Nº 2669/2670 - Junho/Julho de 2024
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Ucrânia – Guerra Aérea: Efeitos e Consequências
Tenente-general PilAv
Alfredo Pereira da Cruz

Para compreender o conflito da Ucrânia é necessário rever as narrativas históricas da formação destas duas nações eslavas. As origens desta guerra são múltiplas e podemos considerar aquelas de origem remota, fundamentalmente na longa história comum entre a Rússia e a Ucrânia, e as mais próximas, diretamente relacionadas com a queda do império soviético, a independência da Ucrânia e ainda mais recentemente a invasão ilegal da Crimeia em 2014. Da análise da história, para lá das razões inerentes à geopolítica e à geoestratégica, há razões outras, talvez mais profundas, a religião e o misticismo do povo, da cultura e da liderança, sempre presentes ao longo da história da Rússia, desde o século XVI, quando da fundação da nação russa por Ivan IV, o “Terrível”.

Este artigo resulta de um convite para a participação do autor num workshop organizado pela Revista Militar, sobre os atuais conflitos na Ucrânia. O artigo centra-se na análise sobre o emprego do Poder Aéreo no conflito e sobre a imprescindibilidade do seu emprego para o sucesso das operações militares.

Retirar lições desta guerra neste momento não passará de puras análises instantâneas, as verdadeiras lições apreendidas virão mais tarde com aturadas pesquisas e profundas análises dos especialistas, contudo alguns indícios são já bem evidentes, assim como as consequências. Contudo, há questões que se levantam e que certamente conduzirão a análises mais profundas. Por que razão a prevenção e a dissuasão falharam? Que lições sobre a estratégia, a tática e tecnologia no campo de batalha? Como irá o mundo lidar no futuro com o regresso das ameaças nucleares?

Os conflitos têm sempre efeitos, uns de curto prazo e outros que só se tornarão evidentes no médio/longo prazo. A invasão da Ucrânia revela para já efeitos e consequências para os dois contendores, alguns deles já bem visíveis nestes dois anos de guerra. Entre os efeitos imediatos poderemos considerar aqueles que, de algum modo, refletem as consequências e os efeitos para os dois beligerantes e para o evoluir da guerra.

As forças militares russas ao longo de dois anos, na chamada “operação militar especial”, têm sido um completo fracasso, mas, talvez o seu maior fracasso, tenha sido a total impotência da força aérea russa (VKS) em contribuir decisivamente para o sucesso da invasão da Ucrânia, como deveria ser o seu principal objetivo e as suas principais tarefas.

As razões para o insucesso da chamada “Operação Militar Especial” são múltiplas, contudo, quatro áreas são aquelas onde foram e são mais evidentes as limitações, as deficiências e as incompetências aos mais altos níveis políticos e militares russos, que explicam as razões do insucesso das suas forças militares:

– Deficiente decisão política;

– Desastroso planeamento militar estratégico e operacional;

– Ineficiente planeamento logístico;

– Total incapacidade do Poder Aéreo Russo;

– Inferioridade tecnológica e industrial de defesa.

Os militares dizem frequentemente que os amadores estudam a tática, enquanto os profissionais estudam a logística, e o que assistimos nesta guerra é efetivamente o total fracasso da logística. As forças armadas em combate, quaisquer que sejam, precisam de logística, se não tiverem combustível, se não tiverem sobressalentes, se não tiverem munições, então todos esses sistemas de armas tornam-se inúteis, quais “pisa-papéis”.

O principal fracasso da Força Aérea Russa (VKS) tem sido, desde o início do conflito, a sua incapacidade de conseguir uma situação de superioridade aérea sobre a Ucrânia, deixando as tropas russas no campo de batalha sem qualquer proteção do seu Poder Aéreo. Logicamente, o “Tempo” das operações, e a moral da tropa, que é baixíssimo, todos fatores difíceis de calcular e estimar antes do início da guerra, mas a sua influência no desenrolar da guerra é enorme (O´Brien, October 12, 2022).

Um dos efeitos e consequências mais devastadoras para as forças militares russas foi a sua total incapacidade de planear a logística necessária para a invasão. Partindo de pressupostos errados, uma campanha rápida para conquistar e derrotar a Ucrânia, possivelmente uma semana e sem oposição militar, à semelhança do acontecido em 2014 na invasão da Crimeia, não planeou a logística para uma guerra prolongada no tempo.

