Nº 2523 - Abril de 2012
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
EDITORIAL
General
José Luiz Pinto Ramalho
Após a elaboração das Bases para o Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN) pelo IDN e da sua divulgação por algumas entidades, no todo ou em parte, foi já objecto de tratamento pela Comunicação Social, sendo assim possível, desde já, abordar algumas considerações sobre aquilo que é conhecido do referido documento.
 
A primeira grande questão prende-se com a Missão das Forças Armadas. É, no mínimo, surpreendente que se coloque ênfase excessivo (particular prioridade) nas designadas “Outras Missões de Interesse Público”, aquelas que têm a ver com o apoio às populações, proteção do ambiente e com a investigação e o desenvolvimento.
 
Sem, naturalmente, pôr estas missões em causa, que têm um carácter constitucional, importa não perder de vista a sua hierarquia na nossa Lei Fundamental - Defesa Militar da Pátria, Satisfação dos Compromissos Internacionais e Apoio à Política Externa, Apoio a Nacionais em situações internacionais de crise, Participação no reforço da Segurança Interna, e, por fim, as Outras Missões de Interesse Público.
 
No futuro CESDN, a segurança tem de surgir como um conceito amplo que se atinge pela actuação sistémica de três instrumentos fundamentais: as Forças Armadas a quem cabe a defesa militar, as Forças de Segurança Interna, responsáveis pelas ações de polícia e de segurança interna e os Agentes de Protecção e Socorro às populações, onde se inserem a Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), os Bombeiros, etc.. Este resultado sinérgico beneficia da capacidade dual das Forças Armadas, das capacidades que só ali existem e que não faz sentido duplicar e da sua acção supletiva, em situações em que as polícias e os agentes de protecção e de socorro são insuficientes, quer perante a ameaça, quer pela dimensão da anormalidade grave que tenha ocorrido.
 
Inverter esta prioridade constitucional ou privilegiar a acção das Forças Armadas nas áreas de polícia e de proteção e socorro é uma opção mais cara e menos eficaz e, na prática, o reconhecimento da incapacidade da administração e das polícias e agentes de proteção e socorro, inclusive da ANPC, para cumprirem a missão que lhes está atribuída; para além disso, esta opção pode comprometer a verdadeira missão das Forças Armadas.
 
Por outro lado, parece haver nisso alguma contradição com o que as Bases do CESDN referem relativamente às Forças Armadas, considerando-as como indispensáveis para a afirmação do estatuto de Portugal, como produtor de segurança internacional e como vetor fundamental para apoiar a política externa, estabelecendo ainda prioridades para a aplicação do instrumento militar, designadamente, na defesa cooperativa da paz e da segurança das regiões europeia e euro-atlântica, em conjunto com os nossos aliados, no combate ao terrorismo e a outras ameaças directas à região euro-atlântica, na proteção das comunidades portuguesas em risco no estrangeiro, na cooperação no domínio da segurança e defesa com os países da CPLP e, sempre que possível, corresponder ainda aos apelos da ONU.
 
Também não parece possível e prudente justificar a reforma de infra-estruturas, de sistemas de armas e o reequipamento, com o argumento de conceitos não explicitados, designadamente as referências à “smart defense” e ao “pooling and sharing”, sem se dizer qual é o nível de participação nacional nos mesmos e aquilo que se pretende preservar em termos nacionais. Esquecer a missão principal das Forças Armadas pode levar, perversamente, a que a “defense intelligent” seja sinónimo de desarticulação de capacidades e o “pooling and sharing” a convicção optimista de que o país poderá ir buscar o que não tem e de que necessita, eventualmente em momento difícil, que existirá disponibilidade e garantia para o seu fornecimento.
 
Parece haver a ideia de que a participação naquilo que são opções estratégicas, se faz sem custos, sem cooperação ativa nas lacunas identificadas a nível da Aliança ou da União Europeia e que as nossas necessidades estratégicas, em momentos cruciais para o país e eventualmente para a soberania, estarão asseguradas sem quaisquer limitações.
 
Também as repetidas considerações relativas às vantagens de uma especialização nacional, como forma de gerar economias, apresentando como exemplo a Republica Checa, revela desconhecimento da realidade estratégica daquela opção, que foi tomada no seio da Aliança, a afirmação de excelência no domínio do NBQ, mas que não dispensa, em termos nacionais, uma componente terrestre equilibrada, constituída por três brigadas, com forças de manobra mecanizadas e blindadas, com apoio de fogos, apoio de combate e apoio de serviços.
 
Manda a prudência que a especialização não seja procurada em termos nacionais, porque isso corresponde a abdicar de capacidades e tornar evidentes vulnerabilidades, mas sim, procurar essa especialização em nichos de excelência, que se colocam, em termos políticos e militares, quando conveniente, à disposição das grandes formações multinacionais.
 
Uma referência também às considerações feitas no documento sobre a adaptação e racionalização de infra-estruturas e do dispositivo (concentração), afirmando que a mesma deve decorrer de um conceito vago - a inter-relação com o Sistema de Forças - e de outro, esse bem objectivo, que é necessário encontrar património excedentário e a consequente tomada de mais-valias, leia-se, alienação de prédios militares.
 
Esta opção estratégica entre concentração ou dispersão, carece de uma análise muito criteriosa, com uma definição de modalidades de ação que têm, naturalmente, vantagens e inconvenientes, mas que constituem uma efectiva escolha do País, relativamente ao tipo de Forças Armadas que pretende ter, à sua inserção na sociedade e que riscos de âmbito político, estratégico e social, em termos nacionais, está disposto a assumir.
 
A fórmula da concentração apresenta como grande vantagem, o agrupamento das Grandes Unidades, necessário ao seu emprego operacional, dispensando deslocamentos para zonas de reunião, facilita o exercício e as relações de comando, e a execução de exercícios se, nessa área de concentração, existirem terrenos com dimensões e condições para o treino, evitam ainda o seu encaixe em zonas urbanas, que o natural alargamento/desenvolvimento vai acabando por envolver e, também, fruto de um menor número de instalações, exige menores investimentos para a manutenção e conservação e menores recursos em pessoal.
Como inconvenientes daquela opção e que se traduzem em vantagens para uma dispersão racional e sustentável, isola os militares da população do país, fazendo-os viver em “ghetos”, dificultando a vida da Família Militar, pela inexistência de escolas, universidades, etc., obrigando à separação dos agregados familiares (a questão do emprego/rendimento familiar) cria a necessidade de múltiplos transportes, caso essas infra-estruturas, mesmo que a 10 ou a 15 km de distância de centros urbanos, não sejam servidas pela rede de transportes públicos; obriga à construção de infra-estruturas volumosas e caras, para o bem-estar do pessoal e lazer, incluindo residências, que podem ser encontradas nos centros urbanos; dificulta a existência de voluntários para servir nestas condições e não funciona como elemento de atracção a nível nacional; numa perspetiva operacional e face aos meios actuais, apresenta-se mais vulnerável ao terrorismo e ao eventual emprego hostil de armas de destruição maciça, por facilitar a neutralização de capacidades militares significativas, não tendo o antagonista sequer que correr os riscos de ponderar os efeitos políticos, psicológicos e a opinião pública internacionais, por ausência de danos colaterais.
 
Uma adequada dispersão apresenta como vantagens o facilitar dos laços Forças Armadas-Nação, que é aquilo que as torna verdadeiramente nacionais, constituindo-se as unidades como pólos de atração de voluntários e agentes do espírito de defesa, o qual, no mundo moderno, tem tendência a diminuir; pela presença em todo o Território Nacional torna-se mais visível o factor dissuasor das Forças Armadas, facilita o crescimento do Sistema de Forças Nacional, por convocação e mobilização e facilita a integração do dispositivo territorial da GNR; pela proximidade física e natural perceção dos problemas, facilita o emprego das Forças Armadas nas missões de Interesse Público, em apoio das Autarquias e na resolução das necessidades básicas das populações; permite ainda diminuir custos financeiros com subsídios de deslocamento e de residência, (encargos verificados na Brigada Mecanizada, fruto da concentração de efectivos em Santa Margarida) e cria ainda, maiores oportunidades aos militares para o apoio às famílias, fora dos períodos normais de serviço.
 
Em qualquer das opções, continua a ser necessária a existência de uma série de Unidades, Estabelecimentos e Órgãos que sendo estranhos às grandes formações militares, são essenciais para a Administração e Logística e que carecem de uma Cadeia de Comando que garanta a sua direção, para além de uma estrutura territorial, que assegure a manutenção das infra-estruturas e funcionamento dos Serviços, quando as Grandes Unidades Operacionais forem empregues ou destacadas para fora do território nacional.
 
As soluções equilibradas e não radicais, tendem a minimizar inconvenientes e potenciar as vantagens, pelo que anunciar intenções irrealistas, prazos sem consistência e fundamento, só introduzem descrédito no processo e desconfiança entre as instituições. O processo da reforma da saúde é um bom exemplo e a demonstração inequívoca desse ambiente; escolher uma localização, para o futuro Hospital das Forças Armadas, onde não cabem as valências hospitalares actualmente existentes, estabelecer um prazo que a única relação que pode ter, é com um calendário político, que ignora necessidades de construção de infra-estruturas e respectivos prazos, assim como custos e fontes de financiamento, não é o melhor processo par criar boas expectativas e conduzir a boas soluções.
Uma última palavra, para alertar o CESDN para a necessidade de assegurar algumas das responsabilidades, do agora extinto Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência (CNPCE), no passado inserido na Presidência do Conselho de Ministros (PCM) e sob a autoridade delegada do MDN, relativamente, quer à articulação das componentes militares e civis no âmbito da Defesa Nacional, quer à necessária coordenação interministerial. A integração, por fusão, das atribuições daquele Conselho, na ANPC, sob tutela do MAI, deixa a interrogação acerca de como essa coordenação interministerial se fará, assim como a representação nacional, a nível da OTAN e da UE, se efetivará.
 
Fica assim a expectativa se teremos, no futuro, um órgão de execução do MAI, responsável pela coordenação das capacidades de defesa nacional, militares e civis, numa situação de crise ou emergência, designadamente no âmbito do Civil Emergency Planning Commitee (CEPC/NATO), cuja presidência cabe ao próprio Secretário-Geral nas sessões plenárias e cuja finalidade é garantir o apoio civil às operações militares da Aliança, incluindo a cyber ameaça e “missile defense”; uma outra questão, tem a ver com a coordenação interministerial, prevista no Artº 1 do DL 126-A/2011, de 29 de dezembro se, no caso da Segurança e Defesa, será executada pelo MAI, à margem do MDN e das Forças Armadas, como aliás parece estar a acontecer, desde a aprovação e entrada em vigor do referido decreto.
 
 
*      Presidente da Direção da Revista Militar.
 
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2012-06-11
313-317
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General

José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

REVISTA MILITAR @ 2024
by CMG Armando Dias Correia