Nº 2527/2528 - Agosto/Setembro de 2012
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Os Kongo, Os Últimos Reis e o Residente Faria Leal (III Parte)
Professor
José Carlos de Oliveira

Datas e Factos de Relevância Internacional

Para uma compreensão mais aprofundada das relações entre Portugal, Inglaterra, França e a Bélgica na África Austral será, para o nosso artigo, de primacial importância, registar alguns dados biográficos do administrador colonial britânico Henry “Harry” Hamilton Johnston (1858-1927) e do administrador colonial português João António de Brissac das Neves Ferreira (1846-1902), refira-se que hoje, uma boa parte destes dados podem ser consultados através da internet.

 

Sir Henry “Harry” Hamilton Johnston

Em 1882, Johnston acompanhou o Conde de Mayo, numa viagem de inspecção a Angola (naturalmente com a “permissão” do governo português). Embora constasse oficialmente que se tratava de uma expedição de caça. Logo de seguida, entre 1882/83 fez o percurso de Oeste para Sul, bem como em nova expedição tratou de fazer a cobertura geográfica do norte de Angola ao Congo terminando nos Camarões. Nesta altura conferenciou com Henry Stanley perto da foz do Congo.

Em 1884, uma vez apresentados em Inglaterra os respectivos relatórios ao primeiro-ministro Salisbury, foi chamado ao ministério dos Negócios Estrangeiros para discussões confidenciais sobre as actividades do rei Leopoldo da Bélgica no Congo. Logo de seguida seria nomeado Comissário de Sua Majestade a rainha Vitória.

Entre 1889-1896 Johnston, foi comissário de Sua Majestade, e nomeado cônsul-geral de Moçambique. Nos distritos de Niassa, criou o núcleo do Malawi moderno, articulando e dirigindo pessoalmente o desenvolvimento de energias britânicas nas regiões trans-zambeziana da África Central. Tudo isto em parceria com Cecil Rhodes e, posteriormente, com a ajuda de Alfred Sharpe, sucessor de Johnston e do primeiro governador da Niassalândia. Dirigiu superiormente a oposição dos chefes tradicionais contra a o avanço dos portugueses, negociando com estes posições chave. Em Outubro de 1886 o governo britânico nomeou-o vice-cônsul nos Camarões e no Níger, área do delta do rio, onde um protectorado tinha sido declarado em 1885. Tornou-se cônsul em 1887. De volta a Inglaterra em 1888, reuniu-se com Lorde Salisbury colaborando na formulação do estratégico plano inglês “Do Cabo ao Cairo” para adquirir uma faixa contínua de território em África. Para o efeito obteve a aprovação do primeiro-ministro Inglês.

Teve uma posição chave, nos acordos de delimitação das fronteiras belgas, alemãs e portuguesas. Para tanto sugeriu ao Rei Leopoldo II da Bélgica que aceitasse o geógrafo e missionário George Grenfell, como ministro plenipotenciário (agente diplomático munido de plenos poderes) para concretizar a delimitação das fronteiras entre o Estado Independente do Congo e a Angola Portuguesa. Este delicado acto diplomático demorou anos a realizar-se, foram necessários muitos ajustes que se prendiam com os veios de ricos minerais, tais como cobre, ouro e diamantes. As negociações com os potentados como por exemplo o Kiamvu, Muene Puto Kasongo, descendente da chefatura da Lunda não foram fáceis. Seguidamente reproduzirei o documento que atesta a veracidade do que deixo dito.

O Documento é prova irrefutável do manifesto acordo entre os governos Belga, Inglês e Português para a estratégia a delinear na Bacia Convencional do Rio Zaire

 

Garantiu que interesses britânicos fossem respeitados para além da Niassalândia a leste de Luapula-Mweru na Chiengi e do Rio Kalungwishi, na extremidade sul do lago Tanganica em Abercorn, o mesmo acontecendo em Fort Jameson, entre Moçambique e o vale Luangwa. Nessas negociações ajudou a criar e supervisionar a administração da Companhia Britânica da África do Sul no território que se tornou Nordeste Rodésia, a metade nordeste da Zâmbia de hoje.

De seguida mostrarei o o documento subscrito pelo major Cândido Sarmento, George Grenfell e Tl Gorin, que atesta o acordo entre o governo inglês, português e Belga. O Documento é prova irrefutável do manifesto acordo entre os governos Belga, Inglês e Português para a estratégia a delinear na Bacia Convencional do Rio Zaire.

Com estes documentos espero contribuir para a clarificação de alguma penumbra nos factos históricos relativos a esta época. É por isso muito importante uma pequena resenha biográfica de João António de Brissac das Neves Ferreira.

Documento extraído da Obra George Grenfell and the Congo

 

João António de Brissac das Neves Ferreira

Em 23 de Março de 1880 foi nomeado governador de Benguela, durante o mandato sufocou uma revolta naquela região, tendo pedido de seguida a sua exoneração, regressando à metrópole. Por decreto de 23 de Dezembro de 1885, foi nomeado governador do então designado Congo Português. Durante este período conseguiu importantes reformas com a finalidade de desenvolver o comércio da zona sob sua orientação. Em 1896 foi designado para governador-geral de Angola. É nesta altura que escolhe como seu ajudante de campo o tenente José Heliodoro de Faria Leal, mas por problemas surgidos na Índia para lá seguiu. Em 1889 seria nomeado governador geral de Moçambique.

Por coincidência, ou não, está em Moçambique quando a Inglaterra decide impor a Portugal o Ultimato de 11 de Janeiro de 1890. Neves Ferreira usou a sua melhor arma; com a esquadra britânica à vista, preparou as conferências adequadas. Naturalmente redigiu correspondência diplomática informando os ingleses que responderia com torpedos. Mas que torpedos? A metrópole vivia com grande emoção a evolução do desenvolvimento da contenda diplomática. Serpa Pinto foi “apanhado de surpresa “ quando a administração de Lord Salisbury informou Lisboa que ele Serpa Pinto, teria mandado fortificar pontos importantes de Moçambique, por isso, uma das claúsulas do ultimato exigia a sua exoneração. Serpa Pinto só tinha para se defender, a sua coragem. De nada serviram as directrizes da convenção de Berlim. A esquadra inglesa mostrou-se frente a Lourenço Marques. Neves Ferreira volta a sugerir conferências. Mas quem dava ordens à esquadra inglesa? Harry Johnston que exercia o cargo de cônsul inglês em Moçambique. Johnston viria posteriormente a redigir uma carta a enaltecer as qualidades e finura de trato de Neves Ferreira…

Algumas vezes tem-me sido prejudicial esta minha “mania” de dar prioridade e visibilidade a personagens estrangeiras, especialmente inglesas, francesas, belgas e alemãs. Se as refiro é porque elas tiveram relevante importância para a compreensão do fenómeno que foi a colonização efectiva portuguesa em África desde o último quartel do século XIX até 1975. Se pensarmos bem, por vezes aconteceu-nos, a nós pequeno povo ombrear ao lado das grandes potências, e se nos limitarmos aos factos talvez sejamos mais apreciados.

 

Datas e Factos de relevância para a bacia do Congo

1846 – O governo português que desde 1846 era impedido na sua expansão ao norte do Ambriz, por quem nos devia de auxiliar sobressaltou-se…Daqui a insinuação ao bispo de Angola D. José Neto, actual patriarca de Lisboa, para que se organizasse e partisse para o Congo uma missão político-religiosa, que restaurasse a nossa influência combalida pelas intrigas de estrangeiros e sobretudo pouco reconhecidos1.

1876, Setembro 12 – Leopoldo II rei dos belgas, tendo como seu principal auxiliar Emile Bauning, estudando as viagens e descobertas de Burton, de Speke, de Livingstone e especialmente de Stanley, afivelava a mascara da filantropia e, convidando um grande número de altas personalidades da Europa, inaugurava a 12 de Setembro de 1876, a Conferência Geográfica de Bruxelas. Nela se faziam representar a Alemanha, A França, a Áustria, a Hungria, a Itália, a Inglaterra e a Rússia. Os resultados da conferência não se fizeram esperar…

1877, Agosto 09 – Leopoldo procurava um caminho de penetração para interior do continente negro, através da costa Oriental de África, Stanley descia o rio Zaire ou Congo e chegava a Boma em 9 de Agosto de 1877.

1878 – Stanley chegou a Marselha encontrou o barão Creindl e o general Sanford que da parte de Leopold II o convidavam a dar o seu concurso para a formação de uma associação comercial e de estudos para o Alto Congo.

1879, Agosto – Stanley aceitou a proposta, desembarcou em Banana, na foz do rio Zaire, para dar começo à prodigiosa empresa que havia de arrancar à nossa inépcia a maior parte do futuro colonial da Bélgica. Antecedera-o o steamer Borgá, levando a seu bordo pessoal e material necessários para a arrojada empresa.

1879, Agosto 21 – Stanley com os steamers Belgique e Esperança, a barca Jeune Africaine, as embarcações En-Avant e Royal, e dois barcos de aço, subia o Zaire com uma expedição de 68 zanzibaristas e 72 cabindas. Entretanto Leopold II, manobrando as chancelarias da Europa e o parlamento do seu país, como pedras de tabuleiro de xadrez encheu com uma audácia e felicidade inauditas, de borracha e marfim os erários particulares e engrandeceu com monumentos sumptuosos as primeiras cidades da Bélgica.

1880, Finais – Stanley, uma vez reforçada a expedição, pôs-se em marcha para o interior precisamente no local onde na grande rocha padrão, os sinais de Diogo Cão, quatrocentos anos antes.

1881, Fevereiro 13 – Chegada a Banza Kongo da caravana de 300 pessoas que compunham a comitiva do padre Barroso. Dela faziam parte dois carpinteiros, um europeu, outro indígena, e como material de pregaria levavam dois quilogramas2. Dois pedreiros sem ferramentas completavam o pessoal trabalhador da expedição. Capitão Mena, o guarda Marinha Mota e Sousa e o reverendo Sebastião José Pereira.

Fotografia do acervo do autor, o enterro do Ntotila (D. Álvaro).

1908, Novembro 15 – Leopoldo II da Bélgica transfere a tutela do Congo, sua propriedade pessoal, para o Governo Belga devido à denúncia das condições de escravatura da população local e ao endividamento do monarca, à custa dos inúmeros defeitos e atrocidades cometidas.