 

A Campanha Aérea

A Guerra é sempre um ato ou um conjunto de atos violentos, que provocam destruição e morte, muitas das vezes indiscriminada. Giulio Douhet um dos principais teóricos do emprego do Poder Aéreo nos anos 30 do século passado, afirmava no seu livro “The Command of the Air”, “...O avião é a arma ofensiva por excelência...”, para ele o comando do ar era essencial para a consecução da vitória na guerra. Dispondo do comando do ar, as nossas forças aéreas são livres de operarem Onde e Quando desejarem, negando às forcas aéreas inimigas a sua capacidade de reação (Douhet, 1984).

Estas teorias foram durante décadas a base da “Guerra de Apoio Industrial e Económico”, com o desenvolvimento tecnológico e da precisão do armamento guiado de precisão nos anos 90, do século passado, a guerra evoluiu rapidamente para uma “Guerra de Comando e Controlo” na procura da paralisia estratégica, conceitos de emprego do Poder Militar baseados nas modernas doutrinas de John Boyd e na operacionalização do emprego do Poder Aéreo de John Warden (Boyd, 2007).

Um pequeno parêntesis para explicar o que é efetivamente o Poder Aéreo. O Poder Aéreo é exercido pelo emprego dos aviões, dos helicópteros e das aeronaves não tripuladas – UAV, vulgo drones, no campo de batalha. Mas também o são os misseis de defesa aérea (SAM), os misseis de cruzeiro e toda a panóplia dos sistemas de defesa aérea (SDA), incluindo os radares e os centros de comando e controlo.

As forças militares russas iniciaram uma campanha militar na Ucrânia baseados nas doutrinas de emprego massificado importadas da WW2. Quanto ao Poder Aéreo russo, a situação ainda foi mais inexplicável, fica a impressão que a “VKS – Russian Aerospace Forces or Russian Air and Space Forces, Воздушно-космические силы” (Força Aérea da Rússia), nunca leram as modernas doutrinas de emprego do Poder Aéreo. Uma campanha aérea é a condução controlada de operações aéreas para atingir objetivos específicos. A realização de campanhas aéreas efetivas é a marca das forças aéreas de sucesso. O planeamento de uma campanha aérea é fundamentado na perí-
cia de todos os aviadores, que incluem a compreensão da relação entre as operações militares e outras operações de segurança nacionais (Kainikara & Richardson, 2008).

Passados dois anos do início da guerra na Ucrânia, a campanha aérea russa continua a causar grandes interrogações e espanto entre os especialistas sobre o emprego da VKS, nomeadamente os especialistas ocidentais. O seu comportamento tem espantado os defensores do emprego do Poder Aéreo nos modernos conflitos, pelas suas falhas, total incapacidade de conseguir a superioridade aérea, um limitado emprego de armas de precisão e uma fraquíssima capacidade de aquisição de alvos. O espaço aéreo sobre o teatro de operações da Ucrânia, tem sido maioritariamente ocupado por mísseis e UAV (aeronaves não tripuladas). Esta situação em termos do emprego do Poder Aéreo, é estranha e no mínimo atípica, quando comparado com o emprego do Poder Aéreo nos modernos conflitos. Será esse o novo normal nos conflitos convencionais? Muitos analistas e planeadores do emprego do Poder Aéreo acham que não.

Os analistas militares da NATO, talvez cegos pelo suposto potencial das modernas aeronaves de combate russas, caíram na armadilha das análises baseadas nas capacidades, enganados pela comparação fácil entre equipamentos, divorciados de preferências culturais, do treino e dos elementos humanos. Numa análise mais cuidada, o que verificamos hoje, sobre o Poder Aéreo russo, é completamente diverso, o que estamos a ver é exatamente o que deveríamos esperar da VKS. Concetualmente e doutrinariamente os militares russos não empregam a sua aviação de combate da mesma forma que a NATO e os EUA o fazem, talvez porque nunca tiveram de o fazer.

Na WW2 o conceito doutrinário vigente foi caraterizado pelo emprego intensivo e massificado de ataques terrestres e aéreos contra os centros industriais e respetiva população do inimigo, enquanto centros de gravidade. As populações, nomeadamente nas grandes cidades, eram considerados alvos estratégicos.

No pós-guerra, com o avanço tecnológico, nomeadamente nos sistemas de armas e no armamento de precisão, a doutrina do emprego de forças evoluiu em consonância, com especial relevância na aviação, no sentido de uma “Guerra de Comando e Controlo”, na procura da paralisia estratégica, através de ataques diretos aos sistemas de comando e controlo do inimigo, alvos críticos e centros do Poder Político.

A guerra no Teatro de Operações da Ucrânia tem sido basicamente uma guerra terrestre, sem o decisivo contributo do Poder Aéreo, contudo o espaço aéreo tem vindo a ser palco de utilização intensiva, não pelos aviões e helicópteros, como seria de esperar, mas sim com artilharia, foguetes, mísseis e Unmanned Aerial Vehicles – UAV (drones).

Estranhamente, na guerra da Ucrânia, o Poder Militar russo continua a utilizar conceitos doutrinários completamente ultrapassados, importados da WW 2, nomeadamente no ataque indiscriminado contra as populações civis, através de ataques de artilharia, mísseis e ataques aéreos, particularmente com recurso a UAV e misseis de cruzeiro e balísticos. Ao contrário de alguns analistas possam afirmar, não se trata de danos colaterais, alguns o serão, mas sim de ataques conscientes, que podem indiciar crimes de guerra de acordo com o prescrito na Convenção de Genebra e na Lei Humanitária Internacional. Este tipo de ataques não são ética e moralmente defensáveis e vão contra as mais elementares direitos humanitários e das leis dos conflitos armados.

A Rússia, detentora da segunda maior força aérea no mundo, ao fim de dois anos de guerra, tem sido de uma ineficácia estrondosa, primeiro foi incapaz de ganhar a superioridade aérea sobre o teatro de operações, segundo não tem sido capaz de apoiar as suas forças terrestres e, é evidente, que os pilotos russos demonstram ser incapazes de operar em cenários de alta ameaça, trabalhar em conjunto com as forças terrestres e desenvolver operações aéreas complexas. Por outro lado, não se compreende, em termos de planeamento operacional, a escolha de ataques a populações indefesas em detrimento de alvos militares, muito mais importantes em termos de sucesso militar.

As modernas doutrinas da NATO e americana, baseadas no conceito da “Guerra de Comando e Controlo”, doutrinas fundamentadas nos pensamentos dos americanos John Boyd e Jonh Warden, apontam para, numa fase inicial do conflito, a necessidade de uma campanha aérea com o claro objetivo de neutralizar e incapacitar o Sistema de Defesa Aérea (SDA) do inimigo, através de ataques aos meios aéreos e suas infraestruturas, radares e centros de comando e controlo, criando uma situação aérea favorável para diminuir as ameaças aéreas contra as forças invasoras (Cruz, 2019). Nada disto foi planeado ou executado pela Força Aérea Russa, passados dois anos desde o início da guerra, embora a Força Aérea Ucraniana esteja de alguma forma enfraquecida, continua, no entanto, a constituir uma ameaça ao avanço das forças terrestres russas

A Rússia é por tradição um Poder Terrestre que dispõe de reservas massivas de soldados ao seu dispor, filosoficamente não existe um pensamento para o emprego do Poder Aéreo de forma criativa e inovadora. A Rússia nunca compreendeu o emprego do Poder Aéreo para lá do apoio às suas forças terrestres. Como afirmou o general americano David Deptula, um dos planeadores da campanha aérea da Operação “Desert Storm” no Iraque em 1990/91, “...como resultado, a Rússia em todas as guerras, nunca concebeu o planeamento de uma campanha aérea estratégica...” (O´Brien & Stringer, October 12, 2022).

A história militar recente demonstra que, nas guerras modernas, o Poder Aéreo é imprescindível, mas difícil de ser exercido efetivamente. A aplicação do Poder Aéreo moderno é dependente de um enorme conjunto de tecnologias que necessitam de pessoal altamente treinado para manter operacionais toda a gama de aeronaves, armamento, sensores, assim como outros meios aéreos de apoio, assemelhando-se a um ecossistema militar: aviões radar para fornecer comando e controlo; caças para a proteção e patrulhamento dos céus sobre as áreas de operação; aviões reabastecedores; aviões de guerra eletrónica para a supressão das defesas inimigas; aviões para recolha de informações; e logicamente aviões de ataque para localizar e destruir as forças inimigas. Todo este conjunto de aeronaves de operações combinadas, é uma espécie de ballet coreografado, que necessita de intensos treinos para ser aprendido e compreendido. Mas efetivamente, se conduzidos corretamente, permitem o controlo do ar, tornando a vida das forças terrestres inimigas num verdadeiro inferno e em contraste, o combate das forças amigas muito mais fácil (Cruz, 2019).

Infelizmente para os russos e felizmente para os ucranianos, a suposta modernização recente das forças aéreas russas, embora a intenção fosse a conduta de operações combinadas, acabou por se verificar que não passava de “show off”. Os russos desperdiçaram dinheiro e esforços, fundamentalmente em ineficiência e corrupção. Verifica-se que apesar da modernização a Força Aérea Russa continua a sofrer com uma logística defeituosa e de uma falta de treino realístico e regular dos seus pilotos (O´Brien & Stringer, October 09, 2022).

As falhas do Poder Aéreo russo não se limitam aos aspetos doutrinários ou ao planeamento de uma campanha aérea, verificou-se que carecem da profundidade de uma força combatente, embora com aeronaves relativamente avançadas, fica a noção que a força aérea russa foi desenvolvida para um tipo de publicidade destinada à exportação, em vez de uma força aérea credível. A Rússia, pelo menos em teoria, era o suposto no ocidente, possuir uma força aérea de classe mundial, um conjunto coerente de caças modernos, bombardeiros estratégicos e mísseis de cruzeiro. Todavia o que se verificou, é que lhe falta o treino realístico e as capacidades de precisão das forças aéreas da NATO.

A campanha aérea da VKS, ou aquilo que será suposto chamar uma “campanha aérea” começou erradamente no início da invasão das forças terrestres na Ucrânia. Doutrinariamente, deveria ter começado dias antes do início da invasão terrestre, de forma a garantir uma superioridade aérea sobre o campo de batalha, e proteger as suas forças terrestres da aviação tática da força aérea ucraniana. A VKS nos três primeiros dias da guerra atacou fortemente o SDA ucraniano, incluindo os radares, as baterias de SAM, os centros de comando e controlo e as bases aéreas. Por erros de planeamento apenas neutralizaram os alvos, em vez da sua destruição, permitindo aos ucranianos rapidamente recuperarem a sua operacionalidade. Inexplicavelmente a VKS ao fim de alguns dias parou a campanha aérea, as razões são ainda hoje desconhecidas, mas talvez as razões estejam diretamente ligadas com as perdas de muitos aviões e helicópteros abatidos pelo SDA ucraniano e pelos mísseis “manpads”.

Numa primeira análise sobre o insucesso da VKS em conseguir a desejada superioridade aérea, talvez tenha resultado também de dificuldades em desconflituar as operações aéreas com as suas baterias SAM, uma falta de munições de precisão e um número limitado de pilotos com experiência em ataques em apoio das forças terrestres. Estas limitações resultam, em parte, do baixo número de horas disponíveis para o treino desses mesmos pilotos. Contudo, mesmo sendo esses fatores verdadeiros e relevantes, não são suficientes para explicar o comportamento anémico da VKS. É notório, devido à inexistência de doutrina conjunta, à falta de coordenação, treino e uma enorme desconfiança das forças terrestres na sua Força Aérea, uma total incapacidade da VKS de operar em ambientes conjuntos e de elevada complexidade

Um novo conceito que pretende otimizar os resultados do emprego do Poder Militar, num conceito de operações conjuntas. JADC2 é o acrónimo de “Joint All Domain Command and Control Operations”, uma aproximação estratégica militar, que integra as capacidades e os recursos de todos os domínios – mar, terra, ar, espaço e ciberespaço – na análise do planeamento e na execução das operações militares. Na visão das forças armadas aliadas para o futuro da guerra, a JADC2 é a procura da ligação entre os sensores, o poder de fogo e as comunicações, fornecendo aos comandantes militares, incluindo os comandos aliados, a informação correta com o objetivo de tornar as decisões mais rápidas, criando uma rede integrada de “redes de redes” (Silva, 2023).

Um dos fatores negativos é a obsolescência tecnológica da VKS, que não era esperada pelos analistas e especialistas da aviação militar ocidentais. A maioria do armamento da VKS é de não precisão, o armamento sofisticado, particularmente mísseis, são baseados em tecnologia importada. Com as sanções aplicadas à Rússia e às suas indústrias de defesa, estas têm enorme dificuldade em adquirir no ocidente a tecnologia necessária para repor os stocks do armamento tecnologicamente mais sofisticado.

