Nº 2476 - Maio de 2008
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Políticas de Segurança e Defesa em África e para África. O papel das Organizações Regionais Africanas.
Coronel
Luís Manuel Brás Bernardino
“…Le nombre croissant et la complexité grandissant des situations de crise en Afrique, ainsi qu’un intérêt moins marqué de la communauté internationale pour la région au lendemain de la guerre froide, ont conduit de nombreux États et organisations régionales africains à prendre des initiatives pour trouver des solutions à leurs propres problèmes.”
Fernanda Faria, “La gestion des Crises
en Afrique subsaharienne.
Le rôle de l’Union Européenne”, Novembre 2004,
Institute d’Études de Sécurité
 
 
Introdução
 
O final da Guerra-Fria a que se associa indubitavelmente a queda do muro de Berlim, o desmembramento da ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e a dissolução do Pacto de Varsóvia, provocaram no pós-1989, o surgimento de uma «nova» e porventura «mais complexa» ordem internacional. Este fenómeno conjuntural e simultaneamente global, levou à adopção de um conceito mais alargado e abrangente de segurança e defesa, em que para muitos especialistas “…a segurança de cada Estado passou a constituir preocupação de todos…” (Viana, 2002, 71).
 
Este “novo” paradigma de segurança e defesa caracteriza-se transversalmente por uma transferência da ameaça global de conflitos armados entre grandes potências e blocos de nível mundial, envolvendo predominantemente guerras interestatais, para conflitos intraestatais de intensidade variável. Estes conflitos proliferam agora a nível regional, trazendo a conflitualidade para dentro dos Estados, em que os principais actores nem sempre são os Estados. Esta «nova» ordem conflitual veio salientar a crescente importância dos conflitos regionais em detrimento dos conflitos à escala mundial, e consequentemente, do crescente envolvimento de múltiplos e multifacetados actores, pois o actual Sistema Político Internacional, segundo Henry Kissinger “…é caracterizado por uma aparente contradição: por um lado, fragmentação e por outro, uma globalização crescente…” (2002, 17).
 
A actual tipologia de conflitos, simultaneamente “regionalizados”, porque se confinam a uma região especifica, mas também mais do que nunca, “globalizados”, pois tem repercussões bem para além do espaço geográfico das fronteiras que os confinam, afectam as dinâmicas geoestratégicas mun­diais. Por esse motivo, os conflitos regionais são acontecimentos conjunturais, processos dinâmicos, ligados a actividades que variam em função do tempo, do espaço, dos interesses em causa, dos actores envolvidos e da conjuntura internacional, podendo degenerar em violência e numa fase mais aguda do designado «Ciclo de Vida do Conflito», numa crise ou escalar para uma guerra (Swanström e Weissmann, 2005, 11).
 
Este fenómeno apresenta actualmente uma expressão bem visível em África, onde se constata a existência de uma dinâmica de parcerias “bi-multilaterais” afectas a conjunturas variáveis, que propícia a existência de uma multiplicidade de actores que partilham nestes espaços, as questões em torno da segurança e da defesa regional e continental. Neste contexto, alguns autores consideram que as Organizações Regionais Africanas constituem presentemente os elementos mais capazes e os mais participativos nas dinâmicas da paz e da segurança neste continente e que reside nestas organizações, o futuro da segurança e do desenvolvimento sustentado no continente africano para o Século XXI.
 
O artigo que colocamos ao dispor do leitor, procura sintetizar e dar a conhecer algumas destas Organizações Regionais Africanas, focando o seu papel em prol da segurança e da defesa na sua área de intervenção regional e em África.
 
 
A “nova” conflitualidade mundial
 
Actualmente se pretendermos caracterizar a situação internacional, podemos afirmar que esta caracteriza-se por ser “…volátil, incerta e complexa, como resultado das características de um sistema marcado pela heterogeneidade de modelos políticos, culturais e civilizacionais…”, em que tal como no passado, os conflitos e as tensões são uma constante no relacionamento entre os homens, as sociedades e ponto de fricção entre civilizações (Viana, 2002, 31). Este singular aspecto tem uma expressão ímpar no continente africano, asiático e no mundo islâmico, onde se constata uma tendência global para um aumento da conflitualidade intrínseca, com especial incidência nos conflitos internos e regionais. Estes conflitos apresentam como principais causas directas, entre muitas outras, motivações relacionadas com a luta pelo acesso a recursos naturais estratégicos e pelo poder, que em regra, se intensificam na razão inversa do desenvolvimento e da prosperidade dessas mesmas regiões (Marshall e Gurr, 2005, 3-10).
 
Nestes espaços geográficos complexos, os conflitos não surgem por simples acaso, não são um fenómeno inexplicável e aleatório, pelo contrário, reflectindo uma visão positivista à luz das Relações Internacionais, constata-se que são gerados por fenómenos próprios nas dinâmicas das sociedades, sendo afectados por factores endógenos, tais como os recursos, os actores, o território, a luta pelo poder ou pela submissão à religião, mas também por factores exógenos, como a conjuntura internacional e as tendências geopolíticas e geoestratégicas do momento. Neste contexto, estamos perante uma “nova” conflitualidade, que apresenta como principais tendências globais, um declínio significativo no número de guerras interestatais relativamente a um aumento de conflitos internos regionalizados, assistindo-se a uma concentração destes no designado “Terceiro Mundo”. Especialmente em África, na América do Sul e na Ásia, onde o seu aparecimento é o resultado do processo de construção, falência e fracasso da estrutura dos Estados e da inviabilidade deste em assegurar as suas principais funções: o desenvolvimento e a segurança das suas populações.
 
Neste sentido, os conflitos que marcam a actualidade são a causa e a consequência das razões de fundo que lhes estão associados, nomeadamente devido ao facto desses conflitos ocorreram principalmente em países abandonados pelas grandes potências após o final do período da Guerra-Fria (Etiópia, Afeganistão, Iraque e Líbano) e da inconsistência dos regimes políticos que não puderam ou souberam, fazer a transição de país colonizado a Estado livre. Estes países apresentam algumas características em comum: estão imersos numa profunda crise económica e financeira, o Estado não garante os requisitos mínimos de segurança, o tecido social encontra-se desmembrado e existe em alguns casos extremos, perseguição política, religiosa ou ideológica, sobre determinadas franjas da sociedade ou sobre a população em geral. Outras das causas apontadas são normalmente a influência transversal dos aspectos locais e internos, nomeadamente as tensões demográficas, aspectos de natureza religiosa, racial e política, bem como factores relacionados com a insegurança das populações e dos regimes. A fragmentação regional dos continentes, a busca de identidade cultural e civilizacional e a manipulação das populações, quer seja por pressão política, económica, racial ou religiosa, são outros dos aspectos geopolíticos que conduzem sistematicamente ao surgimento de conflitos nestes Estados (Fisas, 2004, 52-62).
 
