Nº 2482 - Novembro de 2008
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Uma leitura sobre as Revoltas Militares em Portugal
Tenente-coronel PilAv
João José Brandão Ferreira
“Atolados há mais de um século no mais funesto dos ilogismos políticos, esquecemo-nos de que a unidade nacional, a harmonia, a paz, a felicidade e a força de um povo não têm por base senão o rigoroso e exacto cumprimento colectivo dos deveres do cidadão perante a inviolabilidade sagrada da família, que é a célula da sociedade; perante o culto da religião, que é a alma ancestral da comunidade; e perante o culto da bandeira, que é o símbolo da honra e da integridade da pátria”.
Quebramos estouvadamente o fio da nossa História, principiando por substituir o interesse da Pátria pelo interesse do partido, depois o interesse do partido pelo interesse do grupo, e por fim o interesse do grupo pelo interesse individual de cada um”.
Ramalho Ortigão
 
Desde a fundação da nacionalidade que existem forças militares.
Foram estas que fizeram Portugal, impondo e sustentando pelas armas, esse acto político primordial que foi a individualização do Condado Portucalense.
 
Desde D. Dinis com a reparação e construção de Castelos e Fortalezas, pela instituição dos “Besteiros de Conto”, e ainda pela criação de uma marinha de guerra em termos permanentes (teve um desenvolvimento grande com a criação da Ordem de Cristo em 1319), que se organizou a Nação para a guerra em termos globais e se instituiu uma espécie de milícia nacional.
 
Desde D. Duarte que se começou a compilar as normas que regessem a preparação, operação, logística, disciplina e comandamento das forças militares.
 
Com D. João II criou-se a primeira Guarda Real permanente e em termos modernos.
 
Com a Restauração criou-se o primeiro Conselho de Guerra e a primeira Escola de Ensino Militar, em 1641, (a Academia de Arquitectura, Fortificação e Desenho).
Mais tarde, o Conde de Shomberg veio a organizar o Exército permanente em Portugal, a partir de 1660.
 
Mas só em 1817, as Forças Militares, como tal, fizeram a sua 1ª intervenção política. Encabeçou-a o General Gomes Freire de Andrade. Como pano de fundo temos a Metrópole devastada pelas invasões francesas.
 
Porque o fizeram? Creio que por três ordens de razões:
 
Razões militares, havia grande mal-estar por a tropa portuguesa estar comandada pelos ingleses;
 
Por razões políticas, pretendia-se o afastamento de Beresford e obrigar ao regresso da Corte que estava no Rio de Janeiro;
 
E, sobretudo, por razões ideológicas, Freire de Andrade era Grão-Mestre da Maçonaria e partidário das ideias liberais com origem na Revolução Francesa.
 
A revolta falhou e os principais cabecilhas, foram enforcados em Lisboa, num local que hoje se chama Campo dos Mártires da Pátria.
Depois disto o país nunca mais estabilizou até aos dias de hoje.
 
Vamos fazer uma pequena viagem no metropolitano da História, de então para cá.
 
“Pois sim; o povo é o soberano, mas quem vai na carruagem sou eu!”
Comentário de D. João VI no trajecto paro o seu palácio, após ter desembarcado, em Lisboa, vindo do Rio de Janeiro, a propósito da turba que o acompanhou aos gritos incessantes de: “viva o Soberano Congresso” e “viva o povo soberano”.
 
A 24 de Agosto de 1820, (aproveitando a ausência de Beresford no Brasil), rebentou, no Porto, nova revolução liberal e desta vez saíu vitoriosa. Lembra-se, a título de curiosidade, que o principal local onde se preparou a conspiração, foi numa loja maçónica, que tinha o nome de “Sinédrio” que, se estão lembrados, era o nome do tribunal que condenou Jesus Cristo.
 
O grande objectivo (salvação da Pátria!), era aprovar uma Constituição. Esta última, inspirada na Constituição espanhola de Cádiz de 1812, foi jurada em Cortes a 30/9/1822 e pelo Rei, regressado no ano anterior, a 1 de Outubro.
 
