Nº 2449/2450 - Fevereiro/Março de 2006
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
EDITORIAL - O Comandante Supremo das Forças Armadas
General
Gabriel Augusto do Espírito Santo
A Constituição Portuguesa, ao tratar da Organização do Poder Político (Parte III), diz, no seu Artigo 120º, que “O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas”. Ideia reforçada no Artigo 134º, quando na enumeração de Competência para a prática de actos próprios do Presidente da República se expressa “Exercer as funções de Comandante Supremo das Forças Armadas”.
 
Quais serão essas funções do Comandante Supremo das Forças Armadas? Eis uma resposta que na opinião da Revista Militar ainda falta esclarecer ao fim de quase trinta anos de regime constitucional democrático. Ideia que sai reforçada do recente debate político a que a Nação assistiu, durante a campanha eleitoral para Presidente da República, em que várias opiniões foram expressas sobre as competências do Alto Magistrado a eleger, nenhuma abordando as competências do Comandante Supremo das Forças Armadas. Não estranhamos nem ficamos surpreendidos, conhecendo intervenientes desde os tempos em que de facto se procurava a Democracia e recordando comportamentos e atitudes, com adulações e traições.
 
O conteúdo vago do texto constitucional nesta matéria, revisto em 1982, alterando uma redacção que dizia que o Presidente da República “exerce o cargo de Comandante Supremo das Forças Armadas” para dizer “que exerce as funções de Comandante Supremo…” teve uma preocupação legítima subjacente que foi o de, por um lado, contribuir para a subordinação das Forças Armadas ao poder político e, por outro lado, para acentuar o pendor parlamentar do sistema semipresidencial.
 
A discussão e aprovação da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei nº 29/82, de 11 de Dezembro), procurou explicitar essas funções, dando conteúdo à expressão Comandante Supremo das Forças Armadas «a que alguns pretendem atribuir um grande conteúdo e outros nenhum…». O Artigo 39º da Lei definiu, não funções, mas direitos e deveres compreendidos nessas funções e a Revisão Constitucional desse ano - procurando, talvez, moderar a vertente parlamentar do regime e encontrar um justo equilíbrio com as funções de um Presidente da República eleito por sufrágio directo - acrescentou ao texto da Constituição o Conselho Superior de Defesa Nacional (Artigo 274º), presidido pelo Presidente da República, que «… é o órgão específico de consulta para os assuntos relativos à defesa nacional e à organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas,…». A mesma Revisão acrescentou às Competências do Presidente da República, quanto a outros órgãos, o presidir ao Conselho Superior de Defesa Nacional e nomear e exonerar, sob proposta do Governo, os Chefes Militares.
 
Reconhecemos que o exercício das funções de Comandante Supremo das Forças Armadas no sistema constitucional português merece alguma medi­tação, senso e aprendizagem. A Constituição ao atribuir essas funções ao Presidente da República, na observância da subordinação das Forças Armadas ao poder político, não esqueceu a importância passada, presente e futura da Instituição Militar na Nação, que ultrapassa a simples e natural inserção na administração geral do Estado.
 
Sua Excelência o Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, a quem a Revista Militar saúda no termo do seu segundo mandato, despedindo-se das Forças Armadas na Academia Militar, a 2 de Março p.p., referiu que “no exercício das minhas funções, garanti que o Conselho Superior de Defesa Nacional pudesse ter uma intervenção efectiva na definição das missões externas e no seu acompanhamento regular…”. Foi um facto, e creio que todos os Chefes Militares que exerceram funções nos seus mandatos são testemunhas do seu permanente interesse e acompanhamento dessas missões. Além do mais tratava-se da legitimação política da utilização da força militar em apoio das acções do Estado e para a qual a nossa Constituição, mantendo visões maniqueístas de paz ou guerra não ajustadas ao actual sistema de relações internacionais e ao conceito de crise, tem tardado em encontrar resposta.
 
Mas mais do que esses aspectos do emprego da força há questões da Instituição Militar, no actual contexto das sociedades, a que não escapa a sociedade nacional e até com aspectos muito peculiares, que merecem a atenção de um Comandante Supremo das Forças Armadas. Vivemos tempos de mudança, quer nos paradigmas de defesa, quer nos instrumentos que a devem materializar, que ultrapassam a discussão de equipamentos, em mudanças tão rápidas que se hoje são modernos amanhã serão obsoletos. O novo espectro dos conflitos, nas suas fases distintas de prevenção, resolução e reconstrução das sociedades afectadas, foge ao pensamento militar tradicional e a denominada modernização das Forças Armadas não pode limitar-se a mudar legislação, organizações, equipamentos ou dispositivos. Temos de pensar como Nação que Instituição Militar queremos manter, com que homens e mulheres e quais os novos compromissos que devem assumir. O Juramento de Bandeira? Como reconhecer aqueles que assumem o compromisso da Condição Militar? Que códigos éticos e de disciplina devem aceitar? Como legitimar o Comando e a sua única e não repartida responsabilidade para fazer cumprir missões aos seus subordinados e zelar pelas suas condições e aspirações?
 
Mais do que aspectos conjunturais das Forças Armadas, o seu Comandante Supremo deverá estar atento à Instituição Militar e à sua ligação com a Nação. Por um lado, para influenciar que o relacionamento do poder político com os militares, segundo os conceitos de Galbraith, deixe de ser caracterizado por uma insólita indefinição das Forças Armadas como Instituição da Nação, reconhecida como herança do passado, realidade do presente e afirmação do futuro. Por outro, para fazer com que a Nação reconheça e utilize a actual excelência das suas Forças Armadas, servidas por profissionais com formação e preparação, em vários domínios, que ultrapassam padrões internacionais de referência e que não têm sido utilizados, mas sim rejeitados, para contribuírem para o saber e desenvolvimento da comunidade.
 
Quando for publicado o presente número da nossa Revista, a Nação Portuguesa terá novo Comandante Supremo das Forças Armadas. A Revista Militar, com o passado histórico de quase 160 anos de publicação contínua sempre dedicado a pensar na Instituição Militar, saúda Sua Exce­lência o Senhor Presidente da República, Professor Doutor Aníbal António Cavaco Silva.
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General

Gabriel Augusto do Espírito Santo

Nasceu em Bragança em 8 de Outubro de 1935.

É General do Exército, na situação de Reforma desde o ano 2000, depois de ter servido nas Forças Armadas Portuguesas durante 49 anos.

Além de Tirocínios e Estágios na sua Arma de origem possui os Cursos da Escola do Exército (Artilharia), Curso Complementar de Estado-Maior e Curso Superior de Comando e Direcção (Instituto de Altos Estudos Militares), Curso de Comando e Estado-Maior (Brasil) e o Curso do Colégio de Defesa Nato (Roma).

Falecido em 17 de outubro de 2014.

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by CMG Armando Dias Correia