Nº 2530 - Novembro de 2012
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Guerra da Restauração da Independência de Portugal (1640-1668) – Intervenção do Marechal Schomberg –
Tenente-general
José Lopes Alves

Introdução

Entre as muitas centenas de oficiais estrangeiros que desde os primórdios da nossa história serviram no Exército Português, quatro continuam merecedores de relevância histórica especial: o marechal conde de Schomberg na década de sessenta do século XVII, na Guerra da Restauração da Independência nacional, o marechal conde de Lippe, na década de setenta do século XVIII, na Guerra da Sucessão de Espanha em que Portugal participou, o marechal duque de Wellington, nos anos de 1808 a 1812 da Guerra Peninsular em Portugal, e o marechal Beresford, no período de 1807 a 1820, também da Guerra Peninsular e no dealbar das Lutas Liberais.

Com características pessoais diversas, ainda que em todos eles adequadas ao comportamento necessário à missão de organização e comando que vinham desempenhar, será, no entanto, em Schomberg, pela especificidade do meio social, humano e militar do seu tempo e da luta a travar contra o Exército Espanhol e pela duração da sua permanência em Portugal que vamos encontrar, talvez, uma ligação mais íntima, embora também com aspectos tanto positivos como negativos, com os militares portugueses, com o monarca e o seu governo e com a sua organização principal de orientação, consulta e decisão, o Conselho de Guerra.

O marechal William Carr Beresford, com tempo de missão mais demorado, teve comportamento profissional, social e humano sensivelmente análogo ao de Schomberg, mas mais ditatorial e ingerente em aspectos do domínio político.

Feita esta leve referência pessoal à situação de Schomberg em relação aos três outros marechais que, num período de cento e sessenta anos, serviram o nosso País, considerando que, embora a restauração da independência do domínio filipino seja amplamente conhecida nos seus eventos preliminares antes e desde 1 de Dezembro de 1640 até à sua concretização efectiva por tratado de 17 de Junho de 1668, vinte e oito anos depois, vou prosseguir recordando os aspectos dominantes do empenhamento em que o Marechal esteve envolvido.

Neste sentido, proponho-me tratar sucintamente os pontos seguintes:

–  Ambiente histórico europeu em que a Guerra da Independência se verificou e fases pela mesma abrangida;

–  Apoios de países e entidades à nossa Guerra, em especial na fase schomberguiana da luta;

–  Aspectos que rodearam a vinda do marechal, sua aceitação no Exército Português e suas atitudes;

–  Anotação de factos que influenciaram particularmente o curso vitorioso da guerra.

 

Síntese do Ambiente Histórico

Considerações gerais

Como é conhecido, o grito de independência do domínio filipino de 1 de Dezembro de 1640 ficou e dever-se à vontade dos portugueses, ainda que não de todos, e tirando partido das lutas em que então se empenhava o Exército Espanhol, quer nas regiões da Europa que até então haviam constituído o Império de Carlos V e dos Filipes, quer nas suas possessões ultramarinas, próprias ou tomadas a Portugal, e que eram objecto das intenções expansionistas da França, da Inglaterra e da Holanda iniciadas por 1600. O grito da independência e, fundamentalmente, depois a sua concretização foi ainda favorecido pelo interesse que os governos franceses, de Luis XIII e Luis XIV, e inglês, de Cromwel e Carlos II, tinham em que a Espanha tivesse em Portugal mais uma frente de empenhamento das suas forças, fragilizando-se naturalmente nas outras frentes dispersas pelo Globo.

Todavia, pelos fins de 1650, reinava a paz possível entre os três países e os governos francês e inglês, não desejando hostilizar abertamente a Espanha, só limitadamente e mais ou menos secretamente se dispuseram a auxiliar-nos na nossa luta que desde logo se admitia longa e difícil.

A Inglaterra, no entanto, podia justificar esse apoio pelas imposições do já então velho Tratado de 1383 com D.João I e, já no período da Guerra, pelo muito interesse que tinha na assinatura do convénio relativo ao casamento de D. Catarina de Bragança com o seu Rei Carlos II, verificado em Junho de 1656, nos termos do qual lhe adviriam elevado dote, a posse das fortalezas de Tânger, que lhe permitia controlar toda a navegação e comércio que utilizasse o Estreito de Gibraltar, e da então designada Ilha de Bombaim, na qual teria início o seu domínio da Península do Hindustão, e, ainda, a concessão de facilidades de acesso da sua Marinha a todos os portos portugueses da Europa, que já tinha, e Ultramar.