O País maioritariamente conservador e adepto da ordem anterior, dividiu-se e a independência do Brasil piorou tudo, pois para além de consignar a “deserção” do herdeiro da Coroa - D. Pedro - vibrou um duríssimo golpe na economia nacional.
 
Logo a 27 de Maio de 1823 o infante D. Miguel a instâncias da nobreza e do povo, dirigiu-se para Vila Franca de Xira seguido por todos os regimentos da capital, à excepção de um, e proclama de novo o “Absolutismo” e a reunião das Cortes à moda antiga. Foi a “Vila Francada”. O Soberano Congresso - era assim que se chamava o Parlamento na altura - desesperado e sem qualquer apoio no país, dissolve-se em 2 de Junho.
 
Os monárquicos dividiram-se então em tradicionalistas e liberais. E estes ainda em moderados e democratas.
 
Os tradicionalistas pressionaram D. Miguel a um golpe de modo a afastar qualquer hipótese de se promulgar nova constituição, apesar de moderada como era intenção de D. João VI, e deu-se a Abrilada, em 30 de Abril de 1824.
 
O golpe foi dominado pelo monarca com a ajuda dos diplomatas acreditados em Lisboa e D. Miguel foi fazer uma viagem de estudo pelo estrangeiro.
 
D. João VI morreu, em 10 de Março de 1826, e sabe-se hoje que foi envenenado com arsénico e existem fortes suspeitas de que o seu testamento foi falsificado.
 
Daqui resultou uma gravíssima crise política.
 
A Infanta D. Isabel (a filha mais velha do Rei), fica como Regente. D. Pedro Imperador do Brasil, confirma a regência, outorga a Carta Constitucional, abdica dos seus direitos na filha D. Maria da Glória, e tenta-se o seu casamento com seu tio D. Miguel, numa tentativa de unir a “família” desavinda”.
 
A Carta entretanto preparada pelo futuro Duque de Palmela, por tentar uma via intermédia entre as duas tendências, desagradou a ambas.
 
D. Miguel, tendo concordado com os termos impostos para o seu casamento, regressou a Lisboa, em 22 de Fevereiro de 1828.
 
“Toda a Nação, mais ou menos ardentemente, desejava ver terminado o intermezzo da Carta Constitucional, e no trono em vez de um papel, um homem”.
Oliveira Martins
(sobre a Carta Constitucional de 1826)
 
Estando o partido tradicionalista forte, e tendo D. Pedro abdicado dos seus direitos ao trono, e apoiado em extensos apoios no País, D. Miguel dissolveu a Câmara de Deputados, em 13 de Março de 1828, e convocou Cortes nos moldes tradicionais, onde foi proclamado Rei de Portugal.
 
Tal facto deu origem à mais cruenta guerra civil que em Portugal já houve. Os liberais foram perseguidos, presos e emigraram. Apenas a Ilha Terceira se manteve baluarte dos Liberais. Estes apelaram para D. Pedro que decidiu invadir Portugal com 7 000 homens, a maioria mercenários recrutados em locais pouco recomendáveis.
 
A guerra civil termina em 1834 com a vitória surpreendente dos liberais e que se explica - dada a desproporção de forças, 80 000 homens para os partidários de D. Miguel e 7 000 homens para D. Pedro - pela Liderança: três excelentes generais e um almirante, do lado Liberal - Saldanha, Terceira, Sá da Bandeira e Napier - e nenhum vulto do lado Absolutista. Além disto contam-se nesta facção várias e indignas traições.
 
“Os diferentes partidos não são mais do que escolas de imoralidade, e portanto companhias de comércio ilícito, onde as diferentes lutas, que promovem, não são mais do que o modo de realizarem o escambo das consciências, o sacrifício dos amigos, e o bem do País, e por conseguinte o modo de realizarem o fruto do peculato, depois de postos em almoeda as opiniões”.
“A classe dos malfeitores é a que mais tem ganho com as garantias constitucionais”.
Luz Soriano
(sobre a política do seu tempo)
 
Estabelecida a paz pela Convenção de Évora-Monte, em 26 de Maio de 1834, logo os vencedores se dividiram, entre “liberais” (moderados e adeptos da Carta) e “democratas” partidários do sufrágio directo. O Parlamento reúne-se a partir de 15 de Agosto e gera-se uma balbúrdia enorme. D. Pedro IV morre logo a 24 de Setembro, não resistindo a um mês de Parlamento.
 
Entretanto já tinha havido uma revolta em Lisboa, a 9 do mesmo mês, de cariz esquerdista, que entrega o poder aos “democratas” que restauram a Constituição de 1822. Daqui resultaram mais pronunciamentos militares. Conversações com os “Liberais” resultaram num compromisso constitucional, aprovando-se uma nova Constituição, em 3 de Abril de 1838 (a terceira em 15 anos!).
 
Sem embargo, os “liberais” não ficaram satisfeitos e, em 1842, nova revolução militar inspirada por Costa Cabral, dissolveu as Cortes, revogou a Constituição e restabeleceu a Carta. A reacção a isto, leva à revolta da Maria da Fonte, em 1846.
 
Saldanha que passou entretanto para o lado moderado, não admitiu transigências e a guerra civil prolongou-se, só acabando com uma vexatória intervenção política e militar da Inglaterra, da França e da Espanha!
 
“Acervo de teorias irrealizáveis, se teorias se podiam chamar, de instituições talvez impossíveis sempre, mas de certo modo impossíveis numa sociedade como a nossa e na época em que tais instituições se iam assim exumar do cemitério dos desacertos humanos”
Alexandre Herculano
(sobre a Constituição de 1822)
 
Novo Golpe de Saldanha leva à Regeneração de 1851 e ao Pacto da Granja de 4 de Setembro de 1865.
 
Instala-se o rotativismo. Isto é, as oligarquias políticas e económicas, acordam em pôr um pouco de ordem no caos que se vive desde as invasões francesas e a alternarem no Poder numa tentativa de imitar o que se passa em Inglaterra. Nasceu assim o Partido Regenerador (mais à direita) e Progressista (mais à esquerda).
 
A melhoria das finanças a que um súbito investimento de capitais brasileiros, derivados da proibição da escravatura, deu um empurrão importante, permitiu algum progresso e paz social, cujo principal obreiro foi o General Fontes Pereira de Melo.
 
Conta-se pelo meio com a “Saldanhada” último golpe perpetrado por Saldanha, convenientemente afastado depois para a embaixada de Londres. Foi porém sol de pouca dura. Nova crise financeira e o “ultimatum” de 1890 e o aparecimento do Partido Republicano (1875), abalaram os fundamentos da Monarquia. Era agora o próprio regime que estava em causa.
 
“Deve aí haver factos novos, novos elementos de decomposição que me escapam. Em todo o caso, não vejo senão uma solução simplista - a tirania. É necessário um sabre, tendo ao lado um pensamento”.
Eça de Queiroz
(in carta a Oliveira Martins expressando a sua reacção à tentativa revolucionária de 3 de Janeiro de 1891)
 
A primeira revolta Republicana deu-se logo a 31 de Dezembro de 1891, no Porto. Em 1 de Fevereiro de 1908, são assassinados o Rei e o herdeiro do trono e, em 5 de Outubro de 1910, a Monarquia de quase sete séculos cai em menos de 24 horas. Na Rotunda restava um oficial de Marinha, oriundo da Administração Naval e que montou a cavalo pela 1ª vez nesse dia. O grosso do Exército, supostamente monárquico, rendeu-se.
 
“Foram eles e suas absurdas e falsas reformas que nos trouxeram a este estado. Foram eles que desmoralizaram de todo o País, que o deslocaram e revolucionaram. Reformadores ignorantes, não souberam dizer senão como os energúmeros de Barras e Robespierre: abaixo! Assim se reformou esta desgraçada terra a machado!
Mais 10 anos de barões e de regime da matéria, e infalivelmente nos foge deste corpo agonizante de Portugal o derradeiro suspiro do espírito.
... Não contentes de revolver até aos fundamentos a desgraçada pátria com inovações incoerentes, repugnantes umas às outras, e em quase tudo absurdas, sem consultar nossos usos, nossas práticas, nenhuma razão de conveniência, foram ainda atirar com todo este montão de absurdos para além-mar...”
Almeida Garrett
(sobre a implantação do liberalismo em Portugal)
 
Durou o liberalismo monárquico 90 anos, de 1820 a 1910. Durante este tempo desarticulou-se a Nação da sua matriz antiga. Foi seu legado: seis monarcas (dois assassinados) e três regências, 142 governos (um governo e meio por ano); 42 Parlamentos, dos quais 35 dissolvidos por meios violentos; 31 ditaduras (um terço do tempo fora da normalidade constitucional), e 51 revoluções, pronunciamentos, golpes de estado, sedições, etc.
 
Este foi o “passivo” que a República herdou.
 
Os 16 anos que se seguiram foram de pavorosa anarquia.
 
A República era de fundo jacobino e logo anticlerical. O liberalismo estava morto, começava a democracia directa. Dividiram-se os republicanos em três grupos principais: os radicais, capitaneados por Afonso Costa; e dois conservadores, chefiados por António José de Almeida e Brito Camacho, sem se vislumbrarem grandes diferenças nestes últimos.
 
A situação degenerara de tal maneira que logo, em 23 de Janeiro de 1915, o próprio Presidente da Republica Dr Manuel de Arriaga, endereçava uma carta ao General Pimenta de Castro para que o ajudasse a pôr ordem no País, ao que este anuiu impondo um governo extra partidário.
 
Mas o Exército estava minado pela Carbonária e logo, a 14 de Maio, rebentou uma sanguinolenta revolução que causou mais de 200 mortos e 1 000 feridos, colocando de novo o Partido Democrático no Poder.
 
Daí em diante o rol de assaltos, atentados, assassínios e agressões foi aterrador! Os crimes contra a Igreja Católica e os católicos foram infames. A reacção a todo este descalabro veio com a revolução de 5 de Dezembro de 1917, dirigida por Sidónio Pais.
 
“Para deixar ver o carácter instável da República basta um facto: ser ela o primeiro governo que no mundo aceitou governar com manuseadores de bombas e explosivos - artefactos só até hoje usados por inimigos da sociedade!”
Fialho de Almeida
 
O país entregou-se-lhe em esperança mas esta não durou sequer um ano: em Dezembro de 1918, o Presidente Rei, assim chamado, foi abatido à bala na Estação do Rossio. O País estava envolvido na I Grande Guerra - em quatro frentes - mas nem isso acalmava as paixões políticas e ideológicas.
 
Ultrapassada pela força a tentativa de restauração monárquica, tentada em 1919, seguiram-se os mais desconcertantes governos e jogadas partidárias, até que em 19 de Outubro de 1921 as forças extremistas levaram a cabo uma revolução abominável, durante a qual liquidaram a sangue frio, o chefe do governo António Granjo e o próprio fundador da República, Machado Santos e muitos republicanos moderados.
 
Tal evento deixou o país estarrecido e envergonhado.
 
O que se passou nos cinco anos seguintes está para além de qualquer descrição. O que restava do Partido Democrático governava à rédea solta de tal modo que se cindiu nos partidários, apesar de tudo mais conservadores, do Engº António Maria da Silva - conhecidos pelos “Bonzos” - e as hordas mais infrenes e demagógicas do Dr João Domingos dos Santos, apelidados de “Canhotos”.
 
O cúmulo dos inacreditáveis eventos daqueles tempos é ilustrado pelo ocorrido no dia 16 de Janeiro de 1920, em que dois elementos democráticos mais demagógicos, conhecidos pelo “Pintor” e o “Ai-ó-Linda”, acompanhados pelos seus caceteiros, foram ao Terreiro do Paço, entraram de pistola em punho no Gabinete do Presidente do Governo, Dr Fernandes Costa, que fora nomeado naquela manhã, intimando-o a demitir-se, o que ele fez, sujeitando-se o Chefe do Estado a nomear, ainda nesse dia, outro, no lugar daquele.
 
Num relato do chefe de Polícia, em 1925, Coronel Ferreira do Amaral, pode ler-se que num período de quatro anos contaram-se oito guardas assassinados e 45 feridos a tiro e à bomba, só em Lisboa e ainda 30 cidadãos mortos também à bomba e 92 feridos. O número de bombas deflagradas, só na capital, ascendeu a 325!
 
Tudo isto levou Guerra Junqueiro a declarar “isso que para ai está é uma bacanal de percevejos numa enxerga podre”.
 
Não espanta pois saber que tendo o conhecimento da desgraçada situação em que se encontrava o País, extravazado as fronteiras, se tenha inventado o termo “Portugalizar”, para infamar os políticos e regimes anarquizantes.
 
E menos deve espantar, que o Exército e a Armada portugueses tenham ido buscar ao fundo de si próprios a força moral necessária para se organizarem mais adequadamente para imporem uma ditadura militar e tentarem parar a queda da Nação no mais profundo dos abismos.
 
Tal facto ocorreu no dia 28 de Maio de 1926.
 
“Quem diz democracia, diz naturalmente República. Mas como se organiza a República? Aqui, à claridade dum sentimento divino, sucede-se o nevoeiro dos sistemas humanos. E o sistema, o espírito sistemático matou a República. Rousseau e atrás dele Robespierre, o bastardo de Rousseau, como disse Michelet, os jacobinos, Danton e a Convenção na energia do seu plebeísmo, concebeu a República como uma ditadura permanente, execu­tada em nome da multidão pelos chefes da sua escolha. Foi assim que julgando consolidar a igualdade, fundaram apenas o pior dos despotismos, o despotismo da plebe”
Antero de Quental
 
Como herança os 16 anos de “Democracia Directa” da I Republica, deixou-nos: oito chefes de Estado, dos quais um foi assassinado, dois exilados, um resignou, dois renunciaram e outro foi destituído; 52 governos, o que dá uma média de três governos por ano; oito Parlamentos dos quais cinco foram dissolvidos violentamente e 11 ditaduras, o que nos deixa apenas cinco anos em que se conseguiu cumprir a Constituição aprovada em 1911.
 
E ao fazer-se um balanço muito geral de um século de regime liberal e democrático apuramos que entre 1820 e 1926 teve o país 16 chefes de Estado, 189 governos e 50 Parlamentos dos quais 40 dissolvidos por meios violentos. Contam-se 42 ditaduras, quase uma ano sim, ano não.
 
“Tenho lido muitas vezes a palavra democracia. Tenho-a ouvida proferir outras tantas. O que nunca li, nem ouvi, foi uma definição precisa e rigorosa dela. Na História o que geralmente falando constitui a principal feição do republicanismo democrático é servir de prólogo ao cesarismo”.
Alexandre Herculano
 
Como tem sido quase norma nas revoltas militares, estes sabem o que não querem, mas não se entendem sobre o que querem. O golpe de estado de 28 de Maio de 1926, não fugiu à regra (como aliás, também, o de 25 de Abril de 1974...), tendo passado por vicissitudes várias.
 
Havendo um impasse político e sobretudo uma crise financeira gravíssima para debelar, entendeu-se chamar para a respectiva pasta um docente de Coimbra que já se distinguira pela sua probidade e críticas à situação que se arrastava há anos.
 
Chamava-se António de Oliveira Salazar. Como este, ao contrário dos demais, sabia muito bem o que queria e para onde ia, não só rapidamente saneou o deficit financeiro, como passámos a ter superavit orçamental. Não se enredou na baixa política, não cedeu a pressões e não cometeu indignidades. Ainda por cima era um patriota sem mácula. O seu prestígio subiu em flecha.
 
Ainda por cima e também em dicotomia com a maioria dos notáveis, possuía uma doutrina global para o país. A partir de 1932 ganhou, por mérito próprio, e reconhecimento da maioria, direito a pô-la em prática.
 
“Ora, seja qual for o sistema de responsabilidade encontrado para o exercício da governação pública, uma coisa é essencial aos governos - a autoridade, no sentido da possibilidade constitucional e efectiva de governar.
E não pode ver-se que se chegou a boa solução quando os diferentes poderes funcionam de tal sorte que os governos ou não existem ou não governam, defendem-se. Se os grupos partidários a cada momento se considerarem candidatos ao Poder com fundamento na porção de soberania do povo que dizem representar, a maior actividade, e vê-se até que o maior interesse público - não se encontra nos problemas da Nação e na descoberta das melhores soluções, mas só na luta política. Por mais propenso que se esteja a dar a esta algum valor como fonte de agitação de ideias e até de preparação de homens de governo, tem de pensar-se que onde ela atinge acuidade, o azedume, a premencia que temos visto, todo o trabalho útil para a Nação lhe é ingloriamente sacrificado.Tem de distinguir-se, pois, luta política e governação activa: os dois termos raro correrão a par”
Oliveira Salazar, 17/2/1935
 
A partir de 1933 um referendo nacional - acto que até então jamais tinha sido praticado em Portugal - confirmou a Constituição de 1933, entretanto aprovada no Parlamento e que tinha um documento adicional, o Acto Colonial.
 
Estava institucionalizado o que ficou conhecido como “Estado Novo”.
 
Com paciência e metodologia beneditina sanearam-se a seguir, todos os sectores da vida nacional; descolonizou-se culturalmente o país da França e economicamente da Inglaterra; nacionalizaram-se numerosas empresas na Metrópole e no Ultramar e atravessaram-se com mestria política e diplomática, gravíssimas crises internacionais como foram a Guerra Civil de Espanha e a II Guerra Mundial. Com pontualidade suiça o banco de Portugal ia acumulando anualmente, ouro e divisas, tornando o escudo uma das moedas mais fortes e estáveis do mundo. E sobretudo, tudo se fazia em termos estritamente nacionais, sem admitir interferências estranhas à Nação, reganhando os portugueses a confiança e respeito por si próprios e Portugal a sua dignidade internacional.
 
Apenas 12 anos depois de ter tirado o Estado da sarjeta e a Nação do pântano financeiro, económico, social e moral, em que se encontravam, o Portugal renascido apresentava em 1940, ao mundo assolado pela pior guerra ocorrida na História da Humanidade, o espectáculo esplendoroso, comemorativo do duplo centenário da Fundação e Restauração da nacionalidade.
 
“Obrigar o Governo às cedências que rebaixam e às violências que revoltam”
Brito Camacho
 
Este caminho não foi fácil: as forças derrotadas em 1926, insistiram na bondade das suas teorias que a prática amplamente condenara. A estas juntou-se a partir da sua fundação, em 1921, o Partido Comunista Português.
 
Deste modo ocorrem, logo em 1927, uma tentativa de derrube da ditadura, com uma revolução que rebentou no Porto chefiada pelo General Sousa Dias; mais tarde em 1931, a revolta da Madeira, que se estendeu à Guiné, Cabo Verde e Açores; a revolta dos contratorpedeiros Dão e Tejo, em 1936, cujas guarnições pretendiam juntar-se às forças republicanas em Espanha e o atentado anarquista ao Presidente do Conselho, em 1937.
 
Depois disto, só em 1946, ocorreu uma tentativa frustre, que ficou conhecida pela “Revolta da Mealhada”. A partir daqui, o Estado Novo viveu o seu período maior de paz civil que durou até 1958 - onze anos.
 
Seguiu-se um período de agitação muito intensa: a Revolta da Sé, em 1959, de que o país quase não se apercebeu e se resolveu com meia dúzia de prisões; a Abrilada de 1961, que não passou das movimentações de bastidores e o assalto ao quartel de Beja, que por ter envolvido meios no terreno e ter resultado em mortos e feridos, causou mais impacto na opinião pública.
 
Foi um período de grande convulsão em que o regime tremeu, que tem como pano de fundo a agitação derivada da campanha presidencial em 1958; do início do terrorismo em Angola, em Março de 1961 e a perda ignominiosa de Goa, Damão e Diu, em 18 de Dezembro do mesmo ano. Aos factos ocorridos deve-se juntar nos fins de 1961, o desvio do Super Constelation da TAP, que fazia o percurso Casablanca-Lisboa e o do paquete S. Maria, ao largo das Caraíbas, acções que sem grande esforço se podem apelidar de inauguradoras da pirataria e terrorismo moderno.
 