Noutro prisma, alguns destes conflitos armados recentes, contrariamente ao passado, parecem ter agora em comum (numa grande maioria), a ausência por excelência da resultante militar no seu epílogo. Dir-se-ia que estes conflitos não terminam graças a uma vitória ou a uma derrota e que como refere Luís Moita, “…acabaram por via da negociação pacífica, da diplo­macia, ou por desfecho político, ou simplesmente por inanição…” (2004, 125). O que mostra a evolução da outra face da moeda dos conflitos, a construção da paz, em que também se evoluiu grandemente. Contudo, o aparecimento de novos actores de natureza global e com tendências para conflitos assimétricos, o avivar do terrorismo, a fragmentação das políticas, a proliferação de armamentos e o surgimento de estratégias extremistas conducentes ao genocídio, são ainda assim, as causas mais gravosas desta «nova» conflitualidade (Idem, 62).
 
No mundo em geral, mas em especial no continente africano, estas dinâmicas geopolítica e geoestratégicamente conjunturalmente relevantes, associa­das aos movimentos de libertação, de descolonização e de afirmação nacional, bem como razões de ordem interna nos Estados africanos, conduziram a um crescimento exponencial destes conflitos intraestatais. Constata-se actual­mente que o diagrama complexo da conflitualidade neste continente, se constitui num factor de constante preocupação para o mundo em geral e para as nações africanas, em particular, que vêem os seus cidadãos morrer, quer pela fome, doenças (associadas ao subdesenvolvimento), quer pelos conflitos regionais que se arrastam há décadas e contribuíram para transformar o continente africano “…no mais conflituoso e perigoso do mundo…” (Gresh et all., 2006, 40).
 
 
A dimensão africana da conflitualidade
 
Actualmente a insegurança em África afecta por via da globalização a estabilidade mundial, perturbando directa e indirectamente outros espaços geoestratégicos, constituindo-se por esse motivo num permanente desestabilizador do Sistema Político Internacional. Esta crescente instabilidade vem atraindo a atenção de múltiplos actores, que se preocupam com o apoio ao desenvolvimento sustentado e com a segurança em África. Estes actores, actuam normalmente em cooperação do tipo “bi-multilateral” interligando parceiros globais e regionais, empreendendo políticas, estratégias e modelos de sustentabilidade, tendentes a desenvolverem conjuntamente, uma resposta profícua conducente à manutenção da paz, à garantia do desenvolvimento sustentado e à estabilidade regional neste continente.
 
A conflitualidade em África e em especial na região Subsariana, também conhecida por “África Negra” (correspondendo à região do continente africano a sul do Deserto do Saara, abrangendo cerca de 80% dos 53 Estados africanos) apresenta uma enorme diversidade cultural, sendo em parte explicada pela preservação de uma organização social tribal1, que se sobrepõe em larga medida às fronteiras geográficas dos Estados, conduzindo ao aumento da tensão e da conflitualidade latente nos espaços de fronteiras. Constata-se por esse motivo que enquanto os conflitos entre diferentes grupos étnicos estão a aumentar nessas zonas, o Estado-nação africano está a desmoronar-se, pois estes conflitos surgem necessariamente, como refere Joseph Ney Junior na perspectiva de que “…à medida que as pessoas tentam estancar o caos, através dos nacionalismos étnicos e do fundamentalismo religioso, e os seus Estados debilitados, desmoronam-se sobre essa pressão fronteiriça constante…” (2002, 277).
 
Como sabemos, a África Subsariana constitui-se actualmente numa região com um elevado índice de conflitualidade2 e muito volátil, onde as fronteiras geográficas traçadas no século XIX não correspondem às actuais fronteiras étnico-culturais vigentes. Esta constante conflitualidade entre povos, raças e até religiões, no espaço intra e extra estatal, aliada à luta desenfreada pelo acesso privilegiado aos “recursos de conflito”3 e ao poder, constituem os factores primordiais para ser considerada a região do continente africano onde o número de conflitos aumenta e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixa. Devido a este paradigma, a Organização das Nações Unidas (ONU), para além da UE e mais recentemente da NATO, tem intervido na África Subsariana, com maior frequência e intensidade4 do que em qualquer outra parte do mundo (Global Peace Operations, 2006, 73).
 
 
Os Estados africanos, os actores da segurança
 
O facto dos conflitos em África terem mudado de características, associado ao aparente desinteresse dos países desenvolvidos em se envolverem directamente na resolução destes conflitos, aponta para uma alteração de mentalidades e principalmente de políticas no seio dos actores africanos. A nível continental parece evidente uma vontade destes em adquirirem capacidades próprias, designadas por “African Ownership”, que lhes possibilite uma autonomia na resolução de conflitos regionais, embora existindo o interesse em que o “…financiamento e a acessoria sejam favoráveis aos países desenvol­vidos, mas a intervenção directa de contingentes militares caberá preferen­cialmente a tropas africanas…” (Cardoso e Ferreira, 2005, 21).
 
Para a comunidade internacional, a segurança em África é considerada uma prioridade estratégica, pois sem segurança não existe desenvolvimento sustentado, não há segurança do Estado ou das organizações, mas a dimensão da segurança real sentida e centrada na pessoa humana. Esta realidade mostra-nos que se evoluiu do conceito de segurança clássico, para um conceito de segurança humana, centrado nas pessoas, em que se sente a necessidade de ter uma visão de segurança que ultrapasse em muito a dimensão da segurança do Estado, como entidade e passa a estar focalizado na segurança do indivíduo, do ser humano. Esta percepção deriva de que após o período da Guerra-Fria os maiores problemas securitários dos Estados têm origem no seu interior e são, em larga medida, questões sem qualquer tipo de cariz militar. Embora o Estado africano apesar de todas as suas fraquezas se enquadre num contexto de relativa instabilidade, pensamos que se mantem ainda como o principal agente responsável pela segurança dos seus cidadãos. Pois, mesmo os problemas de escala supranacional só podem ser respondidos por organizações regionais compostas por Estados, havendo a necessidade de os considerar como um dos agentes fundamentais da segurança e do apoio ao desenvolvimento no continente africano. Contudo, reconhece-se que interligados e organizados, representam uma mais-valia no auxílio à edificação e estruturação do próprio Estado, principalmente garantido pelo reforço das capacidades intrínsecas que individualmente não possuem…
 
Noutro prisma, a crescente percepção de que a segurança em África resulta fundamentalmente da segurança humana e que esta não se garante pelo somatório da segurança de cada Estado, pois as fontes da insegurança vagueiam entre as porosas fronteiras africanas, é garantida preferencial e predominantemente pelo somatório da cooperação estratégica entre Estados e as Organizações Regionais Africanas. Neste sentido, as organizações ao assumirem as responsabilidades inerentes, servem de ligação privilegiada entre as Organizações Internacionais e os Estados cooperantes, numa perspectiva “bi-multilateral”, estratégica e mais abrangente de cooperação para a segurança e para o desenvolvimento. Podendo incluir num sentido amplo a Reforma do Sector da Segurança (RSS) e da Defesa (RSD) do Estado africano, contribuindo directamente para um maior índice global de segurança e consequentemente de desenvolvimento em África (Williams, 2005, 5).
 
Embora assumam um papel de charneira entre a população e os poderes supranacionais, os Estados africanos tem vindo a sucumbir à pressão internacional de assumirem responsabilidades próprias de um Estado de pleno direito e de avocar os seus plenos poderes e atributos, tendo vindo a ser substituídos gradualmente pelos “novos” actores responsáveis pela segurança e pelo desenvolvimento sustentado, as Organizações Regionais Africanas.
 
 
As Organizações Regionais Africanas. Os “novos” actores da segurança
 
As Organizações Regionais Africanas assumiram após os atribulados processos de descolonização africano, uma estratégia de crescimento e de afirmação institucional que lhes tem garantido e granjeado o reconhecimento da comunidade internacional, em face das intervenções, das estratégias e das políticas, que vêm adoptando no contexto africano e mundial. Em particular no quadro actual da União Africana (UA), mas também as outras organizações africanas no nível sub-regional, têm intervido na mediação e prevenção de conflitos, na intervenção militar e na contenção da criminalidade, contribuindo globalmente para um reforço da segurança regional em África (Cardoso e Ferreira, 2005, 66-70).
 
Depois de mais de três décadas de independência, o futuro dos Estados africanos pré-coloniais parece, mais do que nunca, incerto e constata-se que a probabilidade de todos esses Estados permanecerem intactos com as suas fronteiras estabilizadas (definidas pelas potências coloniais no Século XIX), parece agora, no início do Século XXI, muito remota. Por esse motivo, o Estado africano, débil, solúvel e com elevado défice de soberania, apesar de se constituir na pedra basilar das dinâmicas em África, transferiu para as Organizações Regionais Africanas, parte dos seus atributos, deveres e res­ponsabilidades, repousando nestas últimas grande trecho das responsabi­lidades relacionadas com a satisfação das condições essenciais para as populações, principalmente o desenvolvimento social, económico, a “good governance” e ainda a segurança humana. Contudo, na actual conjuntura, parece não existir dúvidas de que uma integração com a economia global nas condições certas pode promover o crescimento económico e que os agentes facilitadores desta globalização do desenvolvimento são mesmo as organi­zações africanas, pois os Estados, não conseguem dar resposta às necessi­dades económicas e financeiras regionais, nacionais e internacionais.
 
Neste contexto, cremos que a globalização trouxe para o continente africano a necessidade de implementação de regras de um mercado económico global, incorporando aspectos como a união aduaneira regional, os mercados livres, a integração monetária, o corporativismo económico e o associativismo económico-comercial. Aspectos que comprometem não só os Estados, mas principalmente as suas elites governativas e ainda mais as organizações africanas, que perante os mecanismos internacionais de ajuda económico-financeira ao dispor, assumiram-se como os interlocutores privilegiados e sendo considerados os agentes internos da mudança. Estas acções económico-financeiras, são realizadas pelas organizações africanas, principalmente ao nível sub-regional, embora enquadradas pela African Economic Community (AEC), ao nível continental, à semelhança do que se faz noutras partes do mundo, em que se tenta criar as bases para uma sociedade mais democrática, onde a economia de mercado dita as regras num mercado mais amplo, o mercado global. Pensamos que a integração com a economia global, em certas condições e na medida certa, pode ser a mola impulsionadora do desenvolvimento económico que se pretende para o continente Africano.
 
Comunidades Económicas Africanas­
 
 Organizações     

 PIB ($US)­ 

 Nº Estados­

 Sub-Regionais Africanas­

 Área (km²)­ População­ Milhões Per capita­ membros
 AEC5­ 29,910,442­853,520,010­2,053,706­   2,406­       53­
 ECOWAS­ 5,112,903­251,646,263­ 342,519­    1,361­       15­
 ECCAS­   6,667,421121,245,958­ 175,928­    1,451­   11­
 SADC­ 9,882,959­233,944,179­ 737,335­    3,152­   14­
 EAC­       1,763,77797,865,428­ 104,239­    1,065­    3­
 COMESA­ 12,873,957406,102,471­ 735,599­    ­1,811­       20­
  IGAD­   5,233,604­187,969,775­ 225,049­    1,197­        7­
 CEMAC ­ 3,020,142­34,970,529­  85,136­    2,435­        6­
 SACU ­     2,693,418­51,055,878­ 541,433­   10,605­       5­
 UEMOA ­  3,505,375­80,865,222­ 101,640­    1,257­        8­
   UMA5,782,14084,185,073­ 491,276­    5,836­        5­
 Agadir­  1,703,910­126,066,286­513,674­    4,075­        4­
  
Fonte: CIA World Factbook 2005, IMF WEO Database
 
Figura 1 - African Economic Community (tradução livre do autor)
 
 
Noutro âmbito, embora complementar e interdependente, as Organizações Regionais Africanas criaram alianças militares regionais, mecanismos próprios de resposta aos conflitos e implementaram sistemas de alerta regionais, conferindo-lhes uma outra dimensão e uma responsabilidade acrescida no âmbito da segurança regional africana, factor complementar e interdependente do desenvolvimento. Os Estados (principalmente no Terceiro Mundo) encontram-se presentemente numa fase de afirmação da sua existência e da sua independência, face e esta situação de fraqueza e posição periférica na esfera das decisões continentais, o poder do Estado vai sendo gradualmente substituído em muitas das suas funções estruturantes pelas Organizações Sub-Regionais Africanas (Figura 1).
 
