Nº 2667 - Abril de 2024
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Editorial
General
José Luiz Pinto Ramalho

A discussão sobre o Serviço Militar, particularmente o seu carácter obrigatório, está em discussão na Europa, designadamente nos países da OTAN, onde oito membros o mantêm; isso deve-se à guerra entre a Ucrânia e a Rússia que persiste e entrou no terceiro ano e, também, à indiscutível perceção da Rússia como uma ameaça à Europa, o que constitui o catalisador desse sentimento.

Sendo assim, esse debate é hoje uma realidade em vários países da União Europeia e da OTAN, sabendo-se que, na Alemanha, o Ministro da Defesa determinou às autoridades militares que, no prazo de seis meses, fosse apresentada uma proposta para a futura política pública de prestação de Serviço Militar à República. A solução que ali vier a ser adotada, juntamente com a que se pratica atualmente nos países nórdicos da OTAN, não deixará de provocar reações muito próximas, eventualmente idênticas, nos restantes membros das duas organizações.

Infelizmente, em termos nacionais, estamos confrontados com uma atitude irresponsável de se fazerem afirmações desconcertantes, por parte de responsáveis políticos que deveriam tratar estes assuntos com sentido de estado, de forma esclarecida e não esconderem a sua incapacidade política para um debate sério, perante o cliché “de que não há condições políticas para o regresso do Serviço Militar Obrigatório”, sem acrescentar qualquer outro argumento. Em democracia há sempre espaço político para debater questões estruturantes do Estado, como são as políticas públicas de prestação do Serviço Militar à Republica, envolvendo a Sociedade Civil, o Governo, a Academia e a Instituição Militar.

Trata-se de um Debate urgente e necessário, para definir as políticas mais ajustadas ao sentir nacional sobre a matéria, adequadas à dimensão estratégica nacional, consentâneas com o expresso no paragrafo 1, do Art.º 276º da Constituição da República, de que “a Defesa da Pátria é um Direito e Dever de todos os Portugueses”, fazendo dessa afirmação, mais do que uma figura de estilo, a oportunidade para a criação de um quadro de responsabilização e de capacitação que torne isso possível.

Mais, esse debate permitiria clarificar ideias e um modelo que respeite as nossas tradições históricas, os desafios da sociedade moderna, que satisfizesse as necessidades estruturais humanas e materiais das Forças Armadas que o País e os seus Cidadãos consideram dever garantir e sustentar, como expressão visível da sua determinação e vontade de defesa. Esse conhecimento impediria a importação acrítica de modelos definidos por outros, designadamente internacionais ou comunitários, estranhos à identidade nacional e à tradição histórica, quer passada quer recente.

Já expressei publicamente, por mais de uma vez, que defendo um modelo de Serviço Nacional à Republica, geral e obrigatório para homens e mulheres, com duas vertentes: armada e não-armada. Modelo apoiado num quadro legislativo robusto, que assegure um universo de recursos humanos com formação militar, que corporize uma capacidade de mobilização, se necessária, e que permita também, relativamente às necessidades do Sistema de Forças das Forças Armadas, criar condições para o aumento do recrutamento e da retenção no regime de contrato. Tendo em consideração os efetivos necessários a cada uma das vertentes, de acordo com as necessidades para cada um dos Ramos da Forças Armadas, haveria a possibilidade da opção de escolha aos cidadãos, homens e mulheres, para a prestação desse serviço armado, mas também na vertente não armada, necessariamente diferenciados em duração e direitos, com privilégio para o primeiro.

Um modelo assente num quadro legislativo que garanta a normal qualificação académica dos jovens que a fazem de uma forma continuada, a sua normal inserção no mercado de trabalho, após a prestação do serviço militar e o acolhimento político e social daqueles cidadãos que, genuinamente, têm objeções de consciência, perante o uso da violência e que neste sistema podem também servir a comunidade nacional.

A vertente não-armada seria vocacionada para as funções de cidadania no âmbito da proteção civil, do ambiente, da saúde, das novas tecnologias de informação, do apoio social e de muitas outras que hoje encontram alguma resposta no voluntariado, apoiadas e geridas pelos diversos Ministérios capazes de corporizar essas tarefas e esse tipo de desempenho.

Aqueles que optassem por prestar o serviço armado, constituiriam a base fundamental do recrutamento para a situação de contrato e preenchimento do Sistema de Forças Nacional, como aliás acontecia, quando o SMO/SEN convivia com o voluntariado e o regime de contrato, podendo ainda ingressar nas carreiras de Sargento ou Oficial dos Quadros Permanentes, através das escolas Militares. Subjacente ao modelo está a indispensável necessidade de dignificar a Condição Militar e as condições sociais e económicas de prestação de serviço nas Forças Armadas, numa palavra, tornando-as atrativas a todos os extratos sociais da Sociedade e as ações que promovam, quer o recrutamento quer a retenção, desejavelmente, até ao fim do período de contrato.

Mas esta é apenas uma visão, disponível para ser confrontada com outras, nesse Debate alargado que se mencionou, onde analisadas as vantagens e inconvenientes de cada uma, as respetivas implicações logísticas, de infraestruturas e financeiras, permita a construção de um modelo de prestação de serviço militar, que melhor sirva o interesse nacional.

A proposta do Ministro da Defesa Nacional de incorporar jovens delinquentes nas Forças Armadas, secundada pela Ministra da Administração Interna, dizendo que aquele falava pelo Governo, torna urgente conhecer a opinião do Primeiro-ministro sobre a matéria e se considera que esta é uma medida prioritária e programática, para a dignificação e para a atratividade, quer da Condição Militar quer da captação e retenção dos recursos humanos necessários às Forças Armadas. É uma proposta infeliz que desrespeita a Instituição Militar, mostra desconhecimento da mesma e da nobreza das suas Missões. Não é um bom começo, no sentido da resolução do problema atual e crucial para as Forças Armadas – o recrutamento dos recursos humanos necessários e a sua retenção no período de contrato.

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2024-07-02
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General

José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia