Grande Guerra” constitui uma reflexão sobre a Grande Guerra, virada para a Europa e sobre a mudança que esta vivia no começo do século XX, comparada com a que vive atualmente, cem anos depois. São as encruzilhadas de 1919 e de 2022, com as suas semelhanças e diferenças. Entre as diferenças destaca a crise ecológica, a tecnologia (em especial a inteligência artificial) e a sobrevivência da própria humanidade. Neste ensaio Portugal é mais desenvolvido, em função da necessidade de colocar em causa a historiografia tradicional portuguesa, marcada pelo encobrimento, pela mentira e pelos mitos (como já lemos no Livro “O CEP: Os militares sacrificados pela má política”). E termina com umas “inconclusivas conclusões”, que incluem a seguinte observação: “O centro de tudo, como sempre aconteceu, é a renovação do pensamento e dos valores. É por isso que os críticos são a única esperança, a censura o grande inimigo e a História (a verdadeira, não a esponja) o único professor”.

O segundo ensaio intitulado “O paradigma do poder naval no século XXI”, diz respeito à mudança do paradigma do poder naval no século XXI, o qual está atualizado com dados já posteriores ao início da Guerra na Ucrânia. Termina este ensaio com 16 conclusões para se compreender a evolução do poder naval no século XXI, das quais destaco quatro:

– Os poderes hegemónicos nos sistemas mundiais têm sido sempre navais, sendo normal uma situação de aliança para impor os seus valores (Portugal, Espanha, Inglaterra, EUA…);

– Os poderes emergentes que desafiam a situação existente começaram sempre por desencadear uma corrida naval para desafiar o poder hegemónico;

– A corrida naval é muito intensa na Ásia (Índico e Pacífico – em que a China passou de 3 para 13% mundial em 32 anos), menor no Medio Oriente e Mediterrâneo e pouco intensa no Atlântico;

– O papel do mar para a humanidade mudou igualmente; falta renovar o pensamento e fazer renascer a U.E., que nas últimas décadas de tornou o elo fraco da NATO, em particular no campo naval, que era antes o seu ponto forte.

O terceiro ensaio intitulado “O inesperado Mundo novo/ Guerra e Mudança em 2022” é o mais recente e diz respeito àquilo que denomina como as locomotivas da mudança do mundo atual (na Europa e no Mundo) e ao sentido das transformações em curso. Nesta reflexão destaca quatro grandes eixos da mudança:

– 1º, A grande crise ecológica, que tem o potencial de provocar catastróficas mudanças numa escala global;

– 2º, A explosão demográfica, entendida como uma bomba ativa, não só em termos dos números absolutos, mas igualmente em termos da pegada ecológica da população;

– 3º, O crescimento do caos, entendido como «tempestade perfeita», onde vários fatores negativos se alimentam mutuamente, provocando um fenómeno de degradação geral da sociedade, que tende a ser exportado pela migração de formas de vida animal e vegetal;

– 4º, e A deriva dos pesos relativos, com ondas de choque nas zonas de fronteira e consequente aumento da conflitualidade.

Segue-se uma reflexão sobre a mudança da conflitualidade, um novo entendimento da defesa e segurança, a evolução da defesa nas democracias da Europa, a influência da atual guerra surpresa na Ucrânia neste processo de mudança do Mundo, a mudança na Europa, a mudança no Mundo e uma defesa diferente para as democracias em jeito de considerações finais.

Destaca que, em termos gerais, o mundo mudou drasticamente com a guerra da Ucrânia e que esta acelerou o processo e levou a importantes alterações na política de defesa das democracias. Desafio os leitores e lerem e refletirem sobre as diferentes mudanças. Sublinha ainda, que a Guerra (e não a Operação Militar Especial) se transformou na grande oportunidade de renascimento da União Europeia, o que deveria implicar a alteração de quase todas as suas políticas. Destaca ainda, que “o grande inimigo conceptual é «mais do mesmo», ou seja, a ideia que a solução para os problemas do futuro é colocar mais dinheiro nas soluções do passado. Não é! Quem seguir esse caminho, agrava o problema, não o resolve”.

Para António Telo, “a janela de oportunidade existe. Falta saber se a atual geração de europeus é capaz de se adaptar de forma rápida à mudança, como fizeram muitas vezes os seus antepassados.”.

Escrito em plena Guerra na Ucrânia e crise no Indo-Pacífico, este livro de António Telo é simultaneamente retrospetivo, contemporâneo e prospetivo relativamente à Guerra, à Europa e ao Mundo. A sua visão sustentada, crítica, inovadora, pessoal e corajosa, em jeito de “aviso para comandantes, líderes e políticos”, constitui uma mais valia para quem pensa e reflete o Mundo do Século XXI. e as mudanças em curso, não só no âmbito da segurança e defesa.

Aos leitores, o nosso desafio à leitura, mas muito especialmente à reflexão e à renovação do pensamento e dos conceitos, pois todos somos parte da mudança em curso.

 

A Revista Militar agradece a amável oferta do livro e felicita o autor e a Editora Tribuna da História.

 

Major-general João Vieira Borges

Vogal da Direção da Revista Militar

Major-general
João Jorge Botelho Vieira Borges
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