Nº 2675 - Dezembro de 2024
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Um grande Militar Português: General Bethencourt Rodrigues (1918-2011)

Um grande Militar Português:

General Bethencourt Rodrigues

(1918-2011)

António Pires Nunes

 

O Tenente-coronel António Pires Nunes, nascido em Castelo Branco, cumpriu quatro comissões em África (três em Angola e uma em S. Tomé e Príncipe), é licenciado em História pela Universidade de Coimbra, e detentor de uma vasta obra publicada, que inclui mais de 20 livros e duas centenas de artigos. Como investigador e historiador foi agraciado por três vezes com o Prémio Defesa Nacional (1991, 1999 e 2014), para além de uma menção honrosa (2011), o que diz tudo sobre qualidade e rigor científico das suas obras.

Este livro, muito bem intitulado “Um Grande Militar Português: General Bethencourt Rodrigues”, constituiu um desafio lançado pelo próprio autor, na sequência da publicação do seu livro “Angola 1966-1974 – Vitória Militar no Leste”, também editado pela Tribuna da História, mas em setembro de 2002.

Na sua essência, este livro vai ao encontro de uma lacuna recente, relativa à história dos comandantes e das batalhas e combates. Apesar da nova história mais global dominar a historiografia desde o final do século passado, tendo como referência a História Militar de Portugal coordenada por Nuno Severiano Teixeira e Themudo Barata e mais recentemente a obra de que fui co-coordenador com o Doutor Pedro Aires Oliveira – intitulada “Crepúsculo do Império – Portugal e as guerras de descolonização”, a História Militar continua a “necessitar” dos estudos menos genéricos sobre a guerra, que incidam sobre as batalhas e combates, sobre as operações, as informações e a logística, sobre os comandantes e os combatentes em geral.

Neste caso, para além do trabalho de investigação, do elevado conhecimento e saber e da reconhecida experiência do autor, está explicito o reconhecimento do biografado por parte do autor, como um ilustre oficial “a quem a Pátria muito deve”.

O livro começa com uma importante Nota Introdutória, em que o autor explica as razões por que escreveu este livro. Podem resumir-se ao reconhecimento e à homenagem a um General que faz parte dos poucos que ao longo da história “fez forte a gente fraca”. O livro trata do Homem e da Obra, com destaque para as excelsas qualidades humanas e profissionais e para as funções de elevada responsabilidade que desempenhou o General Bethencourt Rodrigues, em especial as de chefe de Estado-Maior do Quartel-General da Região Militar de Angola (QG/RMA) e de Comandante da Zona Militar Leste (a que acrescenta as de Professor e Diretor de Cursos no Instituto de Altos Estudos Militares (IAEM), de adido militar e aeronáutico em Londres, de Ministro do Exército, de Governador e Comandante-Chefe da Província da Guiné, e já depois do 25 de abril de 1974, de Presidente da Direção da Revista Militar, entre 1980 e 1990). Apesar dos contactos que o autor teve com o General (em Angola, no IAEM e na Revista Militar), sentiu a necessidade de escrever esta biografia, em especial depois da obra que lançou em 2002, intitulada “Angola 1966-1974 – Vitória Militar no Leste”, obra apresentada pelo General Espírito Santo no Quarte-General do Governo Militar de Lisboa e na presença do General Bethencourt Rodrigues (que a sentiu como uma primeira homenagem ao seu trabalho).

Segue-se um Prefácio, da autoria do Dr. José Ribeiro e Castro, presidente da direção da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, filho do Eng.º Fernando Santos e Castro, que foi Governador-Geral de Angola entre 1972 e 1974 e sobrinho do Coronel Gilberto Santos e Castro, considerado o fundador dos Comandos do Exército Português. O Dr. Ribeiro e Castro, reconhecido servidor público, elogia então o trabalho desenvolvido pelo autor, com destaque para os testemunhos e documentos sobre os dois períodos do General Bethencourt Rodrigues em Angola e também para a correspondência trocada entre Jonas Savimbi e as tropas portuguesas aquando da insurreição no Leste. E termina o seu texto sentido, destacando que as Forças Armadas portuguesas não foram derrotadas aquando da saída de Portugal dos territórios africanos, em parte devido a homens da envergadura do General José Manuel Bethencourt Rodrigues.

E o livro começa então com o Epitáfio da autoria do General Espírito Santo, publicado na Revista Militar n.º 2512, de maio de 2011, pouco depois da morte do General Bettencourt Rodrigues. Em quatro páginas, o General Espírito Santo conseguiu resumir a vida e os valores do General com quem trabalhou e que muito estimava, de que cito uma frase marcante: ensinou, instruiu, comandou, combateu e defendeu princípios e valores que materializaram a grandeza da servidão da condição militar. E terminou o seu In Memoriam, recordando o seu comandante como exemplo de virtudes militares como o patriotismo, a lealdade, o sentido do dever, a honra e a camaradagem das armas.