Parte desta documentação foi retirada dos relatórios de Faria Leal publicados no boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Nº9, Setembro de 1914, 32ª série, e do padre António Barroso, mencionadas respectivamente nos boletins da mesma Sociedade de Geografia, 8ª Série, Nºs. 3 e 4, 1888,89.

 

Factos e Documentos Históricos Relativos ao Reino do Kongo nos Primórdios do Século XX

As autoridades portuguesas depararam-se com graves problemas na imposição da soberania, sendo que o maior de todos foi a falta de quadros militares e, mais tarde, também administrativos. Para obviar este problema, dou um exemplo paradigmático: Faria Leal, Residente do governo português em São Salvador (hoje Mbanza Kongo), encontrou a solução mais adequada às circunstâncias quando promoveu o filho do Ntotila e seu legítimo herdeiro, Pedro Kavungo Kalandenda, a guarda-fiscal de primeira classe. Na fotografia acima apresentada julgamos ver no indivíduo que está vestido de branco (farda de funcionário) e que se encontra ao centro a segurar a urna, é Pedro Kavungo Kalandenda3.

O facto de Pedro Kavungo Kalandenda envergar um fato branco com traços da farda de funcionário da administração pública portuguesa e de se encontrar em posição de destaque ao suportar a urna (posição em princípio somente concedida ao parente mais próximo) corrobora a nossa hipótese, já que é o próprio Heliodoro Faria Leal4 que afirma que

“… Pedro Kavungo Kalandenda, hoje guarda fiscal de 1ª classe, podia ter sido rei do Congo, em vez de D. Pedro M´Bemba, se tivesse querido abjurar do protestantismo. Tinha mais direito a sê-lo do que D. Pedro VI e tanto direito como Pedro d’Agua Rosada, Lelo, por ser sobrinho, filho de uma irmã, do rei D. Pedro V … 5.

Para que posto teria ido ele prestar serviço? Para Maquela do Zombo no posto da Kimbata frente ao importante mercado do Kimpangu (já em território de administração belga) ou para o posto fronteiriço do Luvo? De qualquer modo, era extraordinariamente vantajoso, especialmente para os interesses do Ntotyla (rei), ter alguém de família a comandar um posto aduaneiro, embora os comerciantes pagassem algumas taxas que sempre exibiram ostensivamente perante as autoridades portuguesas, até ao final da sua administração. Este negócio de estar, com um pé na legalidade e outro na ilegalidade, parece ter sido feito para os kongo, mas tal não é verdade. Eles são, isso sim, actores experientes da vida entre fronteiras políticas.

Sobre a secular tendência comercial têm os Kongo no seu sub-grupo Zombo os especialistas mais eficazes para o comércio. Ferreira Diniz, Secretário dos Negócios Indígenas e Curador Geral da Província de Angola, no tempo a que se refere o presente artigo, refere o seguinte relativamente aos zombo e às mulheres zombo face às kongo6:

“ (…) [as mulheres Zombo] são de apresentação mais feminina, têm o rosto mais bem desenvolvido, os ombros, as espáduas, os braços e as pernas bem torneadas […] Os homens têm uma fisionomia insinuante, um ar inteligente activos e desembaraçados […] São de índole pacífica, vivendo de um comércio activo […] gostam muito de casacos de veludo e em dia de festa acrescentam ao seu vestuário um avental de pele de gazela. O que caracteriza os Zombo é a actividade comercial que existe entre eles e é exercida por homens e mulheres em mercados (quitandas). (…) ”

Aqui Ferreira Diniz, por falta de melhor informação, em relação aos bazandu ou simplesmente zandu ‘mercado’ dos zombo chama-lhes quitanda, o que é incorrecto porque este termo é utilizado pelos kimbundo.

Outros dados históricos são-nos fornecidos por Roberto Correia, natural do Namibe, Moçamedes, que nos seus compêndios de Angola Datas e Factos, neste caso o quarto volume (2001), compilou, de forma sistemática, os acontecimentos mais relevantes desde o último quartel do século XV até ao recente ano de 2002. No seu quarto volume 1912/1961, encontramos factos e datas que importam para este capítulo (o sublinhado é de nossa autoria):

1913, Julho 03 – Proibição da venda de armas e pólvora em todo o território angolano”7.

1913, Setembro – Tropas portuguesas avançam para o POMBO e o SOSSO (zona do Kuango) mas encontram bastante resistência da parte dos Bakongo, o que não esperavam, tendo sido morto o capitão Praça. Foi o início da Grande Revolta do Congo, onde se verificava uma enorme anarquia político-militar. As suas repartições tinham ao serviço funcionários colocados por castigos, que ali cumpriam as suas penas disciplinares, ou que eram então transferidos, por falta de bons padrinhos!”8

1913, Outubro – Verifica-se uma mais acentuada procura de trabalhadores em Cabinda, com destino às fazendas de S. Tomé. Em consequência disso cria-se um certo vazio nessa região, o qual foi tentado suprir com trabalhadores do Congo (zona sul), ou indo estes mesmo directos para S. Tomé. Em seguimento dessa solução, o próprio chefe de posto, Paulo Moreira, sucessor de Faria Leal, manobrou bastantes sobas da região para fornecerem umas largas centenas de trabalhadores, num total de 1.500, para seguirem sob contrato para aquela ilha.”9

1913, Novembro 22 – O soba dissidente, Álvaro Buta, que havia sido afastado das suas funções, protesta contra o facto do chefe (D. Manuel), ter sido subornado nessa transacção dos trabalhadores, pelo que devia anulá-la, devolvendo o dinheiro já recebido.”10

1913, Dezembro 10 – Buta entra em conflito directo com as poucas forças do chefe Moreira (partidário de D. Manuel), sendo apoiado pelos missionários contrários aos católicos.

1913, Dezembro 11 – Buta, reforçado, entra em S. Salvador para manifestar o seu desagrado, sendo ouvido por todos os europeus ali residentes. Foi seu intérprete o catequista Miguel Nekaka. Exigiu a demissão de D. Manuel Kidito e a cessação do contrato dos trabalhadores para Cabinda e S. Tomé.

1913, Dezembro 31 – Norton de Matos ordena o envio de forças militares da Huila para o Congo e ali se desloca.”11

1914 – Janeiro – A abolição da realeza no Congo era já um facto consumado e, num Estado Republicano, já nem tinha lugar nem qualquer apoio em S.Salvador, ultrapassado mesmo por Maquela do Zombo.”12

1914, Janeiro 25 – Início dos ataques a S. Salvador do Congo efectuados por Buta e seus apoiantes, instalados em Banza Puto e Zamba.”13

1914, Fevereiro 19 – Os portugueses prenderam o Reverendo Bowskill, acusando-o de ser colaborador e fornecedor de munições aos revoltosos […] Avançou então o governador Castro Morais para S. Salvador.

1914, Fevereiro 24 – Castro Morais chega a S. Salvador e manda libertar Bowskill.

1914, Fevereiro 26 – Buta, que tentava recuperar o antigo poder do Congo, ataca de novo S. Salvador mas foi derrotado e perseguido até passar para a região de Maquela do Zombo. A sua presença suscita novas revoltas.”14

 

A carta geográfica acima, representa o que na minha tese de doutoramento designei como zona de influência da União das Populações do Norte de Angola, mais tarde UPA e depois FNLA, ou seja a Frente Nacional de Libertação de Angola. Como é visível, a Norte entra francamente adentro do sul da República Democrática do Congo; a sul acerca-se do Rio Bengo (quifangondo). Por coincidência ou não, foi aí que a FNLA, parou a sua progressão sobre Luanda em 1975. Sintetizando o sonho dos Bakongo mais propriamente da Alliazo.15

 

Factos mais recentes de que o autor foi testemunha ocular

A “Casa Sede” das actividades comerciais de meu pai na zona, foi construída em Kibokolo em 1954, para onde fui em Dezembro de 1955, tinha então acabado de fazer 16 anos. Como “prémio”, segundo dizia meu pai, por ter concluído com êxito o curso Complementar de Comércio na Escola Comercial D. João II. A dita “povoação comercial” constava de duas casas comerciais cujo proprietário era Jacinto da Costa Fernandes o maior comerciante de Maquela do Zombo. As minas de cobre do Mavoio, exploradas pela Empresa do Cobre de Angola, filial da empresa mãe CUF – Companhia União Fabril, distavam da nossa “Casa Sede” oito quilómetros e a Missão Baptista do Kibokolo cerca de dois quilómetros. Tome-se em devida conta que as missões inglesas, por estranha coincidência, instalaram-se sempre nas cercanias de jazidas importantes de minérios.

Singularmente, no auge da extracção do cobre a Empresa do Cobre de Angola (ECA) deixou de investir para espanto do chefe dos mineiros (pessoa minha amiga). Estávamos em 1958, foram-me então oferecidas por um grande caçador de elefantes, lindíssimos pedaços de estalactites e estalagmites. Por essa altura, já meu pai tinha uma filial na zona da Mabaia, onde, mais uma vez, os missionários baptistas se tinham instalado há décadas. No entroncamento viário que separava a vila da Damba da então povoação comercial do Lukunga, residia um príncipe fortíssimo pretendente ao trono do reino do Kongo cujo rei tinha sede em S. Salvador do Kongo, actual Banza Kongo, chamava-se ele, Soba Nicolau, e confiou-me por volta de 1960, o seguinte: contavam os “mais velhos” hoje ditos kotas que as grandes pedras de Ngumba e Mpambu N´singa Nzambi (sinais sagrados dos reis do Kongo pelo seu valor histórico e cultural) muito próximas da então povoação comercial do Bembe, onde em épocas de guerra com os portugueses os kongo se escondiam, sendo que o sub grupo Nsamu wa kanga, fazia da gruta Ngumba o seu Lumbu. Pois bem, diziam os Ngudikama “sábios conselheiros kongo”, que ali estava o núcleo dum filão que chegava até Banza Sosso e passava pela zona da Damba e Maquela do Zombo. Muito haveria a acrescentar, fiquemos por aqui…

 

Wene wa Kongo, Ntotyla, Ntinu wa Kongo. Títulos dos Reis do Kongo16

Não vale a pena argumentar, os factos, neste caso as fotografias, falam por si, e aqui, mais uma vez, me sirvo das palavras do missionário António Barroso:

“Senhores, os sentimentos nobres, a dedicação e o desinteresse não são exclusivo da raça branca, da raça civilisada… Um preto no Congo sabe o nome de três reis; o actual, o do seu antecessor e o de D. Afonso I ”. 17

Este foi o estado em que o Residente Faria Leal encontrou o “Panteão Nacional Kongo”

 

Fotografia do acervo do autor e da autoria de Veloso e Castro, 1910.

