Nº 2425/2426 - Fevereiro/Março de 2004
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Crónicas I - Notícias do Mundo Militar
Coronel
Carlos Gomes Bessa

MUNDO

G8. Lições da Reunião em Evian
 
O Coronel Hervé de Weck, prestigiado Redactor-Chefe da Revue Militaire Suisse, no número de Novembro do ano transacto dedicou o seu Editorial à reunião do Grupo dos Oito em Evian e efectuou considerações muito objectivas sobre os tumultos ali ocorridos. O lugar desta reunião foi marcado pelo presidente Chirac, e as autoridades francesas tomaram providências para que tudo corresse pelo melhor, embora o local não fosse o mais conveniente no aspecto de transportes e segurança, devido à navegação do lago Léman e a rodovias, por vezes de pequena extensão em estradas e pistas de montanha nas imediações da fronteira entre a França e a Suíça, exigindo forçosamente medidas da responsabilidade, de ambos ou apenas de cada um dos Estados.
 
O que foi menosprezado pelos franceses foram os problemas suíços quanto à segurança interna decorrentes do seu federalismo.
 
Mais de 15000 homens e mulheres de variadíssimas proveniências e tutelas - polícias, gendarmes, militares terrestres e aéreos e bombeiros - foram empregues, mas tiveram de actuar numa zona dividida em quatro sectores e sujeitos a controlos diferenciados. Mercê de grande experiência, a ordem de batalha e a organização do comando mostraram-se claros e coerentes, mas o mesmo não aconteceu quanto à subordinação hierárquica na Suiça em relação aos milhares de gendarmes e 5800 militares envolvidos, neles incluindo 1000 alemães.
 
O federalismo complicou as coisas e o Coronel Hervé de Weck considera não ser necessário por isso rejeitá-lo, mas sim reformá-lo quanto ás competências da Confederação, dos cantões e das comunas no domínio da ordem pública e da segurança, de modo a disporem de organismos aptos a decidir rapidamente num quadro legal claro. O problema não residiu na colaboração entre as polícias e as forças armadas, como o demonstraram inúmeras conferências internacionais em Genebra e, em tempos, nos aeroportos de Zurique e Cointrin. Na cimeira do G8 o que se mostrou mais grave foi a imperícia do governo de Genebra que, por preconceitos ideológicos, negociou acordos pouco claros com os “alteromundialistas”, dando ordens contraditórias às forças de segurança durante os motins e perturbando-lhes o trabalho.
 
Comenta que, em Outubro, o Presidente se mostrou muito enérgico em palavras contra as manifestações de descontentamento dos seus gendarmes, mas manteve-se silencioso em Junho quando os desordeiros fizeram estragos nas ruas em Genebra.
 
A representante liberal, que não está isenta de críticas, tem, no entanto e na opinião do Autor, a atenuante da falta de apoio colegial dos seus colegas do Conselho de Estado.
 
No cantão de Vaud tudo se passou muito melhor.
 
Já antes uma revista deste último cantão comentava que as honras iriam para a França e os vexames para Genebra e Vaud. E, de facto, não se percebe porque é que as televisões do mundo inteiro transmitiam imagens idílicas de Evian e as únicas imagens sobre a Suíça eram as de Genebra, “entregue aos vadios, aos delinquentes e aos manifestantes aos gritos, sob o olhar impotente de uma autoridade política que tinha perdido o sentido de Estado. (….) pois para lá do efeito de imagem, a todos os títulos desastroso, foi a própria confiança dos cidadãos nas autoridades que foi minada”, como é citado.
 
Outro jornal, Le Temps, também antecipadamente pôs o dedo na ferida sobre outro problema político suíço. Lembra que dantes, os estrangeiros sem audição no seu país, eram pura e simplesmente proibidos de falar em publico na Suiça. E acrescenta que “agora em nome da liberdade de expressão, autorizam-se os mentores gauleses, ávidos de cantar de galo, a explorar as suas diatribes exactamente em nossa casa, em Vevey mais precisamente e diante da sede central da nossa chocolataria nacional (a Nestlé), depois de terem partido a do Mcdonald em Millau, antiga megalópole da pelaria e da luvaria. Não se pode dizer que os mesmos em liberdade provisória, salvo erro, enfiem as mãos nas luvas antes de as utilizar como megafone pessoal, para andar aos bordos, ou quando fugiu do bordel do lado de Lavaux”.
 
Citam-se estas referências pelos factos de os países civilizados da Europa, mesmo na Suíça, que sempre foi, e em boa parte continua a ser, considerada exemplo de ordem e de compostura, tenderam para conceder direito de cidade à violência como forma de defender pontos de vista próprios. Com efeito, como diz o Coronel Hervé de Weck, as notícias e pilhagens que tiveram lugar sobretudo em Genebra são inaceitáveis, qualquer que seja a opinião que se possa ter em relação a uma cimeira como a do G8.
 
Porque a violência e a guerrilha urbana de que foram vítimas os habitantes, as empresas e o comércio de Genebra não têm nada a ver com a violência que os alteromundialistas denunciam por parte dos Chefes de Estado legítimos que se encontraram em Evian. Mais vale que os Grandes falem entre si, do que se ameacem de sanções ou de guerras. Acrescenta não dever esquecer-se a paralisia de que sofre a Suíça e muitas democracias ditas “avançadas”, como acontece por exemplo também em Portugal, impedidas, ou mais ou menos enredadas, de modo a não poderem efectuar as reformas estruturais de que tanto necessitam para ganhar capacidade e embalagem que lhes permitam atenuar as enormes deficiências que empobrecem os países em termos altamente preocupantes.
 
Invocando interpretações, que o Autor com razão considera falaciosas dos direitos fundamentais, a legislação, tal como entre nós, favorece os delin­quentes, os truões, os extremistas, os gatunos e os hooligans em detrimento dos cidadãos honestos. Interroga-se sobre quantos desordeiros foram presos nos motins de Genebra, quantos foram julgados e, sobretudo, quantos serão condenados a penas dissuasoras, inclusive ao pagamento duma parte dos estragos provocados. Refere que, num jogo de futebol na Suiça, hooligans britânicos partiram vitrinas a caminho do estádio e que a reacção das autoridades foi a de encomendar um charter para, no dia seguinte, os enviar para o seu país.
 
Este tipo de problemas mencionados podem ocorrer em variadíssimas circunstâncias, e parece oportuno lembrá-lo com o pormenor que fizemos para nos acautelarmos em Portugal. É indispensável não perder de vista que daqui a poucos meses vai ter lugar o “Euro 2004” que apresenta problemas de segurança, sendo um deles o dos hooligans, que se sabe estarem a tentar adquirir bilhetes por vias encobertas, inclusive através da Internet. Outra semelhança é a do envolvimento de dois países, como aconteceu com a França e a Suíça, e irá acontecer com Portugal e a Espanha, que tem desenvolvido grandes esforços de propaganda turística para atrair aos seus hotéis muitos espectadores facilitando-lhe a vinda para assistirem aos jogos em campos próximos de cidades espanholas fronteiriças. Em virtude disto, as nossas responsabilidades de segurança e o reduzido número de forças internas têm necessidade de organização e coordenação adequadas em ligação e entendimento com as do país vizinho. É também muito importante, parece-nos, ponderar a medida das necessidades de acautelar a legislação de modo a proteger as forças de segurança na eventualidade de terem de actuar repressivamente contra desordeiros ou claques violentas que afectem a ordem pública dentro dos estádios, sobretudo quando decepcionadas por resultados negativos das suas equipas.
 
A necessidade de uma segurança bem estruturada e coordenada, inclusive no campo da cooperação externa quanto a informações, impõe um cunho dissuasor pela eficácia e capacidade, a fim de conseguir que o “Euro 2004” venha a trazer prestígio e vantagens a Portugal, como se deseja e se espera.
 
Paraguai e a importância estratégica das zonas periféricas
 
O Paraguai é um país pobre, longínquo e sem saídas para o mar. Durante muito tempo preocupou pouco os serviços de informações e diplomáticos das grandes potências, apesar de o exercício da autoridade nele ser assaz precária, em consequência da actuação com grande à vontade do contrabando e do crime organizado. Actualmente ali se combinam e misturam crimes interna­cionais, como o da lavagem de dinheiro, contrabando de armas e narcotráfico.
 
Por outro lado, em virtude dos riscos deste tipo de actuações e do fim da guerra-fria, passou-se a dedicar maior atenção a lugares isolados susceptíveis de facilitarem a pirataria e o terror.
 
O coronel William Mendel, do Exército dos Estados Unidos, na edição portuguesa da Military Review, apresenta como exemplo desse tipo de lugares Ciudad del Leste, localizada na fronteira do seu país, Paraguai, com o Brasil e a Argentina, qualificando-a de antro de criminalidade de baixa tecnologia e refúgio para lavagem de dinheiro, acrescidamente preocupante por ser na maior parte proveniente do Médio Oriente. A pequena cidade de 250 000 habitantes tornou-se um centro de comércio internacional, onde narcotraficantes e banqueiros actuam à margem da lei, ameaçando a soberania e segurança dos países democráticos e dos seus cidadãos, incluindo os Estados Unidos e toda aquela região.
 
As ilegalidades em Ciudad del Leste são favorecidas pelo ambiente agitado em todo o Paraguai, de que resultaram três tentativas de golpe de Estado nos últimos anos. Devido ao país pertencer ao Mercosul, as suas fronteiras com o Brasil, Argentina e Uruguai são abertas e, por isso, 70% dos carros que circulam na zona encontram-se ilegalmente, muitos deles roubados e trocados por droga naquela cidade, com destino à Europa e aos Estados Unidos.
 
Dada a facilidade de acesso, de que agora desfruta, para Buenos Aires, Montevideu e o Atlântico através do Rio Paraná, a sua economia cresceu, tanto mais que o Brasil criou em Paranaguá um porto livre, por construir a Ponte da Amizade entre Ciudad del Leste e a foz do Paraguaçu, calculando-se em 40 000 as pessoas que atravessam diariamente essa ponte. Daí, o crescimento na ordem dos 50% da população, na maioria pobre, de Ciudad del Leste e do Estado do Alto Paraná. A cidade Foz do Iguaçu, do outro lado da ponte, vive do turismo e proporciona áreas residenciais seguras para os estrangeiros que procuram a Ciudad del Leste. Na Argentina associa-se a este quadro a cidade, bastante mais pequena, de Porto Iguaçu, que contacta com Ciudad del Leste através da ponte sobre o Rio Iguaçu. Nas duas primeiras cidades calcula-se que a população árabe é de cerca de 3 000 pessoas, para alem dos ilegais não contabilizados.
 
Dada a falta de controlo governamental em Ciudad del Leste, esta tornou-se o lugar preferido dos contrabandistas, nomeadamente de armas, e dos que pretendem fazer lavagem de dinheiro, e é através de Foz do Iguaçu que saem as drogas para a Europa, em especial a cocaína e a marijuana, embarcadas no Porto de Paranaguá, na costa atlântica. O dinheiro para investir, de que resultam grandes e rápidos lucros, vem do Médio Oriente.
 
Para controlar o comércio e a numerosa população em trânsito, os três países constituíram um “Comando tripartido da tríplice fronteira”, com uma agência de polícia dos três países, accionando elevado número de efectivos policiais em cada país. Mesmo assim, os resultados não foram expressivos, pois os contrabandistas passaram a usar rotas terrestres no Brasil ou a actuar da cidade argentina de Posadas, a cerca de 300 km ao sul da zona da tripla fronteira. Na Argentina, na zona da província de Missões, os resultados foram melhores devido às condições do terreno penhascoso e por a selva com bosques e pântanos dificultarem as marchas dos contrabandistas. Ciudad del Leste tornou-se, em virtude dessa falta de controlo, numa zona de actuação preferencial de actividades criminosas e terroristas.
 
No ano de 2000 a Interpol prendeu ali um empresário paraguaio alegadamente comprometido no atentado à bomba do centro comunitário “Patterns of Global Terrorism 2000”, o qual relatou que, poucos meses antes, por ali passara um empresário libanês que veio a ser preso por colaboração com uma empresa que distribuía discos compactos com propaganda extremista da Hezbolah e conseguiu evadir-se e fugir do Paraguai antes de ser julgado. Pouco depois, foi preso um palestiniano por ameaçar atacar à bomba as Embaixadas dos Estados Unidos e de Israel em Assunção. Em Foz do Iguaçu houve uma denúncia de que ele enviava dinheiro à Hezbolah, mas as autoridades brasileiras não o prenderam.
 