Depois de dois anos de combates, nem a VKS, nem a Força Aérea Ucraniana, conseguem controlar os céus da zona de operações. Uma das lições deste conflito, que podem ser analisadas desde já, é que os caças de ambos lados têm sido quase inúteis. Nenhuma força aérea conseguiu obter superioridade aérea, o que provoca severas limitações no desempenho de ambas as forças aéreas no conflito e na contribuição para o sucesso de qualquer dos lados, nomeadamente no apoio às suas forças terrestres.

O maior problema para a obtenção de uma situação favorável, reside no sucesso de ambos os lados na montagem de um forte SDA integrado com uma notável componente de SAM, o que tem tornado a vida dos caças quase impossível, por isso as missões de “Close Air Support – CAS” (apoio aéreo próximo), em face da ameaça antiaérea são quase proibitivas para ambas as forças aéreas. Embora o “Tempo” das missões aéreas tenha diminuído significativamente, tanto a VKS como a UKAF continuam ativas. No caso da Ucrânia, os sistemas SAM, como os S-300 russos, ou a nova geração dos “manpads” ocidentais como os “stinger” e o “starstreak”, assim como os sistemas de misseis de defesa aérea (SAM), NASAM, Patriot, IRIS-T, Crotale, Avenger, entre outros sistemas ocidentais altamente sofisticados, tem forçado os caças russos a adaptarem-se às ameaças prevalecentes, através de novas táticas, nomeadamente voos a baixa altitude, utilização de armamento menos preciso, nomeadamente com ataques de foguetes (Woody, March 16, 2023).

O insucesso da contraofensiva ucraniana a partir do verão de 2023 é devida em parte da sua incapacidade de penetrar e ultrapassar o forte sistema defensivo implementado pela Rússia na zona de Donbass, mas fundamentalmente pela incapacidade do Poder Aéreo da Força Aérea Ucraniana de atacar os alvos das forças militares russas na retaguarda, nomeadamente concentrações de tropas, centros de comando e controlo, centros logísticos, depósitos de munições. A Força Aérea Ucraniana apenas dispõe de cerca de 80 caças, contra cerca de 580 caças da VKS no Teatro de Operações. Por isso é compreensível que a Ucrânia desde o início do conflito tenha solicitado a transferência de aviões de ataque ocidentais, nomeadamente os F-16. Embora os F-16 sejam da mesma geração que os aviões mais recentes da VKS, nomeadamente os Sukhoi Su-34, são aviões muito mais sofisticados e com muito melhores capacidades ofensivas.

Poderá questionar-se se, por exemplo, os sistemas HIMAR, não poderão efetuar esses tipos de ataques, efetivamente não têm a mesma eficácia. Um F-16 pode transportar um máximo de 6 toneladas de bombas guiadas, ao contrário um HIMAR tem uma carga explosiva de 100 quilos, logicamente os danos serão absolutamente menores. Embora a transferência dos F-16 tenha sido autorizada pelos EUA, a sua operacionalidade demora tempo, é necessário formar os pilotos, um sistema de manutenção e uma cadeia logística, e isso leva tempo, no mínimo um ano. É expetável que comecem a operar na zona de combate no verão de 2024.

 

Os UAV

Pelas suas capacidades específicas, os UAV, ao longo dos últimos 20 anos, têm sido fundamentalmente empregues em missões de vigilância sobre os diversos campos de batalha, nomeadamente nos conflitos assimétricos, mantendo uma vigilância quase permanente, noite e dia, operando em conjunto e em total coordenação com as forças terrestres, são uma fonte imprescindível de informações para a tomada de decisão aos diversos níveis. Durante os conflitos assimétricos, a regra tem sido voar em situações de espaço aéreo não contestado, numa quase permanente situação aérea favorável. O primeiro conflito convencional, onde os UAV foram empregues em combate e com relativo sucesso, foi o conflito de Nagorno Karabakh, entre o Azerbaijão e a Arménia em 2020.

No conflito da Ucrânia assiste-se pela primeira vez o emprego intenso de UAV numa guerra convencional de alta intensidade, com resultados mistos. Desde fevereiro de 2022 o espaço aéreo de parte da Ucrânia foi tomado pelos UAV de ambos os beligerantes. Os UAV têm sido uma pequena revolução na forma de fazer a guerra, nomeadamente nas missões de “Intelligence Surveillance & reconnaisance – ISR” (Informações, Vigilância e reconhecimento) e com bastante sucesso. Contudo nas missões de ataque o sucesso tem sido mais limitado.