O que está aqui em causa é o seguinte: Demoliram-se os monumentos para aproveitar as pedras na construção da muralha militar para defender os interesses do Estado Português. A Igreja Católica e a Missão Inglesa também demoliram muros das igrejas católicas antigas. Está dito, mas não se vandalizaram as sepulturas dos reis do Kongo, bem pelo contrário, tratou-se delas. Não vale a pena discutir isso, porque o resultado desta atitude da governação portuguesa foi o modo como as missões religiosas e os administradores da autoridade portuguesa foram olhados pelos Kongo.

E mais, Faria Leal estava a ser orientado de forma a que o contentamento dos kongo passasse primeiro pela vantajosa troca das mercadorias (incluindo ainda escravos vendidos pelos Kongo entre si) em condições que lhes fossem favoráveis, senão estes iriam vendê-las a 2 ou 3 horas de caminho, aos comerciantes do Estado Independente do Kongo; e, se por acaso, ainda assim não ficassem contentes, poderiam vender os seus produtos nas casas inglesas, francesas, alemãs, holandesas do Nsoyo, Landana ou Boma, prejudicando fortemente as receitas da fazenda portuguesa.

O que interessava, na óptica de Faria Leal, era perceber minimamente as questões de justiça consuetudinária, ou melhor, os assuntos do Lumbu dya Ntotyla. Explico-me: como sabia até onde devia ir a sua “Vara”, e, a partir daí, respeitar as questões sob a tutela dos notáveis Kongo, mais propriamente dos Ngudikama, (os conselheiros do rei), os que pela tradição descendiam uterinamente da 1ª rainha, por isso Ngudikama quer dizer os filhos legítimos da “Mãe dos Cem”. O número Cem tem aqui o sentido de grandiosidade.

Fotografia do rei D. Álvaro (1896), Faria Leal está sentado em baixo18.

Note-se que poucas décadas antes, a autoridade portuguesa não existia, (e nunca existiu) no reino do Kongo. O que existiu foi uma relação de interesses muito fortes, entre comerciantes, missionários e notáveis (Ngudykama) bakongo, ao longo de séculos esses interesses passavam essencialmente pelo domínio dos negócios da escravatura, depois do marfim e mais tarde da borracha. Foi assim com o primeiro governador de Angola, Paulo Dias de Novais, no último quartel do século XVI. A primeira machadada dada nos interesses do rei do Kongo aconteceu quando os cristãos (os jesuítas) e os judeus, ambos de acordo nesta tarefa, começaram a controlar a moeda Njimbu, o tal búzio apanhado pelas mulheres na ilha de Luanda, criando assim condições para a conquista do reino do Kongo e de Ngola.

Note-se aqui um aparte, se não fosse este espólio da família Faria Leal e que parte me foi entregue (como fiel depositário), os Bakongo teriam perdido para todo o sempre, a possibilidade de ver confirmado, e às vezes desdito, o que se passou com as relações das suas linhagens e os portugueses daquele tempo. Deste relato, mais uma vez se constata que os intervenientes destes documentos históricos nada tinham de santos…

Fotografia de um momento do óbito do Rei D. Álvaro M’Bemba.

 

Contribuição para a escolha dos nobres kongo para Rei

A partir de meados do século XIX, o estado português assumiu, intermitentemente, o papel de autoridade sobre o reino do kongo, e, mais uma vez, a Inglaterra e o Vaticano estiveram por detrás desta incumbência. Repare-se no que já escrevi sobre a “política das minas”. Um exemplo: um acto militar português precedeu a eleição dum novo rei, obrigando ao exílio o rei do Kongo D. Álvaro Dongo. “Foi uma expedição, sob o comando de Baptista de Andrade, ao tempo tenente da marinha, que expulsou de São Salvador, Álvaro Dongo, ajudando os partidários de D. Pedro V, a apoderarem-se da cidade, num dos extremos da qual as forças portuguesas edificaram uma fortaleza, que ficou ocupada durante alguns anos, sendo abandonada depois. Esta expedição foi no ano de 1859”19. Atrevo-me a dizer que a fortaleza não teria sido abandonada, o que pode ter acontecido é que por falta de meios humanos para manter a sua segurança e porque a situação política no reino do Kongo estaria estabilizada, o governo português terá tomado a decisão de retirar a força militar. Não tinha outra alternativa.

Os dois pretendentes ao trono em 1898, à esq D. Garcia e dta D. Rafael.

Não se pense que foi fácil destronar D. Álvaro, os kongo em última instância convocaram (e ainda convocam) através dos tambores de guerra, muito rapidamente os seus mais ferozes guerreiros. Voltando a D. Rafael, tinham os seus povos garantido que após o falecimento de D. Álvaro este seria enterrado no cemitério dos reis do Kongo, mas por cima da sepultura do Ntotyla D. Pedro V, Ellelo. Tal não veio a acontecer porque Faria Leal já com dois anos de experiencia nos “negócios” dos notáveis do Kongo, em 1898 conseguiu visitar e entender-se com D. Rafael criando posteriores entendimentos, ao ponto deste lhe ter confiado o crânio do capitão Militão. Despojo esse que as hostes de D. Álvaro levaram consigo, depois do combate junto às ruínas da Sé. D. Rafael, então depositário do crânio, por ele bebia (como se fosse uma taça), o vinho de palma nas ocasiões solenes20. De posse do macabro despojo, perguntou Faria Leal ao Distrito que destino devia dar ao crânio do antigo servidor, responderam-lhe laconicamente que o enterrassem em local apropriado21.

A fotografia anterior, mostra aquilo a que Faria Leal chamava palácio da residência em 1898. Os dois antagonistas, 1º D. Garcia Bumbu, soba de Banza Putu, que negociou com Baptista de Andrade as condições para o assalto ao Lumbu de D. Álvaro. O nosso representante sabia que sem a ajuda de D. Garcia não conseguiria chegar ao Bembe e apoderar-se das minas de cobre. O segundo, já referido, era D. Rafael descendente de D. Álvaro.

Há aqui um pormenor relevante a ter em conta: os reis do kongo tinham-se habituado (com D. Pedro V foi assim) a ser tratados como irmãos do rei de Portugal, mas só entre pares, como prova este envelope da carta, escrita pelo secretário particular do rei, que para o efeito, fizera um estágio numa instituição religiosa de Luanda. Alguns dos futuros reis visitaram Portugal, como por exemplo aconteceu com D. Henrique Tyeking e de seguida com Pedro Bemba.

“Esteve no paço, onde falou com o rei D.Carlos e ficou mal humorado e desgostoso quando reconheceu na libré dos archeiros da casa real um fardamento egual ao que ao seu antecessor mandara de presente o rei D. Luís, e que ele continuava vestindo nas ocasiões solenes. Trouxe de Lisboa, casaca e chapéu alto, e nunca mais envergou o vistoso fardamento de archeiro, com que os seus herdeiros, mais tarde voltaram a ornar-se”22.

Extracto do envelope de uma carta trocada entre o Notila e o

rei de Portugal D, Luís I, adquirida pelo autor no

Arquivo Histórico Ultramarino23.

 

Percebe-se agora que Faria Leal era naturalmente reconhecido pelos conselheiros do rei e pelo próprio rei, como familiar do rei de Portugal. O direito consuetudinário no Kongo assim o entendia. Digamos que Faria Leal era “filho” do rei de Portugal. Além disso os missionários ingleses representantes da rainha Victória no reino do kongo mantinham as melhores relações com Faria Leal, conferindo-lhe uma deferência especial que aos Kongo não passava despercebida. Neste contexto, a luta pela supremacia politico-religiosa, católica e protestante, face aos notáveis do reino era o assunto mais melindroso com que se debatia o representante de Portugal. Assim, talvez se possa entender melhor o prestígio do Residente.

Neste contexto, a luta pela supremacia político-religiosa, católica e protestante, face aos notáveis do reino era o assunto mais melindroso com que se debatia o representante de Portugal. Assim, talvez se possa entender melhor o prestígio do Residente.

Esta fotografia é a prova provada do prestígio outorgado a Faria Leal. Na fotografia estão três pessoas sentadas; 1º, naturalmente e em destaque o rei; 2º e abaixo do trono está o Residente. Quero crer que a posição face ao rei não indicava subalternidade, mas sim que ele seria “Um filho do Rei”. No Kongo só podia estar sentado sobre uma pele de leopardo quem estivesse para tal legitimado pelo Ntotyla; 3º finalmente o príncipe, com o titulo de nosso, está sentado (na fotografia de costas) e por ser príncipe estava legitimado a sentar-se numa cadeira, colocada para esse efeito durante a cerimónia. Espero ter sido suficientemente convincente. De seguida apontarei outros pormenores relevantes. Como a “fundação” de 1902.

Fotografia do rei no Lumbu (1902), do acervo da família Faria Leal.

 

Que se passou então?

Em 1902 os Ndembu Gombe á Miquiama dos lados do encoje e quibaxe Quiamubemba do Alto Dande, acompanhado cada um de 200 homens vieram perante o rei decidirem direitos de primazia. Ambos se diziam descendentes dos filhos dos reis do Congo24.

O monarca tomou o conselho dos seus notáveis. Dirigiu-se com a comitiva dos dois antagonistas à Residência. Uma vez perante Faria Leal, consultou-o acerca do problema; por conseguinte foi necessário convocar todos os sobas e fazer uma Fundação (a tal reunião notável). É desse momento histórico que consta o registo da fotografia.

Sim, mas o que pretendiam os Ndembu? Na minha opinião saber quem devia comandar os guerreiros.

“…tempo depois rebentava a guerra com os dembos, tendo de se organizar e marchar para lá a coluna do comando do capitão João d’ Almeida que entre outros teve como inimigo Gombe à Muqiama.25

Por aqui se podia medir ainda o prestígio do rei do Kongo, prestigio e poder esse que se estendia para Norte até ao rio Zaire, e para leste até ao rio Kuango, terras do Jaka Kianvo Bungi e de Muene Puto Cassongo, para Oeste até ao mar e para Sul até ao rio Bengo (Luanda)26.

Foi exactamente o que aconteceu em 1961, as hostes da UPA não atacaram sem a superior orientação do tulante Holden Roberto27. Hoje os políticos kongo interrogam-se “porque é que a sublevação de 15 de Março de 1961 não foi ordenada a todas as KANDA? Pessoalmente, estou convencido que os conselheiros político-militares, no exterior e no interior de Angola, assim o determinaram. Todas estas questões teriam sido mais ou menos negligenciadas pelos representantes do Estado Português.

 

O Fim da Picada “Bula Matadi”

Este Termo Bula Matadi, ou sejam os parte pedras, foi aplicado especialmente aos belgas, aquando da construção das linhas férreas dos novos troços de estradas que permitissem a passagem das primeiras camionetas de transporte de mercadorias e pessoal. Foi um tempo de extermínio do pessoal nativo contratado para a construção destas infra estruturas. Pessoalmente conheci o processo do trabalho compelido (contrato) agregado à cultura do café no Norte de Angola. Nos anos 50/60 do século passado Angola chegou a ser o 3º produtor mundial de café, houve razões políticas, lideradas pelos EUA, para que tal acontecesse, conheço relativamente bem o assunto. Foi o principal motivo político das reivindicações dos partidos nacionalistas angolanos para o início da luta armada. Porém, o tempo da abertura das primeiras rodovias foi muito mais penoso para as populações obrigadas ao trabalho da sua construção.

Depois de ter lido atentamente os documentos de que pude dispor, fica-me uma quase certeza. O epíteto laudatório “O homem que endireita a terra” tanto quanto os meus 55 anos de vivência entre os Kongo (incluindo a diáspora) me permitem ajuizar, só pode vir da admiração que os povos tinham pela certeza como Faria Leal ia direito aos povos sem precisar de guia; como é que ele sabia endireitar os paus e cordas dum lado e outro das pontes, como é que ele sabia contornar um morro íngreme para continuar a estrada do lado de lá. Isso só podia ser feitiço, sim porque “aquele relógio pequeno que tinha só um ponteiro” não podia dizer onde esteva determinado povo. Será que Faria Leal usava o teodolito? Se assim fosse, eles vê-lo-iam espreitar pelo aparelho e o feitiço seria maior. E se para além disso utilizasse o distanciómetro? Os aparelhos não interessavam nada, O Nfumu (“Capitão” que efectivamente mais manda) Faria Leal escrevia num livro, fazia sinais, chamava os antepassados e eles informavam-no onde ficava o rio, onde ficava a banza. Os n´nanga ngombo descobridores kongo de feitiços informavam os povos do poder de Faria Leal. Quem teria instruído o Residente nesse sentido? Acredito que o relacionamento dele com a missão baptista, teria a ver com o seu sucesso nesta metodologia para a abertura de estradas e não só.

Pode ser que a esmagadora maioria dos leitores sorriam benevolamente desta minha versão. Garanto que Faria Leal e muitos dos competentes administrativos ao tarimbarem em Angola tinham respeito pelas crenças dos povos à sua responsabilidade. Haveria naturalmente funcionários com responsabilidade no processo de angariamento de trabalhadores e carregadores, para quem estes condicionalismos culturais não diziam e continuam a nada dizer. Quantas vezes viram estas brigadas de pessoal (muitas mulheres) a tapar buracos e endireitar as veredas das estradas? Quantas vezes passaram pelo responsável kongo da brigada e ele descobriu a cabeça em sinal de respeito. Dirão que era a época da colonização. Desculpem, quando adolescente, andei de povo em povo a caçar pássaros, e mais tarde atrás de caça grossa, ainda sei: quem se dá ao respeito, recebe respeito.

O fim desta “picada” que estou a terminar, está, aqui e ali, salpicada com imprecisões e até falhas graves. Muito ficará por dizer, tive que escolher e passar por cima de aspectos importantes. Os mais rigorosos que me perdoem, terão ocasião de transformar a nossa “picada” em estrada calcetada. Quando comecei este artigo não tinha ilusões, em alguns aspectos não seria suficientemente claro. Não sei fazer melhor. Não vivi no tempo do general José Heliodoro de Corte Real de Faria Leal, mas duma coisa estou certo, não precisei de imaginar, de extrapolar, vivi com gente que o conheceu, especialmente sobas dos caminhos de Maquela do Zombo. Os responsáveis dos povos começavam a perceber que algo de muito importante para a sua maneira de viver estava a principiar a acontecer, teriam de rever o velho paradigma de que eram portadores, teriam de dissimular as suas cerimónias propiciatórias “à conversa com os seus antepassados”, utilizariam em algumas circunstâncias o ranger dos dentes, sinal de “ está bem, finjo que está tudo bem, mas não esqueço”…

A carta que Faria Leal gizou da sua expedição ao Cuilo, para instalar na fronteira um posto português é relevante para os povos da zona. O que é importantíssimo é o facto dele ter assinalado todos os condicionalismos físicos e humanos da zona. Muito beneficiarão deste documento os estudiosos Kongo, especialmente os historiadores e sociólogos. Recordarão alguns dos seus antepassados notáveis através dos nomes das povoações, terão oportunidade de acrescentar valiosíssimos dados para a simbologia da sua toponímia.

Os Bakongo não são, nem foram tão pacíficos como Faria leal fez crer, senão para que levaria consigo, em alguns casos e conflito uma metralhadora e uma peça de artilharia? Os Bakongo que com ele conviveram, uns tinham-lhe respeito, outros tinham medo dele, (estou convencido), e este medo vêm do conceito de Buta, o homem Grande de uma determinada área desde a Banza até ao sub grupo étnico e deste à etnia.

Para eles, Faria Leal não era um simples soba, (pai do Povo) era não só um Mfumu a vata ele era sim o Buta. Para os Kongo ele era muito mais que um filho legítimo do rei de Portugal, ainda hoje para os povos do interior da África Negra, o título de presidente da república, é simplesmente um título laudatório de rei, e se assim não for o rei não tem poder, não presta para fazer justiça, a sua palavra não será o ponto final de qualquer discussão, desde um problema de adultério, às questões de propriedade, passando pelas discussões da pirâmide de nobres acerca dos seus títulos, tanto nobiliárquicos como guerreiros tudo tem de ser pormenorizadamente discutido com o seu rei. Será mais ou menos a ideia que temos dum presidente da república tipo paternalista, e aquele que assim proceder não tem força de grande juiz, logo não pode ser rei. Provavelmente a ideia que temos do rei Salomão de Israel, servirá de modelo.

Não sei se os leitores estarão recordados daqueles dois nobres que foram pedir ao rei do kongo que lhes dissesse qual deles tinha mais relevância que o outro, levando cada um deles cerca de duzentas testemunhas…Em 1902 os Ndembu Gombe á Miquiama dos lados do encoje e Quibaxe Quiamubemba do Alto Dande, acompanhado cada um de 200 homens vieram perante o rei para que ele decidisse sobre os seus direitos de primazia hierárquica. “Ambos se diziam descendentes dos filhos dos reis do Congo28.

 

 

No fio da Navalha

Criavam-se oficinas e levantavam-se pavilhões Tollet para instalação do governo, tropas e funcionários. Mergulhava-se o hospital no ponto mais pantanoso e marcava-se o cemitério no alto mais ridente da colónia29.

Em Angola era ainda o tempo da velha colonização “Uma cadeia, uma fortaleza e uma alfandega” Era o tempo de “… Aliás quem não quiser caminhar tem de morrer”. Ainda não tinha chegado o tempo da colonização moderna “O hospital, a escola e a locomotiva”30.

O Residente, capitão Faria Leal está junto à árvore. Faziam parte da expedição entre outros: D. Álvaro Tangue, representante do rei do Kongo, que usava o titulo Nepango, era filho da primeira mulher de D. Pedro V, Wene a Kongo, mais conhecido por Ntino wa Kongo “Ellelo”.

A fotografia testemunha a saída de São Salvador da coluna expedicionária

da ocupação efectiva do Cuilo em 10 de Agosto de1899.

Ser primeiro-tenente ou capitão do mato, com funções administrativas em São Salvador do Kongo no final do século XIX, era estar “Ao Deus dará”. Se alguma coisa corresse mal, haveria quem pagasse pelo deslize, neste caso o jovem tenente Faria Leal, teria que aprender a negociar por conta própria, mais propriamente no fio da navalha. No final de 1896 já não era propriamente um neófito, tinha participado nas campanhas do Sul de Angola, lá para os lados de Caconda e do Humbe. Cedo percebeu que o seu Governador de Distrito lhe podia estender o tapete a qualquer momento.

Cuidou de aprender a negociar com os mandatários da rainha Victória, (a missão baptista) ou missionários católicos, às ordens do Vaticano ou ainda, com os astutos conselheiros (ngudikama) do Rei Álvaro Mbemba. Muito haveria ainda de aprender…São dele as seguintes palavras:

“A 10 resou o superior da missão cathólica de S. Salvador uma missa campal a que assistiu a força que devia compor a expedição, e foi benta uma bandeira, que a devia de acompanhar. D’uma simplicidade, commovente, essa pequena cerimónia tinha, além do seu fim real, a vantagem de affirmar no meio d’um povo, onde a propaganda protestante ingleza tanto tem alastrado, os sentimentos cathólicos do elemento portuguez”31.

“No dia 11 de Agosto de 1890, partia de São Salvador do Kongo, uma expedição comandada pelo capitão Faria Leal, rumo a Maquela do Zombo, afim de seguir dali para a confluência dos rios Cuilo e Cuango, com a finalidade de estabelecer um posto militar”32.

A vida dos expedicionários das campanhas militares portuguesas e, porque não dizê-lo, dos missionários e comerciantes era extraordinariamente dura e uma permanente aflição estava em causa; tomar conta dos poucos vivos, enterrar os mortos se fosse possível, e continuar em frente. Os que se aproveitavam despediam-se para sempre dos fisicamente incapacitados, não raro, a escassez de alimentos a isso obrigava e não se tratava de não haver compaixão, tratava-se de sobrevivência.

Parte da comitiva, descanso da secção de carregadores33.

A viagem tornava-se sempre muito penosa, especialmente na época das chuvas. A condição física dos carregadores, a fome e as doenças grassavam, ao longo dos meses, entre os componentes das caravanas, não escolhendo a condição de ser carregador ou chefe de caravana; transpunham rios a vau, de muito difícil acesso, subidas e descidas onde os mais fracos sucumbiam, sendo deixados, por vezes, moribundos. Quando a tempestade tropical se abatia sobre a comitiva rogos e ameaças eram proferidos para reunir o grupo, esforço baldado até que serenasse a tormenta. Entretanto uma chuva miúda e importuna, por vezes por todo o dia e noite, permitia o descanso. Quando ao fim do dia se preparavam para descansar o primeiro cuidado era tratar de arranjar uma grande fogueira à qual se iam aquecendo, em virtude do cansaço nem se importavam com barracas; o fogo, como sempre, era a sua única cobertura pelo resto do dia e por toda a noite; as panelas de luko (farinha de mandioca amassada) sucediam-se alternadamente no fogo. Era a única refeição dos carregadores e restante comitiva.

Por vezes os europeus comungavam dessa refeição. Faria Leal como tantos milhares de exploradores tinha, por vezes, também ao seu serviço um homem incrível, era quase um ilusionista da época, o Kambulador. Sublinho a sua enorme astúcia, hábil tocador de instrumentos musicais, seguia à frente da caravana, às vezes alguns quilómetros, quase sempre acompanhado pelos Nsôngodi nzila, pisteiros (termo kikongo), encurtando distâncias, liam pegadas e outros sinais, vestígios de grandes e pequenas caravanas, desviando-se delas atempadamente ou indo ao seu encontro conforme as circunstâncias. Quando o Kambulador, dono de astuciosa oratória, deparava com elas, tecia os maiores elogios ao seu chefe. É claro que os carregadores destas pequenas caravanas eram facilmente enganados. Já exaustos, eram seduzidos por bebidas fermentadas e outras pequenas ofertas. Faziam o seu reviro (desviando-os do inicial destino para onde já tinham contratado a permuta). O Kambulador, perguntava muitas vezes, onde se dirigiam os indígenas e, respondendo-lhes estes ingenuamente, ele retorquia-lhes não valer a pena irem mais longe. O melhor que faziam, se o destino fosse o mesmo era juntarem-se ao seu chefe34.

A caravana era completada por exploradores. Os Nsôngodi nzila, também designados por Ba Ngo conheciam e conhecem na perfeição, todos os traços “ocultos” dos caminhos. Dos seus conhecimentos dependia uma grande parte do êxito, compreenda-se o maior rendimento com o menor custo das caravanas, quer fossem guerreiras ou de comércio. No Kongo existia uma espécie de franco-maçonaria que exigia a todos os filiados serem bons caçadores. Os que pertenciam a esta seita cingiam a cabeça com uma tira de pele de búfalo; podiam empregar-se como estafetas de correio, sem se ter receio da menor infidelidade. Desta mesma franco-maçonaria, fizeram parte os grandes caçadores do Norte de Angola que comandaram os ataques da UPA em 1961.

Quando os nossos cronistas do século passado se referem aos empacasseiros, não estão a referir-se senão aos Ba Ngo, termo muito conhecido: Empacasseiro (de empacassa) caçador de búfalos. Aos referidos pisteiros competia (e compete ainda hoje por outras razões) marcar o ritmo de marcha, observar os trilhos, detendo-se neste ou naquele vestígio, sobretudo se notavam sinais de risco, como por exemplo, sulcos, mesmo que ao de leve marcados na pista e ainda pelos ramos partidos que não correspondiam com o da “leitura” da caravana que conduziam, alertavam de imediato e atempadamente o chefe da caravana para o sinal de perigo. Os maiores riscos consistiam na passagem da caravana por terras de potentados ainda não avassalados que tinham de atravessar sujeitando-se pagar portagens e assim onerar os custos implicando de imediato uma maior despesa. Estes pisteiros completavam a sua excepcional valia como caçadores fazendo o indispensável aprovisionamento de caça, de que tanto careciam as caravanas.

Aqueles que ainda estão vivos e tais padecimentos sofreram, (os nascidos nas décadas de 30 e 40 do século XX), podem dar testemunho dessas inconcebíveis desventuras por terem ouvido a narrativa directamente dos velhos comerciantes, missionários ou militares. Naquele tempo, um reduzido número de mulheres, com os dentes cerrados, acompanhavam, às vezes já quase sem forças, as caravanas. As mulheres negras seguiam também os seus homens, militares de segunda linha e carregadores, ainda mais, era-lhes exigido, carregar à cabeça os parcos haveres dos seus companheiros e frequentemente às costas os filhos de tenra idade.

O Soba de Maquela do Zombo em 1908 esperando a comitiva da expedição portuguesa35.

Desejo aqui salientar uma pequena nota: Enquanto esta expedição fez o percurso São Salvador- confluência dos rios Cuilo-Kuango, cerca de 350 quilómetros a pé, por carreiros (Nzila) eu fiz o mesmo percurso, mas de carro; primeiro, com 18 anos de idade (1957) de Maquela a São Salvador e depois, em Junho ou Julho de 1960, percorri o troço de Maquela do Zombo a Sacandica (mais ou menos 150 quilómetros) sentado, incomodamente pensava eu, numa viatura Unimog, daquelas altas que transportava 7 ou 8 homens. Íamos em cumprimento duma missão de serviço que se resumia no seguinte: Bloco de apontamentos na mão, (ordens do comandante da nossa Companhia de Caçadores Indígenas Nº 5) começava por apontar, (por exemplo) cada curva à esquerda seguida de uma recta, assinalaria uma pequena elevação seguida de uma senzala, com mais ou menos 30 cubatas, etc., etc. Naquele tempo não compreendi a finalidade de tal registo. Hoje só posso encontrar uma explicação: era preciso que os habitantes dos povos dessem pela nossa presença e se apontávamos algo é porque “estávamos de olho neles” seria? Será que o comandante da companhia teria a mesma opinião?

Faço uma ideia, embora pálida, dos padecimentos de Faria Leal num percurso de 3 ou 4 semanas a pé. Mas aqui, assalta-me outro pensamento: que aventura seria a de Silva Porto patrão de 2.000 carregadores, transportando marfim e escravos à mistura, durante caminhadas de meses e meses a fio? Isto faz algum sentido porque nas minhas deambulações de caça, a pé de Quibocolo ao Cuilo sei bem quanto custava percorrer 10 horas a pé a corta mato, com uma diferença abismal, Faria Leal a cada 30 quilómetros tinha que fazer uma paragem para revitalizar as forças da coluna, especialmente dos carregadores descontentes ou desconfiados. Sem eles o avanço da coluna era impossível e Faria Leal tinha consciência e experiência disso. Outro personagem que dava pelo nome de língua, era o intérprete, nele depositava o comandante da coluna a confiança para angariar os carregadores. Se alguma coisa corresse mal a responsabilidade seria sua, a restituição da ordem também. Por esse bom desempenho lhe pagava o chefe da caravana. O andamento da coluna dependia muito da sua perspicácia face aos carregadores. Todavia a alma da coluna era Álvaro Tangue, como responsável pela confiança transmitida às autoridade gentílicas a visitar.

Quando as comitivas eram pequenas entre 30 a 100 componentes, torna-se claro que não havia necessidade de tantos especialistas, bastava o língua (intérprete-conselheiro) e o caçador que naturalmente era “o dono” dos carregadores.

Finalizo esta questão dos carregadores, transcrevendo uma nota de René Pelissier:

“Faria Leal passou sem dificuldade, com 26 homens de S. Salvador a Maquela do Zombo (14 de Maio de 1911). O próprio governador de distrito, o tenente da marinha José Maria da Silva Cardoso, chegou de urgência a Maquela com tropas e uma peça de artilharia. A 25 de Maio houve uma grande fundação convocada por Faria Leal. O perito de S. Salvador viu perfeitamente onde residia o ponto sensível: havia que distribuir de maneira mais equitativa as tarefas dos carregadores ampliando as zonas de recrutamento sempre mais para longe de Maquela do Zombo. Para isso era preciso ocupar Quibocolo, Damba e Quimbubuge, etc, e moralizar as condições de cobrança de imposto e de recrutamento de carregadores, Era um grande drama da administração portuguesa em África…”36

Como os especialistas destas questões da colonização sabem, Pelissier não poupou críticas à colonização portuguesa, outro tanto aconteceu com George Grenfell e especialmente James Grenfell, sobrinho de David William Grenfell, o tal missionário chefe da missão baptista de Quibocolo e o seu pes-soal inglês, pelo apoio dado à UPA em 1961 aquando dos primeiros ataques na região. Porém e curiosamente, não consegui encontrar um reparo grave ao desempenho das funções para que esteve indigitado Faria Leal no Kongo.

D. Álvaro Tangue (de chapéu) em conferência com D. Miguel Sacandica,37

“Foi isso que aconteceu com o major Santana e que viria a ser do mesmo modo com o novo Residente. Após algumas dificuldades menores o relacionamento com o capitão Leal desenvolveu-se no mutuo respeito e confiança. Tanto Graham como Lewis achavam-no capaz, justo e apreciador do trabalho que eles estavam a tentar fazer no Congo, uma situação que duraria quase uma década.”38

Acerca deste assunto, uma coisa se torna evidente, tanto os governadores-gerais como os governadores de distrito, desejavam acima de tudo que não se criassem situações delicadas com a politica indígena durante o seu mandato. Fez-se obra notável, nos primeiros anos do século XX como por exemplo o trabalho de Lopo Vaz de Sampayo e Melo Política Indígena. O Alto-comissário Norton de Matos teve que enfrentar e resolver no seu primeiro mandato situações de política indígena muito delicadas e difíceis de resolver, basta lembrar as campanhas do Cuamato e do Cuanhama. O seu trabalho como Governador-geral e depois como Alto-comissário foi investigado por René Pelissier.

“O governador Geral Norton de Matos, perito em matéria de autoritarismo e de excessos da administração mas suficientemente lúcido para perscrutar os motivos de uma sublevação que iria enegrecer os dois últimos anos do seu primeiro mandato exporia numa nota destinada a não vir a público que “ as causas desta sublevação devem principalmente ir buscar-se à incompetência e à falta de cumprimento dos seus deveres por parte das autoridades administrativas do distrito, civis e militares”39.

Só que cada um tentava “sacudir a água do seu capote”. As soluções operacionais, por vezes não eram compatíveis com as regras emanadas superiormente. Havia que abortar, tanto quanto possível, juramentos tradicionais de insurreição, e neste caso estava o juramento de comer a mandioca.

Comitiva do Major Galhardo a caminho do Cuango 190840.

Os povos de Maianda, Madimba, Quimbubuge, Canda, Conco., Mateca, etc., e até Gosela, região limítrofe de S. Salvador haviam comido a mandioca, coligando-se por essa forma de juramento gentílico para resistirem à autoridade quando fosse a cobrança do imposto…Comer a mandioca chama-se ao juramento pelo qual se coligam os povos para determinado fim; geralmente é uma aliança para a guerra. Os coligados fazem distribuir por todos os povos um bocado de mandioca e óleo de palma41.