Comunidades Económicas Africanas­
 
 
 Organizações Sub-regionais­   Sub-Grupos Regionais­
 Community of Sahel-Saharan States­ (CEN-SAD)­ 
 Common Market for Eastern and Southern Africa (COMESA)­ 
 East African Community ­(EAC)­ 
 Economic Community of Central African States (ECCAS/CEEAC)­ Economic and Monetary Community of Central Africa ­(CEMAC)­
 Economic Community of West African States ­(ECOWAS)­

 West African Economic and Monetary

Union (UEMOA)­

West African Monetary Zone (WAMZ)­

 Intergovernmental Authority on Development ­(IGAD)­ 
 Southern African Development Community ­(SADC)­ Southern African Customs Union (SACU)­
 Arab Maghreb Union ­(AMU/UMA)­ 
         
      
Figura 2 - A sub-regionalização da African Economic Community
(CIA World Factbook 2005)
 
 
A regionalização africana assumida pelos principais actores da globalização africana, as organizações regionais e sub-regionais, podem constituir-se num factor agregador e de estabilidade no continente africano, principalmente porque estes são os actores que estão actualmente a assumir maior preponderância na resolução de conflitos regionais e paralelamente, na afirmação das economias regionais sustentadas, assimilando o papel de entidade charneira entre os Estados africanos e a sua população, a sociedade internacional e os interesses dos países e das várias organizações neste continente. Na vertente económico-financeira, as organizações sub-regionais africanas, estruturaram uma ampla (mas nem sempre eficiente) estrutura em rede, que funciona de acordo com as afinidades culturais, linguísticas e até relacionadas e influenciadas pelas assessorias dos países de referência (nomeadamente os países colonizadores). Estas organizações encontram-se alinhadas numa profusão regional de mercados económico-financeiros reguladores, que se constituem numa sub-regionalização da African Economic Community, a entidade reguladora na vertente económica do continente africano (Figura 2).
 
 
A União Africana
 
As organizações em África criaram paralelamente às estruturas económicas, alianças militares regionais, mecanismos próprios de resposta aos conflitos e implementaram sistemas de alerta prévio, conferindo-lhes uma outra dimensão e uma responsabilidade acrescida no âmbito da segurança e da afirmação regional destas organizações no continente africano. O momento de viragem, deu-se quando a Organização de Unidade Africana (OUA) se tornou efectivamente inoperante, quando “assumiu” que não dispunha de mecanismos legais de intervenção na resolução dos inúmeros conflitos regionais que prolife­ravam em África, vindo a ser “substituída” em 2000 pela União Africana. Esta, tendo herdado a história mas não as tradições da sua antecessora, prepara-se para assumir outro nível de ambição e de intervenção em prol da segurança e do desenvolvimento em África. Esta significativa mudança conjuntural em África, permitiu criar um conjunto de sinergias, de órgãos institucionais e mecanismos proactivos, com vista à implementação de sistemas de prevenção e resolução de conflitos regionais, mais realistas, eficazes e adequados à actual conjuntura mundial e à realidade africana, tornando-se efectivamente numa organização de integração no lugar de uma organização de cooperação inter-governamental.
 
Na assinatura do “Acto Constitutivo”, na Cimeira de Lomé (2000), consagra-se como objectivo principal, a necessidade de “…realizar maior unidade e solidariedade entre os países e povos de África”. A União tendo iniciado as suas funções em 2002, criou um conjunto de órgãos institucionais, que contribuirão para criar na comunidade internacional a percepção de que esta será a solução ideal para os problemas endémicos em África e que para as Organizações Regionais Africanas se “…abriam novas perspectivas face ao reforço da cooperação continental em áreas chave como seja a intervenção diplo­mática e a militar, nomeadamente na prevenção e resolução de conflitos…”, tendo sempre como objectivo primordial a promoção da paz, a segurança e a estabilidade no continente africano (Cardoso e Ferreira, 2005, 9).
 
A União Africana passou a ser vista pela sociedade internacional, como um relançamento “refinado” da OUA, uma nova fase da história de África, em que 53 Estados se associaram para resolverem as questões do subdesenvolvimento e da insegurança em prol do futuro do continente. Esta coligação assenta em três eixos principais: a paz e a segurança; os Direitos Humanos e a Democracia e ainda a integração económica. No seu site oficial6 refere a este propósito, o sugestivo lema “…uma eficiente e efectiva União Africana para uma Nova África.”. Ressaltam contudo na estratégia assumida para África, consentânea com os seus objectivos a com a sua visão estratégica, num quadro de actuação multilateral, o macro programa de apoio ao desenvolvimento em África, designado por “New Partnership for Africa’s Development” (NEPAD). Este programa constitui actualmente o principal quadro de apoio ao desenvolvimento para o continente africano e apoia-se na vontade dos próprios africanos em criarem, através do reforço das suas próprias capacidades, condições para assegurarem a promoção da paz, da segurança, da Democracia, da “good governance” e da cooperação para o desenvolvimento. O NEPAD procura constituir-se na garantia de que uma forma integrada e mais efectiva, os diversos actores afectam recursos da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e da cooperação internacional para África, merecendo por esse motivo, uma atenção especial de Estados e organizações que pretendem desenvolver aí, projectos de cooperação estratégica de geometria variável (Bernardino, 2007, 28-29).
 
Em complemento, na vertente da segurança e da defesa, a criação das “African Standby Forces” (ASF)7 em 2003, parece ser a aposta certa para garantir eficazmente a prevenção e resolução dos conflitos e intervir na gestão de crises regionais. A UA atendendo a toda complexa realidade africana e mundial, tem para já, o mérito de ter conseguido alcançar três sucessos: primeiro, conseguiu congregar práticamente todos os países de África, em torno das mesmas causas (à excepção de Marrocos que não pertence à UA); segundo, levou as organizações “não africanas” a encontraram nela o parceiro ideal para desenvolverem as suas políticas africanas e por último, porque apesar de todas as deficiências e dificuldades, tem mostrado trabalho feito no terreno, não só ao nível do apoio ao desenvolvimento e da concertação diplomática, mas principalmente como mecanismo estabilizador de conflitos (ainda que incipiente) em África (Malan et Cilliers, 2005, 4).
 
Constata-se que actualmente, e principalmente derivado a esses motivos, a União Africana é vista como uma organização tipicamente pan-continental, intervindo regionalmente nas dinâmicas do Sistema Politico Internacional, recolhendo um capital de confiança acrescido e um crédito de protagonismo, que a tornam na pedra basilar da prevenção e da resolução dos conflitos regionais em África. Elemento essencial do desenvolvimento sustentado neste continente.
 