Os UAV empregues neste conflito são na sua maioria pouco sofisticados e com uma miríade de origens. Os UAV de ataque utilizados pela Rússia são de origem iraniana, os Shaed-136, efetivamente pouco sofisticados, não muito precisos e com uma carga explosiva de cerca de 60 quilos.

Na Guerra da Ucrânia os UAV, têm sido empregues massivamente em missões de reconhecimento em proveito das forças terrestres e com muito sucesso. As forças ucranianas têm vindo a utilizarr alguns UAV na missão de ataque com os chamados UCAV – Unmanned Combat Aerial Vehicle, nomeadamente o UAV turco “Bayraktar TB2”. Este UAV pode ser equipado com 4 mísseis MAM-C/L com guiamento laser.

A Ucrânia de forma muito inteligente e imaginativa, utiliza uma miríade de UAV/Drones de múltiplas origens, sendo a maioria com origem comercial e extremamente baratos, nomeadamente chinesa, como é um exemplo os mini UAV chineses, “Mavics”. O sucesso é relativo, mas é uma fórmula barata e inteligente de complementar a utilização de outros equipamentos mais sofisticados (Konaev & Daniels, March 28, 2023). Estes mini UAV têm grandes limitações, são pouco sofisticados e são muito vulneráveis pelo empastelamento eletrónico, bastante eficaz em função das excelentes capacidades dos “jammers” (empasteladores) da EW russa.

Poderão os Drones iranianos utilizados causar uma mudança no evoluir da guerra? Ao fim de dois anos tal não aconteceu, contudo, os ataques são na sua maioria dirigidos contra alvos civis, com o claro objetivo de causar o pânico e o terror nas populações. Operacionalmente o SDA ucraniano tem uma taxa de abate de 70 a 80% dos Shaed-136.

 

Tecnologia

A tecnologia sempre foi ao longo da história militar um fator fundamental no sucesso nos campos de batalha, nomeadamente para quem tinha a vantagem tecnológica.

A evolução tecnológica conduz aos assuntos da mudança radical da guerra e das “RMA – Revolution on Military Affairs” (Revolução dos Assuntos Militares). O terno de RMA é comum no jargão militar, tornou-se uma moda no mundo militar, a partir dos anos 90 do século passado. A RMA está intrinsecamente ligada com os avanços tecnológicos, nomeadamente acerca da chamada 3.ª Revolução Industrial e o avanço das chamadas PGM – Precision-Guided Munition (munições de precisão), nas comunicações digitais, na internet, nos desenvolvimentos da microeletrónica, dos semicondutores e dos processadores.

A tecnologia tem sido um dos fatores mais importantes nos resultados das forças militares ucranianas neste conflito, particularmente os sistemas de armas mais sofisticados nos arsenais de armamento fornecidos pelos EUA, pelos Britânicos, pela França e pela Alemanha. Numa primeira fase foram os “manpads” que fizeram a diferença, depois com a chegada de artilharia de precisão e maior alcance, particularmente os HIMAR, a guerra começou a tender para a Ucrânia, nas contraofensivas nas regiões de Kharkiv e kherson, finalmente a cedência de sistemas de defesa aérea ocidentais, nomeadamente os sistemas IRIS-T alemães, os NSAM, Avenger e Patriots americanos, extremamente efetivos contra os mísseis e UAV russos, com taxas de sucesso na ordem dos 70% a 80%.

Há uma razão pela qual a tecnologia é frequentemente chamada de um “Multiplicador da Força”. Mas é importante chamar a atenção que a tecnologia é boa quando serve os nossos interesses no campo de batalha, mas não quando os substitui. A guerra do futuro vai ser radicalmente diferente, combatida por robôs impregnados de Inteligência Artificial e nanotecnologia, a confrontação entre adversários irá acontecer, no mar, em terra, no ar, no espaço e no ciberespaço, mas onde o elo humano será o fundamental.

Ao contrário do pensamento dos americanos, que chamam este novo tipo de guerra a “next generation warfare” identificada como “fourth generation warfare”, sendo caraterizada na sua essência, por ser mais fluida, descentralizada e assimétrica. Contudo, desenganem-se os “gurus” da tecnologia do futuro, as guerras convencionais modernas continuarão a ser uma realidade, os carros de combate, a artilharia, os aviões e os helicópteros, os navios e os submarinos vão prevalecer em conjunto com os mais modernos e sofisticados sistemas de armas.