Apesar de não estarem numerados os diferentes capítulos, conseguimos descortinar os temas principais, pois estão destacados (e bem) a letra maiúscula. E começa com a caracterização dos movimentos independentistas armados, para depois sublinhar as diferentes funções desempenhadas pelo General, respetivamente: Como Chefe do Estado-Maior do QG/RMA; como Comandante da Zona Militar Leste (a parte mais desenvolvida); como Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné. E termina com os últimos anos de Bethencourt Rodrigues, antes da bibliografia e dos agradecimentos.

Como Chefe do Estado-Maior do QG/RMA, o autor destaca as várias ações nas zonas não recuperadas, nas áreas de interesse livre, e nos vários planos e operações minuciosamente planeados e executados (caso da operação “Gato Furioso”). Sublinha ainda a formação dos Comandos, com elevada contribuição do General, casos das Companhias de Instrução 21 e 16, o que levaria a que viesse a ser justamente reconhecido como “Comando Honorário”, em 1989. Num seu discurso de 12 de dezembro de 2003, o General Bethencourt Rodrigues elogiou os Comandos e figuras como os majores Jasmim de Freitas, Santos e Castro e Soares Carneiro e o Tenente-coronel Antunes de Sá. Em operações, soube utilizar judiciosamente não só os Comandos, mas também as tropas paraquedistas, o que contribuiu para o sucesso das operações.

Já depois de ter sido adido em Londres e de ter feito o curso para general, com a mais elevada classificação, foi nomeado Ministro do Exército (função que cumpriu com elevado sentido de missão – apesar de não ser do seu agrado) e a seguir Comandante da Zona Militar Leste, por indicação do General Costa Gomes. E foi nesta função que se destacaram as capacidades militares de Bethencourt Rodrigues, como responsável por cerca de 21.000 militares, numa área cerca de 7 vezes a de Portugal continental e combatendo simultaneamente os três movimentos de libertação (FNLA, MPLA e UNITA), apoiados do exterior (em especial da Zâmbia). O Tenente-coronel Pires Nunes aborda várias temáticas, como a cavalaria a cavalo, incluindo pareceres do General Bethncourt Rodrigues sobre o seu emprego operacional, citados de Ferrand d'Almeida. Entre as tropas que o General comandou contavam-se as tropas irregulares, como os GE, os Leais e os Flechas, que soube utilizar judiciosamente (no seu conjunto eram cerca de 11.235). Relembra que a ação do General foi determinante para o sucesso no Leste, mas destaca também os excelentes chefes de secção, todos eles futuros generais, como Espírito Santo, Manuel Ribeiro Charais, Fernando Passos Ramos e Ribeiro de Oliveira Carvalho. O Tenente-coronel Pires Nunes, profundo conhecedor do Teatro de Operações (TO) de Angola, desenvolve em pormenor as várias operações, que levariam ao sucesso, o que é facilmente medido em termos da área de subversão ativa: 36% em 1970, 20% em 1971, 8% em 1972, e 2% em 1973.

O Tenente-coronel Pires Nunes utiliza inteligentemente (como que se de uma fonte primária se tratasse) os depoimentos de camaradas que conheceram pessoalmente o General para reforçar as suas qualidades pessoais e militares (caso do Major-general Ferreira Pinto – visita do General ao BCP 21, em Belas, com o Tenente-coronel Almendra – ou do Coronel Comando Oliveira Marques sobre os Comandos – ou do Major Acabado sobre o General e a Força Aérea – “homens daquela estirpe deveriam estar isentos da morte”). E desenvolve em pormenor a “Operação Madeira” e a aproximação da UNITA com documentos únicos, que vão da nomeação do Grupo de Trabalho Madeira, à troca de correspondência entre Savimbi e vários atores, desde o Chefe do Estado-Maior do Governo Militar de Lisboa até ao Governador-Geral de Angola, Eng.º Santos e Castro, já em janeiro de 1973. Aqui, desvenda várias situações, como o apoio das Forças Armadas portuguesas em armamento, em material de apoio escolar e sanitário, inclusivamente ao próprio Jonas Malheiro Savimbi na curiosa “Operação Consulta” (que assinava por baixo do seu nome como Licenciado em Ciências Político-jurídicas). Esta estratégia teve resultados extraordinários, mas que o seu sucessor (General Abel Hipólito – a partir de março de 1973) não seguiu, com consequências negativas já no final da guerra, nomeadamente com ataques da UNITA às forças portuguesas. Em linha com o seu livro Angola 1966-1974, o autor sublinha que a vitória da Batalha do Leste de Angola se deveu à “unidade de comando” (tendo Costa Gomes e Bethencourt Rodrigues como protagonistas) e muito especialmente à visão perfeita que o General Bethencourt Rodrigues tinha da natureza da guerra subversiva, facto reconhecido inclusivamente pelo inimigo.

