Nº 2463 - Abril de 2007
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
EDITORIAL - As Relações Civis Militares
General
Gabriel Augusto do Espírito Santo
Na construção das sociedades democráticas e nos seus fundamentos, as relações civis-militares sempre mereceram especial atenção e a aceitação da ideia de que o controlo e a autoridade civis sobre os militares são fundamentais para a Democracia. Escolas de pensamento e autores desenvolveram o conceito de que a estabilidade dessas relações passaria pelo militar profis­sional, e o que isso representava na sua educação e formação, bem como pelo reforço institucional das Forças Armadas.
 
Na sociedade pós-moderna estão a ser detectadas falhas naquelas relações, merecendo cada vez mais análise crítica e debate de opiniões e considerando alguns que reflectir e ajustar caminhos para as relações civis-militares constituem mais um desafio para as democracias. Não pondo em causa a necessidade do controlo civil sobre os militares, será necessário reflectir sobre o conceito de profissionalismo militar, sobre os elementos estruturantes da Instituição Militar e sobre a falha cultural que parece alargar-se naquelas relações, mantendo-as limitadas à questão consensual do controlo civil sobre os militares e que, por tão consensual e aceite, acaba por não ter qualquer significado. As relações civis-militares nas sociedades democráticas têm de alargar o seu campo para além da questão do controlo civil.
 
Quanto ao profissionalismo militar, de alguma observação que tem sido desenvolvida sobre o modelo de profissional militar para outras missões além do combater1, e da sua influência no desejado controlo, recentes desenvolvimentos suscitam alguma reflexão.
 
Há vários argumentos para acreditar que o militar preparado e treinado primariamente para outras missões que não o combate - prevenir a guerra ou manter e preservar a paz - será um militar diferente do que o que é preparado para o combate. Sendo assim é de admitir que militares empenhados sucessivamente em operações que não a guerra, nas suas várias modalidades, e onde a preocupação de baixas zero influencia a decisão política, pode facilitar o controlo civil. Mas, por outro lado, também há argumentos para acreditar que a proliferação de corpos militares ou militarizados preparados para operações especiais de combate contra novas ameaças como o crime organizado, o terrorismo e o narcotráfico, em condições de segredo, invadindo por vezes outros espaços de soberania e actuando nos limites da legitimidade de imposição da lei, dá origem a militares mais difíceis de controlar.
 
Também profissionalismo e profissionalização dos militares afectam esse conceito de relações e, em particular, o controlo. Especialmente na Europa, onde algumas Nações ainda procuram a admissão à NATO, a profissionalização dos militares tem sido matéria de observação. O conceito é entendido em dois sentidos: por um lado, a progressiva substituição da conscrição por voluntariado; por outro lado, o acesso a mais e melhores tecnologias que permitam uma melhoria da força. Qualquer destes pontos de vista levanta, e ainda, o conceito do controlo. O controlo civil é mais fácil sobre militares conscritos do que sobre profissionais? Uma força tecnologicamente avançada como é que se comporta perante o controlo político?
 
Temos de admitir que no conceito do controlo civil, como disse Samuel Huntington, há elementos objectivos (Missão, Legislação, Orçamento anual, Sistema de Forças) e elementos subjectivos (culturais), parecendo que a Missão e a Cultura são os elementos mais influentes nesse controlo.
 
Mas as relações civis-militares têm de ir além desse conceito do controlo civil e abranger áreas mais alargadas: a forma como a sociedade vê os seus militares e a maneira como o profissional militar se identifica com a sociedade que defende; o respeito e entendimento mútuos entre dirigentes políticos e comandos militares; o envolvimento do conselho militar em decisões estra­tégias de segurança e defesa.
 
Há falhas naquelas relações porque têm havido falta de cultura e de visão estratégica no seu desenvolvimento, mas também porque se tem esquecido o papel da Instituição Militar nas suas relações com a Nação e o Estado.
 
Pelas ideias expressas, e por outras que surgirão, este seria outro dos temas a tratar no nosso Número Especial e Encontro anunciados, e já aprovados na última Assembleia Geral da nossa Empresa, pelo que lançamos o desafio aos nossos Sócios e Colaboradores para os seus contributos.
 
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*      Sócio Efectivo da Revista Militar. Presidente da Direcção.
 
­ 1 Belchior Vieira, Tenente-General Guilherme, QUE MODELO DE MILITAR PARA A NOVA ARTE DE GUERRA E PAZ? In NAÇÃO E DEFESA, Nº98, Verão 2001.
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General

Gabriel Augusto do Espírito Santo

Nasceu em Bragança em 8 de Outubro de 1935.

É General do Exército, na situação de Reforma desde o ano 2000, depois de ter servido nas Forças Armadas Portuguesas durante 49 anos.

Além de Tirocínios e Estágios na sua Arma de origem possui os Cursos da Escola do Exército (Artilharia), Curso Complementar de Estado-Maior e Curso Superior de Comando e Direcção (Instituto de Altos Estudos Militares), Curso de Comando e Estado-Maior (Brasil) e o Curso do Colégio de Defesa Nato (Roma).

Falecido em 17 de outubro de 2014.

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by COM Armando Dias Correia