A França de Luís IV, sempre em oposição passiva a Espanha, decidiu simplesmente fechar os olhos a tudo o que pudesse sair do país, homens, armas e meios para auxiliar a nossa luta e, em conformidade, às actividades de uma comissão presidida pelo marechal Turenne, então comandante-chefe do Exército Francês, que foi por ele nomeada e encarregada desse auxílio.

Eram as condicionantes políticas e estratégicas do tempo.

É, então, nesta altura, na transição da década de cinquenta para a de sessenta do século XVII e depois por toda a década de sessenta que surge o marechal Schomberg e a relevância que iria assumir na nossa luta.

Efectivamente, após demoradas conversações em Paris, conduzidas por uma delegação do Conselho de Guerra de D.Afonso VI, que sucedera em 1658 a D.João IV, chefiada pelo conde Soure e de que fazia parte, entre outros, o padre António Vieira, também conselheiro do Rei, é que, em 24 de Agosto de 1660, por indicação de Turenne e a aprovação dos monarcas francês e inglês, é contratado o marechal conde de Schomberg, então ao serviço do Exército Francês, com mais cerca de duas dezenas de oficiais, nomeadamente franceses, para servir no Exército Português com vista à continuação da preparação e à condução da guerra no nosso território contra os espanhóis. A contratação do marechal, como a de todos os oficiais que com ele vieram e estiveram depois sob as suas ordens, foi objecto de documento particular pessoal, mas que no seu caso abrangia também os filhos Frederick e Meinhard que o acompanhavam.

Nos termos desse contrato, Schomberg recebia o posto de marechal de campo do Exército Português e de general das tropas do Alentejo, com uma “ajuda de custo” diária de 2000 cruzados para despesas gerais dele e dos filhos e uma gratificação anual de 12000 cruzados. Um cruzado valeria ao tempo 400 reis e o cruzado novo 480.

Diz o seu biógrafo Glozier que logo que houve conhecimento das conversações para o contrato do Marechal visando a sua participação na organização e emprego do Exército Português, os espanhóis, orientados pelo seu então embaixador em Paris, tentaram a todo o custo que tal se não verificasse, tendo mesmo montado, sem consequências, um atentado contra a sua vida.

 

Mas, quem era Schomberg?

Considerado, segundo o seu biógrafo sul-africano Prof. Matthiew Glozier, “o mais hábil soldado do seu tempo”, Frederick Herman von Schomberg, de família nobre e influente, nasceu em Heidelberg, no Principado do Palatinado (Alemanha), em 6 de Dezembro de 1615, e após ter servido continuamente, durante 57 anos, nos exércitos do seu país, da França, da Suécia, da Inglaterra, de Portugal, da Holanda e do Reino de Bradenburgo, morreu em combate na Batalha de Boyne Water, na Irlanda, então ao serviço da Inglaterra, em 1 de Julho de 1690, portanto com 75 anos. No seu tempo de serviço, em mudança permanente, foi simplesmente combatente, comandante, conselheiro militar e político e, no campo religioso e social, acérrimo defensor do protestantismo (huguenottes), ganhando honras, títulos nobiliárquicos e dinheiro, tornando-se durante a vida proprietário de extensos e valiosos bens tanto na França, segundo país de adopção, como na Alemanha.

São os seguintes os eventos dominantes da sua biografia:

Em 1633, com 18 anos, torna-se voluntário no Exército Holandês do Príncipe de Orange em luta contra os espanhóis que ocupavam os Países Baixos. No ano seguinte, 1634, faz parte do Exército Sueco ao serviço da Alemanha e em 1635 assume o comando de uma companhia de regimento de cavalaria alemão de Von Rantzau na sua luta contra a França pelo domínio pretendido dos Países Baixos. Em Março de 1637, após alguns pequenos desaires operacionais, abandona o serviço militar e regressa ao seio da família, empenhando-se por todo o ano de 1638 na administração das suas propriedades. Casa-se, então, pela primeira vez.