Falhados os objectivos de todas estas tentativas de derrube da ordem política vigente nenhuma outra houve que envolvesse militares até 1974, altura em que o Professor Salazar já não fazia parte do numero dos vivos. O 25/4 teve a particularidade de ter ocorrido devido a questões essencialmente corporativas, ao contrário dos anteriores, cujo substrato era, de alguma forma, ideológico.
 
Numa análise geral e muito sucinta do envolvimento dos militares em acções violentas de cariz político, temos em todo o século XIX, sobretudo nos primeiros cinquenta anos, a partidarização dos mesmos. Isto é o Exército (lato senso) deixou de ser apenas uma força nacional, suprapartidária, para se deixar envolver nas questões políticas, na razão directa em que a política deixou de ser una e passou a fraccionar-se.
 
“Vindo a cair numa oligarquia de facto, revestida de fórmulas e garantias fictícias”
“Democracia, riqueza e exército; eis os três pontos de apoio da doutrina; centralização oligárquica: eis o seu processo”
Oliveira Martins
(sobre a Regeneração)
 
Existe uma tentativa, a partir de 1851 de tentar que os militares se confinassem aos quartéis e à sua missão de defesa das fronteiras e das ameaças externas. Tudo se esboroa novamente com a República e leva muito tempo a sossegar, no Estado Novo, acabando por se gerar um equilíbrio que permitiu à IM modernizar-se, manter a dignidade institucional, estar presente nos órgãos de soberania, e grande autonomia no seu comandamento. O seu Conselho Institucional era tido em conta, tinham muitas competências na segurança interna e na administração ultramarina e em contrapartida não se imiscuíam na acção política e governativa.
 
Foi talvez este equilíbrio que permitiu ao principal fundador e doutrinador do Estado Novo ter-se mantido no Poder mais de 40 anos e a transição após a sua morte política, ter sido pacífica.
Como pano de fundo da maioria das intervenções políticas dos militares, temos fragilidade política, crise financeira entre 1817 e 1926 e sobretudo questões ideológicas: liberais vs absolutistas; liberais conservadores vs democráticos; regeneradores (direita) vs progressistas (esquerda); monárquicos vs republicanos; republicanos vs conservadores. Pelo meio uma crise religiosa profunda que durou entre 1820 e 1940.
 
Podemos ainda observar que grande parte dos problemas havidos têm origem em ideologias importadas, estranhas à matriz e à índole do povo português, a maioria das quais divulgada e defendida por forças internacionalistas cujas obediência e lealdade ultrapassam ou se justapõem aos interesses nacionais portugueses.
 
Finalmente, em grande parte das intervenções militares (ou na sua não intervenção) existem razões de ordem interna, que muitas vezes resultam em mau estar que apenas aguardam um “ignidor” para explodirem, como são exemplo, injustiças de ordem remuneratória e social; a questão das remissões, problemas de gestão de pessoal derivado de absorção de elevado número de “milicianos”, ataques à dignidade institucional e situações de pobreza extrema em equipamento, armamento e munições.
 
Mais uma vez se chama a atenção para o caso atípico do golpe de estado ocorrido em 1974, em que não havia instabilidade político-social de monta; não existia nenhuma crise económica, nem financeira nem social e o efeito das ideologias estranhas ao país estava confinado a franjas universitárias, e em artistas e intelectuais. E ainda em forças políticas, denominada de “Oposição”, que estavam longe de terem uma influência decisiva.
 
Sobrava no entanto, disensões no seio do regime, falta de acção psicológica na retaguarda, e sobretudo uma solução mal equacionada e pior resolvida, relativamente à falta de candidatos às Academias Militares, sem a qual se tornava muito difícil prosseguir as operações militares em África. Agravava a situação algumas intervenções infelizes de próceres do regime e de população branca, em Angola e Moçambique ao passo que o espectro da Índia voltou ao imaginário de algumas mentes.
 
