O General Loureiro dos Santos, que viveu intensamente “Tempos de Guerra” e que construiu paulatinamente “Tempos de Paz”, dedica este “Tempos de Crise” aos portugueses íntegros, preocupados com a independência de Portugal e com o bem-estar dos seus compatriotas. Quase cinco anos depois da publicação do volume VI da coleção Reflexões sobre Estratégia, esses mesmos portugueses aguardavam com alguma expectativa a publicação do volume VII, entremeado com algumas obras de leitura obrigatória, caso das “Forças Armadas em Portugal”, publicada em Maio de 2012.
Valeu a pena esperar…
“Tempos de Crise”, tem uma linguagem simples, percetível tanto pelo público em geral como por políticos, militares ou diplomatas mais ligados a estas temáticas e apresenta uma perspetiva simultaneamente realista e crítica do presente, sustentada no passado mas virada sempre para o futuro. O General Loureiro dos Santos trabalha tanto a I GG como a Cybersegurança, numa demonstração ímpar de capacidade de adaptação aos novos tempos, qualidade que o levou, inclusivamente, a ser alvo de ataques cibernéticos no passado mês de abril, perpetrados por piratas informáticos da rede global que lhe roubaram a identidade e o colocaram algures em Chipre.
Ao longo das 262 páginas deste livro, percebemos claramente a evolução e a interligação entre os diferentes patamares da crise: Mundial, Europeia e Nacional. No entanto, Portugal está sempre presente, porque é ferido regularmente na sua liberdade, independência, soberania e na qualidade de vida das suas gentes, mas também porque o ideal de liberdade e prosperidade do povo português é um desígnio estrutural ao pensamento do General Loureiro dos Santos.
Para além de novos textos, como o “Quadro Geopolítico Europeu e Cenários Futuros”, o livro inclui uma seleção de artigos publicados ao longo dos últimos quatro anos no Jornal Público, na Revista Militar, na Revista Janus e na Revista Nação e Defesa, para além de intervenções proferidas no IDN, na Academia das Ciências de Lisboa, na Academia Militar, na Universidade Lusófona, no Instituto Internacional da Casa de Mateus e na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.
“Tempos de Crise” está organizado em três partes, relacionadas com o espaço e a dimensão da crise, respetivamente: “o Mundo em crise”; “a Europa em crise”; e “Portugal em crise”.
No entanto, antes do Mundo em Crise, o General Loureiro dos Santos começa por dar especial Destaque ao “Quadro Geopolítico Europeu e Cenários Futuros”, onde discorre acerca dos efeitos da atual crise das dívidas soberanas na Europa sobre a evolução geopolítica do velho continente, sem deixar de abordar as mais recentes questões associadas à Ucrânia, e às relações entre atores do sistema político internacional como os EUA, a Rússia, a Alemanha, a China, a OTAN e a União Europeia. O General Loureiro dos Santos relembra ainda a História e os fatores geopolíticos, antes da abordagem mais contemporânea relativa à atual crise financeira global.
A sua visão geopolítica e geoestratégica está centrada, essencialmente, em três atores fundamentais, sem deixar de cuidar das consequências dos novos cenários para os interesses de Portugal. Fala-nos concretamente da Alemanha, da Rússia e dos EUA, “grandes potências cujos objetivos poderão ser condicionados por fortes motivações resultantes da sua situação no âmbito do atual quadro geopolítico europeu.”
No caso da UE destaca que nestes momentos complicados, “cada Estado age em função do que considera ser o seu interesse específico”, pressuposto que terá levado à consolidação do diretório Alemanha, numa perspetiva muito próxima da escola realista das relações internacionais de Hans Morgenthau. O General Loureiro dos Santos reitera esta posição, quando refere que “por várias vezes, os elementos de insatisfação dos países e dos povos, em especial dos periféricos e dos mais pobres, estão associados ao perigo potencial que constitui a Alemanha, o que tem dado origem à expansão crescente do nacionalismo e a «tendências desagregadoras».”
Dá depois luz à denominada “teoria geopolítica dos sistemas solares”, em que, na galáxia geopolítica atual, os EUA e a China são as estrelas; a Índia e o Brasil são antigos planetas que passaram a estrelas, cujo brilho e aquecimento se encontra em ascensão; em que a Rússia foi uma estrela que se apagou no fim da guerra-fria, mas que já regressou à situação de estrela em ascensão, o mesmo tendo acontecido com a Alemanha e o Japão, apagadas com a derrota na segunda guerra mundial, e cujo brilho já voltou e está, inclusivamente, em crescimento.
No cenário atual considera ainda a possibilidade de uma união perigosa entre a Rússia e a Alemanha, num ambiente em que “a Rússia passou a ser percecionada como ameaça geopolítica significativa, depois dos recentes acontecimentos na Ucrânia.”
Feita a análise geopolítica, o General Loureiro dos Santos considera, “corajosamente”, três cenários possíveis, do ponto de vista do interesse nacional, tendo como variáveis a evolução da OTAN, dos EUA, da União Europeia (e em especial da Rússia, Alemanha e França) e, curiosamente, da CPLP. Os mapas, que desta vez acompanham a análise geopolítica, constituem um importante auxiliar para uma melhor compreensão dos três cenários criados.
Seguem-se então os artigos cuidadosamente organizados no “Mundo em crise”, na “Europa em crise” e no “Portugal em crise”. E dizemos cuidadosamente porque o leitor fica com uma visão clara da evolução e interdependência dos acontecimentos ao longo dos últimos cerca de quatro anos.
No Mundo em Crise, dominado pela Era da Informação, a linha mestra dos conflitos internacionais analisados está centrada no Norte de África e no Médio Oriente, com destaque para a Líbia, Afeganistão, Irão e Síria. Trata, ainda, de assuntos tão importantes e estruturantes como a primavera árabe, a estratégia dos EUA ou o conceito estratégico da OTAN, organização que, na sua perspetiva, continua a ser a aliança estruturante da estratégia nacional.
As razões da crise são identificadas com “os grandes beneficiários do tipo de globalização económica que o mundo vive, os quais pertencem a um grupo restrito de indivíduos que têm as alavancas do sistema financeiro e económico.” Na sua perspetiva, o produto mais negativo da globalização é a globalização da violência e dos seus derivados. E esta pode agora desenvolver-se em três novos espaços onde podem ser conduzidas operações de combate, além dos três teatros de operações tradicionais (terrestre, marítimo e aéreo). Nas suas palavras, são eles o espaço exterior, o ciberespaço e o espaço mediático, onde os Estados e outros atores políticos ou até criminosos procurarão marcar novas fronteiras (espaciais, digitais e mediáticas).
Para o General Loureiro dos Santos, a nova Era da Informação, em que todo o enfrentamento entre atores é sempre potencialmente global, transformou o Mundo num paraíso da estratégia, em que se continuarão a debater as lógicas dos Interesses e da Segurança. Nesse Mundo do Presente e do Futuro, em que se assiste ao “desaparecimento da Europa como centro de dinamização de poder”, as soluções de Paz continuam a estar na esfera dos EUA, apesar das dificuldades económicas condicionarem a disputa de poder global face às potências emergentes. A este propósito cito as suas palavras: “paradoxalmente, num mundo que já não é unipolar, numa época em que o poder dos EUA, embora bem destacado do das outras grandes potências, perdeu posição em termos relativos, passou a ser mais indispensável do que nunca […] nenhum dos grandes problemas que afetam o planeta ou cada uma das suas regiões geopolíticas se resolve sem a colaboração dos EUA.”
Passo agora ao capítulo da Europa em crise, cujo foco está centrado na União Europeia e no protagonismo crescente da Alemanha na condução da crise económica e financeira. Para o General Loureiro dos Santos “a União, que os europeus sempre pensaram ser uma união de solidariedade e de entreajuda, está em vias de se transformar numa verdadeira «União do Medo»”, fundamentalmente devido às divisões entre ricos e pobres e à evolução para aquilo que denomina de uma Europa Alemã. Na maior parte dos artigos alerta para a crise do euro, para o perigo alemão e para a elevada probabilidade de uma futura luta política entre os países pagadores e devedores. A este propósito passo a citar: “O que Merkel está realmente a tentar fazer é, aproveitando a oportunidade conferida pela movimentação tectónica dos fluxos de poder mundial que se encontram na base de um processo de profunda alteração da ordem internacional, procurar atingir o objetivo que nem o Kaiser nem Hitler conseguiram alcançar: posicionar-se como a sexta grande potência global do próximo futuro com assento no restrito grupo de governo mundial […]”. Para o General Loureiro dos Santos, uma resposta a este facto geopolítico poderá ser dada pela consolidação de dois grupos, respetivamente: “os atlantistas, à volta do Reino Unido e da França, tendo por referência principal os EUA; e os do Centro-Leste, à volta da Polónia, que estreitam relações entre si e com os EUA, com receio da Rússia e eventualmente da Alemanha.” Mais uma vez é a visão geopolítica aliada à teoria realista do Estado, do Interesse Nacional e do Poder que domina este pensamento, neste caso mais na linha do dilema da segurança de John Herz.
No Portugal em crise, conseguimos percecionar, claramente, a capacidade de antecipação do General Loureiro dos Santos. O agravamento da crise nacional e os momentos de perda assumida de soberania com a dependência da Troika e da Alemanha, são permanentemente analisados com uma voz simultaneamente independente e firme, como é o caso da parte que passo a citar: “Com perto de nove séculos de existência, Portugal, não vendo outra solução, sujeitar-se-á às limitações de soberania propostas para evitar uma calamidade social inaceitável. Mas os responsáveis políticos eleitos por cidadãos de um país que pensavam ser independente não devem esquecer que teremos de recuperar a soberania logo que possível, criando as condições económicas e financeiras que o permitam e mostrando a vontade de o conseguir.”