Em 1639 reentra ao serviço do Príncipe de Orange como tenente de um regimento de arcabuzeiros alemão para, em 1645, passar ao serviço do Príncipe de Tarente, também na Holanda. Em 1650 toma parte em golpe de estado contra Guilherme de Orange, que falhou e, em consequência, foi expulso dos Países Baixos. Passa, então, para a França, torna-se auxiliar do cardeal Mazarino, primeiro ministro de Luís XIV, e, em 28 de Outubro de 1652, é promovido a capitão no regimento de mosqueteiros do cardeal e, logo a seguir, nomeado marechal de campo do Exército Francês. Toma então parte, do lado francês, nas lutas verificadas entre franceses e alemães e, em 16 de Julho de 1655, é promovido a tenente-general. Nas lutas que a seguir se travam entre o Exército Francês e Espanhol, este comandado por D. João de Áustria, pela posse de territórios espanhóis na Flandres, toma parte no cerco da praça de Valencienne, onde seu filho Otto é morto e, logo a seguir, cercado por 12000 espanhóis em Saint Guislain, é forçado a render-se ao general espanhol.

Terminadas, pelo Tratado dos Pirinéus de 7 de Novembro de 1659, as operações e a guerra entre a França e a Espanha, vão então ter lugar, com o apoio do Marechal Turenne e, como se afirmou, com a aprovação calada de Luís XIV, as conversações para a contratação de Schomberg para o serviço do Exército Português.

 

A Guerra até à vinda do Marechal

Quando D. João IV subiu ao trono, em Dezembro de 1640, era praticamente nulo o potencial militar do Reino para se opor à esperada e anunciada tentativa dos espanhóis de retomarem o trono. Existia então apenas de positivo, como refere o general João de Almeida, a “organização das Ordenanças que vinha de D. Sebastião”. Não havia armas, não eram conhecidas as novas táticas permitidas pelo desenvolvimento do armamento já em curso no resto da Europa e não havia chefes nem comandantes capazes. A agravar a situação, o inconveniente principal, não havia dinheiro nos cofres do Estado.

Utilizando bens próprios, entre os quais os do Ducado de Bragança que eram, diga-se, avultados, o Rei restabeleceu a organização dos Terços de 1570 e criou um Conselho de Guerra Permanente, uma Junta de Defesa das Fronteiras, os altos cargos de tenente-general de Cavalaria, de tenente-general de Artilharia e de governador das armas, este, um para cada província. Complementarmente, criou capitanias, tendo à frente um capitão-mor, repôs o sistema de recrutamento de “levas” com serviço militar obrigatório dos 16 aos 60 anos, mas com isenção dos lavradores e dos filhos das viúvas que com elas coabitassem. Surge, assim, o primeiro Exército Permanente de Portugal com terços regulares e auxiliares, sendo os oficiais nomeados entre os nobres e entre os graduados que mais se distinguissem, e assiste-se por todo o Reino à reparação de castelos e fortalezas, à fundação de coudelarias e de fábricas e oficinas de material de guerra.

No estudo da situação face à guerra e às ameaças possíveis, é eleito o Alentejo, nomeadamente a sua parte setentrional, como teatro de operações predominante, para onde iriam, portanto, ser dirigidas, em prioridade, as medidas de defesa, sem descurar eventuais ameaças, que efectivamente se concretizaram em certos períodos, pelas fronteiras do Minho, Trás-os-Montes e Beiras. Perante o poderio espanhol, no entanto ainda disperso pela Europa, é adoptada a atitude defensiva sem provocação e o recurso imediato ao auxílio de tropas estrangeiras, havendo conselheiros do Rei, como o Padre António Vieira, que advogavam a saída imediata da corte para o Brasil enquanto se mantivesse o desequilíbrio de forças que então existia.

A guerra, com a cooperação das populações locais, esta maior em Trás-os-Montes e Minho do que no Alentejo, instalara-se nas fronteiras do reino, ainda que sem acções de vulto, logo a seguir a 1640.

O capitão Carlos Selvagem e o general Andrade e Silva, analisando os vinte e oito anos de luta entre 1640 e 1668, consideram na mesma as quatro fases seguintes:

Primeira fase, de 1641 a 1646, sete anos, com ligeiras incursões de parte a parte, a vitória das tropas portuguesas no Montijo (pequena povoação na área de Badajoz) e a primeira acção, infrutífera, das tropas espanholas contra as Linhas de Elvas em 8 de Novembro de 1646) – a forma lenta como as acções e reacções foram conduzidas durante esses cinco anos levaram à substituição dos comandantes dos dois exércitos.