Quantas vezes o êxito dependia de um rasgo de sorte e audácia. Quantas vezes negociaram os militares operacionais com os chefes indígenas o imposto de Cubata, ou o angariamento de carregadores. Nesta circunstância reuniam-se com os chefes tradicionais e praticavam o ritual da troca da pólvora.

“Antes de encetarmos a marcha teve logar a troca da pólvora feita entre Álvaro Tangue, representante do rei do Congo, Nepango, representante dos sobas da Zombo, por nossa parte e o soba de Quiquiangala, por parte dos kicongos”42.

Para concluir esta secção do presente trabalho, resta acrescentar que a Residência de S. Salvador ao observar estas regras de jogo, conseguiu, por exemplo, um assinalável êxito comercial, sem o qual não era possível governar a contento dos Kongo, e mais uma vez recorro a Rene Pelissier:

“…Em 1910-191 a residência de S. Salvador exportou 864Kgs. de marfim e 216.500 kgs. de borracha43.

O que quer dizer que no percurso de um ano foram utilizados, só no transporte da borracha aproximadamente 6.200 carregadores. Razão tinha a administração portuguesa em estar muito atenta aos agravos que os chefes dos carregadores (angariadores) tivessem contra os militares portugueses. Observe-se que Faria Leal e outros oficiais, em missões de negociação com os chefes indígenas não usavam a farda e existiam razões de peso. Um homem fardado, em principio, para os povos indígenas representava uma atitude hostil; em segundo lugar eles presumiam que se usava fato e chapéu à civil, ia para estabelecer a forma de iniciar ou concluir um negócio que devia ser vantajoso para os chefes indígenas. Veja-se que Álvaro Tangue usa o casaco e o chapéu, como usavam, por exemplo, Faria Leal e os missionários católicos. O modo de vestir diz muito do estatuto das pessoas.

Não me posso alongar, mesmo que fiquem por referir problemas como por exemplo a saúde, comércio, pesca, caça, e a agricultura, todavia não posso deixar de referir as relações de Faria Leal com a Sociedade Missionária Baptista, de que darei conta de seguida.

 

Faria Leal e os “Ingleses”

“… «De todas as ciências» diz Mundy, «a mais perigosa seria a do controlo do pensamento dos povos, pois permitiria governar o mundo inteiro».44

Por esta fotografia pode-se avaliar o tipo de missionários ao serviço da rainha Vitoria, e mais, a tecnologia de ponta ao seu serviço, não esquecendo os meios financeiros de que dispunham, sem comparação possível com os disponibilizados aos exploradores portugueses. Note-se a sofisticada aparelhagem de filmar já então utilizada.

Trabalhos de Campo do missionário G. Grenfell, 1906.

Antes do mais uma nota: comecei a visitar a Missão Baptista de Quibocolo, nos finais de 1954, tinha então dezasseis anos. Era para lá que ia caçar rolas com uma pequena caçadeira de 9mm. A missão estava cercada de imensas palmeiras, abacateiros, mangueiras e outras árvores de fruto. No seu perímetro as lavras (hortas) de amendoim, eram submetidas a constantes visitas de rolas e perdizes.

Meu pai, para “compensar” a minha tristeza pelo facto de me ter enviado no final do curso de ajudante de guarda-livros, (assim se chamava o Curso Complementar de Comércio) para a povoação de Quibocolo onde residiam quatro europeus (3 homens e uma mulher), sendo que o mais letrado tinha a segunda classe, deu-me então a dita espingarda. Jovem como era, não tinha a menor consciência que ao percorrer os caminhos para as matas, podia, por exemplo, deparar com um leopardo ou uma pacaça (búfalo) ferida. Feliz-mente nunca aconteceu, mais tarde, já adulto, sim.

Durante esse ano iniciei as visitas ao “mfumu”45 Grenfell, primeiro admirei o invulgar respeito que os bazombo mais velhos lhe dedicavam. Descobri então que existia um livro muito importante para as gentes da missão: a bíblia e curiosamente escrita em kikongo. De seguida tive uma ideia. E se come-çasse a aprender a ler e escrever a língua nativa, o kikongo? Quem sabe se assim começaria a vendar mais artigos da loja de meu pai e a comprar mais café, feijão e amendoim? A resposta não se fez esperar: os velhos começaram a tratar-me por “muana m’pelo” filho de missionário católico ou protestante... Foi assim que ao longo da vida fui entrando fundo, na filosofia “ apócrifa “ kongo.

Voltando a Faria Leal, foi o mesmo obrigado a admitir que as missões religiosas faziam um trabalho prestimoso inclinando-se mais para apreciar os missionários batpistas que os católicos. Não era um jacobino ferrenho que desejasse a abolição de todas as ideias religiosas. Bem pelo contrário, são dele as seguintes linhas:

“… somos de opinião que a falta de religião em massas pouco instruídas e mal educadas é um passo para a dissolução social…”46

Como se pode depreender por este artigo, foi muito difícil ao Residente encontrar um equilíbrio entre os diversos clãs com acesso directo ao poder tradicional. Aliás, o rei perdeu grande parte do seu poder, quando o governo português, por influência do missionário António Barroso, lhe conferiu uma renda de 30.000 reis mensais. Nessa altura os últimos poderes temporais do rei ficaram drasticamente diminuídos. Já não cobraria o imposto pago pelas duas missões e pelos comerciantes.

A autoridade dos conselheiros do rei também se ressentiu, e muito, o que permitiu uma maior pressão das igrejas sobre os povos kongo. A luta pela hegemonia do controle de adeptos à catolicidade e ao protestantismo foi crescendo, verdade seja dita que o ensino da língua portuguesa foi ganhando terreno, especialmente entre os alunos das duas missões. Esta mudança de pensamento fez com que Faria Leal reconsiderasse algumas das suas apreciações acerca da maneira das missões religiosas educarem os povos, embora continuasse a pensar que a luta religiosa muitas vezes surda, outras vezes mais acesa, continuaria a ser o seu maior problema administrativo.

Festa da inauguração da primeira pedra da escola baptista.

“A esses missionários estrangeiros devem os nativos do Congo uma parte da sua educação e muitos civis e militares portugueses neles teem encontrado sempre o auxilio que lhe teem solicitado nas ocasiões em que o desamparo, a que tem sido votado o serviço de saúde, os tem obrigado a recorrer à sua medicina, muito principalmente depois que se encontra no Congo o distinto médico Mercier Gamble, ao serviço da mesma missão”.

Aqueles tempos eram prolíferos em lutas religiosas (hoje também). Quando exauridos, os missionários se cansavam de infernizar mutuamente a vida, entravam em negociações, estabeleciam áreas de influência e então havia tempo para “limparem as armas”. A esmagadora maioria dos missionários eram gente jovem, na flor da vida, as mulheres portuguesas ou estrangeiras que os acompanhavam aguentavam menos as doenças endémicas. Engravidavam sabendo que a morte as espreitava a todo o momento. Não tinham a quem recorrer a não ser aos serviços de saúde da missão baptista que, diga-se em abono da verdade a todos assistia sem olhar a cor ou religião, porém os interesses das potências coloniais faz com que esta solidariedade esmoreça ou mesmo desapareça. É a época dos elefantes se zangarem.

Era o tempo das razias entre os europeus flagelados pela mosca tse tse, (transmissora da doença do sono), ou do mosquito anopheles causador da mortífera malária e de outros parasitas portadores de outras doenças endémicas. Por exemplo, a esposa do missionário Comber pouco sobreviveu à sua chegada (1879), o mesmo missionário faleceu em 1887, o missionário Dixon, chegado em 1881 foi trucidado pelos boxers, juntamente com sua esposa em 1901, Alexander Cowe faleceu poucos meses após a sua chegada em 1885, Phillips Davies chegou ao Congo em 1885, faleceu em 1895, Samuel Silvey, começou a servir em 1886, faleceu em 1889, e tantos outros47. O próprio Faria Leal esteve muito mal em 1904 e foi o médico inglês Mercier Gamble que o salvou de uma morte quase certa. Diga-se que este missionário se dedicou afincadamente ao estudo e tratamento da doença do sono, tendo conseguido alguns resultados completos no tratamento pelo atoxil48.

O médico Gamble na enfermaria do novo hospital,1904.

Esta é uma das razões estruturantes do êxito que as missões baptistas conseguiram no Norte de Angola. Em todas as vatas (aldeias) da zona de acção das missões baptistas, nos anos 50 do século passado, havia uma escola rural, muitas com telhado de zinco, dirigidas por um competente catequista Kongo que, ao mesmo tempo era um temível agente subversivo contra o Estado Português. A partir de meados dos anos 50 do século passado tornaram-se líderes dos partidos tribalistas, sendo que a União das Populações do Norte de Angola, (UPNA) mais tarde UPA foi o que mais catequistas recebeu no seu seio.

Aliás, James Grenfell, observou que a mudança da cultura Kongo beneficiou muitíssimo com a educação que as missões baptistas lhes prestavam. As mulheres consciencializaram-se da sua dignidade e valor para a família tradicional, a poligamia era “suavemente” desencorajada (tal proibição nunca surtiu efeito entre os bantú) e, se bem me parece, em todos os povos do mundo. Tudo depende do poder económico dos homens para sustentar uma família alargada mais ou menos “legítima”. Nos tempos que vão correndo o casamento passou a ser uma questão de custo/beneficio, tornando-se o contrato do enlace muito precário, dependente do estatuto económico da mulher ou do homem.

Voltando ao ensino escolar e às práticas da assistência médica prestada, as mulheres começaram a compreender o benefício trazido ao seio da família pelas curas verificadas o que originou mudanças face ao respeito guardado ao “nganga” curandeiro tradicional. Os novos enfermeiros Kongo, não aprenderam só medicina, aprenderam também bases da política subversiva.

“O povo Kongo tinha já um interesse ardente em política. A morte de um rei originava sempre uma luta pelo poder entre os clãs antes de um novo rei ser eleito. Eles tinham um sentido profundo de justiça, que no passado, tinha implementado a resistência à opressão portuguesa e que faria o mesmo no futuro. A democracia das reuniões da igreja baptista criou uma comunidade activa e participativa que tendia a aumentar a consciencia política de um grupo mais lato entre a sociedade Kongo e mais tarde a sociedade Zombo”49.

Esta nota é suficientemente elucidativa para se perceber a decisão do responsável do governo português da pasta do Ultramar em optar pela expulsão do revº David Grenfell e seu pessoal (Julho 1961) bem como a posterior destruição da maioria das instalações das missões no Norte de Angola

Saída da comitiva de propaganda protestante de S. Salvador50.

No meu tempo, a comitiva já não tinha este aspecto, mas ainda apreciei algumas vezes, a experiente e dedicada enfermeira Edna Staple a passar por nossa casa, a pé, com dois ou três auxiliares, em visita sanitária aos povos da serra da Kanda. Diga-se que as autoridades sanitárias portuguesas estavam envolvidas, aliás com muito êxito, no problema da erradicação da doença do sono, situação que obrigava a uma logística de muito maior envergadura, mas para isso a governação era portuguesa.

Não admira que a politização das elites Kongo, em especial do movimento Nguizako pelo lado dos católicos e a génese do pensamento politico dos Bazombo (Alliazo) pelo lado dos protestantes dessem origem ao movimento Kimpwanza (independência) que passou a ser discutida, secretamente, em cada Vata de cada Banza (aldeias de cada vila). A ideia era expulsar os portugueses, através do terror, em dois ou três meses. Diga-se, de passagem que os responsáveis portugueses pela politica ultramarina esperavam um incêndio tipo “Paris já está a arder” previram o fortíssimo morticínio causado pela UPA, o que não esperavam foi a resistência da população portuguesa durante os primeiros três meses. Essa reacção provocou o início do êxodo dos kongo para a zona bakongo da então República do Zaire. Dizia Savimbi (o líder angolano da Unita) que “Quando os elefantes se zangam quem sofre é o capim”.

 

Nota Intrigante: Diogo Cão era Maçon?

Siglas maçónicas no mosteiro dos Jerónimos

1º Documento fotografia extraída da obra George Grenfell and the Congo, 1º Volume pag. 71, frequentemente mencionada neste trabalho. Curiosamente antecede a fotografia das inscrições de Diogo Cão nas pedras de Yalala. Importante é o facto da inscrição no canto inferior direito estar semi apagada. Porque é que Grenfell em vez de fotografar só as inscrições mais visíveis procedeu assim?

2º Documento Compulsando alguns textos sobre o termo maçonaria, deparei com o documento acima, e como se pode verificar o mesmo sinal da 1ª fotografia’,de Grenfell, lá está, representado ao centro. Esta gravura foi extraída da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, volume 1451.

3º Documento… ”Uma vez terminada a conferência, os notáveis vestiam uma outra insígnia real: a grande capa do hábito de Cristo, com pedraria engastada em prata (mencionado por Faria Leal, residente em Banza Kongo, em 1911): “(…) O hábito de Christo, que parece ser peça de valor e é obra antiga, é provável que fosse presente de Filipe II quando em 1609 fez doação de 3 habitos a parentes do rei do Congo (…).”52

Fotografia do falecimento do Rei do Kongo, D. Álvaro Mbemba 53.

4º Documento O Avental do maçon José Heliodoro de Corte Real Faria Leal54. A família Faria Leal honrou-me com a autorização para fotografar as insígnias maçónicas de seu avô. Poderia utilizar aqui mais documentos, mas parece-me desnecessário, pelo menos face ao meu conhecimento sobre o assunto pouco ou nada adiantaria, outros mais preparados poderão usufruir destes dados.

Avental Maçon F. Leal. Registo fotográfico com a data de Outubro de 2010

 

Pequena nota sobre a Ordem de Cristo

Nove cavaleiros, todos veteranos da Primeira Cruzada e liderados por Hughes de Payens, logo após a queda de Jerusalém, reuniram-se secretamente para reafirmarem a sua adesão ao Reino Cristão fundando a ordem dos Cavaleiros de Cristo fundamentada nos votos de castidade, pobreza e obe-diência. Sacrificaram as suas vidas a estes princípios, sob a égide de garantia do Reino de Cristo e até à sua morte dedicaram-se à protecção dos peregrinos. Vamos encontrá-los, tempos depois, sob a denominação de “Cavaleiros do Templo de Salomão”, ou simplesmente de “Cavaleiros Templários” que cresceu de forma impressionante tanto política como economicamente. Este poder devia-se a estarem directamente subordinados à autoridade do papa. Nenhum rei ou nação poderia tolher-lhes o passo. Porém, Filipe o Belo, monarca francês, tecia a sua malha infiltrando na Ordem vários espiões. Começava a metamorfose dos templários numa estranha sexta-feira dia 13 de Outubro de 1307. Foi o fim de Jacques de Molay e cerca de mais cinco mil Templários, quase todos os existentes em França.

Restou uma pequena célula em Portugal com a anterior denominação de Ordem de Cristo, tendo como seu grão-mestre o Infante D. Henrique, desempenhando papel fundamental na epopeia dos Descobrimentos. Após a aniquilação dos Templários na maior parte da Europa, a ordem continuou em Portugal, com a denominação de “Ordem de Cristo” (da qual o Infante D. Henrique foi Grão-Mestre) resultando no poder discricionário do Infante, muito por via dos bens incalculáveis dos templários terem revertido directa ou indirectamente a favor da bem organizada “multinacional “que foi a obra dos Descobrimentos. Assim se pode, eventualmente compreender a viabilidade estratégica e económica da impressionante empresa. Mas não seria tudo. Os tentáculos do poder de Inglaterra, há mais de cem anos instalados em Portugal contavam com a protecção de Robert Bruce Stuart (Roberto I Rei da Escócia). Esta aliança retirou todas as possibilidades de intromissão da Inquisição ao projecto da Ordem de Cristo, gozando assim de liberdade suficiente para continuar suas actividades. Os seus membros organizavam-se em fraternidades maçónicas. Em 1314 Robert Bruce e Johan Marcus Larmenio, fundavam “Loja dos Maçons Livres e Aceitos do Rito Escocês”.55

Paulo Dias de Novais, primeiro Governador de Angola era neto de Bartolomeu Dias, pai de António Dias de Novais Cavaleiro da ordem de Cristo56, confrontou-se muitas vezes com o poder dos jesuítas na celebre politica das minas que nada puderam contra Paulo Dias “apesar” deste ser cristão novo.

 

Breve nota sobre a “velha” Política das minas

“A doação da capitania de Angola foi efectuada por Carta de Doação, dada em Almeirim a seis de Setembro de 1571, sendo muito semelhante às donatárias do Brasil. Compunha-se a doação do rei a Paulo Dias de Novais, de duas partes distintas. Uma, compreendida entre os rios Dande e Quanza limites do reino de Angola – doada somente em vida, revertendo para a Coroa após o seu falecimento57, a outra, doada para sempre, constava de 35 léguas de costa para sul da margem esquerda do Quanza, estendendo-se tal como no Brasil para o interior tanto quanto possível… Dela sobressai à primeira vista, o seu elevado objectivo: o povoamento com condiçaõ que dentro de seis annos que começarão do dia que deste Reynno partir ponha na dita terra e capitania cem moradores cõ suas molheres e filhos e que etre alguns lauradores cõ as suas sementes e plantas q deste Reynno e da ilha de Santome se podere leuar…”58

Esboço da Carta de Doação, de Carlos Alberto Garcia59.

Estão aqui bem visíveis as fronteiras que limitavam a acção do primeiro governador geral de Angola. O reino do Kongo era uma questão que só dizia respeito ao Vaticano. A Coroa facilitava a exploração do reino de N’gola durante a sua vida, ou seja, teria o seu uso fruto enquanto vivesse. Quanto ao reino da Matamba (Benguela) Pois bem, lutasse por ele .

Passaram-se entretanto quatrocentos anos (1575/1975) e a questão dos limites dos direitos dos reinos, por coincidência, continuaram sensivelmente os mesmos. Os Bakongo (UPA) a reivindicar o que estivesse a norte do rio Dande (pretendendo até anexar o rio Bengo) o MPLA a instalar-se no reino de Ngola (apoderou-se das três partes) e a UNITA reivindicava o espaço do reino de Benguela.

“Esta politica destinada à exploração das minas de metais preciosos que porventura jazessem no continente africano foi, certamente dirigida por um cérebro frio, metódico e calculista, muito naturalmente de Martin da Câmara, que ocupava na corte o elevado cargo de escrivão e senhor de poderes discricionários… a «política das minas», pela sua importância e complexidade, foi característica de um determinado grupo que outro não era senão a Companhia de Jesus…tenha-se em devida conta que foi um jesuíta quem falou no ouro da serra de fura foram inacianos também que, uma vez chegados a Angola, ajudaram poderosamente a manter o mito da prata de Cambambe”60. “Se quisermos ter em atenção o forte predomínio dos irmãos Câmaras, confessor de D. Sebastião um, escrivão da puridade outro, nãos nos será difícil admitir ser Martim Gonçalves da Câmara – presidente da mesa da consciência, antigo reitor da Universidade de Coimbra, sacerdote e Doutor em Teologia, o mentor e o mais representativo cultor da chamada «política das minas». Foram os irmãos Camaras os condutores da política nacionalista…61

De posse destes relevantes dados já se pode ter uma ideia dos objectivos a perseguir pelas autoridades portuguesas aquando do início da colonização integrada na ocupação efectiva (1876-1925) e o seu objectivo económico, politico e cultural, para a relação de poderes em que forçosamente intervieram, especialmente kongos, portugueses, ingleses, alemães, franceses e belgas. Para uma melhor compreensão deste assunto, é de primacial importância conhecer figuras chave de exploradores da estirpe de Stanley, Brazza, Livingstone, especialmente o colonialista Harry Johnston. A sua reputação levou a rainha Victória a nomeá-lo líder da questão “Bacia Convencional do Zaire”. Foram estes colonialistas africanos com que os políticos portugueses dos finais do século XIX tiveram de se haver. Na segunda parte deste artigo darei pormenores que, por terem relevância, fará todo o sentido uma breve descrição dos mesmos, para compreensão do fenómeno que foi o desenvolvimento das acções diplomáticas, militares e administrativas no teatro de operações de S. Salvador actual Banza Kongo a partir dos últimos 25 anos do século XIX e dos primeiros vinte cinco anos do século vinte.