O livro inclui ainda outros temas, abordados com especial sentido crítico e construtivo, como o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, que começa por apelidar de Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional. Elogia o facto do Conceito entretanto aprovado dispor de uma estratégia abrangente aos diversos vetores de ação, e não limitada ao vetor militar, o que permite alcançar e manter a liberdade de ação indispensável para defesa dos interesses nacionais. Apresenta ainda diversas sugestões (como a operacionalização de um Núcleo/Pólo/Unidade de Segurança Nacional que funcionasse no Gabinete do Primeiro-ministro) e alerta para a necessidade de serem adotadas medidas que assegurem a integração, a partilha de informação e a responsabilização das entidades encarregadas de implementar as linhas de ação. O General Loureiro dos Santos sublinha por várias vezes a necessidade da Reforma do Estado, em especial no sector da Segurança. Alerta regularmente os decisores políticos para o facto de deverem ser aplicados, judiciosamente, os princípios da concentração de meios e da economia, mas sem ferir o princípio da segurança, pois sem Forças Armadas o nosso país ficaria reduzido à expressão de “Estado Insuficiente” ou “Estado Exíguo” e, por outro lado, com umas Forças Armadas insuficientes ou desadequadas às necessidades do país, as mesmas poderiam transformar-se num fator perturbador da sua estabilidade. Chama por várias vezes a atenção do, então, Ministro das Finanças, para a importância do interesse nacional em face das imposições de Berlim, pois estão em causa o bem-estar, a autoestima, a esperança e o sentido de destino dos portugueses, que querem continuar a ser portugueses.
Entretanto, continua a missão de serviço público com a sua intervenção sobre questões tão diferentes como: a televisão pública, o feriado do 5 de outubro e a revisão constitucional (em que, entre outras propostas, sugere a substituição da expressão “defesa nacional” por “segurança nacional”, propõe maior abertura da missão das FA a uma democracia consolidada, e a criação do “Conselho Superior de Segurança Nacional”).
Em todas as posições continua a manter a matriz constante no seu livro “Como Defender Portugal”, ou seja, a colocar Portugal no centro do mundo. Na sua visão, devemos “centralizar a nossa posição geopolítica e agir em todos os azimutes, sem voltar costas à Europa; apostar decididamente no mar e para além do mar, para não ficar refém da União Europeia; aumentar o nosso peso internacional e a nossa liberdade de ação no campo externo; e criar condições para partilharmos segurança cooperativa com a finalidade de defendermos os nossos interesses.”
Curiosamente, o último artigo, de março de 2010, aborda a questão de “Salvar o Presente e Preparar o Futuro” em face dos constrangimentos económicos e financeiros. As soluções então apresentadas passam por conhecermos e sentirmos o projeto nacional, pela ética enquanto centro de todas as atividades, pela criação de um serviço cívico nacional e por elites ativas, interventivas e com sentido de Estado. E é com uma voz de alerta relativamente às elites nacionais que termina este livro e passo a citar: “Portugal não pode ser entregue aos profissionais da baixa política, aos oportunistas, aos maldizentes e aos incompetentes e incapazes, aos desonestos e àqueles para quem os valores humanos e patrióticos não têm sentido. Aos que invocam em vão os valores éticos, mas simplesmente os desprezam.”
Estas palavras, escritas por quem vem combatendo diariamente pela democracia e pela liberdade, estão em linha com as críticas aos vícios dos governantes, feitas por Diogo do Couto no “Diálogo do Soldado Prático”, têm um significado claramente estrutural para a Nação portuguesa, e visam, fundamentalmente, a segurança e o bem-estar dos portugueses e a restauração da Fama Portuguesa.
Este livro constitui assim, um documento muito importante para entendermos melhor os Tempos de Crise nas dimensões nacional, europeia e mundial. O General Loureiro dos Santos, com a sua capacidade invulgar de interligar didaticamente a política, a economia, a história, a estratégia, e a segurança e defesa, transmite-nos uma visão translúcida do Mundo em que Vivemos. Por outro lado, com a sua singular capacidade de antecipação e permanente intencionalidade da descoberta, dá-nos continuamente soluções e caminhos para um Mundo do Futuro e para um Portugal independente e soberano.
Termino esta minha intervenção reiterando as minhas felicitações ao General Loureiro dos Santos por mais este legado. Tenho a certeza de que o meu General vai continuar a refletir, a debater, a comentar, e sobretudo a escrever e a publicar.
Portugal precisa e os portugueses agradecem.
A Revista Militar felicita o autor pela publicação desta obra e agradece o volume que foi ofertado para a Biblioteca.
Coronel Tirocinado João Jorge Botelho Vieira Borges
Vogal Efetivo da Direção da Revista Militar,
na apresentação da obra, em 7 de maio de 2014,
no Instituto de Estudos Superiores Militares
Vogal da Direção da Revista Militar. Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar.