Nº 2519 - Dezembro de 2011
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
EDITORIAL - Um Debate que Deve Ser Iniciado
General
Gabriel Augusto do Espírito Santo
Um Debate que Deve Ser Iniciado
 
Numa sociedade em profunda mudança como aconteceu noutras épocas da História, as interrogações sobre onde nos conduzirá a mudança e que caminhos serão os mais ajustados para percorrer este tempo de incertezas merece reflexão. No denominado mundo ocidental, que durante séculos ditou leis e regras a outras partes do mundo, tenta defender-se um estilo de vida que tem sido suportado por recursos fictícios e agora os ricos pedem dinheiro aos pobres e fazem protestos de indignação para manter esse estilo de vida. Os clássicos factores produtivos de terra, capital, trabalho e inovação tecnológica encontram-se desajustados no seu equilíbrio e será preciso imaginação para não se continuar a recorrer a modelos do passado para encontrar novos equilíbrios.
 
O “Estado herói” e as suas instituições também se encontram em mudança, tentando ajustar-se a novos conceitos de soberania na ordem externa e a novos ordenamentos jurídicos que satisfaçam os cidadãos. Uma das instituições que está em discussão, e será aceleradamente discutida em futuro próximo, é a Instituição Militar. Há vozes crescentes que questionam a sua exclusividade na produção de força militar, a condição militar e o seu sistema enquadrante, como o comando e a disciplina e os seus sistemas diferenciados de ensino, de saúde e de retribuições. Os modelos de prestação de serviço militar vão-se alterando, as missões da força militar procuram justificação na utilidade de serviço público e os orçamentos para produzir e manter força militar vão-se deteriorando.
 
No seu discurso numa sede da Instituição Militar, no Instituto de Estudos Superiores Militares, no dia 23 de Novembro, o Primeiro-ministro de Portugal expressou a sua visão política sobre as Forças Armadas:
 
“As nossas Forças Armadas foram, são e serão um elemento agregador da nossa vontade colectiva. Representam inquestionavelmente um pilar fundamental da afirmação da nossa soberania, da nossa independência e da nossa identidade…
 
… Por fim, precisamos de umas Forças Armadas ágeis no uso dos seus recursos humanos e eficientes na aplicação dos seus recursos materiais em todas as actividades, segundo uma lógica de não duplicação dos meios do Estado, e sem perder de vista a disciplina orçamental que, nos nossos dias e em virtude da grave situação que o País atravessa, é pedida a todas as esferas da sociedade portuguesa…
 
A reforma e reestruturação das Forças Armadas também apontam para uma estrutura de comando mais reduzida e mais eficiente.
 
Apontam para a clarificação, num contexto de graves restrições financeiras do Estado e da economia, de quais são os meios e equipamentos militares essenciais, e recomenda a desactivação de tudo aquilo que for acessório e dispensável.
 
Apontam para o fortalecimento da componente operacional e para a atribuição de efectivos poderes ao general CEMGFA para o seu exercício.
 
Apontam para a coordenação e exploração das sinergias entre o MDN, o EMGFA e os Ramos.
 
Apontam para a partilha de tudo o que é, e deve ser, comum, e para a eliminação das duplicações desnecessárias ou eventuais disfunções de sistema.
 
Apontam para a promoção do reagrupamento geográfico de unidades e comandos.
 
Apontam para o aperfeiçoamento da prontidão, da capacidade de projecção e da sustentação das capacidades dos meios e dos equipamentos.”
 
Das palavras do Senhor Primeiro-ministro adivinham-se mais reorganizações nas Forças Armadas, por força da conjuntura, que colidem com a sua visão do que a Instituição Militar, e as Forças Armadas que gera, representam para a Nação.
 
Pensamos ter chegado o tempo, em Portugal, para uma profunda reflexão sobre a Instituição Militar na Nação, que saia das continuadas reorganizações e adaptações, procurando esconder-se o grande problema de fundo que compete aos portugueses discutirem, na sede do poder que os representa que é a Assembleia da República. Debate que poderá ser preparado pela Universidade com o apoio do saber feito na Instituição Militar.
 
Começando pelo princípio convirá perguntar se a Nação portuguesa necessita de força militar para assegurar a sua soberania e se a missão constitucional das Forças Armadas (a defesa militar da República, art.º 275º da Constituição da República), entendendo-a na sua ambiguidade como a defesa do espaço nacional, da sua população e do interesse nacional, continua a ter sentido ou é só uma figura de retórica. Isto porque o actual modelo das Forças Armadas de Portugal, em recursos humanos e equipamentos, mesmo inseridas num contexto de defesa colectiva, pouco podem assegurar para essa defesa. Duvidamos mesmo que num contexto de conflito regional ou global assegurem a função de “cordão de tropeçar” para que outros mecanismos de defesa funcionem. Para não falar de responsabilidades próprias e em tempo para assegurarem as capacidades militares necessárias a uma defesa que a repartição do espaço nacional requer.
 
Respondida a esta questão poderemos parar ou prosseguir. Se progredirmos, convirá ir formulando questões sucessivas. Deverão as Forças Armadas continuar a ser uma Instituição, com uma autonomia própria nos seus elementos estruturantes, onde sobressaem o comando e a disciplina próprias e os sistemas funcionais que daí derivam, e que devem responder no seu emprego, funcionamento e responsabilidade perante a Nação (Assembleia da República, a quem compete, de acordo com o art.º 164º da Constituição da República, legislar sobre a organização da defesa nacional, definição dos deveres dela decorrentes e bases gerais da organização, do funcionamento, do reequipamento e da disciplina das Forças Armadas) ou devem evoluir para mais um organismo do Estado que responde perante o executivo para além da responsabilidade administrativa (art.º 199º da Constituição)? E sobre a condição militar? As suas bases gerais foram aprovadas pela Lei nº11/89, de 1 de Junho, mas a Lei nunca foi regulamentada. É para manter ou os militares passam a funcionários públicos?
 
Há, na realidade, indefinições e atropelos à legislação que urge clarificar. A Revista Militar, estará sempre disponível para debater estes assuntos. Apresenta como créditos cerca de cento e sessenta anos de existência e de publicação contínua, encontrando-se nas suas páginas muito do pensamento militar da Nação sobre a Defesa Nacional e a Instituição Militar.
 
*      Presidente da Direcção da Revista Militar.
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General

Gabriel Augusto do Espírito Santo

Nasceu em Bragança em 8 de Outubro de 1935.

É General do Exército, na situação de Reforma desde o ano 2000, depois de ter servido nas Forças Armadas Portuguesas durante 49 anos.

Além de Tirocínios e Estágios na sua Arma de origem possui os Cursos da Escola do Exército (Artilharia), Curso Complementar de Estado-Maior e Curso Superior de Comando e Direcção (Instituto de Altos Estudos Militares), Curso de Comando e Estado-Maior (Brasil) e o Curso do Colégio de Defesa Nato (Roma).

Falecido em 17 de outubro de 2014.

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by COM Armando Dias Correia