Segunda fase, de 1647 a 1656, a mais longa, dez anos, caracterizou-se por comportamento análogo da fase anterior, tendo, no entanto, as tropas portuguesas demonstrado maior espírito ofensivo, ainda que sem obter resultados compensadores.

Terceira fase, de 1657 a 1659, de apenas três anos, em que se verificou maior capacidade ofensiva por parte dos espanhóis, que tomaram Olivença em 30 de Maio de 1657 (e intentaram, sem êxito, tomar Mourão em 1658) e um segundo ataque contra as Linhas de Elvas, em 13 de Janeiro de 1659.

Quarta fase, de 1660 a 1668, com a duração de oito anos, então já com Schomberg, primeiro nas funções de Mestre de Campo General das Forças do Alentejo, a seguir, em 20 de Maio de 1663, comandante geral de todas as forças estrangeiras no País e, a partir de 20 de Novembro do mesmo ano, após a vitória do Exército Português na Batalha do Ameixial, governador e comandante das armas do teatro.

No início desta última fase, em Novembro de 1659, a Espanha de D. Luís de Haro já tinha resolvido as suas pendências da altura com a França de Mazarino, com a Itália e com a Catalunha e estava, portanto, livre para se empenhar em força, como fez, contra Portugal.

 

Empenhamento de Schomberg

Acção em Portugal até à Paz

A contratação de Schomberg, oficial general da “escola militar francesa” apadrinhada pelo marechal Turenne de quem foi discípulo, mereceu desde logo, mesmo no início das conversações que a ela conduziram, a contestação de alguns oficiais portugueses. Esta contestação manter-se-ia mais ou menos activa durante toda a sua estadia entre nós embora se reconhecesse que ele não era homem de espalhafato, que respeitava gentes e costumes, que actuava discretamente e que foi melhorando o espírito de defesa, a reorganização e a modernização do Exército no seu todo, quer quanto a equipamento, quer quanto à implantação de sistema táctico conveniente. Recorreu para isso ao recrutamento de tropas dos exércitos francês e inglês e à contratação de algumas dezenas de “mercenários” de diversas origens, ele que, de certo modo, embora de escalão elevado, também tinha espírito e comportamento de “mercenário”.

Schomberg chega a Lisboa em 13 de Novembro de 1660 e inicia de imediato o cumprimento da sua missão. Vai então seguir-se, como era usual na época entre os exércitos mais evoluídos, a organização e a preparação das forças o e o planeamento anual das operações a realizar no ano seguinte, embora acautelando ao longo das fronteiras a resposta a acções inopinadas, admitidas, no entanto, de pequeno vulto.

É neste ambiente que, em Abril de 1662, por julgar que as forças instruí­das disponíveis não eram ainda as suficientes, Schomberg dissuade o Marquês de Marialva de atacar em força as tropas espanholas de D.João de Áustria que ameaçavam então o nordeste alentejano. Não puderam evitar-se, no entanto, alguns recontros, embora limitados, que originaram baixas
entre as forças portuguesas. Como resposta, Schomberg pensa então libertar Seromenha na posse dos espanhóis, que julga uma operação menor que podia vencer, mas, não tendo obtido acordo superior, pensa pela primeira vez resignar às suas funções de comando e regressar a França. No entanto, a chegada a Lisboa do embaixador francês Frémont com a garantia do aumento do apoio dos governos francês e inglês levam-no a abandonar essa ideia. Cai, todavia, logo a seguir doente, presumindo-se que envenenado, a ponto de só em Maio do ano seguinte, 1663, conseguir reassumir o comando.

Por essa altura, ainda em 1662, certamente para suavizar as relações com os oficiais do Exército Português, é aconselhado por Carlos II a transmitir as suas ordens às tropas, não directamente, mas através de oficiais portugueses.

A campanha de 1663 tem lugar perante a ameaça de invasão do território nacional, sempre sobre o Alentejo, por um corpo de 9000 infantes e 6000 cavaleiros, ainda comandado por D. João de Áustria. Schomberg imagina que, com tal volume de forças e pela posição planáltica e central de Évora, com possibilidades de diversão em todos os sentidos, seria esta cidade o objectivo do inimigo e, em conformidade, propõe que sejam feitas obras de defesa na cidade e, naturalmente, aumentada a sua guarnição.

Vai surgir neste evento a sua segunda grande controvérsia com o Conselho de Guerra que assessorava o Rei, o qual opinou que os espanhóis se não aventurariam a atacar objectivo tão profundo e, em face disso, limitou-se a reforçar a defesa da cidade com algumas, poucas, peças de artilharia e com reduzido efectivo de tropas que, mais grave ainda, Schomberg classificaria de muito indisciplinadas.

Mas, o marechal tinha razão. Évora seria efectivamente cercada e ocupada em princípios de Maio desse ano, tendo o comandante da guarnição e as tropas de defesa portuguesas abandonado a luta. O contingente inglês, no entanto, teve bom comportamento, disse-se, então, porque era regularmente pago, mas a situação seria normalizada, dias depois, em 8 de Junho de 1663 com a derrota dos espanhóis em Ameixial, sendo comandante das forças portuguesas o Marquês de Vila Flor. Mais uma vez, diz o biógrafo Glozier, houve comportamento meritório dos ingleses, o que levou D. Afonso VI a pedir a Carlos II o envio para Portugal de mais 800 efectivos. Schomberg sobe um pouco mais no conceito dos portugueses pela vitória e por ter participado pessoalmente nos combates à testa de 1500 combatentes, entre os quais se encontravam os seus dois filhos. Em resultado da vitória, Schomberg é feito Conde de Mértola, é-lhe aumentado o vencimento, bem como aos filhos, e pagos os soldos atrasados.

O ano de 1664 seria apagado do ponto de vista operacional. Já, então, naturalizado francês, Schomberg apenas leva efeito uma acção de vulto: cerca Valência de Alcântara em 10 de Junho, que se rende ao fim de quinze dias, e aproveita o resto do ano para a preparação com o Conselho de Guerra da campanha no ano seguinte. Um dos problemas que mais se avolumava era, então, o do pagamento dos vencimentos das tropas inglesas, geralmente atrasados, sendo-lhe observado, quando os reivindicaram, que os franceses também combatiam e não se queixavam, embora, em boa verdade, se não empenhassem tanto como ingleses e portugueses, uns e outros mais honestos no combate.

Mas, havia outros problemas: falta de abastecimentos, pois não havia dinheiro para os adquirir e recrudescimento da oposição a Schomberg pelas suas exigências, acusando-o de inadaptação à realidade financeira do País. Era, então, principal arauto dessa oposição o Conde de Castelo Melhor.

A referida vitória de Valência de Alcântara, embora tenha originado muitas baixas, cerca de 450 em cada 1000 combatentes, foi, no entanto, considerado feito assinalável e serviu de factor de acalmia em todos os escalões.

O segundo semestre de 1664 e os primeiros meses de 1665 foram de preparação e expectativa estratégica nos dois campos. Todavia, o Conselho de Guerra não aprovou a proposta de Schomberg de melhoria das fortificações de Vila Viçosa, que admitia ir ser atacada e, em 9 Junho de 1665, que seria o ano decisivo, a povoação foi efectivamente cercada pelas tropas do Marquês de Caracena, que substituira D.João de Áustria como comandante-chefe das forças espanholas. Esta situação deu origem a novo entrave no relacionamento de Schomberg com o governo e membros do Conselho de Guerra que só a vitória das tropas portuguesas na Batalha de Montes Claros, em 17 de Junho de 1665, oito dias depois, a que foi forçado o Marquês de Caracena, tudo sanou. Foram, na realidade, a Batalha de Montes Claros, a 3 quilómetros de Borba e a 12 de Estremoz, antecedida pela do Ameixial em 8 de Julho de 1663 e conjugada com os êxitos então obtidos em Trás-os-Montes e Minho, que decidiu o termo da guerra a favor de Portugal.

O comportamento de Schomberg em Montes Claros foi tão denodado como havia sido em Ameixial. Embrenhou-se pessoalmente na luta efectiva, foi-lhe abatido o cavalo que montava e obrigado a combater a pé e, refere Matthew Glozier, terá defrontado nessa altura em pessoa o próprio Príncipe de Parma que era o segundo comandante das tropas espanholas. Esta vitória elevou-lhe a alta reputação que internacionalmente lhe era reconhecida e, em preito de reconhecimento, o Marquês de Marialva, que comandava as tropas portuguesas, entregou-lhe todos estandartes, bandeiras e guiões capturados na batalha.

As operações foram depois diminuindo de número e intensidade e três anos mais tarde, por tratado de 13 de Fevereiro de 1668, foi definitivamente reconhecida por Espanha a independência de Portugal.

No entanto, nesse período de três anos a seguir a 1665, a acção do Marechal não esmoreceu. Logo em Outubro derrota novamente o seu antagonista em Cébora e, em 22 de Novembro, marcha para Norte do Douro e toma parte na invasão da Galiza. O Conde do Prado, que então era o comandante das armas do Minho e de Trás-os-Montes, opôs-se todavia ao prosseguimento das operações em profundidade e, após a conquista de La Guardia, Schomberg viu-se coagido pelo Conselho de Guerra a regressar ao seu teatro alentejano. Mas, logo em 8 de Janeiro 1666, atravessou o Rio Guadiana, visando penetração acentuada no território da Andaluzia que a escassez de abastecimentos, no entanto, obrigaria a interromper, recolhendo com as tropas a Salvaterra. Ficou então doente pela segunda vez.

Uma vez restabelecido, teria nova discrepância com o Conselho de Guerra quando, em meados de Abril de 1666, pretendeu retomar a operação do mês de Janeiro anterior e prosseguir a guerra do outro lado da fronteira. No entanto, também mais uma vez o Conselho não aprova a invasão, certamente pela duração que a campanha poderia ocasionar, e ele recolhe à base de operações, então em Estremoz.

No ano de 1667 seguinte, em 7 de Março, atacou Albuquerque. No entanto, tendo sido mal informado sobre o efectivo do inimigo, mais elevado do que admitia, foi forçado a abandonar desordenadamente a povoação, tendo a situação sido parcialmente recomposta pelo apoio que as tropas sob comando do Príncipe D.Pedro, irmão de D.Afonso VI, lhe prestaram.

Com o termo da guerra, como já se referiu, em 13 de Fevereiro de 1668, o marechal conde de Schomberg, tendo cumprido a missão para que fora contratado, regressa a França e ao Exército Francês em 1 de Junho desse mesmo ano.

 

Acções após a sua missão em Portugal

A carreira do marechal iria depois decorrer no mesmo ritmo que se tinha verificado no nosso país até à sua morte em 1690. O seu espírito de mercenário nobre, como comandante e combatente activo, projectou-se nomeadamente, entre outras, nas seguintes acções: no Exército Francês, em 1673, no cerco de Maastricht, no Exército Inglês na sua tentativa de ocupar os Países Baixos; novamente no Exército Francês como comandante-chefe na Batalha do Russilhão, em 4 de Abril de 1674; em favor do Ducado do Luxemburgo contra Guilherme de Orange; em 4 de Junho de 1684 comanda forças do Exército Francês no apoio ao Rei da Flandres que cercam a cidade de Luxemburgo; em Agosto seguinte apronta um exército francês de 30.000 homens tendo em vista levar a Alemanha a cumprir os termos do Tratado de Ratisbona que tinha posto termo a um litígio de fronteiras entre os dois países; finalmente, após mais uma dezena de movimentações ao serviço de países, partidos de nobres e, até, de grupo de huguenotes que procuraram os seus domínios pessoais para se protegerem, coopera em 30 de Junho de 1690 com o Exército Inglês na sua luta contra os Irlandeses do Norte no que seria o seu último empenhamento bélico, tendo sido morto a combater no dia seguinte, 1 de Julho.

Neste último período da sua movimentada vida, no entanto, Schomberg volta a Portugal em Março de 1686 com a família. Desligado já do Exército Francês, que foi a sua base mais estável, vem em missão diplomática com o embaixador francês Amelot, para tratar do casamento de Pedro II, filho de D.Afonso VI, com a Princesa Maria-Sofia, filha do Eleitor de Brandenbourg.

A sua presença em Lisboa foi aproveitada pelo Conselho de Guerra para, com base na experiência aqui vivida, elaborar um memorial que servisse de orientação à imposição da disciplina no Exército Português. Este memorial foi efectivamente redigido e traduzido para a nossa língua, mas, creio, jamais foi encontrado.