 
A Arquitectura de Paz e Segurança Africana
 
A apelidada “Arquitectura de Paz e Segurança Africana” apresenta actual­mente dois níveis aparentemente diferentes mas perfeitamente interligados. O nível regional protagonizado pela União Africana, no topo do que se pretende que venha a ser um sistema integrado de segurança continental e um segundo nível (sub-regional), onde se inserem as organizações sub-regionais compostas pelo conjunto dos Estados-membros, sendo responsáveis pela segurança e desenvolvimento na sua área de influência. Este conceito inovador, adoptado em 2002, reflecte uma postura mais interventiva face à já citada, inoperância da OUA8, criando estruturas dedicadas e mecanismos activos que lhe podem garantir um nível aceitável de sucesso na gestão, prevenção ou resolução de conflitos regionais. Neste sentido, o Conselho de Paz e Segurança (CPS) estabeleceu o “Continental Early Warning Sistem” (CEWS), sistema que ligado a unidades e órgãos implantados no terreno acompanham e monitorizam determinadas situações de tensão pré-conflitual, funcionando em interligação com os mecanismos complementares no nível sub-regional9. Este mecanismo de alerta permite ainda prever e accionar medidas com vista a prevenir os conflitos militares na sua fase ascendente (pré-conflitual) e tem associado um mecanismo de resposta rápida que integra componentes militares, policiais e civis em praticamente todos os Estados africanos. Esta rede de alerta, embora ainda incipiente e incompleta, promete ser o indicador mais fiável da UA para o nível de ameaça dos conflitos internos nos Estados africanos. Em complemento, outros órgãos como o Comité Militar, o Painel de Sábios, o Fundo Especial para a Paz, o Centro de Análise para o Terrorismo e principalmente as African Standby Brigades, complementam a “Arquitectura de Paz e Segurança Africana” para o Século XXI.
 
 
Figura 3 - As cinco African Standby Brigades (Cilliers, 2008, 13)
 
 
O panorama da intervenção nos conflitos regionais africanos mudou significativamente depois da criação da UA e especialmente depois de 2004, com a activação do Conselho de Paz e Segurança10. Devido à operacionalização deste importante e vital órgão no seio da UA, passamos a estar perante uma alteração na relação entre o nível regional e sub-regional, no quadro da Arquitectura de Paz e Segurança Africana. O CPS passou a assumir o papel integrador e coordenador das actividades desenvolvidas no âmbito da segurança pelas organizações sub-regionais, encontrando-se mandatado para tomar decisões e se necessário, intervir nos Estados-membros11, em prol da manutenção da paz e da segurança regional. Nas dinâmicas continentais de atribuir às regiões o poder e dever de intervir e resolver regionalmente os conflitos em África, foi transposta para a organização interna do Conselho de Paz e Segurança, passando a dispor de uma representatividade por regiões, donde se destaca a participação de alguns Estados (representados pelos seus Chefes de Estado), por períodos de dois ou três anos.
 
Com a criação do conceito de African Standby Brigades, pretende-se transversalmente desenvolver em cinco organizações sub-regionais, sobre a supervisão da UA e em estreita ligação com a ONU, cinco Brigadas “estandardizadas”, compostas pelos Estados-membros de cada organização sub-regional, numa envolvência praticamente global (continental). Garante-se desta forma o aumento das capacidades de resposta em tempo útil ao surgimento de conflitos regionais violentos. Estas Brigadas foram concebidas para poderem actuar num variado espectro de operações, podendo ir desde a acessoria técnico-militar, à intervenção militar pela força, quer seja com unidades militares constituídas ou simplesmente com equipas de observa­dores militares. Prevê-se que estas forças multinacionais e monolinguísticas (Inglês ou Francês) adquiram a “full capability” em 2010, encontrando-se actualmente numa fase adiantada e diferenciada do estágio de formação, em que os seus Estados-membros num processo de aquisição e operacionalização de determinadas capacidades específicas.
 
Segundo Jackkie Cilliers, Director do Institute for Security Studies (ISS) (África do Sul)12, fazendo uma análise aos cerca de três anos de formação das ASF, constata que a existência de uma falta de financiamento adequado no apoio às Operações de Apoio à Paz levadas a efeito por estas Forças em África, constitui o principal problema à sua efectiva operacionalização13. Refere ainda que o futuro da segurança e da prevenção e resolução de conflitos em África e da existência das próprias African Standby Brigades depende da credibilidade destas, havendo por esse motivo, necessidade de dispor de capacidades e meios que lhe permitam ombrear com as NU, UE ou outras organizações globais, nas intervenções locais em prol da segurança regional nas suas áreas de interesse estratégico (Cilliers, 2008, 17-19).
 
 
As intervenções militares de africanos em África
 
Desde 1981, a OUA e a UA realizaram cumulativamente, treze intervenções militares regionais em África, sendo responsáveis por mais de metade das vinte e cinco intervenções militares levadas a cabo pelas Organizações Regionais Africanas neste continente. A maior parte destas intervenções são missões de pequenos grupos de observadores militares e apenas quatro foram com unidades militares constituídas (Berman, 2004, 28). Este aspecto tem vindo a ser objecto de análise por parte das Organizações Internacionais (ONU, UE e OTAN) e de alguns Estados que intervem em África (França, Inglaterra, EUA), em que se procura, crescentemente, criar condições para um maior empenhamento de contigentes militares africanos, para resolverem os “seus” problemas e participarem na resolução dos “seus” conflitos regionais que proliferam erraticamente neste continente. Constata-se desta forma que, por intermédio da participação via UA, integrando as Organizações Sub-Regionais próprias ou integrando missões das NU, os Estados africanos têm vindo a contribuir com mais meios (principalmente humanos) na procura de soluções para estes conflitos. Estas participações, integrando por vezes missões híbridas onde as organizações africanas cooperam com forças não africanas em missões combinadas, ocorrendo até a participação de militares africanos em missões fora do continente africano (ex: participação de Moçambique em Timor-Leste, na missão da UNTAET).
 
As Organizações Sub-Regionais Africanas tais como a ECOWAS, SADC, CEN-SAD, CEMAC e o IGAD, têm desenvolvido acções militares em diversos países africanos, nomeadamente na Serra Leoa, Guiné-Bissau, Libéria, Costa do Marfim, RDC, Lesoto, Somália, República Centro Africana, Chade e no Sudão (Darfur). Actualmente, devido ao elevado número de conflitos regionais existentes e face à necessidade de um maior grau de intervenção destas organizações no seu espaço, prevê-se que sejam “obrigadas” a reforçar as suas capacidades militares para intervirem mais e melhor, nos “seus” conflitos regionais, abrindo desta forma uma vasta área de cooperação estratégica conjuntural para múltiplos actores que cooperam com os Estados e com as organizações neste continente.
 
