Nº 2662 - Novembro de 2023
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O fim do Serviço Militar Obrigatório (um erro trágico e outras considerações)
Tenente-coronel PilAv
João José Brandão Ferreira

 

“As Forças Armadas são poder executivo da consciência nacional,

O braço da Pátria, a Nação em atalaia, a vigilância dos berços,

O resguardo dos túmulos, a segurança do presente e do porvir.

Nobreza não há maior que a da sua missão”1

Batista Pereira

 

A queda do Muro de Berlim, em 1989, colocou em movimento uniformemente acelerado o fim da conscrição, em tempo de paz, na maioria dos países europeus.

A conscrição foi uma medida que se tinha generalizado a partir da Revolução Francesa, a chamada “Nação em Armas”. O único país que sempre resistiu à conscrição foi a Grã-Bretanha. Tal devia-se a que o mar e a “Royal Navy” (mais tarde, a Royal Air Force) protegiam as ilhas britânicas e seus habitantes – um povo essencialmente de mercadores, que só conseguiu a paz interna a partir da “Revolução Gloriosa”, em 1688, mas cuja união com os escoceses só foi obtida em meados do século XVIII, após a batalha de Culloden, em 16 de Abril de 1746 (paz que, na Irlanda do Norte, ainda hoje não foi conseguida) – e que só passou a necessitar de um exército “expedicionário”. Não obstante terem sempre aperfeiçoado um sistema de defesa do seu território, com uma logística adequada para facilmente aumentar ou diminuir os efectivos, conforme as necessidades.

Outro exemplo importante – a que não é estranha a matriz cultural inglesa – de Forças Armadas (FA) de recrutamento voluntário são os EUA, que o adoptaram novamente, após os graves problemas que tiveram com a conscrição, por via da guerra do Vietname. Mas os americanos dispõem de um universo de recrutamento enorme, alta tecnologia e fundos financeiros “inesgotáveis” e não têm ameaças directas ao seu território, desde a guerra que moveram à Espanha, em 1898 – e com a ameaça de tal poder ter ocorrido com ataques japoneses à costa oeste, durante a Segunda Guerra Mundial. A crise dos mísseis de Cuba, em 1961, foi um epifenómeno.

Existem basicamente três sistemas de serviço militar: o voluntário, isto é, aquele onde só existem voluntários nas Forças Armadas, que servem mediante contratos de duração variável, renováveis ou não; o de conscrição geral e obrigatória, que se renova anualmente e que servem durante um período
de tempo estabelecido; e um sistema misto, onde todos, ou uma parte dos recrutáveis, cumpre um tempo mínimo de serviço e depois, os que entendem, voluntariam-se para servirem em regime de contrato por mais anos, recebendo uma instrução mais específica e avançada.

Em todos os sistemas pode (quanto a nós deve) ser montada uma organização que permita uma mobilização rápida em qualquer altura e se mantém algum treino anual de reservistas, sendo tudo articulado, de preferência, com o sistema de protecção civil2.

Todos aqueles, ou aquelas, que por qualquer motivo fiquem afastados do cumprimento de obrigações militares, devem prestar um serviço cívico de idêntica penosidade.

Qualquer dos sistemas tem vantagens, inconvenientes e consequências, que vamos analisar sucintamente.

No sistema voluntário ninguém é obrigado a cumprir serviço militar. Quem se sente motivado alista-se por períodos de serviço variável que podem ser renovados.

Daqui nasce uma primeira vantagem: respeita-se a opção de cada jovem quanto a cumprir ou não o serviço militar.

O voluntariado permite uma prestação de serviço por um período mais longo de tempo, feito por pessoal, à partida, mais motivado para tal. Tal facto vai fazer com que se tire maior rendimento da instrução, melhore a profissionalização, aumentando o treino das unidades e a sua coesão. Obtemos assim uma segunda vantagem: a maior prontidão operacional e eficiência das unidades, sendo mais fácil acompanhar o evoluir da técnica e da táctica.

Quando se obtém maior capacidade técnica na operação e manutenção dos sistemas de armas, em especial os mais sofisticados, consegue tirar-se maior rendimento dos mesmos e prolongar a sua vida útil. Daqui deriva uma terceira vantagem: uma redução substancial nos custos de manutenção.

Como o sistema de voluntariado compete no mercado de trabalho, a remuneração auferida pelos militares aumenta proporcionalmente. Deste modo gera postos de trabalho; é outra vantagem.

No entanto, este tipo de recrutamento está sujeito às oscilações do mercado de trabalho e a factores sociais de toda a ordem. Surge assim a primeira desvantagem: pode não garantir que os efectivos sejam atingidos e, ou, que os elementos recrutados deixem de representar a população do País. Se este último factor se aliar ao monopólio da força detido pelas Forças Armadas pode criar tensões ou divisão entre estas e a população, gerando desconfiança. Pode levar à criação de um sentimento elitista negativo. É um segundo inconveniente.

A estas, juntam-se duas outras desvantagens: a remuneração elevada aumenta os gastos com o pessoal e a falta de um serviço militar obrigatório (SMO) prejudica a capacidade mobilizadora de uma Nação. Em períodos de crise grave, as forças disponíveis podem estar aquém do necessário.

O SMO é a antítese deste sistema. Podemos dizer que a sua expressão máxima se encontra em Israel, na Suíça e, até há pouco tempo, em França e na Alemanha.

Como o nome indica, o sistema assenta na obrigatoriedade do cumprimento do serviço militar por parte de todos os mancebos em condições de o fazer.

Esta obrigação justifica-se pelo dever cívico de cada cidadão em contribuir para a defesa e segurança do País que foi seu berço.

A prestação de serviço inicia-se com uma instrução militar intensiva – a recruta – destinada a transformar o cidadão civil num soldado. Segue-se uma instrução de especialidade, de modo a habilitar cada um a uma função específica. O resto do tempo é aplicado em treino operacional.

Uma primeira vantagem desenha-se desde logo: sendo o SMO a prestação de um dever, este facto leva a uma consciencialização da cidadania, a um melhor conhecimento do país e das suas gentes e ao estabelecimento de laços de solidariedade.

Aplicando-se, sempre que possível, o princípio da universalidade, isto é, abrangendo todos os jovens, obtêm-se umas Forças Armadas que se identificam com a sociedade donde emanam, havendo uma maior interpenetração entre uma e outra.

A manipulação por grupos político-económicos torna-se muito mais difícil. Segunda vantagem.

Se a maior parte da população receber treino militar, e se for reciclada periodicamente, mais facilmente volta às fileiras e se integra nas unidades combatentes ou de apoio. Obtém-se assim uma vantagem significativa, aumenta-se de forma sensível o potencial humano a empregar, ao mesmo tempo que a população fica melhor preparada para encarar a resistência activa em caso de invasão.

Como se pode dispor de um largo contingente, facilmente se podem seleccionar os homens com as aptidões necessárias para as diferentes necessidades técnicas e funcionais das Forças Armadas, o que representa uma outra vantagem. Ao permitir contactos diversificados, o SMO faculta aos jovens uma visão mais global do seu País e das suas gentes e uma experiência importante no campo do relacionamento humano: nova vantagem.

Como a remuneração ao pessoal em SMO é baixa, dado tratar-se de um “serviço” para com a comunidade, deriva uma última vantagem: podem ter-se efectivos elevados com custos menores.

O Serviço Militar constitui ainda um factor de valorização para os jovens que por ele são abrangidos e, por via disso, é toda a Nação que se valoriza.

O objectivo das Forças Armadas em tempo de paz é prepararem-se para fazer face a qualquer tipo de ameaça ou agressão externa. É com este pressuposto que se elaboram os programas de treino do pessoal a incorporar, abrangendo basicamente três áreas: técnico-militar, cívico-militar e educação física.

Todos os jovens saem valorizados no aspecto físico, sendo de realçar que grande parte deles não praticou qualquer desporto ou actividade física antes de ir para a “tropa”.

De realçar que a educação física ministrada vai melhorar a capacidade psico-motora e facilitar o equilíbrio emocional dos jovens. Desta instrução nasce, em muitos, o gosto pela sua prática regular.

A valorização no aspecto cívico é importante tanto mais se tiver em conta que esta educação está muito descurada a nível social, familiar e escolar.

A consciencialização sobre as razões da existência das Forças Armadas e suas características peculiares, pela passagem nas fileiras, vão ajudar o mancebo a adaptar-se psicológica e sociologicamente à Instituição Militar e a torná-lo cidadão mais responsável.

Por último, muitas das especialidades existentes nas Forças Armadas têm um valor relevante no mercado de trabalho. Milhares de jovens obtêm deste modo uma qualificação profissional que lhes será útil mais tarde na vida civil. Por outro lado, muitas das actividades profissionais já adquiridas pelos jovens podem continuar a ser praticadas durante o seu Serviço Militar.

Qualquer dos sistemas adoptados deve procurar, acima de tudo, valorizar e adestrar o melhor possível o contingente, pois ainda é o Homem, como sempre foi, o elemento fundamental nos Exércitos e a chave da vitória.

Ao contrário do voluntariado, o SMO pode colidir com vários interesses particulares dos jovens, tais como, a vida familiar, os estudos, o emprego, etc. Tal facto representa um inconveniente, tanto mais grave quanto menor for a consciência cívica dos jovens, o que se traduz em desmotivação no cumprimento dos deveres militares.

Quando se recrutam jovens que já estão a exercer uma actividade profissional pode com isto prejudicar-se alguns sectores da vida produtiva do País. É, pois, um segundo inconveniente.

A eventual desmotivação já mencionada e o curto período que os jovens passam nas fileiras não permite aprofundar a instrução e atingir os graus de proficiência elevados. Daqui derivam dois males: menor prontidão das unidades e maiores custos de manutenção.

É raro encontrarem-se, hoje em dia, estes dois sistemas em estado puro. A maioria dos países tenta aproveitar e conciliar, tanto quanto possível, as vantagens de ambos.

