Grandezas e Misérias do Império
A. Gonçalves Ribeiro
“Grandezas e Misérias do Império”, da autoria do General Gonçalves Ribeiro é uma obra estruturante do Programa “Fim do Império”, que tem a parceria da Liga dos Combatentes, da Comissão Portuguesa de História Militar e da Câmara Muni-
cipal de Oeiras.
O autor, que como Tenente-Coronel de Cavalaria foi Secretário-Geral do Alto Comissariado, coordenou e dinamizou a exemplar ponte aérea e marítima de Angola para Portugal, é recordado e elogiado por centenas de milhar de portugueses radicados em Angola, que então regressaram a Portugal com parte dos seus bens.
Nascido em Castelo Branco, Gonçalves Ribeiro, que já então tinha cumprido três comissões militares no Ultramar, teve depois uma carreira singular, como Alto-Comissário para os Desalojados, Ministro da Administração Interna, Representante Militar Nacional no SHAPE/NATO, e finalmente como primeiro Diretor-Geral de Política de Defesa Nacional (até dezembro de 2000), altura em que voltou aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa para a tão importante e exemplar aproximação, seja no âmbito bilateral, seja depois no âmbito da CPLP. Publicou depois “A vertigem da Descolonização”, em 2003, “O Reencontro”, em 2006, e em 2021, em plena Covid-19 estas “Grandezas e Misérias do Império”.
Como refere o TGEN Chito Rodrigues no Exórdio, trata-se de uma análise critica de como o General Gonçalves Ribeiro viveu e interpreta os bons e os menos bons momentos da História de Portugal.
Como se pode constatar pelo índice, o livro aborda a História de Portugal, através de uma viagem de 560 anos, entre a conquista de Ceuta em 1415 e a ponte aérea e marítima de Angola em 1975, momento emblemático da perda do Império, em que o autor foi protagonista, mas pelas boas razões.
São 560 anos de História de grandezas e misérias, resumidas em 470 páginas, por quem viveu intensamente o seu período final, seja como combatente na guerra, seja depois como construtor da paz.
Mas o livro é muito mais do que experiência, opiniões e perceções, pois o autor suporta-se de inúmeras fontes históricas (excelente bibliografia – de cariz marcadamente pessoal) para sustentar as suas afirmações, muito influenciadas por uma matriz geopolítica adaptada a cada tempo e a cada situação concreta, em especial aos territórios ultramarinos.
Num curto prefácio explica os seus objetivos, e a metodologia, que passa pela difícil resposta a 34 questões relacionadas com a História de Portugal, em que encontrou grandezas e misérias, sucessos e desaires, mas também o poder das circunstâncias. Entre as questões levantadas destacamos três, que os decisores de hoje e de amanhã, devem fazer em prol de um Portugal independente e soberano: Que interesses nos moveram? Que ideais nos nortearam? Que marcas deixámos?
E entre as inúmeras situações históricas, destacou as mais significativas, sem esquecer os grandes líderes (como Afonso de Albuquerque e Mem de Sá). Começou com a conquista de Ceuta, o caminho marítimo para a Índia e a descoberta do Brasil, e passou pela presença em África, pela União Ibérica, pela restauração da Independência, pelas invasões francesas, pela independência do Brasil, pela guerra civil, pela regeneração, pela redescoberta de África, pelas campanhas militares e demarcação de fronteiras, pela Primeira República e o papel de Portugal na Grande Guerra, pelo Estado Novo e a II Guerra Mundial, pela Guerra Colonial e pela III República e a descolonização, onde sublinha a importância da ponte aérea e marítima de Angola, em plena guerra civil, de que foi ator importante.
Este último capítulo inclui dados marcantes sobre a ponte aérea, que teve lugar entre o início de setembro e 3 de novembro (905 aviões – 173.982 pessoas – no total cerca de 300.000 entre maio de 1974 e 3 de novembro de 1975 – no recenseamento a 30Jun78 – o tal levantado foi de 463.315 ), sobre a ponte marítima (20 navios de carga e 8 porta-viaturas – 261.600 m3 de carga e 16.527 viaturas) e mesmo sobre o trabalho (de excelência) que o autor desenvolveu posteriormente como Alto-Comissário para os desalojados.
Gonçalves Ribeiro termina a obra com um Epílogo, relativo à situação dos últimos dias da independência de Angola, com destaque para o simbolismo do arrear da última Bandeira Nacional hasteada na fortaleza de S. Miguel em Luanda, na tarde do dia 10 de novembro de 1975. O simbolismo e a dignidade estão bem presentes nas cinco imagens que junta ao texto, cujas palavras finais passo a citar:
“O dia 11 de novembro de 1975 estava a nascer. Um novo Estado soberano, Angola, juntava-se à sociedade das nações. Cinco séculos e seis décadas, após Ceuta, Portugal «regressava ao ovo», deixando atrás de si, mundo fora, sete novos países e pegadas históricas indeléveis.”
Em todos os períodos históricos analisados, desde Ceuta à Guerra Colonial, faz uma síntese histórica e no final uma análise da situação dos diferentes territórios ultramarinos, normalmente por esta ordem: Angola, S. Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné, Moçambique, Estado da Índia, Brasil, Macau e Timor.
A sua leitura da História de Portugal é objetiva e realista, pois tanto sublinha a grandeza dos descobrimentos ou da Batalha de Diu, como releva as misérias relacionadas com a corrupção desenfreada durante a queda do Império do Oriente. Tanto enaltece os verdadeiros comandantes e estrategos, como censura os reis fracos e os políticos inábeis.
Premeditadamente, deixa ao leitor a liberdade de ação para as identificar e para descortinar as suas próprias conclusões. Mas existem duas constantes: a coragem do povo português, verdadeiro construtor dos sonhos imperiais, mas condicionado pela própria demografia; e o amor a Portugal, centro da narrativa como Estado soberano, independentemente da ascensão e queda como potência Imperial (no sentido positivo do termo).
“Grandezas e Misérias do Império”, passa assim a ser uma das obras de leitura obrigatória do “Programa Fim do Império”, pois aborda muito claramente esse mesmo Império, do seu início ao seu final, com uma escrita esclarecida, complementada com notas de rodapé complementares (e muitas vezes sustentadas pelos testemunhos do autor), que auxiliam o leitor a fazer a sua análise e a traçar as suas conclusões.
Ao General Gonçalves Ribeiro, os nossos parabéns por esta visão pessoal de 560 anos de História de Portugal, e os nossos sinceros e sentidos agradecimentos pelo muito que fez em prol de milhares de portugueses durante a ponte aérea e marítima de Angola para Portugal (de que fizemos parte), legado de excelência, que faz parte do final desta obra.
A Revista Militar felicita o autor pela publicação desta obra e agradece a oferta do exemplar que passou a contar no seu acervo bibliográfico.
Major-general João Vieira Borges
Vogal da Direção da Revista Militar
Vogal da Direção da Revista Militar. Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar.