Nº 2548 - Nº Temático - Maio de 2014
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A Marinha na Grande Guerra - O Teatro de Operações de África
Capitão-de-Mar-e-Guerra
José António Rodrigues Pereira

Preâmbulo

O Século XX iniciou-se sob o espectro do confronto entre o Império Britânico e o Império Alemão, pela hegemonia mundial.

Numa tentativa para acalmar os ímpetos germânicos, a Grã-Bretanha negociara a divisão do Império Ultramarino Português, caso Portugal não conseguisse pagar os empréstimos concedidos pela banca internacional, e que a instabilidade política nacional fazia prever.

Mas estes factos não foram suficientes para que os sucessivos governos portugueses (da monarquia e da república) pusessem em execução, apesar das muitas propostas elaboradas, um programa de reequipamento naval que dotasse o país de uma força naval compatível com os seus extensos e dispersos domínios ultramarinos.

É neste contexto que se inicia, em Agosto de 1914, o primeiro grande conflito mundial.

 

A Marinha no Conflito

A actuação da Marinha na Grande Guerra é praticamente desconhecida, com a excepção do combate da patrulha de alto-mar[1] Augusto de Castilho com o cruzador-submarino alemão U-139.

Quando, em Agosto de 1914, rebentou o conflito que ficaria conhecido como a Grande Guerra, Portugal tinha grandes extensões de fronteira com a Alemanha. Recordemos que eram colónias alemãs os actuais territórios da Tanzânia, na fronteira Norte de Moçambique, e da Namíbia, na fronteira Sul de Angola.

Nessa época, a Armada Portuguesa contava com um conjunto de unidades navais muito heterogéneas, de que se destacavam cinco cruzadores, três contratorpedeiros classe Douro e três canhoneiras da classe Beira, mas que a rápida evolução dos armamentos navais verificada nos primeiros anos do Século XX, tornara obsoletos.

 

Quadro dos Navios da Armada em 1914

Tipo

Nome

Data
Aquisição

Deslocamento (Ton)

Potência
(CV)

Armamento
(mm)

Guarnição
(Homens)

Cruzador

D. Carlos I (depois Almirante Reis)

1898

4.253

12.730

4 peças de 150

8 de 120

14 de 47
2 de 37

3 metr
5 tubos lança-torpedos

318

Adamastor

1896

1.757

4.000

2 peças de 150

4 de 105

2 de 65

3 metralhadoras

3 tubos lança torpedos

237

São Gabriel

1898

1.838

3.000

2 peças de 150

4 de 120

8 de 47

2 de 37

2 metralhadoras

1 tubo lança-torpedos

242

Rainha D. Amélia (depois República)

1899

1.683

5.000

4 peças de 150

2 de 100

4 de 47

2 de 37

2 tubos lança-torpedos

263

Vasco da Gama

1876

1902

3.030

6.000

2 peças de 203

1 de 150

1 de 76

8 de 47

4 metralhadoras

259

Iate Real (depois Aviso de Esquadra)

Amélia (depois Cinco de Outubro)

1900

1.365

1.800

2 peças de 47

4 de 37

74

Contratorpedeiro

Douro

1913

670

11.000

1 peça de 100

2 de 76

2 tubos lança-torpedos

73

Liz [1]

1914

550

 

4 peças de 76

2 tubos lança-torpedos

75

Submersível

Espadarte

1912

300

650

1 peça de 76

2 tubos lança-torpedos

58

Canhoneira
torpedeira

Tejo

1901

536

7.000

1 peça de 100

1 de 65

1 metralhadora

2 tubos lança-torpedos

111

Canhoneira

Rio Sado

1875

645

500

2 peças de 105

2 de 65

1 de 37

1 metralhadora

107

Zambeze

1886

616

510

3 peças de 100

1 de 37

1 metralhadora

107

Zaire

1884

558

500

2 peças de 100

2 de 37

1 metralhadora

107

Limpopo

1890

288

523

2 peças de 47

1 metralhadora

48

Açor

1886

335

360

1 peça de 47

53

Chaimite

1898

341

480

2 peças de 47

2 metralhadoras

31

Lúrio

1907

305

500

2 peças de 47

1 metralhadora

55

Save

1908

305

500

2 peças de 47

1 metralhadora

 

Pátria

1903

636

1890

4 peças de 100

6 de 47

1 metralhadora

157

Lancha
Canhoneira

Sena

1904

70

100

2 peças de 37

1 metralhadora

7

Tete

1904

70

100

2 peças de 37

1 metralhadora

7

Zagaia

1909

 

 

3 metralhadoras

27

Flecha

1909

 

 

3 metralhadoras

27

Macau

1909

135

250

2 peças de 57

3 metralhadoras

28

Cacheu

1901

40

100

2 peças de 37

1 metralhadora

7

Infante D. Manuel (depois Rio Minho)

1904

38

64

1 peça de 37

49

Torpedeiro

Nº 1

1882

54

450

1 peça de 37

2 tubos lança-torpedos

15

Nº 2

1886

66

700

1 peça de 37

2 tubos lança-torpedos

17

Nº 3

1886

66

700

1 peça de 37

2 tubos lança-torpedos

17

Nº 4

1886

66

700

1 peça de 37

2 tubos lança-torpedos

17

Navio Escola

D. Fernando II e Glória

1843

1.849

à vela

1 peça de 120

2 de 105

2 de 76

4 de 47

1 de 37

2 metralhadoras

91

Duque de Palmela

1869

750

à vela

1 peça de 76

1 peça de 47

66

Transporte

Salvador Correia

1895

300

450

1 peça de 75

2 de 37

47

Rebocador

Lidador

1884

252

400

1 peça de 37

1 metralhadora

35

Bérrio

1898

408

1070

---

42

Vapor

Vilhena

1882

159

80

1 peça de 80

21

Dilly

1909

[2]

[2]

[2]

 

Vulcano

1910

179

412

1 tubo lança-torpedos

27

Lince

1911

151

412

2 peças de 37

17

[2] Desconhecido.

 

Apesar da declaração de neutralidade assumida pelo Governo Português, no início do conflito, a Marinha teve de enfrentar, de imediato, a organização de escoltas para os navios mercantes portugueses, tarefa que a Armada iniciou logo que eclodiu o conflito e mesmo antes de Portugal se tornar uma nação beligerante.

Em África, no entanto, e apesar da neutralidade portuguesa, as forças militares alemãs hostilizavam as guarnições portuguesas nas fronteiras.

A 25 de Agosto de 1914, forças alemãs atravessam o rio Rovuma (Moçambique) e atacam o posto de Mazúia, massacrando a pequena guarnição: seis soldados africanos, comandados pelo Sargento de Marinha Eduardo Rodrigues da Costa, que seria o primeiro militar português morto no conflito.

A 31 de Outubro de 1914, o posto de Cuangar (Angola) foi atacado e a sua guarnição chacinada.

O Governo Português, mandou preparar duas expedições militares com destino aos territórios, onde existiam extensas fronteiras com a Alemanha: Angola e Moçambique.

 

O Transporte de Tropas

A Marinha empenhou, na escolta dos transportes de tropas, os seus mais poderosos meios navais – os cruzadores.

A 11 de Setembro, largaram de Lisboa os paquetes Moçambique e Durhan Castle[2] com os Corpos Expedicionários do Exército destinados a Angola e a Moçambique, escoltados pelo cruzador Almirante Reis e pelas canhoneiras Beira e Ibo.

A 1 de Outubro, partiu o paquete África com os primeiros militares do Corpo Expedicionário para Angola. Sendo o navio escoltado pelo cruzador São Gabriel.

A 5 de Novembro de 1914, largou de Lisboa o paquete Beira com o Batalhão de Marinha Expedicionário a Angola.

A 22 de Novembro de 1914, largou de Lisboa o vapor Cazengo com os noventa homens da Força Expedicionária de Marinha para Cabo Verde.

A 1 de Dezembro, largaram de Lisboa os paquetes Ambaca e Peninsular com as restantes forças destinadas a Angola, sob a escolta do cruzador Vasco da Gama. Nas Canárias a escolta passou para o cruzador São Gabriel.

A 20 de Janeiro, largou de Lisboa o cruzador Vasco da Gama escoltando os paquetes Moçambique e Zaire com tropas para Angola, onde chegaram a 5 de Fevereiro.

 

Desenho do Autor/José Cabrita

Figura 1 – A fronteira do Rovuma

 

A 3 de Fevereiro de 1915, largaram de Lisboa os paquetes portugueses Ambaca e Portugal e o francês Britannia, com tropas para Angola, escoltados pelo cruzador Adamastor, que, devido a uma avaria, teve de regressar a Lisboa.

Em 28 de Maio de 1916, largou de Lisboa o paquete Portugal com as primeiras forças da expedição do General Ferreira Gil, com destino a Moçambique. Seguiram-se o Moçambique (3 de Junho), o Zaire (24 de Junho), o Machico (28 de Junho) e o Amarante (8 de Julho), cujas chegadas a Palma se iniciaram a 5 de Julho.

 

Angola

Foi preparado, ainda em 1914, um Batalhão de Marinha destinado a operar em terra. O Batalhão, composto por 545 militares (dezoito oficiais, trinta e três sargentos e 512 praças), embarcou a 5 de Novembro, no paquete Beira, com destino a Angola.

Chegado a Moçâmedes, a 23 de Novembro, seguiu de imediato para o interior, primeiro por caminho-de-ferro até à serra da Quilamba; e dali, numa penosa marcha sob sol abrasador e com falta de água, carregando um equipamento individual que pesava 37 kg. A subida daquela serra marcou o início da dura campanha e provocou um enorme desgaste nos homens e nos animais, registando-se logo aqui as primeiras baixas.

Durante seis meses, os homens do Batalhão de Marinha foram dispersos pelos vários postos avançados. Foi da base de Tchicusse que partiu o ataque ao Tchipelongo por um destacamento constituído por um pelotão de Marinha e outro de landins, comandados pelo Primeiro-tenente Afonso de Cerqueira, em defesa da missão francesa que, assim, pode ser evacuada em segurança, com os seus haveres. Esta acção obrigou as forças portuguesas a uma marcha, quase sem descanso, de 54 km.

Para além do inimigo, o Batalhão teve de enfrentar as difíceis condições da campanha, com temperaturas a variar entre os 39º C (de dia) e os 4ºC (de noite), a falta de abrigos apropriados, a deficiente alimentação e, muito especialmente, a falta de água ou a má qualidade da existente que provocou numerosas baixas – o tifo, a disenteria e o paludismo reduziram os efectivos a 15 oficiais e 314 praças[3].

A pequena, mas importante, vitória de Tchipelongo, moralizou as forças portuguesas que decidiram avançar para Sul em direcção ao Cuamato e Cuanhama.

 

Desenho do Autor/José Cabrita. Adaptado de “O Batalhão de Marinha
Expedicionário a Angola”, F. Oliveira Pinto, Anais do CMN, Abr 1918, pág. 280

Figura 2 – Mapa das Operações no Sul de Angola

 

Após penosas marchas onde se perdeu muito gado, por sede e cansaço – obrigando a abandonar os carros com munições, a coluna acampou, a 17 de Agosto, na pequena chana da Mongua, com a mata a apenas 300 metros do quadrado português.

No dia 18, a força portuguesa é atacada por 12.000 guerreiros – que dispunham de mais de 5.000 modernas espingardas Mauser – e que lançavam sobre os portugueses toda a espécie de projécteis, desde zagalotes atém balas dum-dum.

Rechaçados pelas forças portuguesas – que, além das espingardas, dispunham de dezasseis metralhadoras e oito peças de artilharia – o inimigo afastou-se.

Voltaram no dia seguinte (19 de Agosto) e voltaram a ser rechaçados; mas a situação no quadrado português começava a mostrar-se dramática pelo cansaço, pela sede e pela perspectiva da falta de munições. Nessa noite, um pelotão de Marinha participou num assalto que desalojou o inimigo das cacimbas próximas, permitindo o abastecimento de água.

Na manhã do dia 20, o soba Mandimba lança novo ataque sobre a face do quadrado onde estava o Batalhão de Marinha. O combate durou das 7h00 até às 15h00 e tornava-se necessária uma acção que o terminasse; a solução era uma carga. Mas só havia sete cavalos, pelo que se decidiu por uma carga à baioneta, executada por um pelotão de Marinha e outra de Infantaria 17. Mas toda a 2ª Companhia do Batalhão saltou do quadrado[4]. O inimigo, surpreendido pelo arrojo da iniciativa portuguesa, recusou a luta corpo-a-corpo, e debandou definitivamente.

O Batalhão de Marinha teve, neste combate, 74 feridos ficando reduzido agora a 279 dos 545 militares que o compunham inicialmente. A 20 de Setembro, o Batalhão foi retirado da área de operações, regressando a Lisboa a bordo do Zaire, a 15 de Outubro de 1915.

E, como afirmou Cerqueira no seu Relatório ”viu ainda, triste e com surpresa, a indiferença e a frieza com que o Batalhão de Marinha foi recebido à chegada a Lisboa, em 15 de Outubro de 1915 (...) no Quartel de Marinheiros só se encontrava o oficial de serviço para o receber!”.

Sobre a acção desta força de Marinha, referiremos o que sobre ele escreveu o general Pereira d’Eça:

Todas as unidades cumpriram o seu dever por forma a justificar o grande orgulho que tive em tê-las comandado, porém julgo merecedor de especial menção o Batalhão de Marinha. Foi, sem o menor exagero, uma unidade de elite, cuja têmpera fica definida dizendo que foi a mais resistente nas marchas e a mais esforçada nos combates”.

Numa homenagem ao Batalhão de Marinha, o General Pereira d’Eça ofereceu a sua espada ao Corpo de Marinheiros da Armada que, em formatura geral e perante as altas hierarquias do Exército e da Marinha, a recebeu, em Novembro de 1917, e hoje, orgulhosamente, a exibe no Museu de Marinha.

 

Cabo Verde

A Marinha teve também intervenção importante na defesa dos portos que, no caso do Ultramar, teve especial importância o Mindelo, na ilha de São Vicente (Cabo Verde).

O porto do Mindelo era um importante ponto de amarração dos cabos submarinos, fundamentais, na época, para as comunicações telegráficas da Europa com a América e a África; o Mindelo era também, naquela época, um estratégico porto abastecedor de carvão para a navegação e, então, especialmente para a esquadra britânica em serviço naquela área do Atlântico.

Em Novembro de 1914, a Marinha enviou para aquela ilha o seu primeiro contingente para o Ultramar; uma força de noventa homens para efectuar a vigilância e defesa dos cabos submarinos.

Em Setembro, foram enviadas para Cabo Verde as canhoneiras Ibo e Beira, a que se seguiria, mais tarde, a Bengo.

Quando, em Fevereiro de 1916, se procedeu à requisição dos navios alemães e austríacos estacionados em portos portugueses, a Beira participou nessas operações, no porto do Mindelo, onde se encontravam oito navios alemães[5]; a sua guarnição ficou ainda com responsabilidade da guarda daqueles navios e da escolta das suas tripulações até à ilha de São Nicolau, onde ficaram internados.

Entre Março e Novembro de 1916, a esquadra britânica do Atlântico, depois de um período baseada no Funchal, transfere a sua base para o Mindelo devido ao aumento, naquela região, da ameaça submarina alemã.

Mesmo depois da saída da esquadra britânica, o porto do Mindelo continuou a ser um alvo para os submarinos alemães; em 4 de Dezembro de 1918, surgiu diante do porto um submarino que, atacado a tiro pela Beira e a Ibo, foi obrigado a mergulhar.

Mais tarde, a 2 de Novembro de 1917, o cruzador-submarino alemão U-151 torpedeou os vapores brasileiros Guahyba e Acary, mas a reacção da Ibo fez o inimigo abandonar o ataque.

No início de 1918, com o aumento da ameaça submarina, a Marinha montou um sistema de barragens submarinas e peças de artilharia em terra; simultaneamente, passaram a organizar-se comboios cujas saídas eram coordenadas pelos navios portugueses.

 

Moçambique

O cruzador Adamastor partiu de Lisboa, em 15 de Dezembro de 1915 a caminho da Índia; mas, em Fevereiro de 1916, quando da declaração de guerra alemã, o navio encontrava-se em Lourenço Marques e foi decido que ali ficaria; iria juntar-se à canhoneira Chaimite, aos vapores Luabo, Pebane e Pungué e às lanchas canhoneiras Salvador, Sena e Tete, da Esquadrilha do Zambeze.

A 20 de Maio de 1916, quando os escaleres do navio procediam a um reconhecimento na foz do rio Rovuma, na fronteira Norte, as tropas alemãs, estacionadas na margem esquerda, abriram fogo contra aquelas embarcações, o que obrigou o Adamastor a bombardear as posições alemãs.

No dia seguinte, e com a colaboração da Chaimite, o Adamastor voltou a bombardear as posições alemãs, enquanto uma força de desembarque ocupava o posto alemão na ilha da Namaca onde, apesar das baixas sofridas (três mortos e seis feridos), ficou estabelecido um reduto artilhado, guarnecido por pessoal da Marinha.

No dia 27 de Maio de 1916, depois de um intenso bombardeamento pela artilharia dos navios e pelo posto da Namaca, uma força do Exército Português, incluindo soldados africanos, embarcados nos escaleres dos navios, iniciou a travessia do rio para ocupar a margem Norte[6].

Recebidos por intenso fogo de metralhadoras, as forças portuguesas foram rechaçadas com elevadas baixas. Da Marinha, faleceram o Guarda-marinha Rodrigues Janeiro e dez praças, ficando feridos o Guarda-marinha Maia Rebelo, um sargento e sete praças.

Ficou ainda prisioneiro dos alemães o Primeiro-tenente Matos Preto, comandante da Chaimite, quando tentava, no rescaldo da acção, resgatar possíveis sobreviventes portugueses nos bancos de areia da margem alemã.

Só três meses mais tarde se conseguiu ocupar a margem alemã; Matos Preto, no entanto, só seria libertado a 29 de Setembro de 1917.

Em 1917, durante as operações de recrutamento de indígenas moçambicanos, para as forças auxiliares, o descontentamento, instigado pelos agentes alemães, ameaçou transformar-se numa revolta que foi subjugada com o auxílio de uma força de Marinha comandada pelo Guarda-marinha Prestes Salgueiro.

Na região do Barué também entrou em acção uma força de Marinha desembarcada do cruzador Adamastor, e que já se tinha distinguido nas operações do Rovuma. As lanchas-canhoneiras da Esquadrilha do Zambeze também tiveram papel de relevo na defesa da região de Tete e evitando a sublevação das populações incitadas por agentes alemães das companhias e missões religiosas.

Em 26 de Abril de 1918, partiu do Tejo o cruzador São Gabriel com destino a Moçambique e que, 100 milhas a Noroeste da Madeira, teve um encontro com um submarino alemão que atacado a tiro submergiu.

Na cidade do Cabo, o navio português colaborou, durante quatro dias, na defesa da cidade, num período em que se esperavam levantamentos dos indígenas e havia apenas cinquenta polícias na cidade.

Os navios ingleses tinham largado para o mar em perseguição de alguns submarinos alemães avistados nas proximidades e o porto estava sem defesa em caso de quaisquer tumultos. Desembarcando 112 marinheiros e quatro oficiais, com armamento individual e as metralhadoras do navio, durante quatro dias, o porto daquela cidade – a única área que podia ser defendida – esteve à guarda da Marinha Portuguesa até ao regresso dos navios britânicos que estavam no mar, empenhados na busca de submarinos alemães.

Na sequência do golpe militar que levou ao poder o Major Sidónio Pais (8 de Janeiro de 1918), foram deportados para Moçambique 240 praças da Marinha que tinham lutado contra aquele movimento.

O Ministro da Marinha, Comandante Carlos da Maia, entendeu preparar um novo Batalhão de Marinha, força sempre útil em qualquer situação de emergência, como a que então se vivia, e a que se juntariam aquelas praças que assim voltariam ao serviço da Armada[7].

Embora sem o entusiasmo do precedente, o Batalhão foi organizado, em Abril de 1918, maioritariamente com voluntários, a bordo do cruzador Almirante Reis; dali seguiu para o paquete Lourenço Marques onde seguiu para Moçambique.

O Batalhão era constituído por três companhias e uma bateria de seis metralhadoras, com dezoito oficiais e 746 praças, a que se juntariam, em Moçambique, mais quatro Guardas-Marinhas dos cruzadores Adamastor e São Gabriel e as 240 praças ali deportados.

O paquete Lourenço Marques largou de Lisboa, a 17 de Junho de 1918, e chegou a Lourenço Marques a 22 de Julho; a 3 de Agosto, estava já o Batalhão instalado no Mussoril, pronto para operações. Seguiu para Quelimane a 25 de Agosto, a bordo do Luabo, por se aguardar um ataque dos alemães contra a cidade, cuja defesa era garantida apenas pelos marinheiros do Adamastor; seguiu depois para Regone e Gilé onde a passagem dos alemães deixara uma onda de sublevação entre as populações.

Uma companhia comandada pelo Primeiro-tenente João Capelo, embarcou no vapor Capitania, a 23 de Setembro, para Moábani, e depois, em marcha até Regone, onde estacionaram algumas semanas. Subiram depois o rio Maloqué pacificando toda a região com a colaboração de ensacas que atacavam a áreas revoltadas; ali permanecerem durante cerca de três meses, após o que regressaram a Quelimane, a 22 de Dezembro.

Naquela cidade, onde grassava um surto de pneumónica, o Batalhão sofreu vinte e três mortos, incluindo dois oficiais.

Regressou a Lisboa em Abril de 1919, a bordo do paquete Lourenço Marques.

 

Os Navios Mercantes Alemães

O início da guerra surpreendeu no mar numerosos navios da marinha mercante alemã, levando-os a procurar abrigo em portos neutros, evitando ser apresados pela Royal Navy. Nos portos portugueses do Ultramar encontravam-se imobilizados, desde o início da guerra, vinte e três navios de comércio alemães e um austro-húngaro, totalizando 110.500 toneladas[8]. Foi ainda apresada, no rio Zambeze, a lancha Salvador pertencente à missão de jesuítas austríacos de Boror.

A falta de navios mercantes[9] para garantir a manutenção do comércio marítimo, não só pelas perdas provocadas pela acção da guerra submarina como ainda pela necessidade de mobilização de elevado número de navios para fins militares, levou o Governo Português a encarar a requisição daqueles navios para suprir as faltas, utilizando-os para a navegação comercial nacional ou integrados na Armada.

Fracassadas as negociações com os armadores alemães, para a compra ou afretamento dos navios, a sua requisição viria a ser concretizada em 23 de Fevereiro de 1916, o que provocou a Declaração de Guerra da Alemanha, em 9 de Março.

Para suprir a falta de meios materiais, requisitaram-se ainda todos os pequenos vapores e lanchas que, sem grave prejuízo das actividades comerciais, podiam ser armados; mobilizaram-se no ultramar mais cinco embarcações[10] que foram utilizadas nos serviços de transporte e de vigilância da costa.

 

A Marinha de Comércio

Não se pode deixar de fazer uma referência ao notável serviço desempenhado pela Marinha de Comércio, durante a guerra, conduzindo forças militares, passageiros e mercadorias. Representaram muitas horas de inquietação e de perigo que era encarado sem desfalecimento ou hesitação no cumprimento da missão, são actos que nunca deverão ser esquecidos.

 

Conclusão

Ficaram assim, sucintamente, relatadas algumas das missões que a Marinha cumpriu com pesados sacrifícios, nos teatros de operações em África, em cumprimento do seu lema:

A Pátria Honrai,

Que a Pátria vos contempla!..

 

[1] * Vogal Efetivo do Conselho Fiscal da Revista Militar.

 1 Embora habitualmente referido com caça-minas, o Augusto de Castilho, o arrastão Elite, mobilizado para o serviço naval, foi oficialmente classificado como Patrulha de Alto-Mar e utilizado na escolta de navios mercantes.

[2]  Os paquetes Durhan Castle (britânico) e Britannia (francês) foram os únicos navios estrangeiros utilizados no transporte de tropas para África.

[3]  Destes destacam-se o Comandante Coreolano da Costa e o Primeiro-tenente Carvalho Araújo.

[4]  E só não saiu todo o Batalhão, porque Cerqueira energicamente se opôs.

[5]  Eram os vapores Beta (depois Maio, 2.179 ton), Burgmeister-Hachmann (Ilha do Fogo, 4.315 ton), Dora Horn (São Nicolau, 2.679 ton), Heimburg (Santo Antão, 4.196 ton), Santa Barbara (Santiago, 3.763 ton),Theoder Wille (Boavista, 3.667 ton), Fogo (Brava, 3.184 ton) e Wurzburg (São Vicente, 5.085 ton).

[6]  Estavam presentes, a bordo do Adamastor, o Governador-Geral de Moçambique, Capitão Álvaro de Castro, e o comandante militar, Major Moura Mendes.

[7]  Esta atitude de Carlos da Maia foi mal aceite por alguns sectores e terá sido uma das causas que concorreram para a tragédia que o vitimou.

[8]  No total, estavam em portos portugueses setenta navios alemães e dois austro-húngaros, representando 250.00 toneladas.

[9]  O total da Marinha Mercante portuguesa, em 1914, era de 73.000 toneladas, insuficiente para garantir as necessidades nacionais.

[10]  De um total de trinta, mobilizadas em todo o país.

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Capitão-de-Mar-e-Guerra

José António Rodrigues Pereira

Oficial de Marinha, nasceu em Lisboa em 7 de Junho de 1948, entrou para a Escola Naval em 1 de Setembro de 1966, sendo promovido a Capitão-de-mar-e-guerra em 27 de Julho de 1999, e passado à Reserva, por limite de idade, em 7 de Junho de 2005. Reformou-se, a seu pedido, em 30 de Dezembro de 2010.

Prestou serviço em diversas unidades navais, destacando-se os NRP Brava (1970), NRP Porto Santo (1970), NRP Boavista (Açores, 1970-71), NRP Velas (1971), NRP Jacinto Cândido (Moçambique, 1973-75), NRP Afonso Cerqueira (Timor, 1975-76), NRP Hermenegildo Capelo (1977), NE Vega (1984-85), NE Polar (1985-86) e NRP São Miguel (Golfo Pérsico, 1990-91); comandou os NRP Zaire (1979-82), e NE Polar (1986-88).

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by COM Armando Dias Correia