“...isto é, as liberdades interessam na medida em que podem ser exercidas, e não na medida em que são promulgadas”
Oliveira Salazar
 
Finalmente quanto às intervenções políticas de militares no século XX, deveremos distinguir aquelas que se realizaram até 1950 e as posteriores. As primeiras ainda foram fundamentalmente influenciadas pelos opositores ao Regime saidos da I República e pelo Partido Comunista. As segundas revelam, porém, um facto inédito: os seus principais inspiradores e cabecilhas foram homens que tinham sido aderentes ao Estado Novo, quando não seus extremos defensores.
 
É o caso de Humberto Delgado, Henrique Galvão e Botelho Moniz.
 
O que os terá feito mudar de campo? Uma evolução séria de âmbito político e doutrinário, ou o despeito originado em ambições não realizadas?
 
Nenhum deles era socialista, anarquista ou comunista. Não consta que fossem membros de nenhuma obediência maçónica, nem tão pouco filiados na oposição dita republicana.
 
Humberto Delgado foi um dos aderentes do 28 de Maio, defendeu por palavras, escritos e obras, a figura do Dr Salazar e foi até punido por ter escrito uma peça de teatro radiofónica, intitulada “Da Pulhice do Homo Sapiens”, considerada fascizante. Teve cargos e funções elevadas e de confiança política, tais como o de Adjunto do Comando da Legião Portuguesa e Comissário Adjunto da Mocidade Portuguesa. Veio de adido em Washington, aparente­mente tocado pela vivência americana (o PC chegou até a chamar-lhe o “general coca-cola”) e ambicionando vários cargos como o de Governador de Angola, Administrador da CP, etc. Foram-lhe negados. Não foi ainda considerado para suceder a Craveiro Lopes. A partir daí, passou a combater o regime.
 
Henrique Galvão reconhecido como muito capaz e inteligente por Salazar, foi convidado para colaborar em várias obras do regime o que aceitou... Ultramarinista convicto, escreveu livros e chegou a Administrador de Distrito.
 
Alguns eventos ligados a fraquezas próprias da natureza humana, terão inviabilizado a sua nomeação para o cargo de Governador de Angola.
 
Passou a conspirar, acabando por concretizar um golpe de grande impacto nacional e internacional: o sequestro do S. Maria e respectiva tripulação e passageiros; mas que acabou por falhar nos seus objectivos.
 
Morreu exilado.
 
Botelho Moniz esteve sempre ligado ao Regime. Por indicação de Santos Costa foi Ministro do Interior, que era um dos cargos de maior confiança política. Chegou até a afirmar “a Oposição não ganha nem a tiro nem a votos”. Numa remodelação ministerial é afastado e fica, aparentemente, magoado. É também adido militar nos EUA. É Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas e mais tarde Ministro da Defesa Nacional, quando pensa depôr o Presidente de Conselho de Ministros.
 
Participou activamente na reforma extensa das Forças Armadas de 1958, em que a prioridade deixa de ser a NATO, para passar a ser a defesa dos territórios ultramarinos, nomeadamente os africanos.
 
Mas quando esta defesa passa do campo da teoria para a necessidade prática enche-se de dúvidas, tergiversa e pressionado pela administração Kennedy através do seu embaixador em Lisboa, tenta um golpe de estado palaciano.
 
A sua determinação vacila, a avaliação que faz da situação não é a mais correcta e deixa-se ultrapassar pela iniciativa adversária que o neutraliza. Acabou, simplesmente, por ir para casa...
 
Finalmente e novamente o 25 de Abril: General Spínola, prócere do regime, observador na frente russa durante a II Guerra Mundial, metade da carreira feita na GNR, voluntário para combater em Angola em 1961; Governador e Comandante-Chefe na Guiné. Bom militar; nenhuma simpatia conhecida pelo regime democrático. Quis ser candidato a PR pelas forças que sustentavam o Poder, em 1972. A opção foi outra. Passou a conspirar. Conseguiu ser Presidente em 1974. Efemeramente. Mau político como Gomes da Costa, foi obrigado, como este, a exilar-se. Destinos comuns, destinos diferentes.
 
Aprende-se pouco em Portugal.
 
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*      Sócio Efectivo da Revista Militar.
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2009-02-26
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João José Brandão Ferreira

Sócio Efetivo da Revista Militar.

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