 
As Organizações Sub-Regionais Africanas
 
As Organizações Sub-regionais Africanas representam para a comunidade internacional, os novos e efectivos agentes da mudança africana contemporânea que, apoiados pelos agentes da cooperação para África, estão a assumir os destinos das regiões onde exercem a sua influência, numa missão consentânea com os objectivos e estatutos que lhe deram origem. Algumas dessas organizações que actualmente desempenham um papel de relevo na dinâmica regional têm um enfoque muito particular no apoio ao desenvolvimento e na construção da segurança e da defesa em África, actuando como pilares do desenvolvimento sustentado nestas regiões e neste continente. Nesse sentido, importa determo-nos sobre cada uma destas Organizações Sub-Regionais Africanas e perceber como surgiram e quais são as suas principais políticas e estratégias em prol da segurança e da defesa regional, verificando complementarmente que contributos foram dados para consolidar a paz e aumentar a segurança nos seus espaços de interesse estratégico conjuntural:
 
• A “Economic Community of West African States” (ECOWAS), actualmente com 15 Estados-membros, foi criada em 1975 (a Cimeira de Lomé estabeleceu através do Tratado de Lagos, assinado em Maio de 1975, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, vindo a ser implementada em Fevereiro de 2006 em Lomé) e vem desenvolvendo com alguma continuidade e com o apoio incondicional de França, acções em prol da cooperação económica na região Oeste de África, nomea­damente na resolução de conflitos internos nos seus Estados-membros.
Na vertente da gestão de conflitos regionais tem levado a efeito algumas acções de relevo na sua área de responsabilidade, criando em 1978, o “Protocolo de não-agressão” e em 1981, o “Protocolo de Assistência Mútua em Matéria de Defesa”, tendo entrado em vigor somente em 1986, funcionando como forma de prevenir os conflitos internos (Faria, 2004, 71). Criou ainda em 1999, o Mecanismo de Prevenção, Gestão e de Resolução de Conflitos, de Manutenção da Paz e da Segurança, comportando um Conselho de Eruditos, um Conselho de Mediação e Segurança, um Sistema de Alerta Prévio, uma Força Militar própria - ECOWASBRIG (2003) e um Secretariado Executivo para a ECOMOG. Estes órgãos encontram-se disseminados pelos países que compõem esta organi­zação, que usufruindo grandemente do apoio constante da França, principalmente através do Programa “ReCAMP”, agora designado de “EUROReCAMP”, vêm desenvolvendo algum trabalho em prol da segurança e da defesa regional em África (Bernardino, 2007, F-11).
 
A ECOWAS vem intervindo activamente na resolução de conflitos regionais em África desde 1990, sendo a primeira organização sub-regional a realizar uma Operação de Apoio à Paz14 no continente africano, tendo realizado até ao momento seis operações15, onde se destaca o “Grupo de Monitorização do Cessar Fogo” (ECOMOG) na Libéria (1990-1998), mantendo actualmente missões na Costa do Marfim, Libéria e na fronteira entre a Guiné e a Libéria.
 
• A “Southern African Development Community” (SADC) é por excelência a entidade sub-regional de integração económica dos países da África Austral e teve o seu início em 1979 na “Conferência de Coordenação para o Desenvolvimento da África Austral” (SADCC), vindo posteriormente a constituir-se na SADC (1982), integrando alguns países (actualmente tem 14 Estados-membros) num mercado comum regional confinado à África Austral. Esta organização associa à cooperação inter-estados a adopção de políticas e instituições comuns, nomeadamente no âmbito da promoção da paz e da segurança regional, reforçando a sua credibilidade e a da África do Sul (nação líder) a nível internacional (Idem, 20-21). Estabeleceu em Agosto de 2001, um “Protocolo de Cooperação nas Áreas de Política, Defesa e Segurança”, sendo actualmente o principal instrumento para fazer face aos desafios políticos, de defesa e segurança na região. Criou para o efeito o “Comité Inter-Estatal de Defesa e Segurança”, que é constituído pelos Ministros da Defesa dos Estados-membros. Estabeleceu recentemente o “Pacto de Defesa Mútua”  (2003) e edificou uma Força de escalão Brigada, a “SADC Standby Force Brigade - SADCBRIG”, no âmbito das African Standby Forces.
 
A SADC levou a efeito algumas intervenções militares, nomeadamente na República Democrática do Congo (1998), com militares da África do Sul, Angola e do Botswana e no Lesoto (1998-1999), com Forças militares do Zimbabué, Angola e Namíbia (Cilliers e Malan, 2005, 13).
Em 2004, a SADC adoptou o “Strategic Indicative Plan for the SADC Organ” (SIPO), que identifica as principais fragilidades em matéria de segurança e defesa e propõe algumas medidas correctivas, estabele­cendo dois órgãos que associam as comissões inter-estatais de política e diplomacia, o “Interstate Politics and Diplomacy Committee”, fórum de discussão dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e o “Interstate Defence and Securuty Committee”, para os Ministros da Defesa, não se tendo até ao momento revelado muito eficaz na gestão de crises na região (Faria, 2004, 21).
 
• A “Economic Community of Central African States” (ECCAS) decorre do “Plano de Acção de Lagos” (1980), que visava o desenvolvimento económico, social e cultural, com vista à criação de um mercado comum regional, e resulta da fusão da “African Customs and Economic Union” e da “Economic Community of the Great Lakes States” (1983), tendo iniciado as suas actividades em 1985. Com alguma intermitência na sua acção e após um período de hibernação (1992 a 1996), viria a ser assinado em 1996, um Pacto de “não agressão” entre os onze Estados-membros, criando as condições para uma cooperação para a paz mais profícua na região.
 
No âmbito da segurança, estabeleceu em 2002, o “Protocolo de Ligação Parlamentar da África Central” e já havia aprovado em 1999, os estatutos do “Conselho de Paz e Segurança da África Central” (COPAX), comprometendo-se formalmente com a missão de garantir a paz e segurança regional. Como mecanismos operacionais estabeleceu a “Comissão de Defesa e Segurança” (2001), o “Mecanismo de Alerta Rápido da África Central” (MARAC), encarregue da observação, controlo e prevenção de conflitos e constituiu ainda uma “Força Multinacional para a África Central” - FOMUC (Force Multinationale Centre Afriquene), de escalão Brigada. Esta unidade é constituída por contingentes nacionais integrando componentes de polícias e módulos civis, em linha com o que se vem fazendo nas outras Organizações Sub-Regionais africanas no quadro da actual Arquitectura de Paz e segurança Africana.
 