 

Notas Finais e Conclusões

Algumas notas finais

a)  O “espírito mercenarista” de grande parte dos combatentes estrangeiros que acorreram com Schomberg à Guerra de Independência de Portugal na sua última fase, representou o incentivo do espírito e dos conceitos que informavam a utilização de tal classe de combatentes iniciada mais destacadamente na Guerra dos Trinta Anos, de 1618 e 1648. Poucas vezes por devoção, o mercenário lutava fundamentalmente por dinheiro, promoções e honrarias. No caso do marechal, este espírito, aliado à sua fama conhecida, à sua determinação e à sua larga experiência operacional colhida ao serviço dos exércitos de seis países era também um dos factores da oposição e das críticas que lhe moviam nos escalões militares superiores do Reino, ainda que o seu comportamento, como se considerou, se norteasse geralmente pela temperança no relacionamento com os ministros e generais portugueses com os quais tinha de lidar. Essa hostilidade em relação a ele também se verificava, no entanto, por vezes, entre alguns dos próprios oficiais estrangeiros, cujo corpo, como já se referiu, por ordem do Rei, ele mesmo comandava.

b)  A questão dos seus vencimentos e os dos oficiais que o acompanhavam levou o seu tempo a ser resolvida, se alguma vez o foi completamente. Embora tivessem sido fixados no contrato inicial, assinado em Paris, o Conde de Castelo Melhor informou-o em 1662 de que não havia dinheiro nos cofres do Reino para tal despesa, passando a ser-lhe pago, e em regra com atraso, apenas vencimento ligeiramente superior ao dos generais portugueses, que apenas recebiam então sete meses em cada ano. Em face desta situação Schomberg propôs que lhe fosse pago pelo menos o vencimento que usufruía no Exército Francês, pretensão que também lhe foi negada. O restante pessoal estrangeiro, francês na sua maioria, receberia um soldo entre o das tropas inglesas, que era o mais elevado, e o das tropas portuguesas. Praticavam-se deste modo três escalões de vencimento no Exército Português, sistema com que Schomberg naturalmente não concordava pela apreciação diferenciada que isso representava do sacrifício dos combatentes e pela influência, que exercia sobre o seu espírito de empenhamento.

c)  A hostilidade ciumenta contra o marechal chegou a manifestar-se pelo ataque à honorabilidade da sua família, concretamente através de seu filho Meinhard, que comandava uma unidade de tropas inglesas, acusando-o de se ter apropriado de bens do património português, o que de imediato se verificou não ser verdade. Indignado pela calúnia e também pela arrogância e desprezo com que então foi tratado por entidades nobres portuguesas, Schomberg ameaçou mais uma vez abandonar o serviço a que se tinha comprometido e seria ainda Carlos II de Inglaterra e o seu embaixador em Lisboa que o dissuadiram dessa atitude, aconselhando-o a abandonar o País apenas se fosse o próprio Rei, pessoalmente, a determinar-lho. Apesar destes litígios, grande parte deles de ordem pessoal, as ordens e pareceres que o Conselho de Guerra elaborava eram sempre dados a conhecer a Schomberg antes de serem submetidos a despacho do Rei.

d)  Tal como sucedera com a tomada de Lisboa, em Outubro de 1147, em que muitos cronistas, nomeadamente ingleses, apenas exaltaram a intervenção dos “cruzados”, esquecendo os portugueses, e em Aljubarrota em que foi também muito destacada a intervenção dos ingleses, relegando os portugueses para segundo plano, também na Guerra da Restauração, como já verificámos, o biógrafo sul-africano de Schomberg destaca o comportamento dominante das tropas inglesas em Ameixial e Montes Claros, para além de referir continuamente as ofensas dos nossos generais contra ele, mas nunca aponta as suas características pessoais negativas, que também as tinha.

e)  Como já se referiu, foi com a Guerra da Restauração que surgiu em Portugal o Exército Permanente, tendo sido também a partir dela, passando a ser prática necessária, que surgiu o respeito pela antiguidade nos postos quando havia promoções e nomeações.

 

Oficiais estrangeiros ao serviço de Portugal

Quando contratado, Schomberg constituiu uma unidade de escalão regimental com todos os oficiais, graduados e tropas que directamente vinham apoiá-lo no exercício do seu comando. Dessa unidade faziam parte os dois filhos, o conde Frederyc e o barão Mainard que usufruíam um soldo de 1000 cruzados e outras gratificações correspondentes ao seu serviço no teatro do Alentejo. Por alvará de 1661, Frederyc foi promovido a capitão de cavalos no regimento de seu pai com o acréscimo de vencimento correspondente (32000 cruzados) e Mainard, o mais novo, promovido a alferes para uma companhia do regimento do Mestre de Campo D. Luis de Meneses.

Sobre o comportamento social dos dois irmãos, diz-se que ambos exibiam ânimo irrequieto e altivo, com destaque para o mais novo, Meinhard. Este conduzia-se normalmente com a prosápia que era característica de muitos dos oficiais estrangeiros, não cumpria muitas vezes as ordens recebidas, abrigava-se à sombra do prestígio do pai e não poucas vezes deu origem a questões com oficiais portugueses e de outras nacionalidades.

Depois de servir com D. Luis de Menezes, primeiro como alferes e depois como capitão de cavalos, Meinhard seria capitão de cavalaria no regimento de seu pai.

Segundo o tenente-coronel Christovam Ayres de Magalhães Sepúlveda, nos três primeiros volumes da sua “História do Exército Português” dedicados à Guerra da Restauração e que ele escreveu baseado em milhares de cartas e documentos existentes na Torre do Tombo, ajudavam Portugal a obter a sua independência na década de Schomberg mais de três centenas de Oficiais estrangeiros de todos os postos, dos quais cerca de 165 franceses e 150 ingleses e 20 de outras nacionalidades. Alguns destes oficiais, como muitos graduados e tropas, já haviam sido contratados em datas anteriores a 1660.

Estes oficiais eram de todas as armas e serviços, havendo no entanto, entre eles muitos engenheiros, alguns designados engenheiros de fogo, os que lidavam com explosivos, em virtude da sua aptidão também caber, então, no âmbito da artilharia. De notar, a propósito, que muitos oficiais portugueses tinham formação e experiência análogas à dos estrangeiros por terem frequentado e prestado serviço em escolas e unidades espanholas da Flandres no período filipino.

A administração deste pessoal, mercenário ou outro, não era, como pode admitir-se, tarefa fácil e o seu custo ascendia a valores elevados com a agravante de muitos deles se fazerem acompanhar da família que, em alguns casos, era numerosa. Havia então que lhes proporcionar instalação e provê-los de fundos adequados para se manterem, além da despesa inerente ao seu chefe como combatente.

 

Conclusão

O marechal Frederyc Herman Schomberg, barão de Teyes, conde de Mértola, conde de Brentford, marquês de Harwick e duque de Schomberg deu notável contributo, pelos seus conhecimentos e experiência, à independência de Portugal do domínio espanhol de sessenta anos, empenhando-se, nos termos do contrato assinado em Paris, nas áreas da organização, preparação, planeamento e emprego do Exército Português, reforçado por unidades de tropas regulares e mercenárias estrangeiras de diversas nacionalidades.

Com espírito mercenário, visto ter servido durante cinquenta e sete anos nos exércitos de reinos e principados europeus de seis países, e por vezes contestado pelos nossos generais e governantes, foi, no entanto, comandante sério e honesto e bateu-se sempre no pleno uso da sua ética e da sua consciência, como era seu dever perante o Reino. O seu serviço a Portugal foi particularmente apoiado pelos reinos da França e da Inglaterra na mira de satisfazer os seus próprios interesses políticos e estratégicos em face de uma Espanha então já estendida pelo Mundo.

 

Bibliografia

Aires, Cristhovam (Tenente-coronel), “História do Exército Português”, Volume I, II, III (1902, 1904, 1906).

Alves, Francisco Manuel (Abade de Baçal), (2005), “A Guerra da Restauração (1640-1668) no Teatro de Operações Transmontano, através das Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança”.

Glozier, Matthew (2006), “Marshal Schomberg, 1615-1690 – The ablest soldier of his Age”, Universidade da RAS.

 

* Sócio Efetivo da Revista Militar.

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2013-02-19
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Tenente-general

José Lopes Alves

Ex-Presidente da Direcção e Sócio-honorário da Revista Militar. Falecido em 30 de abril de 2018.

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