Empresários árabes enviam desta área grandes somas de dinheiro e artigos importados que entram ilegalmente no Paraguai, não sendo possível, ou sendo muito difícil, que se comprove a ajuda financeira aos grupos terroristas árabes. A polícia tem a convicção de haver ajuda financeira de membros da comunidade árabe ao terrorismo radical, tanto mais que o dinheiro que sai para o estrangeiro, por contrabando ou lavagem, excede muito a circulação financeira legal.
 
Uma conclusão a retirar desde já é a de que a corrupção, que hoje cresce a ritmo galopante, é uma das causas mais favoráveis do incremento do terrorismo internacional. A venda de armas legal ou de contrabando, fonte de receita importante para os países desenvolvidos é uma espécie de corda fabricada por eles para serem enforcados. Combater a corrupção é uma das mais importantes vias para agir contra o terrorismo. Mas, como a moral está fora de moda e os que a invocam são ridicularizados, alertar para isto muitos dos influentes deste mundo é como Santo António estar a pregar aos peixinhos.
 
Voltando ao assunto em questão o Departamento de Estado dos Estados Unidos adverte que em Ciudad del Este e na zona da Tríplice Fronteira actuam indivíduos e organizações com ligações a grupos extremistas. O Instituto Brasileiro de Ciências da Criminologia vai mais longe, afirma que Ossama ben Laden tentou estabelecer uma célula da Al-Qaeda perto de Ciudad del Leste, sob a cobertura dos árabes, embora tal não se consiga provar. Através dela, outros grupos islâmicos financiam as actividades terroristas pelo mundo fora.
 
Com alguns resultados, dez países membros do Comité Interamericano contra o Terrorismo da Organização de Estados Americanos participaram em exercícios na referida área e treinam a polícia antiterrorista e os militares do Paraguai para actuarem contra os suspeitos de envolvimento no financia­mento do terrorismo islâmico. Em consequência de tais medidas alguns resultados se verificaram, como a prisão de dezasseis suspeitos de terrorismo do Líbano, da Palestina e do Brasil. Um pouco mais tarde, dois libaneses foram presos por suspeitas de pertencerem ao Hezbolah, por pirataria comercial e posse de documentos falsos, entre os quais, passaportes obtidos no consulado paraguaio no Panamá, e por financiarem grupos terroristas enviando 50 000 dólares por mês para a Hezbolah e outras organizações terroristas.
 
Do lado brasileiro, um grupo fazia negócios telefónicos clandestinos, mediante a identificação de uma conta de chamadas, sob nome falso, para o Paquistão, Egipto, Sudão, Arábia Saudita e Estados Unidos, a qual se elevava a 30 000 dólares, relativa aos meses de Junho, Julho e Agosto precedendo o 11 de Setembro de 2001. Nos princípios deste último mês fugiram.
 
Pensa o Coronel William Mendel que a melhor defesa contra o terrorismo é atacá-lo e, sendo assim, a zona da Tríplice Fronteira de Ciudad del Este será um dos alvos a visar, o que nos parece lógico.
 
Francis Taylor, ao tempo coordenador da luta contra o terrorismo do Departamento de Estado americano, numa reunião do Comité Interamericano contra o Terrorismo da Organização dos Estados Americanos (OEA) anunciou que se iriam atacar os grupos terroristas da Tríplice Fronteira e em Ciudad del Este, com prioridade, bem como os da Colômbia, outro centro de maior vulnerabilidade de que também iremos tratar.
 
Após o 11 de Setembro, as acções prioritárias passaram porém, a ser o Sudoeste Asiático e o Médio Oriente, embora os Estados Unidos tenham proclamado ser sua intenção alargá-las ao resto do mundo, incluindo muitas zonas até então ignoradas, como as que temos referido, pois os técnicos de segurança do terrorismo passaram a atribuir muito maior importância às zonas periféricas e aos perigos que delas podem advir, como centros de gravidade da nova ameaça.
 
Os interesses dos países regionais ganharam um peso acrescido muito grande, por serem os mais imediatamente envolvidos. Foi o caso do Paquistão, aliado dos Estados Unidos, aquando dos incidentes com os talibãs no Afeganistão, que viu, no entanto, a sua segurança e estabilidade afectados negativamente.
 
Apesar das diferenças sensíveis quanto ao estilo de governo e ao grau de criminalidade, os países do Cone Sul também são muito afectados pela situação exposta acerca do Paraguai. Por isso, a estratégia dos Estados Unidos deve também inclui-los, sobretudo com vista a obter informações, e ripostar de modo mais efectivo no campo legal e militar, em especial, no caso de o Governo do Paraguai não dispor de capacidade de resposta adequada.
 
Verificamos assim quanto o novo tipo de guerra, como em parte nos alertou Samuel Huntington no seu “Choque de Civilizações”, se alterou em relação à guerra clássica, ao debatermo-nos hoje com gravíssimos riscos devido a isso. A tecnologia militar sofisticadíssima dos Estados Unidos, após se ter considerado impotente para explorar o sucesso na Guerra do Golfo, apesar de uma esmagadora e relativamente rápida vitória militar clássica, não retirou daí ilações suficientes, e eles vêem-se de novo e com maior gravidade envoltos, após uma vitória militar retumbante no Iraque, numa acção pacificadora dificílima e susceptível de se transformar num foco infeccioso, não apenas local, mas expandido em dimensões imprevisíveis de alto grau.
 
Terrorismo na Colômbia
 
A Colômbia é também um dos países mais perigosos e violentos do mundo. Nele se constituíram grupos actuando fora da lei. Os dois mais importantes são o Exército de Libertação Nacional (ELN) e, maior do que ele, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).
 
O Presidente da Venezuela, Hugo Chávez afirmou, em discurso ao Congresso do seu país, que eles não podiam ser considerados terroristas, pois, nesse caso, não se deveria falar com eles, já que com o terrorismo não se fala, combate-se apenas. Ora, o Governo colombiano havia negociado com eles, portanto, esses dois movimentos não o eram. Mais pessoas pensaram de modo idêntico.
 
Em contrapartida, a revista “Semana”, depois dos ataques às torres do “World Trade Center”, efectuou algumas considerações aprofundando o significado dos acontecimentos em relação à Colômbia.
 
O Presidente Bush, por seu turno, fez um ultimato depois do 11 de Setembro de 2001, prometendo castigo, não só aos terroristas, mas também a quem os protegesse. A “Semana” concluía que se tornava necessário que os Estados Unidos definissem o significado do termo protecção.
 
O Tenente-Coronel Geoffrey, do Exército dos Estados Unidos, na “Military Review”, refere que nos finais de 1998 o Governo da Colômbia, estabelecera negociações com as FARC e ELN, por esses grupos cometeram anualmente milhares de sequestros e centenas de assassinatos, extorsões e ataques à bomba. Tal com os terroristas eles operavam pela crueldade para criar o medo, tendo como objectivo a obtenção do poder.
 
Numa entrevista dada ao jornal “Patria Roja”, órgão do PC peruano, o comandante das FARC afirmava serem estas marxistas-leninistas e sustentadas pelo pensamento bolivariano da luta pelo poder e do não reconhecimento do Estado, adoptando as negociações com o Governo como via para a tomada do poder.
 
O Governo do Presidente Pastrana adoptou como solução ceder às FARC um pedaço de terreno do tamanho da Suiça, denominado de “despeje”, isto é, onde não havia forças armadas nem controlo. Em volta dele, haveria uma faixa de 10 km, espécie de terra de ninguém, como garantia de protecção das FARC, exigida por elas para começo das negociações de paz. Durante dois anos não cederam nada e, explorando a concessão, reforçaram as suas forças militares e ocuparam novas zonas no exterior, assegurando a vantagem de obterem linhas de comunicação com o Equador e o Peru, além de no seu interior desenvolverem a preparação das tropas e fabricarem bombas e minas.
 
Ao ELN acabou por ser concedida também uma zona de “despeje”, possuindo grandes plantações de coca e ricas instalações petrolíferas. Isto causou espanto, e o Presidente viu-se obrigado a explicar que o ELN, desta maneira, aceitava negociar a paz e, no caso contrário, iniciaria a guerra e possuía meios para a fazer causando grandes danos ao país. A cultura da droga foi então incrementada e o Plano Colômbia continuou apoiado pelos Estados Unidos para erradicar a ameaça.
 
Como o Presidente afirmava que as FARC não eram uma organização de narcotráfico, a própria agência americana “Drug Enforcment Agency” (DEA) foi aceitando essa ideia igualmente. Mas, após o 11 de Setembro, a luta contra o terrorismo passou a ser prioritária para os Estados Unidos em relação ao narcotráfico, pelo que aceitaram intervir contra estas organizações, até porque poucos dias antes do atentado foram capturados três elementos do IRA que treinavam as FARC. Estas, enquanto exprimiam publicamente a sua simpatia pelas vítimas do atentado, foram desmascaradas pelas forças de segurança ao obterem declarações de um seu chefe de elevado escalão de que combateria os americanos, onde quer que eles se encontrassem e até chegarem ao seu território, para vingar a dor que eles causaram a outros.
 
Este caso do “despeje” ainda se torna mais curioso porque surgiu mais outra organização terrorista, acrescentada à lista do Departamento de Estado. As Autodefesas Unidas de Colômbia (AUC), cuja finalidade expressa seria a de eliminar as FARC e o ELNA, mas quase de imediato passou a violar os direitos humanos e a envolver-se no narcotráfico. As FARC exigiram então que as AUC, consideradas de direita, fossem incluídas na lista das organizações terroristas do Departamento de Estado, tal como as consideradas de esquerda. Põe-se assim a questão para os Estados Unidos de saber como apoiar um governo aliado de modo que uma grande extensão do seu território deixe de ser refúgio dos fora da lei e campo de treinos para actos de extrema violência, quando esse governo está convencido de que, se não lhes concederem tais territórios, os terroristas cometerão actos de violência que afectarão forte­mente o país.
 
O maior paradoxo, aliás bem próprio do terrorismo, de que não pode abstrair-se, é que não foi possível aos próprios Estados Unidos fazer aceitar ao Governo de um país aliado de 40 milhões de habitantes, amedrontado, que impedisse o emprego da força militar contra um pequeno exército de terroristas e ilegais. Há quem entenda tratar-se muito mais de problemas políticos, culturais e sociais devido às desigualdades económicas, e injustiças politicas e atrasos culturais, que a experiência tem mostrado abundantemente não serem solucionáveis de modo simplista pela força das armas. Dessa orientação têm resultado inúmeras vantagens para a subversão na Colômbia, tais como linhas interiores de actuação, segurança da sua retaguarda, linhas de comunicação e bases de recursos financeiros protegidos, áreas de organização e treino e acesso a corredores estratégicos. Pode porém concluir-se que, só em parte são tais falhas sociais que alimentam as causas ocultas do desentendimento popular, por se tratar de objectivos militares e, embora o ELN se oponha à classe alta, a realidade colombiana é de facto motivada por intenções e motivações de pessoas belicosas.
 
Se acrescentarmos a estes muitos outros casos na América do Sul, onde existem espécies de zonas de “despeje”, como nas favelas do Rio de Janeiro, ou nos ranchos em Caracas, onde a polícia não consegue sequer entrar, então temos de concluir que os Estados Unidos têm razão, e sabem do que falam, porque também apoiaram e armaram terroristas em muitos casos na condução da sua politica externa.
 
Em consequência dois factos são inquestionáveis: só eles dispõem de recursos, designadamente militares e financeiros, para conter o terrorismo na América do Sul e, como ele está ligado ao dos outros continentes e possui carácter global, não poupará a Europa, onde já existem vários focos bem estruturados. Não faz, por isso, o mínimo sentido, a nosso ver, que nela haja quem os queira hostilizar e deixar de aliar-se com eles numa luta que é global e na qual emergem actualmente, com nitidez e acelerado ritmo povos de outras civilizações, como a China e a Índia, por exemplo, que ameaçam com evidente risco a globalidade ocidental, ao suprirem pelo terrorismo a diferença da sua tecnologia e se nortearem por valores diferentes, enquanto o Ocidente se alheia dos seus, embora os invoque sem nexo e muitas vezes apenas da boca para fora.
 
___________
 
*      Coronel de Artilharia e do Antigo Corpo de Estado-Maior. Sócio Efectivo da Revista Militar, de que foi Secretário (1976) e Director-Gerente (1977-1995).
 
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