Como Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, chegado ao TO a 21 de setembro de 1973, pouco depois da operação “Grande Empresa” e do PAIGC ter utilizado os mísseis Strela (em março de 1973), o General deparou-se logo de seguida com a visita de jornalistas a Medina do Bué, onde provou que seguramente a declaração da independência da Guiné não tinha sido feita no local. Alterou o conceito estratégico, através da retração do dispositivo militar, fazendo recuar e dispersar as Unidades de fronteira para áreas mais recuadas, a fim de diminuir o número de baixas e atuar de modo mais incisivo no vazio territorial criado, mas teve pouco tempo (cerca de oito meses) para o implementar. Aborda em pormenor a operação “Galáxia Vermelha” (com a interessante reflexão do General sobre a mesma), mas o destaque vai para o 25 de abril e a maneira como o General foi detido. Havendo muitas histórias sobre o assunto, o autor incluiu o depoimento do Coronel Comando Rui Guerra Ribeiro, que era o minucioso ajudante de campo do General e que expôs todos os pormenores e a fita do tempo na Cova da Moura e passados 2 dias no Palácio de Belém (a intervenção faz parte do livro a páginas 222 a 233). Aborda ainda a prisão do General a 12 de março de 1975, acusado de reuniões conspiratórias contra o 25 de abril em sua casa e com mandato de Rosa Coutinho. No presídio militar de Santarém, o General ficaria preso durante cerca de duas semanas, tendo sido libertado pessoalmente pelo General Costa Gomes.

No destino de um Herói e em jeito de conclusões, o autor faz um resumo das atividades desenvolvidas pelo General, e garante que terá sido o General Spínola a acrescentar o seu nome à lista dos generais a sanear. E termina com os últimos anos do inesquecível “Zé da Ilha” (oriundo da Madeira – cidade do Funchal), que apesar do modo como o trataram depois do 25 de abril, assumiria ainda as funções de diretor executivo da Revista Militar, entre 1980 e 1990.

E termina o livro com outros dois In Memoriam: um do Comandante de Companhia do General na Zona Militar de Leste, o ex-Capitão Miliciano de Infantaria, Ernesto Bruno, que passo a citar: “Militar fino de trato e elevada competência profissional, não hesitamos em considerá-lo o melhor general das Forças Armadas portuguesas da segunda metade do século XX, independentemente das suas convicções e opiniões político-ideológicas”. E outro do Tenente-coronel de cavalaria João Fonseca Nunes e Sena, que passo a citar: “Foi Soldado, Estadista e Governante. O Senhor General Bethencourt Rodrigues foi agraciado ao longo da sua carreira militar com a Medalha de Ouro de Valor Militar com Palma, com a Medalha de Ouro de Serviços Distintos com Palma e com a Grã-Cruz da Medalha de Mérito Militar. Clarins, Toquem a Silêncio! Morreu hoje um Soldado de Portugal. Paz à sua alma”.

No final, o Tenente-coronel Pires Nunes inclui uma importante bibliografia que, a par das excelentes imagens e mapas (algumas das quais já faziam parte da obra “Angola 1966-1974 – Vitória Militar no Leste”), enriquecem a obra e facilitam a leitura complementar.

Temos a certeza de que o General Bethencourt Rodrigues gostaria muito de ler esta obra, em linha com a promessa do General Espírito Santo. Para um General combatente, os elogios mais realistas e sentidos são seguramente os dos seus subordinados.

Os nossos sinceros parabéns pela qualidade da obra e sobretudo pela coragem e determinação em nos recordar um dos nossos melhores soldados da guerra de África 1961-1975. Nos dias de hoje bem precisamos de referências. E o General José Manuel de Bethencourt Rodrigues é certamente uma referência como cidadão exemplar e como militar de excelência, de que o Exército, as Forças Armadas e o País se devem orgulhar, independentemente das circunstâncias políticas, dos espaços, e dos tempos históricos.

 

A Revista Militar agradece a amável oferta deste livro, que respeita a um dos seus mais ilustres diretores (entre 1980 e 1990) e felicita o Tenente-coronel António Pires Nunes pela obra e o editor Pedro de Avillez pela coragem da edição.

 

Major-general João Vieira Borges

Vogal da Direção da Revista Militar

Major-general
João Jorge Botelho Vieira Borges
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by COM Armando Dias Correia