A FOMAC encontra-se actualmente empregue em missão na República Centro Africana, constituindo-se num bom exemplo do emprego deste tipo de meios e de Forças em prol da prevenção e resolução de conflitos e em proveito da segurança regional. Em 2004, consolida a parceria para a paz entre os Estados-membros, ao assinar o “Pacto de Segurança Mútua para a África Central”, tendo ainda um “Centro de Gestão de Conflitos”, em fase avançada de instalação. Se bem que esta organização não foi capaz de dar resposta satisfatória em nenhuma das crises da região (com excepção do golpe na República de S. Tomé e Príncipe e na missão na República Centro Africana, com o apoio da França), pretende vir a desempenhar um papel mais activo na gestão de crises na região dos “Grandes Lagos”, agora com aliados como a UE, ONU e a NATO (Bernardino, 2007, F-13).
 
• A “Community of Sahel-Saharan States” (CEN-SAD) foi criada em 4 de Fevereiro de 1998, na Cimeira de Chefes de Estado em Tripoli (Líbia - Great Jahamiriya) por iniciativa do Presidente Líbio, Moammar Kadafi e é considerada a maior organização sub-regional africana (composta por 23 Estados-membros, o que equivale a mais de 400 milhões de habitantes), no entanto no contexto continental não reflecte nas suas estratégias em prol da segurança a dimensão da geografia que representa. Organicamente pouco se conhece, sabendo-se que dispõem na dependência do secretariado executivo, de um gabinete para Segurança Publica e do Interior, criado em 1999, realizando-se reuniões anuais de ministros do interior e da segurança, tendo a primeira reunião, ocorrido em 1999, em N’Djamenna (Chade).
 
Bilateralmente, a Líbia, enviou recentemente um contingente militar para a República Centro Africana, no intuito de contribuir para a paz e segurança na região, sendo criticada no seio da organização e em África, pela falta de consenso gerada nesta acção, o que faz realçar, por um lado a fraca coesão na aliança, e por outro, a liderança da Líbia nos processos da segurança e da defesa no norte do Sahel.
 
• A “União do Magreb Árabe” (UMA) pode constitui-se actualmente como o outro pólo alternativo à liderança regional a Norte no continente africano, tendo contudo um enorme constrangimento interno para resolver (integra Marrocos), que se constitui como o único país africano que não aderiu à União Africana e que integra as organizações do crescente vermelho a norte do Saara. Constata-se que a NASBRIG comporta Estados das organizações a norte do paralelo do Saara, tais como: Saara Ocidental, Mauritânia, Argélia, Tunísia, Líbia e Egipto (Cilliers, 2008, 13);
 
• A “Intergovernmental Autority for Development” (IGAD)16, foi formado em 1986 sob a sigla de “IGADD” (Intergovernamental Autority on Droudht Development), em torno do combate à desertificação sahariana, vindo-se a constituir desde 1990, num fórum de diálogo político e no veículo principal para a paz e segurança na região Este de África, tem vindo a adoptar em 1996, após a Cimeira de Addis Abeba (Etiópia), a actual designação. O IGAD possui actualmente sete Estados-membros, e representa uma das regiões mais conflituosa em África, o designado “Corno de África”. Em 1996 aprovou um regulamento sobre a prevenção e gestão de conflitos, tendo criado um Departamento de Gestão de Conflitos na Divisão de Assuntos Políticos e Humanitários, principalmente para gerar a paz no seio da própria organização pois, durante este lapso de tempo, existiram sempre conflitos regionais entre os seus Estados-membros.
 
Em 2002, a organização criou o “Conflict Early Warning Unit and Response Mechanism” (CEWARN), estabelecendo três unidades de alerta precoce em coordenação com as outras organizações africanas. O mecanismo de resposta foi constituído em 2005, à custa da “Eastern African Standby Brigade” - EASBRIG, tendo sido assinado um “Memorandum of Understanding”, estabelecendo que esta seria constituída por 5 500 homens, dispondo de uma componente militar e civil, semelhante ao que se processa nas outras Organizações Sub-regionais Africanas.
 
Em termos de operações em prol da paz e da segurança regional, salienta-se a mediação no conflito do Sudão (em 1994, ainda como IGADD) e na Somália em associação com a ONU e a OUA, tendo no terreno presentemente e desde Abril de 2005, uma missão de Manutenção de Paz neste país (IGASOM). Constata-se que o IGAD tem desenvolvido um papel activo na região do “Corno de África”, apesar de dispor de recursos escassos e não possuir meios para levar a efeito uma Operação de Apoio à Paz independente, destacando-se pela vertente da mediação e da instalação e operacionalização de mecanismos de alerta regional, apoiados grandemente pelos EUA.
 
 
Conclusões
 
A União Africana sendo uma organização política de amplitude e dimensão continental, estabeleceu inovadoramente no início do século XXI, um nível de governação pan-africana, constituindo um quadro geopolítico e geoestratégico único na actual cena internacional. Este aspecto confere-lhe o epíteto de interlocutor primordial e privilegiado das políticas de cooperação para a segurança e para a defesa em África e para África. Nesse intuito, criou e procura operacionalizar até 2010 a “Arquitectura de Paz e Segurança Africana”. Este mecanismo de alerta, prevenção e resolução da conflitualidade em África é também um mecanismo inovador no contexto africano e mundial, pois apresenta actualmente dois níveis aparentemente estratificados, mas perfeitamente interligados, o nível regional onde se insere a União Africana e o nível sub-regional, com as Organizações Sub-regionais Africanas, sendo estas compostas regionalmente pelo conjunto dos Estados-membros. Estas Organizações Regionais Africanas representam para a comunidade internacional os agentes internos da mudança em África, pois serão elas que num futuro próximo, irão assumir os desígnios da luta pelo desenvolvimento e pela segurança nas regiões onde exercem a sua influência, numa missão consentânea com os objectivos e estatutos que lhe deram origem.
 