A República Federal da Alemanha foi paradigma dessa opção. Sensivelmente metade dos seus 500.000 homens do tempo de Guerra-Fria estava em SMO e a outra metade em regime de contrato variável. A Bélgica, Dinamarca, Holanda, etc., apresentavam altas percentagens de voluntários.

Em Portugal, a Constituição da República, através do seu artigo 276º (até ser revisto), não deixava dúvidas quanto à opção pelo SMO, havendo unanimidade parlamentar em relação ao assunto. No entanto, o recrutamento nunca foi universal, alistando-se voluntários e contratados. Na prática existiu um regime misto.

 

*****

 

Em Portugal houve sempre problemas no recrutamento militar desde o início da nacionalidade. Todos os esforços efectuados, bem como a legislação aprovada, nunca foram de molde a conseguir um equilíbrio razoável entre as necessidades, as disponibilidades e o estabelecimento de uma organização minimamente estável e oleada.

Desde Afonso Henriques que se reconheceu a necessidade e a importância da Defesa do Reino e foi ganhando foros de matriz nacional a organização das milícias dos Concelhos, que se podem considerar os verdadeiros antepassados, entre nós, do SMO.

A falta de riqueza, de armas, de cavalos, a exiguidade populacional, a falta de gente de guerra treinada e a necessidade de braços para a agricultura e, depois, para a Marinha e Ultramar, obrigou a que, na maioria das épocas, toda a organização militar do Reino vivesse de solavancos, descaso e pobreza.

Quando o país corria perigo lá se ia, à pressa, de qualquer maneira, tentar remediar as inexistências com os graves prejuízos daí resultantes3.

Foi com a proclamação da República e a Reorganização do Exército de 1911 que se tentou instaurar, com uma doutrina fundamentada, o serviço militar obrigatório, a tal Nação em Armas, em termos permanentes.

Mas a instabilidade política e social que cedo se desenvolveu e as atribulações muito graves decorrentes da nossa participação na I Guerra Mundial, nomeadamente na Flandres, prejudicou catastroficamente qualquer sistema que funcionasse.

Foi, sobretudo, a partir dos anos de 1930, nomeadamente a partir da reforma da Armada, em 1931 e depois a reorganização do Exército, em 1937, com as ameaças da Guerra Civil de Espanha e da II Guerra Mundial, à porta, que a “tropa” portuguesa começou a ganhar estrutura e expressão, e com ela o sistema de recrutamento e mobilização.

Tal não parou de ser melhorado, durante os anos de 1940 e 1950 (quando passou até a ser socialmente penalizante os mancebos não serem apurados para o serviço militar – a ida às “sortes”) e aprimorou-se a partir de 1961, quando a totalidade dos jovens portugueses foi chamada a combater em África.

Com o regresso forçado e em condições traumáticas às fronteiras europeias, os efectivos foram reduzidos drasticamente e muitos milhares tiveram que ser dispensados (saneados), após a má conta que deram de si, durante a rebaldaria do “PREC” (Processo Revolucionário em Curso – 1974/5).

Foi preciso começar tudo quase do princípio. Mas o SMO manteve-se, só que em vez de se chamar todo o contingente – o que devia ser feito por uma questão de justiça, uniformização de procedimentos e doutrina, o contingente incorporado era aleatório e objecto de numerosas excepções.

Como o Poder Político, desde então, passou a ligar aos assuntos de defesa aquilo que um nómada liga a estar confinado num apartamento, e a pensar dos militares o que a mourama diz do toucinho, as Forças Armadas começaram a ser asfixiadas, primeiro em termos financeiros, depois em termos de pessoal, finalmente em termos administrativos.

Resultou que, ter militares nos quartéis, mesmo aproveitados como mão-de-obra barata, sem haver meios para os manterem em instrução, ou treino permanentes, tão pouco em estado elevado de prontidão, começou a deteriorar o cumprimento do serviço militar e a questionar a sua utilidade.

Este estado de coisas passou a incomodar os próprios militares do quadro permanente, confrontados com uma cada vez maior complexidade na tecnologia dos armamentos e equipamentos e seu emprego táctico, o que exigia uma cada vez maior preparação, instrução e permanência em funções, para compensar os custos e garantir o enquadramento operacional e logístico.

Acresce que o nível de facilitismo nas diferentes áreas da comunidade, exaltação do indivíduo, perante o grupo, a família, a Nação, o exacerbamento dos “direitos” sobre os “deveres” e muitos outros atributos da sociedade actual, onde se deve destacar a relativização dos princípios da Ética e da Moral, vieram aumentar exponencialmente o contraste e antagonismo entre os valores da sociedade e aqueles que se tentam fazer prevalecer nas Forças Armadas – e queremos deixar bem claro e desde já, que estes são muito superiores àqueles (sem que esta afirmação se esteja a defender a militarização do país).

A questão tornou-se insustentável, quando os Partidos Políticos, através das suas “juventudes”, começaram a fazer campanha contra a obrigatoriedade do Serviço Militar e, para tal, tudo servia. A Juventude Social Democrata foi a que mais se distinguiu neste labor.

A bem da verdade, o único Partido que não alinhou nesta campanha foi o PCP que, em abono da sua “coerência”, nunca concordou com a extinção do SMO.

A campanha contra o SMO nos órgãos de comunicação social não mais parou.

O assunto ainda passou por uma fase intermédia (entre existir e desaparecer) absolutamente ridícula e cómica, se não fosse trágica, e que se narra em duas linhas.

Durante o consulado do Ministro da Defesa Nacional, Fernando Nogueira, decretou-se, em 1991, a redução do tempo de SMO, para quatro meses4.

Tal medida fez espoletar uma não menor e portentosa resposta do principal partido da oposição, então o PS, que fuzilou a medida, subentendendo que esta pecava por ser pouco ambiciosa e que o período de SMO – convenientemente rebaptizado de “Serviço Efectivo Normal” (SEN) – devia ser não de quatro, mas três meses…

As chefias militares primaram durante todo o período em que este assunto esteve a ser cozinhado em lume brando, por uma ausência quase total da discussão pública, como se tal em nada lhes dissesse respeito.

A excepção veio do então Chefe do Estado-Maior do Exército, General Loureiro dos Santos – que se veio a revelar mais tarde e durante anos, como o principal “comentador” sobre os assuntos de Defesa e Segurança – que, algo timidamente, veio dizer que quatro meses não dava para nada e que o mínimo seria de sete meses (ou nove, já não recordo bem).

Nunca ninguém explicou como chegaram a estes números, mas a irresponsabilidade foi suficientemente grave para fazer deslocar a Lisboa, discretamente, o Secretário-Geral da OTAN.

Naturalmente que os quatro meses duraram pouco, pois não servindo para nada estavam destinados a que se lhe pusesse um fim rápido. Deve ter sido esta a intenção.

E, deste modo, a Lei do Serviço Militar (Lei n.º 174/99) proposta pelo XIV Governo Constitucional, liderado pelo socialista António Guterres e com Veiga Simão como Ministro da Defesa, foi aprovada em 1 de Julho de 1999, com os votos favoráveis do PS e do CDS-PP; contra do PCP e a abstenção do PSD. Note-se que o PSD não se absteve por estar contra a medida, mas sim por a lei – e bem – prever um período de transição de quatro anos e eles entenderem que o SMO devia ter um fim imediato. Santa irresponsabilidade!5

A aprovação deste diploma apenas foi possível após a sétima revisão constitucional, ocorrida em 1997, que retirou da Constituição a obrigação de prestar Serviço Militar, em tempo de paz.

O impacto na mudança operada para a profissionalização mede-se facilmente no número de efectivos dos quadros permanentes e dos regimes de contrato e voluntariado: em 1993, contabilizavam-se 80.805 efectivos, dos quais 45.975 eram oriundos do SMO, enquanto, em 2004, a totalidade tinha diminuído para 37.549 (menos de metade), dos quais 10.614 na Marinha, 19.716 no Exército e 7.219 na Força Aérea.

O ano de 2004 é o primeiro da profissionalização efectiva, tendo-se registado a última incorporação de 3.800 jovens, em Maio, em regime de SEN, que passaram à reserva em Setembro, data antecipada da prevista, que era 19 de Novembro. Vá-se lá saber porque e para quê, os incorporaram.

É a partir desse ano que se passou a instituir o “Dia da Defesa Nacional”, com o intuito de os jovens não “perderem a ligação à Instituição Militar” (como se isso fosse possível). Este dia passou a ser extensivo às mulheres, a partir de 2010. Escusado será dizer que tal resultou, até hoje, num desastre completo, acrescido do desperdício de muito tempo, meios e dinheiro. Uma perfeita inutilidade!

Outro erro crasso foi deixar de se fazer, a partir de 2010, o recenseamento obrigatório no ano em que os jovens completam 18 anos, destruindo desse modo, a capacidade de se poder fazer uma mobilização rápida e adequada, ao passo que se obtinha uma “fotografia” transversal da condição social da população jovem.

Estes não foram os únicos erros verificados.

Podemos até considerar que tudo tem sido um erro e nada até hoje foi tratado com um mínimo de seriedade.

Ao ponto de, há seis ou sete anos a esta parte, o sistema ter entrado em colapso, pois não se consegue recrutar o contingente mínimo fixado, que tem vindo a diminuir anualmente, situando-se agora entre os 30 e 32.000 homens (e mulheres, que vieram acrescentar novos problemas e questões). Os três Ramos não conseguem recrutar o que necessitam (que é até, muito mais do que o que está determinado), nem em quantidade, tão pouco em qualidade6.

O Poder Político tem laborado num número extenso de erros e tem revelado má intenção e má fé, relativamente ao evoluir da situação e as chefias militares limitam-se, por norma, a expor cândida e desgarradamente, os problemas existentes, pela via hierárquica, nunca fazendo alertas públicos e raramente respondendo a questões no Parlamento.

Com a agravante de num ou outro caso, em que num “rasgo raro de “coragem”, um chefe militar, veio afirmar publicamente que não se podem cumprir as missões abaixo de “x” efectivos, logo reduzidos na oportunidade seguinte e tudo ficar na mesma. As vexações têm sido a norma, mas não existem consequências.

 

*****

 

Intermezo

“As únicas nações que têm futuro, as únicas que se podem chamar históricas,

são aquelas que sentem a importância e o valor das suas instituições e que,

por conseguinte, lhes dão apreço”

Tolstoi

 

Nesta altura da nossa exposição convém fazer uma pausa para tecer alguns comentários sobre o ocorrido no décimo aniversário do fim do SMO, o que tomou lugar em Setembro de 20147.

Neste âmbito, alguns órgãos de comunicação social abriram mão de alguns minutos, da catadupa de tempo de escrita, imagem e som, de que dispõem e usam, para se dedicarem à “efeméride”.

Do que foi dito, e visto, realçam-se as declarações do então Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA); do Presidente do Grupo Parlamentar de Defesa (e Deputado do PSD); de um anterior Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) e CEMGFA e do General Loureiro dos Santos, ex-Ministro da Defesa Nacional (MDN), ex-CEMGFA e ex-CEME.

É assaz curioso, ilustrativo e sintomático, analisar o que foi dito.

Comecemos pelo primeiro, cuja frase mais importante foi a de que “o regime voluntário se revelou muito adequado para responder aos actuais tipos de conflitos e necessidades”.

Era uma opinião respeitável, embora hoje se possa aferir como destituída de realismo…

Convém, porém, registar que as suas opiniões, certamente por coincidência, batiam sempre certas com o “politicamente correcto” e com as de quem está no Poder.

O que também não é destituído de lógica!

Nunca se soube ao certo porque é que defendia a adequação. Será que era para não haver problemas nas unidades? Será que é porque uma grande parte do contingente puder não concordar com as missões no exterior, por estas nem sempre estarem em consonância com o interesse nacional? Se assim for, isso significa que não haverá sintonia entre o Estado e a Nação?

E o “duplo voluntariado” era adequado?

Isto é, os mancebos vêm voluntários para a tropa mas depois, quando é preciso enviá-los para qualquer lado, é preciso perguntar-lhes novamente? E podem desistir quando querem durante o processo, como vi acontecer?

E como se conseguirá recompletar uma subunidade que tenha umas dezenas de baixas, nestas circunstâncias?

E estas circunstâncias não poderão causar uma brecha insanável na coesão das tropas e na eficácia da actuação, por os estatutos entre o Quadro Permanente e os contratados e voluntários serem diferentes?

E se não houver voluntários em quantidade e qualidade, suficiente, para manter o modelo a funcionar, o que se faz (coisa que, pelos vistos, nunca passou pela cabeça de ninguém, que pudesse suceder…)?

Seguem-se as declarações do Presidente da Comissão Parlamentar de Defesa, que foram, no mínimo, surpreendentes.

Mostrou-se preocupado com “o afastamento cívico dos jovens em relação às Forças Armadas”, e quer “debater” o assunto, mas não defende o regresso ao SMO.

Mas pergunta-se, estava-se à espera que acontecesse o quê, depois de todas as barbaridades que a generalidade dos partidos políticos e dos políticos disseram e fizeram para com a Instituição Militar, fazia décadas? Lembra-se que o Partido a que pertencia o deputado, até se absteve na votação final, na Assembleia da República, aquando da votação do diploma que acabava com o SMO, em 1/7/99, e porquê? Pois por não concordarem que a versão final do documento previsse um período de transição de quatro anos, já que queriam que acabasse no próprio dia!

O senhor Deputado mostrou-se ainda preocupado que as pessoas questionem sobre a existência das FA. E, ainda, que o Dia da Defesa Nacional “é pouco”8.

Então, já não íamos em mais de 30 anos em que a política e seus agentes principais, tudo têm feito – sem nada assumirem – para destruir e reduzir a cinzas a mais importante instituição do País e o senhor vem agora com lágrimas de crocodilo chorar sobre o leite derramado?

E chega a dizer que “um estado soberano não pode abdicar desse instrumento de soberania”? Soberania? Qual? Aquela que passaram para Bruxelas? A que é exercida em Berlim? A que “delegaram na “Troika”? À que se curvam diariamente perante os “mercados”?

E não vale a pena perder mais tempo com o resto da conversa redonda em que se enredou.

O anterior CEMGFA foi mais lacónico: “foi uma revolução bem-sucedida, resolveu o problema da impreparação do contingente, devido ao serviço de quatro meses”.

Não se entende também qual foi a “revolução” nem ficou explicito em que consistia o problema da impreparação do contingente.

A Força Aérea e a Marinha já praticavam o processo do voluntariado em larga escala; o Exército apenas tinha que copiar o modelo e tinha quatro anos para o fazer…

Já expusemos, a montante, a questão dos quatro meses; foi uma demagogia pouco recomendável, que as chefias militares “encaixaram”, refugiando-se atrás de uma postura institucional.

Se revolução houve, ela operou-se nos cérebros, pois tiveram que se adaptar a uma exiguidade de meios humanos e à falta de “mão-de-obra barata”; tiveram que passar a pedir mais recursos para colmatar aqueles que o SMO proporcionava e que ia desde servir nos bares das unidades até pintar paredes.

Revolução seria organizar as coisas de modo a ter os militares permanentemente ocupados, seja em cursos, seja em treino, seja em exercícios e perder o péssimo hábito de enviar os mancebos para casa à quinta-feira (e outras semelhantes), como se chegou a fazer, para pouparem na tesouraria.

A “revolução” foi ter que arcar com o ónus – que pertence aos políticos – de organizar campanhas publicitárias, para se conseguirem voluntários. Ou seja, a decisão de acabar com o SMO foi política, mas a missão de angariar quem quisesse servir (ou será trabalhar?) nas FA, passou para a Instituição Militar.

E até já se teve que ouvir remoques externos, de incompetência nesse âmbito!

E também não se pode dizer que tenha havido qualquer “revolução com sucesso” neste particular. Basta atentar na qualidade média dos mancebos (mesmo para as forças especiais) que se apresentaram a querer frequentar uma recruta.

O número de jovens autorizados a serem incorporados foi sempre pequeno e não deixou de diminuir com o passar do tempo; o contingente abrangido foi alargado às mulheres – outro erro escusado, que ninguém quer admitir – finalmente, por terem “apaisanado” a vida nas unidades e pelas condições estabelecidas (algumas mudadas a meio do jogo) em que os mancebos vêm mais para a tropa para tirar cursos e estudar por conta; ficar ao pé de casa, etc., do que para serem militares.

E o desemprego esteve sempre em alta…9

O que aconteceu não foi nenhuma revolução, foi sim um plano inclinado para o desastre. Enfim, foi-se fazendo o possível…

E só não via quem não queria ver.

Finalmente, o General Loureiro dos Santos, habitual e conhecido comentador destas matérias (infelizmente, já falecido).

Não se pode estar mais de acordo com ele, ao ter afirmado que foi um erro, ter-se acabado com o SMO.

Mas a questão que tem que se colocar é saber o que foi feito – depois de ter ocupado todos os elevados cargos que exerceu – em se opor e contrariar tal erro.

Como todos sabem, as atitudes devem ser tomadas quando as pessoas estão no activo em posição de influenciar o devir. Depois, é tarde…

E expressar sentimentos como “não percebi nesta situação de crise que estamos a viver, com a possibilidade de as ameaças aumentarem, porque é que os governantes ainda não decidiram repor o SMO”.

Não é segredo para ninguém, porque é que tal acontece. Explicitar as razões teria sido bem melhor do que as camuflar com retórica.

E assim se vai fazendo a História.

 

*****

 

Continuando

A implementação do serviço voluntário e por contrato (que já há muito era usado na Força Aérea e na Armada) veio dar origem a uma série de perversões.

A primeira foi a de empurrar a defesa do novo sistema, do sector político, para as Forças Armadas que passaram a concorrer no mercado de trabalho.

O Ministério da Defesa (que, aliás, nunca existiu como tal, nesta III República, sendo apenas um Ministério para as Forças Armadas) descartou-se das suas responsabilidades para cima dos Ramos que tiveram de desviar meios, dos escassos que têm, para prover à “venda do novo produto”.

Em simultâneo, nada ocorria na maioria da actividade política que fosse de encontro às necessidades da Defesa do País, à defesa da Instituição Militar e ao bom nome dos militares, a não ser palavras de circunstância.

Ao passo que se foi solapando todas as bases em que assenta e deve assentar, a capacidade militar da Nação e o funcionamento de um exército (no sentido de Forças Armadas), como é, por exemplo, o ataque à”condição militar”; o fim dos tribunais militares e respectiva reformulação do Código de Justiça Militar; a última revisão do Regulamento de Disciplina Militar; a “civilização” de termos, conceitos, ensino, e ocupação de funções por civis, antes exercidas por militares, etc. Para já não falar no verdadeiro lixo legislativo e regulamentar, que tem sido produzido ultimamente referente a igualdade de género, denúncias de situações e afins.

A segunda perversão do sistema teve a ver com o “esquema” do duplo ou triplo voluntariado (não aplicável ao pessoal dos quadros permanentes).

Isto é, supõe-se que após um mancebo jurar bandeira, ele deva estar pronto para todo o serviço, onde quer que seja e sob que condições forem.

Mas não, quando se quer constituir uma força para ir para fora da fronteira do país (e hoje há muitas “fronteiras”), pedem-se voluntários e mesmo depois de se voluntariarem podem pedir para desistir. Eu próprio assisti (era piloto num avião que os transportava) a um caso de um pára-quedista que mudou de ideias, já no “check-in” do aeroporto. Seguia para um território na ex-Jugoslávia.

Muito mau princípio, muito mau exemplo, e fico por aqui, pois as consequências nefastas são inúmeras.

Situação entretanto corrigida, ou mitigada, pois, por alturas de 2010, ter sido proibida qualquer desistência a não ser por motivos de força maior. Porém, o voluntariado mantêm-se, pois nem sequer existem unidades constituídas e completas.

A gestão de pessoal complicou-se com a diminuição em catadupa, de factores estáveis de planeamento.

Por outro lado, a satisfação das necessidades de pessoal é aleatória, depende da oferta e procura e da atractividade das diferentes especialidades, sendo que algumas ficam quase sempre abaixo dos números requeridos. E frisa-se, mais uma vez, que a quantidade de pessoal a recrutar é ridícula, ao ponto da PSP ou da GNR, disporem de efectivos semelhantes, ou superiores, à totalidade dos três Ramos juntos…

A nova perversão do sistema é a que provoca uma tendência para baixar os parâmetros na qualidade do recrutamento. O mesmo acontece na dureza da instrução, pois o desejo de agradar ou reter, acompanhado do receio de acidentes e que essa mesma “dureza” afaste outros candidatos, a isso leva. É estúpido e suicidário, mas faz parte da natureza humana10.

Aliás, o que se pode fazer para impedir que um jovem, por exemplo, desista de imediato porque não está para se levantar às 07h00 da manhã, ao toque de alvorada? E como lidar com a rapaziada que após frequentar a instrução numa unidade militar, que num inquérito indicou a falta de rede digital nas… latrinas, como a principal razão de descontentamento?

Imagine-se o que os funcionários que passam pelo Ministério da Defesa podem pensar fazer, quando aferem os “questionários de satisfação, ou outros” que são useiros em realizar?!

Deste modo, o pessoal destinado a cumprir a missão mais nobre entre todas, que é a de defender a sua Pátria com risco da própria vida, passou a ser recrutado ao saber das normas publicitárias para a venda de sabonetes ou da “lingerie” feminina e é contingente a modas, egoísmos e circunstancialismos, vários. Só falta fazer como o tabaco: “venha para a tropa, mas cuidado que a tropa mata!”.

Resta o recurso a práticas mercenárias, que já começaram a ser ventiladas.

Ou seja, é a própria dignidade da “Condição Militar” que fica em causa já que passa de um serviço à comunidade para uma ocupação circunstancial e os militares deixam de Ser, para passarem a Estar.

É ainda mister entender que para se incorporar uns quantos voluntários é necessário conseguir um número muito superior de candidatos. Por exemplo, no Exército (os números na Força Aérea e na Marinha não devem ser muito diferentes), em termos médios, para se conseguirem 20 recrutas prontos (na classe de praças), é necessário haver 100 candidatos, já que destes só 80 comparecem nas “provas de classificação e selecção”; só 23 são incorporados (chumbam e desistem), e destes só 18 chegam ao fim da recruta (agora chamada “Formação Geral Comum”) e ingressam nas fileiras. Ou seja, para se conseguir um militar é necessário ter cinco cidadãos que pensem em voluntariar-se. Para oficiais e sargentos a situação melhora, no sentido em que para se obter um são precisos dois.

Outras “pequenas” perversões chegam por acréscimo e em catadupa: os Ramos acabam por fazer concorrência entre eles para ver quem fica com mais candidatos; as Forças Armadas ficam com um mosaico de indivíduos não representativo da sociedade; os “standards” de recrutamento, selecção e treino, oscilam e baixam por norma; “minorias” instalar-se-ão nos quartéis; o número de mulheres no seio militar aumentará11; abrir-se-á caminho cada vez mais para a privatização da Segurança; haverá tendência para dar dupla nacionalidade a grupos de indivíduos para os deixar integrar as Forças Armadas (vide o que já se passa em Espanha com os sul americanos); a instrução e a disciplina irão ressentir-se quando houver falta de candidatos ou houver protestos contra a “dureza” ou qualquer outra coisa; a “caça” ao voluntário tenderá a parecer as campanhas dos partidos, na caça ao voto; a necessidade de encontrar “incentivos”, ainda por cima em ocasiões de aperto financeiro – irá levar à invenção de esquemas de duvidosa sustentabilidade futura; os incentivos irão colidir ainda com a efectiva integração dos mancebos no sistema de forças; aumentarão as medidas desgarradas e pontuais; a confusão legislativa será (já é) manifesta; crescerão as reivindicações dos contratados relativamente à sua permanência nas fileiras e, ou, à sua reinserção social; a pressão para o aparecimento de sindicatos aumentará; a gestão de pessoal ficará ainda mais ingovernável; o sistema de forças tenderá a adaptar-se aos efectivos recrutados e não o contrário.12

É ainda difícil de compreender como será possível compatibilizar a frequência de cursos profissionais durante a prestação do serviço militar, a não ser que sejam ministrados no âmbito da instrução militar. Porque, das duas uma, ou os militares em voluntariado ou contrato estão a desempenhar as suas funções ou estão a frequentar cursos fora dos quartéis. Mas, nesse caso, quem desempenhará as tarefas para que foram contratados?

O exercício do comando nas circunstâncias descritas torna-se virtualmente impossível!

Finalmente, só há pouco tempo (e em desespero de causa) se começou a equacionar a criação de um quadro permanente de praças, na Força Aérea e Exército (a Marinha já dispõe deste quadro há muitos anos). Mas este quadro levanta alguns problemas, sobretudo derivados das funções a atribuir a partir de meio da carreira, quando a condição física já não permite o exercício de funções ligadas ao sector operacional e o pessoal não dispuser de conhecimentos/prática para o desempenho de funções nas áreas logísticas e administrativas.

 

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Por último, desde o fim do SMO que se desenhou um “pacote de incentivos” que, como o próprio nome indica, incentivariam os “jovens” a voluntariarem-se para “servir” (termo que já ninguém sabe o que significa) nas Forças Armadas. Tais medidas podem agrupar-se em incentivos de ordem financeira e assistencial; de formação profissional; apoios sociais e familiares, e de reinserção social13.

A quantidade de disparates, insanidades e promessas não cumpridas são inumeráveis e dão para escrever um livro. E são bem reveladoras da aparente falsidade, má fé e má conduta com que os sucessivos Ministros da Defesa e, através deles, todos os governos, encararam a implementação de um “sistema militar” que eles próprios tinham forçado.

Houve de tudo, desde subsídios de inserção social, que nunca foram pagos, até promessas de cursos profissionais, que viraram fantasmas; remuneração base, abaixo do minimamente aceitável (um soldado ganha algo parecido com o ordenado mínimo nacional) – e cujo referencial maior que eram as Forças de Segurança (ou estas com aquela) não param de se degradar – idem para os apoios no âmbito social, onde se destaca a saúde; não existe qualquer mais-valia para o caso de um concurso posterior a um cargo do Estado e até o grau preferencial para entrar numa força de segurança se perdeu; houve mudanças constantes de legislação e regras a meio do percurso e passou até a fazer-se uma espécie de “regionalização” do serviço militar, de modo a que o pessoal alistado ficasse ao pé de casa – um erro monumental de demagogia cretina. A falta de informações e cadastro existentes – que uma dose elevada de devaneios sobre os “Direitos Humanos”, ajudou a criar – têm permitido que um número de mancebos de mau porte e maus fígados entre para a vida militar, o que tem dado origem a casos graves de indisciplina e crimes, como têm sido os casos de assalto a paióis e roubo de armamento.

Tudo culminou quando, a partir da vergonha colectiva que foi ter a “Troika” a passear-se em Lisboa de um modo que a Duquesa de Mântua nunca se atreveu, o Governo, através do Ministro das Finanças, congelou e chamou a si, a autorização das promoções (uma medida muito mais gravosa e lesiva do que aquela que espoletou o Golpe de Estado ocorrido em 25/4/74, o DL n.º 373/73), e que ainda não foi revogada, que cerceia e humilha as competências da alta hierarquia militar e prejudica a carreira dos militares com os efeitos financeiros nefastos associados. Ora, tal também veio a afectar os incentivos dos voluntários e contratados, já que mexe na data da sua promoção, que é adiada discricionariamente, para o fim de cada ano (não se dando quando há vaga) e sem direito a retroactivos. Uma situação de prepotência escandalosa mas, naturalmente, muito democrática!

Desde há uns quatro anos que faltam cerca de 5.000 praças nos três Ramos, com preponderância no Exército (e atenção que são 5.000 num universo de 15.000, não de 100.000…), o que faz com que, por exemplo, a segurança dos quartéis seja uma quase ficção, o pessoal que resta esteja de serviço dia-sim dia-não, e muitas das funções de vigilância activa tenha já sido entregue a empresas de segurança.

Em face disto, pensar que existe alguma unidade com níveis de operacionais aceitáveis – tirando alguns navios e aviões, onde a necessidade de praças para a sua operação é muito menor, e uma ou outra unidade de baixo escalão, que esteja a operar num teatro de operações longínquo – é uma ficção que nem sequer é piedosa.

De facto, um Exército não pode viver sem oficiais e sargentos (sempre em redução, nos últimos 40 anos), mas também não pode existir sem praças – aliás, também é impossível haver oficiais e sargentos competentes se não houver praças, já que tal impede o exercício do que mais importante existe na vida militar: o comando de Homens.

Eis o quadro actual: de um artigo da jornalista Valentina Marcelino, publicado no Diário de Notícias, de 11 de Janeiro de 2022, retiramos que, relativamente a 2021 (ignorando-se o mês a que se referia), existia um total de 23.347 militares, sendo 9.820 praças; 7.874 sargentos e 5.653 oficiais.

Pelo meio disto tudo, aparecem sempre uns adiantados mentais e ingénuos úteis, que alardeiam, sem terem qualquer ideia do que estão a dizer, que há excesso de generais para tão poucas praças, equivocando-se simplesmente, no sentido em que não existem generais a mais, mas soldados a menos…

Em novo artigo, datado de 16 de Fevereiro de 2022, a mesma jornalista, citando fontes do MDN, afirma que o total de militares – dados agora referidos a 31/12/21 – seria de 27.741; porém, para a DGAEP – Direcção-Geral da Administração do Emprego Público, eram 26.130; para a PORDATA/INE, são 26.600; o EMGFA (Estado-Maior-General das FA) regista 23.347 e a AOFA (Associação do Oficiais das Forças Armadas) aponta para 25.400. Ou seja, ninguém parece saber ao certo, até porque está sempre a mudar… Direi apenas que os dados do EMGFA são aqueles que devem merecer melhor confiança.

Convém, no entanto, lembrar que o DL n.º 6/2022, de 7 de Janeiro, fixa os efectivos para o triénio de 2022-2024 entre 30 a 32.000 (sem contar com os efectivos em formação)14.

O MDN deixou há muitos anos de publicar qualquer “livro branco”, ou qualquer outra publicação com números. Ignoram-se quais as razões.

Em síntese o sistema colapsou, sem nunca ter funcionado minimamente.

Também parece nunca ter havido nenhuma vontade política para o pôr a funcionar, facto que, outrossim, jamais foi denunciado, a não ser por singulares e raros espasmos de oratória ou escrita15.

Ao fim deste tempo todo, cai com estrondo e evidência que ambos os principais argumentos contra o SMO e a favor do voluntariado, evidenciados para destruir o sistema que vinha de trás – respectivamente, “interrupção e atraso causado na vida profissional dos jovens”, e a “melhoria na vertente operacional dos Ramos, devido a disporem de gente mais treinada e capacitada” – tenham qualquer validade e merecimento.

Tentar fugir (é este o termo) aos incómodos (sendo um tempo de maturação dos jovens) causados pela interrupção da vida profissional – quando todos sabem que se existir serviço militar obrigatório podem planear a vida em conformidade – para depois se arranjar problemas a montante (recrutamento), como a jusante (reinserção na vida civil) dos voluntários e contratados no mercado de trabalho, com todas as dificuldades que tal comporta, não parece ser nada avisado.

A nossa opção é, sem sombra de dúvidas, por um sistema de serviço militar misto e muito parecido com o suíço, ou até israelita.

De facto, por mais vantagens que o serviço voluntário possa ter, a questão da importância cívica do SMO, sobreleva todos os eventuais inconvenientes.

Numa outra perspectiva, enquanto houver serviço militar obrigatório e juramento de bandeira (o que foi falado pela primeira vez – e, até ver, última – pelo Ministro da Defesa do XIII Governo, e hoje já ninguém se lembra), jamais poderão progredir e concretizar-se as ideias federativas que alguns tentam impor na chamada União Europeia. Mas isso já é outra discussão.16

 

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O eventual recurso a cidadãos estrangeiros

 

“Digo, pois, que as armas com as quais um príncipe defende o seu Estado, ou são suas próprias ou mercenárias, ou auxiliares ou mistas. As mercenárias e as auxiliares são inúteis e perigosas e, se alguém tem o seu Estado apoiado nas tropas mercenárias, jamais estará firme e seguro, porque elas são desunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiéis; galhardas entre os amigos, vis entre os inimigos; não têm temor a Deus e não têm fé nos homens, e tanto se adia a ruína, quanto se transfere o assalto; na paz se é espoliado por elas, na guerra, pelos inimigos. A razão disto é que elas não têm outro amor nem outra razão que as mantenha em campo, a não ser um pouco de soldo, o qual não é suficiente para fazer com que queiram morrer por ti. Querem muito ser teus soldados enquanto não estás em guerra, mas, quando esta surge, querem fugir ou ir embora.”

Nicolau Maquiavel (“O Príncipe”).

 

Finalmente, interessa trazer à colação – dado o evoluir dos tempos – a questão já levantada sobre a hipótese de fazer ingressar cidadãos estrangeiros nas FA portuguesas.

De mansinho, começou a aflorar-se nesta sociedade em que vivemos, cheia de ideias paranóicas, que uma alternativa para colmatar a falta de efectivos que há muitos anos grassa nas Forças Armadas (especialmente na classe de praças), seria passar a contratar imigrantes, ou seja, estrangeiros, para as fileiras. Esta gente não se enxerga e enxerga pouco.

É claro que num país que decidiu “eutanasiar-se” colectivamente, à míngua de nascerem crianças (portuguesas); pela emigração; imigração/migração/asilados; pela transformação da família tradicional num ser egoisticamente individual que partilha a sua existência com um animal de estimação, onde abundam os cães e gatos; pelo abandalhamento da atribuição da nacionalidade, nas suas diferentes e pródigas combinações, etc., existe falta de tudo e tudo pode acontecer.

O que, porém, não acontece é tentar resolver-se um único problema que seja. A única coisa que qualquer responsável político sabe fazer é mandar dinheiro para cima dos problemas e optar pelo laxismo e facilitismo, nivelando por baixo e estilhaçando tudo – sendo a última lei sobre a droga, um dos últimos exemplos desta actuação! Isto, claro, depois de se ter tentado “encanar a perna à rã”, prometendo “estudos” e constituindo “grupos de trabalho” ou duplicando estruturas que não servem para nada a não ser para dar mais uns tachos à insaciável fauna que açula os partidos políticos, ou circunscrevendo as prebendas às teias familiares ou de “loja”.

A questão da falta de efectivos militares (aliás, fomentada pelos sucessivos governos e responsáveis políticos, que nem a patética aposta no recrutamento feminino, aliviou) é apenas um episódio no estado da situação a que se chegou.

Sem embargo, importante. Já lá iremos.

 

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Convém, à correcta equação desta problemática militar, uma breve incursão histórica.

Aquilo que se pode designar por um Exército – isto é, um conjunto de homens devidamente equipados, armados, estruturados, treinados e hierarquicamente comandados, destinados à guerra, surgiu cerca de 2.500 anos antes de Cristo, no Médio Oriente (com a sua contrapartida em áreas da actual China), nomeadamente entre os Assírios e Caldeus, e que se estendeu aos Egípcios, depois aos antigos Persas, Gregos, etc.17

Pode dizer-se que o primeiro grande Exército, todo ele profissional, foi o de Esparta, onde todos os filhos da Cidade/Estado serviam no Exército até aos 60 anos (só sendo autorizados a casar e constituir família a partir dos 30 anos), tendo de seguida atingido um pico de excelência no Exército Macedónico com Alexandre “O Grande”.

E, de facto, em toda a Antiguidade, os Exércitos (e as Marinhas) não mais pararam de evoluir até atingirem a sua máxima perfeição com o Exército Romano, em termos de estrutura, organização, logística, tecnologia e táctica. Nesta evolução, todas as fórmulas foram sendo tentadas e testadas, mas tiveram sempre um máximo divisor comum: os núcleos duros das tropas eram constituídos por naturais dos territórios que se vieram a desenvolver como um conjunto de tribos; cidades-estado; nações e impérios.

Sem embargo, tendo o Império Romano sido expoente da organização militar – apenas ultrapassado pela OTAN, nas décadas de 60, 70 e 80 do século XX (até aparecer a moda dos sindicatos e dos cabelos compridos, no Benelux e nos países nórdicos) – foi também onde se desenvolveu a gangrena que viria a fazer com que desaparecesse: primeiro, no Ocidente, em 476, e depois no Oriente, cerca de 1.000 anos depois, com a queda de Constantinopla, em 1453.

Em síntese, o “excesso de banhos quentes e camas fofas” levou a que a maioria da sociedade romana deixasse de querer servir no Exército (e num Exército serve-se, não se é servido; num Exército é-se, não se está) e passou a contratar mercenários, sobretudo, em tribos germânicas e outras, primeiro, para lhes guardar as fronteiras do Império, depois, para ocuparem funções dentro de Roma e da Península Itálica. Deu-se o óbvio, já que estavam lá dentro, tomaram o Poder…

No Oriente ainda foi pior (?): com a cidade cercada, discutia-se o sexo dos anjos…

Conhecem-se os resultados (enfim, quem conhece), mas raramente se tiram ilações adequadas…

Para que na Europa surgisse um Exército parecido com o Romano (dos seus tempos áureos) foi preciso passar cerca de 1.000 anos!

O consenso aponta para o Exército Sueco, depois de Gustavo Adolfo.

O estilhaçar do Império Romano fragmentou todo o espaço por si ocupado, o qual foi sendo reorganizado lentamente pelo Cristianismo, saída das Catacumbas pelo Édito de Constantino, no século IV.

O pai político da coisa pode apontar-se para Carlos Magno e degenerou no Feudalismo. Eram ainda as mesnadas dos senhores feudais que prevaleciam e não um Exército unido, coeso e nacional.

E campeavam os mercenários18.

Mais uma vez, quem exponenciou esta prática foram as Repúblicas Italianas (não por acaso, a citação de Maquiavel), que se aprimoraram em contratar outros para defender os seus interesses. E quem, durante muitos anos, forneceu grandes contingentes de mercenários foram os cantões suíços – quase natural, pois que a Guarda do Papa seja constituída por cidadãos suíços escolhidos, diz-se, entre os católicos, que formam a “Guarda Suíça”: os soldados do Estado do Vaticano19.

Nos tempos mais contemporâneos, a maior utilização de mercenários estima-se que tenha ocorrido na Guerra Civil de Espanha, entre 1936 e 1939, sem embargo de muitos terem ido para lá combater por convicções ideológicas.

Também foram utilizados nas guerras ditas coloniais, nomeadamente em África, sendo muitas vezes apelidados de “cães da guerra”.

Modernamente, sobretudo, a partir das guerras entre a “coligação americana” e o Iraque de Sadam Hussein, os mercenários passaram a ser organizados em “empresas militares privadas”, de onde se destacam a “Blackwater”, hoje “Academi”, e terminando no actual e mediático “Grupo Wagner”, criado em solo russo. Estas “empresas” fazem aquilo que os exércitos não querem, ou não podem fazer…

Com a centralização do poder real e a criação dos Estados organizados, o Exército (e as Armadas) passaram a ser reais (idem para a Guerra de Corso) e nacionais e a partir do século XVII, a sua formação, treino e profissionalização começou a melhorar.

Até que o “vendaval” da Revolução Francesa veio a tornar os Exércitos verdadeiramente nacionais; uma “leva geral da Nação e onde além da soberania e integridade da sua terra, passaram também a defender (na ponta das baionetas) uma ideologia política. O que permitiu agregar à “Grand Armée” de tudo um pouco.

A consciência nacional apurou toda a estrutura militar e nacionalizou-a cada vez mais, diminuindo-se a inserção de oficiais estrangeiros nos exércitos nacionais (prática que em Portugal ganhou expressão apenas após a regeneração de 1851 e quebrou definitivamente com a I República – honra lhe seja feita20.

 

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É necessário ainda referir (não sendo exaustivo) a constituição de alguns corpos especiais de tropas, que pela sua importância e especificidade merecem ser citados para uma melhor compreensão do todo.

Queremos referir-nos aos “Janízaros”, aos “Gurkhas”, à “Legião Estrangeira” e à “Legião Espanhola”.

 

Os Janízaros

Os Janízaros são uma invenção assaz peculiar na História Militar, uma medida “maquiavélica” “avant la lettre”…

Foi gizada ainda no século XIV, pelo Sultão Murad I (o primeiro Otomano a denominar-se “Sultão), a partir de 1365.

Este corpo de tropas foi criado (e mantido nos primeiros séculos) à base de crianças cristãs (de seis/sete anos) capturadas durante as campanhas militares, levadas como escravos e convertidas ao islão.

Mais tarde, nos territórios ocupados foi criado um imposto o “devsirme” que era cobrado às famílias cristãs, que de cinco em cinco anos tinham que informar quantos filhos tinham (por exemplo, um em cada cinco filhos era levado). As regiões que mais sofreram este “imposto” foram a Bósnia, a Albânia e a Bulgária (o último “devsirme” no sudoeste da Europa foi cobrado em 1676.

Os jovens eram educados na lei islâmica e na língua turca e recebiam uma dura instrução militar. Os melhores podiam receber instrução adicional em Constantinopla em matérias específicas, podendo chegar a atingir altos cargos.

Os Janízaros tornaram-se um dos primeiros corpos militares profissionais do mundo e eram combatentes temíveis. Constituíam uma elite e foram eles que iniciaram o ataque que culminou com a tomada de Constantinopla em 145321.

Em recompensa/contrapartida, as unidades estavam bem equipadas e os homens tinham uma muito boa remuneração e alimentação. E, a partir de 1454, foi criado o benefício do “bónus de acessão”, que era concedido sempre que um novo Sultão recebia a espada cerimonial (uma espécie de versão islâmica da coroação) – o que se veio a verificar-se ser fatal.

Mas o que verdadeiramente marca este corpo de tropas foi a justificação para a sua criação.

Como tinham o Sultão como figura paterna, apenas a ele deviam lealdade e por ele estariam dispostos a lutar até à morte. Isto distanciava-os dos turcos nativos, já que estes deviam lealdade ao seu povo e às suas famílias e poderiam revoltar-se contra o Sultão, quando este intentasse alguma acção contra outros turcos.

Tratava-se, pois, fundamentalmente de uma espécie de “guarda pretoriana” que se destinava (inicialmente) a evitar revoltas internas.

Porém, o “amolecimento” das regras – uma tentação a que a natureza humana não resiste – a partir de 1566, flexibilizando o seu código de conduta, veio a ter consequências malignas não só na sua eficácia em campanha, mas sobretudo no seu comportamento social, tornando-os gananciosos, o que deu origem a actos de indisciplina e revoltas, sobretudo, a partir de 1623, quando o Sultão Murad IV assumiu o trono e mandou informar não poder conceder o “bónus de acessão”, por os cofres do Estado estarem falidos.

A turbulência durou mais dois séculos – o poder adquirido pelos Janízaros era imenso – até que, em 13 de Junho de 1826, o corpo de Janízaros foi abolido pelo Sultão Mahmud II, após ter jugulado uma revolta sangrenta.

 

Os Gurkha22

Os Gurkha ganharam fama como tropas de combate ao serviço da Grã-Bretanha, em duas guerras ocorridas, em 1813 e 1816. A partir dessa altura, formaram-se três batalhões de gurkhas no Exército Britânico (apesar de haver também regimentos de gurkhas no Exército Indiano).

Os Gurkhas foram utilizados como combatentes, primeiro, pela Companhia Britânica das Índias Orientais, em várias campanhas internas na Índia. Com a evolução dos tempos foram integrados no Exército Colonial Inglês, entrando em campanhas de pacificação ao longo do século XIX.

Participaram em combates na Europa, aquando da I Guerra Mundial e depois na II Guerra Mundial (onde chegaram a somar 240.000 homens).

Com a independência da União Indiana, em 1947, os regimentos (gurhka inglês) n.ºs 2, 6, 7 e 10, continuaram a servir a Coroa Britânica, tendo combatido na Malásia e Bornéu e estacionaram uma brigada em Hong Kong e um batalhão em Inglaterra.

Destacaram-se na Guerra das Malvinas, em 1982, e têm participado em todas as campanhas da actualidade onde os britânicos se têm envolvido. Presentemente, existe uma brigada com cerca de 4.000 homens. Existem poucos oficiais britânicos nos batalhões ghurkhas (e têm de aprender a língua Nepali).

Os actuais Gurkhas são recrutados no Nepal e alistados com 18 anos, servem até aos 32 anos e podem chegar até Major. Fazem-se acompanhar da sua lendária faca “kukri” (de origem grega, diz-se herança de Alexandre, o Grande) e lançam frequentemente o seu grito de guerra”Jai Mahakali, Ayo Goskhali” cuja tradução dá algo como “Glória à deusa da guerra, aqui vão os gurkhas”!

 

A Legião Estrangeira

É um ramo do serviço militar do Exército Francês. Foi criada em 10 de Março de 1831, pelo Rei Luís Filipe I, a partir dos regimentos estrangeiros existentes em França. O decreto da sua criação especificava que os estrangeiros apenas poderiam servir fora de França.

Os efectivos da Legião foram enviados para a Argélia, a fim de consolidar o poder da França naquele território, então otomano, que tinha ocupado Argel, no ano anterior.

Deste modo, a Argélia tornou-se a “sede” da Legião durante 130 anos. A Legião foi usada principalmente para defender e expandir o Império Colonial Francês.

Combateram também na Primeira Guerra Carlista, em 1835; na Guerra da Crimeia, em 1854; na Segunda Guerra da Independência Italiana, em 1859; na segunda intervenção francesa no México, em 1863; na Guerra Franco-Prussiana, de 1870; na Campanha de Tonquim e Guerra Sino-Francesa, em 1883; na Segunda Campanha do Daomé, em 1892, e Madagáscar, em 1895; e nas Guerras Mandingo, em 1894. Teve ampla participação na I Guerra Mundial, na Frente Ocidental e um papel menor na II Guerra, onde actuou na Noruega, Síria e Norte de África. Participou em grande escala na Campanha da Indochina, entre 1946 e 1954, e depois na Guerra de Independência Argelina (1954-1962), onde esteve para ser dissolvida, depois de forças suas terem participado no “ Putch dos generais”.

Nas décadas de 1960 e 1970, a Legião participou em inúmeros conflitos relacionados com a independência dos territórios ultramarinos franceses e posteriormente (e até aos nossos dias) em conflitos entre países já independentes, como foi o caso do conflito entre o Chade e a Líbia, em 1969-1972 (a primeira vez que a Legião foi enviada para operações, após a guerra da Argélia); em Kolwesi, na República Democrática do Congo, em 1978. Também tem sido usada no Médio Oriente, como no Líbano, em 1981, Golfo Pérsico, etc. A lista está longe de ser exaustiva, mas pode afirmar-se que a Legião Estrangeira está sempre na linha da frente das intervenções do Exército Francês.

Estima-se que, até hoje, a Legião Francesa tenha sofrido cerca de 40.000 mortos. O efectivo actual é de 11 regimentos (incluindo o muito condecorado “1º Regimento de Pára-quedistas”) com cerca de 9.000 homens.

A Legião tem regras próprias para amalgamar uma quantidade de gente, sem laços entre si (espírito de corpo) e fazê-los trabalhar em equipa.

A Legião é o único Corpo do Exército que não jura lealdade à França, mas à própria Legião Estrangeira. Mas, ao fim de três anos de serviço, ou por ferimento em campanha, qualquer membro pode solicitar a cidadania francesa. Tem como lema “Honra e Fidelidade” e “A Legião é a nossa Pátria”.

 

A Legião Espanhola

Ou simplesmente “La Legion”, foi criada por decreto real de 28 de Janeiro de 1920, sendo ministro da guerra José Villalba, com o nome de “Tercio de Estrangeiros”.

A razão por detrás deste corpo de elite de tropas foi a dureza dos combates no RIF, em Marrocos, para as quais as tropas do recrutamento normal não estavam preparadas para fazer face e depois do Exército Espanhol ter coleccionado um conjunto de revezes – que chegaram, inclusive, a provocar distúrbios em Espanha.

O grande inspirador da Legião foi o então Major de Infantaria José Milan-Astray (e também o Major Francisco Franco) que se inspirou no modelo da Legião Francesa e que viria a tornar-se um combatente mítico no Exército Espanhol.

Milan-Astray foi um grande amigo e apoiante do Francisco Franco, mais tarde Generalíssimo de Espanha, e a Legião Espanhola teve um papel fundamental (combatendo do lado dos nacionalistas) no início e decorrer da guerra civil espanhola, entre 1936 e 1939.

Foi Milan-Astray que lançou todos os fundamentos e mística da Legião e que se mantêm até hoje, sem embargo de um governo espanhol (socialista) ter estado a um passo de extinguir este corpo de tropas, nos anos 90 do século XX.

O 1º quartel da Legião foi em Ceuta – cidade portuguesa até 1668.