 

Lições para as Forças Armadas Nacionais

Como escrito anteriormente, é ainda cedo para retirar lições, as verdadeiras lições aprendidas virão mais tarde com aturadas pesquisas e profundas análises dos especialistas. Pode-se questionar se haverá algumas lições da guerra que poderão ser aplicadas à modernização das nossas Forças Armadas, logicamente que as haverá, mas teremos de ser cuidadosos. A modernização das capacidades militares exige uma priorização dessas capacidades e que não está feita, e um claro aumento dos orçamentos de defesa.

Para o Poder Aéreo nacional três lições do conflito da Ucrânia são bem evidentes e devem ser tidas em conta na modernização dos sistemas aéreo do futuro, nomeadamente nos UAV, nas mais modernas tecnologias e na disponibilidade de munições, particularmente nas armas de precisão.

 

Conclusão

Não será razoável julgar o comportamento da VKS e o emprego do Poder Aéreo russo como um fracasso, de acordo com os padrões ocidentais, porque a VKS não utiliza as métricas da NATO ou dos EUA. As forças aéreas russas nunca exibiram os mesmos princípios doutrinários da maioria das forças aéreas ocidentais, nomeadamente as forças aliadas na WW 2, por isso o emprego do Poder Aéreo russo, visto em termos gerais, era o que deveríamos ter esperado (Pietrucha, August 11, 2022).

Um dos conceitos fundamentais do emprego do Poder Aéreo era e continua a ser a conquista do Comando do Ar sobre a zona de combate das forças inimigas. O objetivo é o da criação de uma situação aérea favorável sobre o campo de batalha e que permita às forças terrestres, navais e aéreas amigas desenvolverem as suas ações de combate sem serem impedidas pelas forças aéreas hostis. Pelas razões aduzidas e expostas tal não se tem verificado durante este conflito. O Poder Aéreo de ambos os beligerantes não tem sido exercidos no seu máximo potencial, em grande parte devido à quantidade de sistemas de defesa aérea presentes, com especial relevância para os sistemas SAM e “manpads” de conceção ocidental, o que tem tornado quase impossível o desempenho do Poder Aéreo.

As forças militares russas não estão totalmente derrotadas, bem longe disso, sofreram muitos reveses e derrotas importantes, mas vão prevalecer embora enfraquecidas, não esquecer a capacidade da Rússia em mobilizar mais reservistas. Contudo, não será fácil resolver num curto prazo de tempo, problemas estruturais das forças militares russas, nomeadamente, a corrupção rampante, a indisciplina e a capacidade industrial para repor os stocks, agravado pelas sanções impostas, particularmente nos semicondutores, chips e eletrónica, áreas tecnológicas de que a indústria russa está consideravelmente atrasada em relação ao Ocidente.

Uma das principais lições deste conflito é que a guerra é raramente fácil e nunca é clara. É por isso, que começar uma guerra, é quase sempre uma decisão errada para qualquer nação.

 

Bibliografia

Boyd, J. R. (2007). Patterns of Conflict. Edited by Chet Richards and Chuck Spinney (versão PDF). Defense and the National Interest. Retirado de: http://www.dni- pogo.org/boyd/patterns_ppt.pdf

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Douhet, G. (1984). The Command of the Air. Salen: Ayer Company Publishers Inc.

Kainikara, S. & Richardson, B. (2008). The Air Campaign: The Application of Air Power. Royal Australian Air Force, Chief of the Air Force, Occasional Papers, Paper N. 2.

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Pietrucha, M. (August 11, 2022). Amateur Hour Part II: Failing the Air Campaign. War on the Rocks Magazine. Retirado de: https://warontherocks.com/2022/08/am- ateurhour-part-ii-failing-the-air-campaign/

Silva, N. M. (2023). Composite Air Operations – COMAO. Point Paper.

Woody, C. (March 16, 2023). Fighter jets are worthless over Ukraine, and it’s a sign of what US pilots and troops may face in future battles. Business Insider. Retirado de: https://www.businessinsider.com/fighter-jets-unable-to-provide-close-air-support-over-ukraine-2023-3

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by COM Armando Dias Correia