A UA, SADC, ECOWAS, ECCAS, CEN-SAD e o IGAD, encontram-se num processo activo e acelerado de consolidação das suas capacidades militares, com vista a adquirirem as valências e requisitos operacionais que lhe permitam actuar em prol da segurança regional e da defesa continental. Numa perspectiva de cooperação multilateral, as organizações internacionais, tais como a ONU, a UE e a NATO, bem como alguns Estados não-africanos, desenvolvem já políticas de cooperação e estratégias multilaterais e multidisciplinares com as Organizações Sub-regionais Africanas, nomeadamente na aquisição de meios, edificação de capacidades, na formação de quadros e tropas no âmbito das “African Standby Brigades”, bem como na contribuição para a edificação do sistema “Continental Early Warning Sistem”, considerada a ferramenta fundamental da prevenção e de conflitos regionais em África.
 
Em suma, constatamos que as políticas de segurança e defesa em África e para África, para além da reforma do Sector da Segurança e da Defesa no seio das nações africanas, em regra conduzida à luz de acordos de cooperação bilaterais, passa agora obrigatoriamente pela cooperação “bi-multilateral”, com o envolvimento das Organizações Regionais Africanas, pois estas constituem-se crescentemente como os principais motores da segurança e do desenvolvimento neste continente. Esta cooperação estratégica pode fazer-se principalmente através da ajuda à operacionalização da “Arquitectura de Paz e Segurança Africana”, nomeadamente pelo apoio à criação e interligação entre o “Continental Early Warning Sistem” e as “African Standby Forces”, aspectos que para África são estrategicamente vitais na construção da paz, da segurança e estruturantes com vista a garantir o seu desenvolvimento sustentado para o século XXI.
 
 
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*      Major de Infantaria. Mestre em Estratégia e doutorando em Ciências Sociais, especialidade de Relações Internacionais, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). Actualmente presta serviço no Estado-Maior do Exército.
 
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 1 A tribo é uma das mais antigas e elementares formas de organização social, sendo caracterizada pela presença de um território comunitário e pela unidade da língua e das tradições, representando um verdadeiro universo cultural, com as suas tradições e regras bem definidas.
 2 É nesta região que ocorreram os mais sangrentos conflitos regionais da história recente mundial (Serra Leoa - 1991, Libéria - 1989-1996, Ruanda - 1994, República Democrática do Congo (RDC) - 1997-2003, Angola - 1975-1997) e é também nesta região que estão actualmente localizados os maiores conflitos regionais da actualidade (Burundi, RDC, Ruanda, Sudão, Darfur, República Centro Africana, Chade, Etiópia e Eritreia).
 3 Refere-se particularmente aos recursos naturais que numa dada região, país ou conflito são os geradores de tensões entre grupos (petróleo, diamantes, gás natural, etc.).
 4 Em 30 de Setembro de 2005, a missão na RDC (United Nations Mission in the Democratic Republic of Congo - MONUC), tinha no terreno um total de 18 800 homens, dos quais 15 369 militares, constituindo-se como a maior operação realizada na sua história, aspecto que ainda se mantém na actualidade (Global Peace Operations, 2006, 73 e 142).
 5 A “African Economic Community” (AEC) é composta pelas oito Organizações Sub-regionais de carácter económico, integrando ainda outras quatro organizações regionais, integradas na ECCAS, CEDEAO e SADC, respectivamente.
 6 [www.africa-union.org].
 7 As African Standby Forces congregam cinco Brigadas, associadas às cinco sub-regiões em que se articula o continente africano e atribuídas às organizações sub-regionais que operam nessas regiões, constituindo o mecanismo de reacção rápida da União Africana para a prevenção e resolução de conflitos regionais em África.
 8 A introdução do Artº 4º no Acto Constitutivo, permite levar a cabo uma política de intervenção consentânea com a filosofia da Carta das Nações Unidas, podendo em situações específicas, intervir nos Estados-membros com acções que podem ir da mediação diplomática do conflito, ao uso da força militar (Holt e Shornahan, 2005, 15).
 9 Estes mecanismos encontram-se implementados no IGAD, SADC, ECCAS e na ECOWAS, em diferentes estágios de operacionalidade e corresponde à troca de informações e accionamento dos mecanismos ulteriores na prevenção de conflitos.
10 O protocolo estabelecido para o Conselho de Paz e Segurança refere que este é composto por 15 Estados-membros (sem direito de veto), sendo cinco eleitos por um período de três anos e os restantes dez por dois anos, constituindo-se no “legítimo” decisor na área da segurança ao nível regional e continental em África.
11 O Conselho de Paz e Segurança definiu quatro áreas em que poderá levar a efeito “intervenções preventivas”, nomeadamente: em caso de genocídio; grave violação dos Direitos Humanos; quando a instabilidade numa região ameaça transpor as fronteiras para outro Estado e quando houver mudanças de governo inconstitucionais (NEPAD, 2004, 24).
12 [http://www.issafrica.org].
13 A titulo de exemplo, o autor refere que o orçamento para a primeira missão desenvolvida pela União Africana em África, concretamente no Burundi (AMIS I), era de 130 milhões de US Dólares, enquanto o orçamento para toda a União Africana era de apenas 32 milhões. Salientando ainda que a segunda missão (AMIS II) sofreu um aumento de cerca de 8 000 efectivos e dispunha de um orçamento de 466 milhões de US dólares. (Cilliers, 2008,16)
14 Em 1986, uma organização denominada “Treatry on Non-Aggression, Assistance and Mutual Defense“ (ANAD), constituída por oito países, destacou para a fronteira do Burkina Faso com o Mali, equipas de observadores militares, constituindo a primeira missão, embora incipiente do nível sub-regional. O ANAD deixou de existir em 2001 (Berman, 2004, 28).
15 As missões desenvolvidas pela ECOWAS no quadro das intervenções regionais foram: (Libéria - 1990); (Serra Leoa - 1997-2000); (Guiné-Bissau - 1998-1999); (Guiné e Libéria - 2000); (Costa do Marfim - 2002-2004) e (Libéria - 2003) (ECOWAS, 2006).
16        O IGAD concentra no seio da sua organização grande parte dos Estados que tiveram conflitos regionais nesta última década na África Subsariana. Conflitos que envolveram cinco dos seus sete Estados-membros (Eritreia, Etiópia, Somália, Sudão e Uganda), razões pelas quais a dinâmica da organização em torno desta problemática está tão desenvolvida. Muitas das actividades do IGAD estão voltadas para os conflitos na Somália e actualmente no Sudão, onde conjuntamente com a União Africana, lidera as negociações relativas ao processo de paz
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Coronel

Luís Manuel Brás Bernardino

Diretor-gerente e Sócio efetivo da Revista Militar.

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