Deste modo, a Legião participou na guerra no Marrocos espanhol, até 1927 e, mais tarde, em 1934, foi utilizada para dominar a revolta das Astúrias contra a República Espanhola. Na guerra civil de Espanha, já referida, a Legião alcança o seu efectivo máximo, com 18 Batalhões de Infantaria, um Batalhão de Carros, outro de Engenharia e um Grupo de Operações Especiais.

No fim da guerra, a Legião foi reduzida e regressou às suas bases no Marrocos Espanhol.

Com a independência de Marrocos, a acção da Legião centra-se no território do Ifni (e na guerra que se seguiu, em 1957/8) e do Sahara Espanhol e nas operações que se iniciaram contra a “Frente Polisário”, apoiada pela Argélia. A “marcha verde” organizada pelo Rei Hassan II ocupa o Sahara Espanhol, a partir de 6 de Novembro de 1975, o que “obriga” o governo espanhol (dado o precário estado de saúde do Generalíssimo Franco) a passar a administração do território para Marrocos e a Mauritânia. Os 5.600 legionários presentes abandonaram o território com amargura.

Actualmente, a Legião é constituída pela Brigada Rey Afonso XIII, com sede em Almeria, que engloba, entre outras unidades de apoio, os terços D. João de Áustria e Alejandro Farnesio; o Tércio Gran Capitan, 1º da Legião, em Ceuta, e o Tércio Duque de Alba, 2º da Legião, em Melilla.

Na contemporaneidade, a Legião Espanhola tem participado em operações na Jugoslávia, em 1992 (razão principal porque não foi extinta); na Albânia, em 1957; no Kosovo e Macedónia, em 1999; nas guerras do Iraque, em 2003 e 2004; no Líbano, de 2006 a 2008, e no Afeganistão, em 2008.

A Legião – que tem este nome desde 1937 – passou por algumas reformas nos anos de 1980, deixou de ter a “Escola Legionária de Oficiais e Sub-oficiais” e outras particularidades do corpo. Depois de 1987, a Legião deixou de aceitar o alistamento de estrangeiros e passou a ser conhecida como Legião Espanhola. Admite apenas latino-americanos de língua espanhola (e também da antiga Guiné Equatorial – a tal que veio para a CPLP), à semelhança das unidades do Exército regular.

A mística legionária baseia-se num grande desprezo pela morte e está condensada no “Credo Legionário”. Usam vários gritos de guerra de que se destacam “A Mim a Legião” e “Legionários a lutar, legionários a morrer”.

 

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Em Portugal, nunca houve intuitos de estabelecer corpos de tropas fora das Forças Armadas tradicionais. Houve grande empenho e tradição na formação de ordens militares religiosas (sobretudo, a Ordem dos Templários/Cristo, Santiago e Avis) que foram esteio da defesa da Nação desde o início do Condado Portucalense, até ao fim do reinado de Manuel I23. Contrataram-se ao longo dos séculos alguns corpos militares estrangeiros (por tratado ou pagando) para nos defenderem pontualmente, de ameaças, para as quais as forças nacionais não eram suficientes – o que teve início com o contingente de 300 arqueiros ingleses que combateram em Aljubarrota – tendo havido o maior cuidado, durante a época dos Descobrimentos, em permitir que estrangeiros navegassem nas frotas nacionais de modo a não haver fuga de informações relativas aos conhecimentos marítimos, tácticas e armamento portugueses24.

Em épocas de maior aperto e fruto do descaso, a Coroa Portuguesa foi “obrigada” a contratar chefes militares estrangeiros para comandar o Exército, cujos casos mais notáveis conhecidos foram os Marechais Duque de Schomberg, Conde de Lippe e Carr Beresford, acompanhados do seu séquito de oficiais25.

E, por último, nas infelizes e nefastas guerras civis que destruíram o país no século XIX, ainda foram contratados – sobretudo por parte da facção Liberal – muitos mercenários estrangeiros, que não deixaram, no geral, boa fama (do mesmo modo que D. Pedro, que veio a ser o quarto, contratou mercenários para lutarem contra as forças portuguesas aquando da independência brasileira).

Felizmente que todas as reformas militares ocorridas no século XX (sobretudo as de 1911, 1937, 1952 e 1958) foram de molde a tentarem prevenir e libertar-nos das vicissitudes de antanho, sem embargo, de algumas não terem chegado ao fim, ou atingirem “os níveis” desejados.

 

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A crise de efectivos que hoje em dia tornou insustentável manter o sistema de forças e dispositivo actual, já de si muito escasso e sempre a diminuir, e o cumprimento sequer mitigado, das missões atribuídas – o que já acontece há pelo menos 10 anos e tem sido objecto de alertas de alguns chefes militares26 – tem a sua origem actual, remota, a partir do ano de 1982, com o fim do Conselho da Revolução e a entrada em vigor da Lei n.º 29/82, Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas. Desde essa data e até 1989, durante o décimo primeiro governo constitucional, assistiu-se ao que se pode denominar de “neutralidade negativa” do Poder Político relativamente à Instituição Militar, que vou abreviar em Forças Armadas (FA), querendo com isto dizer que apenas se fazia sentir asfixiamento financeiro relativamente aos militares, mas não interferência directa na Instituição.

Ora, a partir do início dos anos de 1990, o Poder Político que saiu esfrangalhado do “PREC” começou a consolidar-se e decidiu interferir – aliás, com a maior das ousadias e ignorância atrevida – por tudo aquilo que cheirasse a militar (embora a Defesa Nacional esteja longe de estar circunscrita às FA) e raramente o fazendo com boas intenções, relativamente à sua dignidade e excelência operacional (diga-se, em abono da verdade, que as FA, devido ao seu mau comportamento no tal PREC, tinham saído diminuídas e desvalorizadas – e com razão – em todos os sectores da vida nacional; convinha assumir esta realidade de uma vez por todas).

Deste modo, ao “asfixiamento” financeiro, juntou-se o asfixiamento administrativo e o asfixiamento em pessoal27. E passou-se a intervir na esfera directa da autoridade dos Comandos Militares, cujo cúmulo veio a ser atingido, mais tarde, pelo “congelamento” das promoções na sequência da vinda da “Troika” para o nosso país. Ou seja, a gestão das promoções (de soldado a general de duas estrelas) passou a ser ditada por um qualquer quarto secretário do Ministério das Finanças, o que configura uma situação “n!” vezes mais gravosa do que a do Decreto-Lei n.º 253, de Julho de 1973, que deu origem ao 25 de Abril (para o caso de já estarem esquecidos). A “Troika” já cá não está – embora possa voltar a qualquer momento – mas a situação ainda não voltou “ao normal” (pelos vistos só afecta os professores…).

Ora, este tipo de atitudes dos governos constitucionais foi aumentando a partir da data em que se mudou o critério e as normas para a escolha das chefias militares, no início dos anos de 1990, e foi seguido por todos os governos constituídos desde então. E valendo a pena falar sobre o posicionamento das outras forças políticas (que vão todas no mesmo sentido, ou pior), não há espaço para o fazer.

Em síntese e afunilando o âmbito para a falta de efectivos actuais, esta deve-se a uma desastrada, contínua e dolosa atitude política de desinvestimento nas Forças Armadas (nunca assumida, antes pelo contrário) o que, por sua vez, se repercute na imagem veiculada na comunicação social – onde, por razões de “censura” ideológica, os militares não gozam maioritariamente de prestígio (ou seja, têm “má imprensa”), e ao fim do Serviço Militar Obrigatório a que nos vimos referindo.

Finalmente, não poderá haver voluntários (além do actual parco contingente disponível) para servirem nas FA enquanto a sociedade for regida por valores (ou ausência deles), critérios, práticas, etc., que são antagónicos e até inimigos, de toda a vivência e princípios (apesar de já muito abalada) ainda, felizmente, existentes na vida militar.

E tal não é discutido, assumido e condenado (o que não tem nada a ver com querer “militarizar” a vida civil, atenção). Dispenso-me de dar exemplos, mas quando nos habituamos a viver no “estado de abandalhamento democrático”, não é possível tolerarmos o ambiente castrense…

Os baixos níveis salariais que se pagam nas FA relativos a outros grupos de referência (o que é verdade e é uma forma de humilhação) e apontados como a principal causa da falta de efectivos – até por muitos dos meus camaradas, que ou não estão bem a ver o filme, ou não se querem expor – é apenas consequência e não causa…

Por tudo o que foi dito, para corrigir a falta de efectivos basta (e é urgente) atacar as suas verdadeiras causas e não vir com ideias estapafúrdias de contratar estrangeiros (já basta os que foram nacionalizados à pressa e estão nas fileiras), pois não é nossa tradição e não se justifica, por perigoso; eventuais conflitos de lealdade e afectação do Moral das tropas (a propósito, a instrução seria dada em que língua?). Representaria até, uma regressão civilizacional28.

Infelizmente, um povo que não se quer defender não merece existir. Esperemos que o País ainda não tenha chegado a esse estádio.

 

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Conclusão

“É muito perigoso ter razão em assuntos sobre os

Quais as autoridades estabelecidas estão completamente equivocadas”.

Voltaire

“Infinitus est numerus stultorum”.

(“é infinito o número dos tolos”)

Ecclesiastes

 

O Serviço Militar é o esteio da preservação das virtudes militares no seio da Nação, que são alicerces morais e éticos da comunidade. É direito e dever de todos defender o seu torrão Natal. Não se trata apenas de defender a nossa casa, trata-se de salvaguardar a nossa alma.

Repete-se: a questão cívica vem à cabeça, já que a defesa do território e das suas gentes (que, aliás, não se faz só de armas na mão); a preservação da unidade do Estado; a afirmação de soberania e do querer colectivo; a demonstração de vontade nacional, numa palavra a continuidade da nossa individualidade e identidade portuguesa, não pode nem deve ser apenas dever de alguns, mas sim um imperativo de todos.

Ao fim de mais de 5.000 anos de História, a Humanidade tem oscilado entre períodos de paz e de guerra, onde cada um representa apenas a ausência do outro. E são transversais a todos os povos e períodos históricos. Não parece nada que vá mudar de ser assim.

A única coisa que se conseguiu “inventar” até hoje e foram muitas – “tréguas de Deus”; limitações ao uso de armamento; tratados de paz; humanização da guerra; Direito Internacional; tratados ou “Fora” internacionais para resolução de conflitos; Sociedade das Nações; ONU, etc., – que conseguiu evitar uma guerra (e nem sempre o conseguiu) foi a Dissuasão (isto é, a criação da percepção de que eu não te vou atacar se tiver medo da retaliação ou estragos que me possas provocar…).

Ora, não há melhor dissuasão do que se saber que um povo está determinado a defender a sua liberdade e independência, custe o que custar, doa a quem doer.

O Serviço Militar alargado a todos os cidadãos é, ou deve ser, um dos pilares desta Dissuasão.

O que se tem passado, em todo este âmbito, no nosso País tem sido uma leviandade colectiva. E, até, um crime de lesa – Pátria.

 

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1 “Directrizes”, de Rui Barbosa.

2 Hoje em dia, o sistema está destruído. Ainda lhe chamam “convocação e mobilização”, prevendo uma reserva de disponibilidade para quem cumpriu serviço militar, podendo ser chamados até aos 35 anos; e um recrutamento a nível excepcional dos restantes cidadãos, dos 18 aos 35 anos. Como até agora o sistema nunca foi regulamentado, vale zero.

3 Muitas vezes indo contratar mercenários e oficiais estrangeiros…

4 De facto, o estudo entregue tinha cabeça, tronco e membros e tinha até pernas para andar. Em síntese: todos os jovens vinham à tropa e faziam quatro meses de recruta; quem quisesse ficaria como contratado e iria preencher o principal do sistema de forças. Os restantes passavam para a reserva territorial e manteriam um treino anual, salvo erro, até aos 35 anos. Era uma espécie de sistema à suíça, incipiente. Ora o ministro pegou nisto e aproveitou apenas o que dizia respeito aos quatro meses… Estávamos em 1991.

5 A última Lei do Serviço Militar, Lei n.º 30/87, de 7 de Julho, considerava que a “defesa da Pátria é dever fundamental de todos os portugueses”, e depois o serviço militar como “o contributo prestado por cada cidadão, no âmbito militar, à defesa da Pátria”. Considerava ainda que a lei devia “constituir um instrumento que vise a valorização cívica, cultural e física dos cidadãos que o cumprem” (dos 18 aos 38 anos). Como rapidamente se mudou de ideias…

6 O modo como se deve calcular o número de efectivos necessários é discussão de outro âmbito. Em síntese, diremos que deve derivar do “Conceito Estratégico Militar”, documento de alta classificação de segurança, onde se avaliam as Ameaças e se estabelecem as Missões a serem cumpridas; o Dispositivo e o Sistema de Forças. Este documento deriva, por sua vez, do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, onde se traça o quadro geopolítico que afecta o País dos Portugueses, num dado período histórico. Este documento tem sido, até à data, um documento aberto e ao qual nenhum sector do Estado tem, até hoje, ligado patavina, à excepção das Forças Armadas e, mais por força das circunstâncias, do que por planeamento, o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

7 O fim do SMO foi aprovado em 1999, mas apenas se tornou efectivo em 2004, devido ao período de transição de quatro anos.

8 Até deixou de ser obrigatório fazer o recenseamento aos 18 anos. Em 2013, o MDN suspendeu o “Dia da Defesa Nacional”, para “reformular o modelo e reduzir custos”. Mas a verdadeira razão residiu na morte de uma moça num infeliz acidente, ocorrido no Regimento de Artilharia, em Vila Nova de Gaia.

9 Havia quem opinasse que não haveria problemas com o voluntariado, pois a taxa de desemprego era alta. Como se uma coisa tivesse a ver com a outra, ou tal pudesse ser considerado uma boa fonte de recrutamento…

10Ainda recentemente foram revistas as tabelas de Gerais de Aptidão, tendo sido alargadas as condições de admissão. Por exemplo, e para o contingente geral, deixou de haver altura máxima e a altura mínima baixou para 1,54m (era 1,64) e foram retiradas várias doenças crónicas como critério de não-aceitação.

11A insanidade política até quer que chegue aos 50%...

12Ter aberto as portas das Forças Armadas às mulheres, indiscriminadamente, foi outra demagogia modernaça. Não trazem mais-valia alguma (a não ser no campo da saúde) e acrescentam problemas. Em qualquer caso, o seu número não deve ultrapassar os 10% dos efectivos, com interdição das especialidades mais directamente envolvidas no combate, e a regulamentação deve ser estrita. A maioria do pessoal do quadro permanente sempre esteve consciente disto, mas raros serão os que o afirmarão publicamente. Não é “politicamente correcto” e cairia o “Carmo e a Trindade” na opinião publicada.

13O último pacote de incentivos constitui o anexo 6 ao DL n.º 76/2018, de 11 de Outubro, e tem o nome de “Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar nos Diferentes Regimes de Contrato e Voluntariado”.

14Já a reforma da Defesa 2020, feita por um “Governo Laranja”, pelo DL n.º 31/2015, de 4 de Março, fixava os efectivos em 31.563. Menos 3.310 relativamente à legislação anterior. Desde Dezembro de 2010, os efectivos foram reduzidos em 6.559 militares, cerca de 15,7%, visando uma poupança de 217 milhões de euros, só em pessoal. Compare-se estas reduções com o que se tem passado nos restantes ministérios (enfim, os efectivos do MDN não param de aumentar, leia-se em civis) e, sobretudo, nos gabinetes de tudo o que são órgãos do Estado, e constate-se a diferença.

15Muito antes pelo contrário, como é evidenciado por raramente o MDN aprovar em tempo os efectivos propostos pelos Ramos para a frequência das escolas superiores militares, ou seja, o “plano de incorporação” (se as chefias militares levassem tal em consideração, os anos lectivos nunca começariam na data prevista), chegando-se ao ponto de já ter havido incorporações de efectivos que depois são desautorizadas pelo ministério. Do mesmo modo, as autorizações para o número de candidatos a incorporar nunca surgem a tempo e horas, o que vai condicionar as disponibilidades financeiras (obrigando muitas vezes à execução de irregularidades, sob pena de não se conseguir fazer seja o que for), num misto de irresponsabilidade, negligência e “engenharia” contabilística, no sentido em que se conseguem cativações encapotadas e acertar os objectivos –meta, com o que foi efectivamente realizado. Garantindo assim um “sucesso” político continuo…

16Este ministro, que se demitiu em 1997, foi também o último ministro da Defesa que acumulou o cargo com o de Ministro da Presidência, ou de Estado. É importante referir este “pormenor”, pois tal ponha termo à abrangência de funções que permitia um mais fácil alargamento das funções da “Defesa Nacional”, para além do âmbito das Forças Armadas.

17O Dicionário de Eduardo Pinheiro, Livraria Figueirinhas-Porto, define “Exército” simplesmente como “as tropas de uma Nação”. E “Guerra”, do gótico “Wirro”, s.f., significa “luta com armas entre nações ou partidos; hostilidades; lutas; arte militar; negócios militares; campanha; oposição. Antónimo de “Paz”.

18Do latim “mercenarius”, de “merce”, equivalente a “Comércio” é o nome daquele que trabalha por soldo (soldados da fortuna) ou pagamento. O termo designa os “soldados” que lutam pelo ganho (seja pagamento, saque ou despojos), mas desprovidos de ideais ou fidelidade a um Estado ou Nação.

19A talhe de foice, os italianos ganharam a fama de serem dos piores combatentes que existem e de começarem as guerras de um lado e acabarem-nas do lado contrário. Especializaram-se ainda no emprego do estilete e do veneno. E em constituírem “máfias”. “Estranha” forma de vida aculturada em 3.000 anos de História. Estima-se que, desde a criação da CEE, é o Estado que mais tenta “enganar” Bruxelas…

20E isto apesar de se ter fundado a primeira grande escola de formação militar: a Aula de Fortificação e Arquitectura Militar, em 1647.

21Os Janízaros seguiam um rígido código de conduta, que incluía absoluta obediência aos oficiais; abstinência de álcool; não usar barba; proibição de casar; não ter outra profissão ou actividade que não fosse a militar; aceitar a antiguidade como critério de promoção; obrigatoriedade de viver em quartéis e estar sempre em estado de prontidão para treino ou campanha. Deviam ainda aceitar castigos corporais por parte dos oficiais e pena capital como instrumento de misericórdia.

22Gurkhas são um povo do Nepal e na origem do seu nome está um santo guerreiro hindu do século VIII, Guru Gorakhnath.

23Coincidência ou não, o declínio de Portugal começou após o Rei D. João III ter mandado reformar as Ordens Militares, em 1529. Um assunto muito mal estudado até hoje.

24Cerca de metade do contingente que combateu em Alcácer – Quibir também era estrangeiro. Não correu bem…

25Estes três oficiais fizeram um trabalho notável enquanto estiveram entre nós e o Exército muito lhes deve. Com o senão de, no caso de Beresford, ter querido manter o domínio do Exército através do seu enquadramento por oficiais ingleses o que acabou na revolta e tentativa de golpe de estado do general Gomes Freire, em 1817.

26Embora feitas sem a veemência adequada – também se aumentassem os “decibéis” seriam logo destituídos e acusados de exorbitarem as suas funções e de não conformação com o tal estado de desgoverno democrático…

27O que traduziu na prática a celebre “blague” dos Três “R”, ou seja, reestruturar, reorganizar e redimensionar, dos anos de 1990. Que se traduziu na prática em reduzir, reduzir e reduzir… A que os militares tentaram continuar a prática de “resistir, resistir e resistir”…

28Do mesmo modo que não deveria ser permitido que cidadãos com dupla nacionalidade possam ocupar cargos nos tribunais superiores, governo e serem deputados.

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Tenente-coronel PilAv

João José Brandão Ferreira

Sócio Efetivo da Revista Militar.

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