 

Considerações finais

Se tivermos em linha de conta as observações tecidas pelo missionário Barroso acerca do modo de viver dos kongo, poderemos contribuir, mais abaixo, com algumas considerações após esta citação:

“O que hoje observamos nestas populações leva-nos a pensar que o seu estado relativamente sedentário não data de séculos muito afastados. O grande prazer que este preto Congo experimenta em se passear de povoação em povoação, demorando muitos meses fora dos limites a que pertence, a facilidade com que pelas razões mais fúteis, às vezes um sonho, abandonam a povoação em que nascem, os seus chimbeques e phantaços; quando não é uma povoação inteira que emigra em massa para logares distantes62

Considerando fundamentalmente a sua posição geográfica, o ambiente natural que os envolve, os extensos planaltos de 500 a 1.000 metros de altitude, a savana seguida de pequenas florestas, a fertilidade dos seus terrenos (durante a colonização foram dos principais agricultores de amendoim, feijão e mandioca), verifica-se que os Kongo habitam um território privilegiadamente irrigado e de clima muito benigno, propício ao pastoreio, inclusive de gado bovino63, com o senão: um último aceleramento de elevada percentagem da doença do sono, (mosca tsé tsé) ao qual foram acrescentados, como se não bastasse, surtos frequentes de cólera. Com o rodar dos séculos, estas condições contribuíram para que se cotassem entre os melhores condutores e senhores de caravanas comerciais, por se situarem estrategicamente entre as regiões do Kassai, do Kuango e ainda de “Stanley Pool”. Os contactos preferenciais com os povos da floresta, onde estavam incluídos os pigmeus ba buty, ba inga e os baka baka, permitiram o controle dos caminhos, sendo curiosa a conotação, quanto as estes últimos do termo baka baka, que em kikongo quer dizer agarra agarra, sugerindo o conhecido vocábulo kuata-kuata em toda a Angola e Kongo e de tão funestas recordações. Referimo-nos à guerra do kuata-kuata, relacionada especificamente com captura de escravos. Mais tarde, o mesmo kuata-kuata, foi aproveitado para as situações de trabalho compelido em culturas obrigatórias, método de trabalho esse, conhecido e aplicado por todas as administrações coloniais europeias.

Desta forma se poderá depreender, como os Kongo se souberam aproveitar das situações em que intervieram (e continuam a intervir), assumindo-se agentes activos e privilegiados entre os povos do interior e do litoral. A sua apetência pelo tráfico de todo o tipo de mercadorias afectou, e afecta ainda, profundamente a sua existência. O ambiente natural e a sua cultura imediatista, relacionada com o comércio de longa distância, levaram o bispo do Uije D. Francisco da Mata Mourisca, a esta apreciação:

“O angolano conguês caracteriza-se por um pragmatismo imediatista, que faz dele um comerciante nato. Investimentos que façam esperar muito tempo pelo lucro não o seduzem. Ele quer investir hoje e lucrar amanhã. Daí, a sua sedução pelo comércio, mesmo desde criança”64

Enfim, esta secular tendência dos Kongo e em especial do sub grupo Zombo para o comércio indicia uma causa profunda, mas não única, do seu modo de viver.

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*      Doutorado em Antropologia Social e Cultural pela Universidade de Coimbra. africaprint@sapo.pt.

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1  Barroso, António José de Sousa Barroso, Comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa, 7 Março de 1889, publicada no Nº8, Série Nº3 e 4, pág.167.

2  Custa-me muito a acreditar em dois quilos de pregos, mas enfim…A explicação pode ser esta: o missionário Barroso, ao apresentar estes dados perante a audiência na SGL, enfatizava o mais que podia as já terríveis dificuldades como que lutavam os “prospectores de sonhos africanos”.

3  Porque estarão as personagens ao centro umas ajoelhadas e outra sentada? Quem conhece os kongo e tem em atenção o Nku’u entender-lhes-á os motivos: quanto mais de perto se relacionam os indivíduos com o seu chefe (o Ntotila), maior é o seu respeito e veneração por ele. Daí a posição da personagem sentada, que tem o titulo de príncipe (nosso) e por isso legitimada a ter assento na cadeira enquanto as outras autoridades ficam, subservientemente, de joelhos.

4  Contudo, há um facto de extrema importância e que tem passado despercebido em toda esta trama: Midosi Moreira, o chefe administrativo que substituiu Heliodoro Faria, foi pai de dois filhos da Maria Kiangany irmã de Buta (o governo de Norton de Matos trouxe-os para Portugal). Estas duas crianças seriam os directos herdeiros e sucessores do Ntotila. Calcule--se o problema sociopolítico levantado. O caso teve tal magnitude que parece ter sido alvo de divergências entre o governo português da altura e o seu homólogo belga.

5  Leal, José Heliodoro de Faria. (1914) Estudos Coloniais – Memórias d’ África. Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa. Sede da sociedade. Lisboa, pp. 355-356.

6  Diniz, Ferreira (1918) As Populações Indígenas de Angola. Imprensa da Universidade. Coimbra.

7  Correia, Roberto (2001) Angola Datas e Factos – 4º volume (1912/1961). Edição de autor. Coimbra, p. 24.

8  Op. Cit., pp. 25-26.

9  Op. Cit., p. 26.

10 Op. Cit., p. 27.

11 Op. Cit., p. 28.

12 Op. Cit., p. 30.

13 Ibidem.

14 Correia, Roberto (2001). Angola Datas e Factos – 4º volume (1912/1961. Edição de autor. Coimbra, pp. 30-31.

15 A sistematização deste assunto já pode ser consultada na internet a tese de doutoramento do autor,Os Zombo e o Futuro (Nzil’a Bazombo):na Tradição, na Colónia e na Independência.

16 Entre outros títulos laudatórios.

17 Barroso, António José de Sousa (1889), O Congo seu Passado, Presente e Futuro. Sociedade de Geografia de Lisboa, Lisboa, p. 174.

18 Este espaço é o Lumbu dya Ntotela “o Terreiro do Rei” o Espaço Sagrado. Note-se que já inseri na 1ª parte uma fotografia que parece igual, mas não é. Nesta, o rei está investido do seu poder de controlar a chuva daí o guarda-chuva, presumo que esta cena retrata o acto de posse da tradição que só dizia respeito aos Kongo.

19 Faria Leal, Heliodoro de Corte Real Faria Leal, Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa, nº 9, Setembro 1914, pag.304.

20 Faria Leal, Heliodoro de Corte Real Faria Leal, Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa, nº 9, Setembro 1914, pág.307.

21 Idem, pág. 306.

22 Idem, pag 307.

23 Tenho em meu poder o microfilme dessa carta, retirada do Arquivo Histórico Ultramarino.

24 Idem, pag. 315.

25 Idem, pag.315.

26 Idem, pag.318.

27 Oliveira, José Carlos de, Os Zombo e o futuro (Nzil’a Bazombo), Revista Militar de Maio a Setembro 2009.

28 Faria Leal, Heliodoro de Corte Real Faria Leal, Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa, nº 9, Setembro 1914, pág.307.

29 Memorias D’ Africa, in Boletim Nº9, 32ª Série, Setembro de 1914, pág. 303.

30 Faria Leal, José Heliodoro de Corte Real, Memórias de África, Boletim SGL, Capítulo VII, pág. 117.

31 Faria Leal, Heliodoro de Corte Real, in Revista Portugueza Colonial e Maritima, Vol 10, Nº59, pág. 203.

32 Idem, mesma página.

33 Fotografia do acervo da família Faria Leal.

34 Oliveira, José Carlos de, O Comerciante do Mato, publicação do Centro de Estudos Africanos, Edição do Departamento de Antropologia, Universidade de Coimbra, 2004, pág.53,56.

35 Fotografia do acervo da família Faria Leal.

36 Pelissier, René, História das Campanhas de Angola, Resistência e Revoltas, 1845-1941, 1º Volume, pág. 290.

37 Fotografia do acervo da Família Faria Leal.

38 Grenfell, F. James, História da Igreja Batista em Angola, 1879-1975, Pág 45.

39 Pelissier, René, obra citada, pág. 296/7.

40 Foi companheiro de Faria Leal na ocupação do Kuango.

41 Faria Leal, José Heliodoro de Corte Real de Faria Leal, Memórias de África, capitulo IV, Boletim da Sociedade Geographia de Lisboa, nº 11 de Novembro de 1914, pág.406.

42 Idem, Congo Portuguêz de São Salvador ao Rio Cuilo, in Revista Portugueza Colonial e Maritima, vol.10, nº59, pág. 206/7.

43 René Pelissier, obra citada, pág.291.

44 Pauwels Louis, Bergier Jaques, O Despertar dos Mágicos, Bertrand Editora, Lisboa 2008, pág. 69.

45 Neste caso o termo deve ser entendido como os Kongo compreendiam o termo “dono”, o que depois passou a ser substituído por “patrão”.

46 Faria Leal, José Heliodoro de Corte Real, Memórias de Africa, Capitulo III, Boletim Nº10, 32ª série, pág.357.

47 Faria Leal, José Heliodoro de Corte Real, Memórias de África, capitulo III Boletim Nº 10, Outubro de 1914, 32 ª série, pág.358/362.

48 Idem, pág. 361.

49 Grenfell, F. James, História da Igreja Baptista em Angola, 1879/1975, 1998, edição Baptist Missionary Society, pág.15.

50 Fotografia do acervo da Família Faria Leal.

51 Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Volume 14, pág.796.

52 Leal, José Heliodoro de Faria. (1914) Estudos Coloniais – Memórias d’ África. Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa. Lisboa.

53 Pelo menos o terceiro personagem, à direita, usava o hábito de Cristo. Também o personagem com manto bordeado a branco e chapéu nas mãos parece usar o mesmo manto (embora a cruz não esteja visível.

54 A Família Faria Leal fez o favor de nos permitir fotografar estes e outros adornos maçónicos de seu avô.

55 Muitos destes elementos estão hoje divulgados pela internet.

56 Garcia, Carlos Alberto, Paulo Dias de Novais e a sua Época, Agencia Geral do Ultramar, 1964, pag.139.

57 O sublinhado é do autor e pretende enfatizar o pormenor.

58 Garcia, Carlos Alberto, obra citada, pág.189/190.

59 Garcia, Carlos Alberto, obra citada, pág.195.

60 Garcia, Carlos Alberto Paulo Dias de Novais e a sua Época, Agência Geral do Ultramar, 1964, pág.33.

61 Idem, pág.36.

62 Barroso, já citado, pág.208.

63 Dias, Jorge, Ambiente Natural e História, in Trabalhos de Antropologia e Etnologia, Instituto de Antropologia, Faculdade de Ciências, Porto, 1959, pág.103 a 116.

64 Mourisca, D. Francisco da Mata, Prefácio à Dissertação de Mestrado do autor.

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José Carlos de Oliveira

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