Nº 2520 - Janeiro de 2012
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Forças Armadas, Troika e Soberania
General
António Eduardo Queiroz Martins Barrento
As Forças Armadas são um símbolo e um importante actor da soberania dos Estados. Símbolo, porque sem elas não se pode falar de Estado Soberano; actor, porque o seu emprego é a manifestação do Estado naquilo que é um dos seus objectivos essenciais - garantir a sua segurança.
 
Quando os Estados, por si só, são os únicos responsáveis pela sua segurança e defesa, o cálculo dos meios de que as Forças Armadas necessitam para cumprir as suas missões, ainda que trabalhoso, é simples. Após um estudo apurado das ameaças, através de um diálogo entre o poder político (que é quem decide) e as Forças Armadas (que é quem executa) em que se equacionam necessidades, disponibilidades e riscos, chega-se, criteriosa e fundamentadamente, aos meios humanos, materiais e financeiros de que as Forças Armadas devem dispor. Hoje, porém, em que estamos inseridos num quadro de defesa colectiva, através das alianças a que pertencemos, e porque a avaliação das ameaças se tornou mais difícil, após a implosão da União Soviética, o cálculo dos meios tornou-se uma operação que, não sendo impossível, é mais complexa.
 
Na actual situação, o poder político tem que definir, de uma forma muito clara, aquilo que pretende que as Forças Armadas estejam em condições de fazer no quadro da defesa colectiva e no quadro estritamente nacional. A partir daí, num diálogo construtivo com as chefias das Forças Armadas, há que ajustar os objectivos (mais ou menos ambiciosos conforme as disponibilidades), calcular e decidir os riscos (maiores ou menores) que o Poder está disposto a assumir, sendo então possível definir os meios de que as Forças Armadas necessitam para atingir aqueles objectivos. Apesar de se tratar de uma operação possível e lógica, ela raramente é feita no nosso País com esta racionalidade, por ser mais fácil ao poder político impor do que dialogar.
 
Tudo isto vem a propósito daquilo que se diz ter sido uma imposição da troika, de restringir os meios das Forças Armadas, nomeadamente os seus efectivos. Poder-se-ia argumentar que isto não é nada que não tenha sido feito, várias vezes, a nível nacional. É verdade, mas, apesar de tudo, é substancialmente diferente. Quando a diminuição dos meios é feita por imposição do poder político nacional, sem a metodologia que anteriormente apresentámos, isso deve-se à ignorância da classe política sobre os assuntos de segurança e defesa, ou à pressa que tem em decidir, ou ainda à falta de sensibilidade que frequentemente existe nos representantes do Poder para compreender a instituição militar, a sua estrutura, os fundamentos da sua operacionalidade e os seus valores.
 
Porém, se a restrição dos meios, nomeadamente os efectivos, partir de um elemento exterior ao poder político nacional, isso significará uma inconcebível demissão da sua obrigação de garantir a segurança e defesa do seu País, mas, pior do que isso, uma intolerável perda de soberania. É certo que a soberania está desde há muito limitada, logo pelo direito internacional que aceitámos, pelas cedências que fizemos às instituições comunitárias, pelas imposições que nos são feitas para dispormos dos recursos financeiros de que agora necessitamos para sobreviver. Mas, se tudo isso é verdade, a aceitar-se um dictat sobre os meios que as Forças Armadas devem ter, isso significará o fim da própria soberania. O fim de Portugal como Estado Soberano - o País coloca-se na posição de protectorado ou assume-se como um Estado falhado.
 
Tudo isto para nós é de tal modo inaceitável que não acreditamos que tenha havido uma imposição da troika sobre a restrição dos meios militares, nomeadamente os efectivos. Parece-nos, sim, que, tendo sido aproveitada a imposição da troika de se reduzir a despesa pública e, porque ela tem “as costas largas”, se fale de uma imposição exterior, em vez da vontade do próprio poder político em reduzir as Forças Armadas.
 
Deve pois notar-se que, se o poder político pretende reduzir as Forças Armadas, deve fazê-lo com critério, com lógica, com diálogo, com a definição de objectivos claros, com a consciência da assunção dos riscos. Não deve fazê-lo fixando arbitrariamente efectivos, e a qualidade e o número dos meios a utilizar.
 
Ninguém contesta ao poder político o comandamento da segurança e defesa (desde Clausewitz que ninguém inteligente põe isso em causa), mas reduzir arbitrariamente os meios das Forças Armadas, mais do que contestável e significando uma posição arrogante, é um enorme erro.
 
*      Sócio Efectivo da Revista Militar e Presidente da Mesa da Assembleia-Geral (2003-2011).
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