A fundação da Empresa da Revista Militar, “a segunda publicação periódica mais antiga de Portugal e a mais antiga do mundo em continuidade de edição”, insere-se no início do denominado “Movimento da Regeneração” que, desde 1851, ano em que o marechal Saldanha assumiu a chefia dum governo liberal, substituindo o do ditador Carlos Costa Cabral, se estendeu até 1 de Fevereiro de 1908, em que foram assassinados o Rei D. Carlos e o Príncipe Luís Filipe e, depois, até 5 de Outubro de 1910, em que se deu a implantação da República.
Figura 1
Visava-se, com a Regeneração, trazer acalmia política e militar ao país e aproximá-lo do denominado “século das luzes” já então, passada esponja sobre os efeitos da Era Napoleónica, vigente em quase todos os países europeus.
E se a regeneração política no nosso rectângulo europeu e nas suas parcelas ultramarinas pretendia a acalmia de populações e partidos, a regeneração militar, que lhe foi a par, tinha por objectivo por fim à prática política nas suas unidades e à ingerência constante de elementos dos partidos na sua acção, isto é, por termo à invasão declarada ou silenciosa desses elementos na mira de recrutar adeptos armados e fazer revoluções.
Figura 2
Mais concretamente, são factores de base para a fundação e criação da Revista a instabilidade política e militar instalada durante e após as Lutas
Liberais das décadas vinte e trinta do século XIX, a forma instável e pouco clara como decorreu a execução da Convenção de Évora Monte, de 1834, que lhes pôs termo e, por último, a reacção popular às medidas determinadas pelo referido governo de Costa Cabral, consubstanciadas na Revolução da Maria da Fonte, em Abril de 1846, e, com começo em Setembro desse mesmo ano, na Guerra da Patuleia entre as facções absolutistas e liberais que se lhe seguiu, então com intervenção de diplomacias e forças da Inglaterra, França e Espanha que apoiavam D. Maria II. A Guerra da Patuleia terminaria em 29 de Junho de 1847 com a assinatura da Convenção de Gramido, uma aldeia das imediações da cidade do Porto.
Serão, na realidade, tais eventos que mais irão influenciar a fundação da Revista e o esforço continuado que levou à sua criação e afirmação, sob a égide do então Tenente do Corpo de Engenheiros António Fontes Pereira de Mello, militar e político que, como foi há tempos recordado nesta Academia, também circularia pelos corredores da Maçonaria, cuja chefia assumiu, mesmo em 1884, com a morte do Marquês de Saldanha.
Voltando ao fim dos anos quarenta do século XIX, na sequência da oposição ao governo absolutista de D. Maria II, surgem Juntas Revolucionárias nas principais cidades do País, entre as quais a do Porto assume, desde logo, particular destaque. E a sua relevância é efectivamente concretizada pela marcha sobre Lisboa de um exército comandado pelo General Conde das Antas, com a missão de depor o governo.
As forças nortenhas não seriam, no entanto, felizes. Ao seu encontro foram forças leais à Rainha, comandadas pelo Marechal Saldanha, e, derrotado em 22 de Dezembro de 1846, em Torres Vedras, o Conde é obrigado a retirar apressadamente para o Porto.
A perseguição movida por Saldanha não encontra, todavia, caminho fácil: as condições meteorológicas desses primeiros meses de 1847 foram muito duras, de chuva e vento intensos, que tornavam a marcha difícil, havia muito pessoal doente, faltavam os víveres e, além disso, não se vislumbravam reforços de pessoal nem apoio logístico. Assim, atingida a região de Oliveira de Azeméis, Saldanha ordena um alto de alguns dias para que o exército se recomponha e possa prosseguir para o Porto, cuja ocupação constituía o seu objectivo. O seu pessoal bivaca ou aboleta-se.
26 oficiais do Exército e da Marinha,
signatários do Acordo de 1 de Dezembro de 1848
Corpo de Estado-Maior:
Barão de Wiederhold (Augusto Ernesto Luís)
António de Mello Breyner
Silvino Cândido de Almeida Carvalho
Arma de Infantaria:
Bento José da Cunha Viana
Augusto Xavier Palmeirim
João Maria Fradesso da Silveira
Leopoldo Xavier de Miranda
Joaquim Henriques Fradesso da Silveira
Arma de Artilharia:
João Manuel Cordeiro
José Maria de Pina
José Frederico Pereira da Costa
Fortunato José Barreiros
João Tavares de Almeida
Francisco Xavier Lopes
António Florêncio de Sousa Pinto
Luís de Sousa Folgue
António Ladislau da Costa Camarate
Arma de Cavalaria:
António José da Cunha Salgado
Arma de Engenharia:
António Maria de Fontes Pereira de Mello
José Maria Moreira de Bergára
Barão de Eschwege (Guilherme Luís)
José Carlos Conrado de Chelmicki
António José Gonçalves Chaves
Faustino José de Menna Apparício
Marinha de Guerra:
Francisco Maria Borciallo
Joaquim José Gonçalves de Manos Corrêa
Será durante esta paragem operacional em Oliveira de Azeméis que nasce a Revista Militar. Do quartel-general de Saldanha fazem parte, entre outros oficiais, o tenente do Corpo de Engenheiros António Fontes Pereira de Mello e os capitães de engenharia Chelmick – mercenário do Exército Polaco, alistado no Exército Português –, e de artilharia Pereira da Costa.
Fontes não perde tempo para realizar a sua ideia já amadurecida de que havia que renovar politicamente e militarmente o país, obtendo desde logo a cooperação daqueles dois oficiais e, logo a seguir, de alguns outros. E se, como diz o ditado, “casamento molhado é casamento abençoado”, também ali as bátegas de água que caíam em catadupa na, então, vila abençoaram a criação da Revista e os esforços dos seus três fundadores iniciais, aos quais se juntariam, de facto, nos meses seguintes, mais 21 oficiais do Exército e 2 da Marinha, num total de 26. O Contrato, manuscrito, da fundação da Empresa da Revista só viria a ser assinado, no entanto, em 1 de Dezembro de 1848, no gabinete do Secretário de Estado dos Negócios da Guerra, à Rua
Nova da Trindade, em Lisboa, sendo o seu primeiro número distribuído em meados de Janeiro seguinte.
As notas do estudo da situação política e militar que se verificava nesses anos, recolhidas por Fontes Pereira de Mello, iriam servir-lhe de base para escrever a “Introdução” para esse referido primeiro número, cujo esclarecido e filosófico texto se dirigia à comunidade em geral e aos militares em particular.
Dessa “introdução”, de 15 páginas, leio a seguir dois dos seus longos parágrafos nos quais se inscreve, efectivamente, a finalidade pretendida pelo autor e a exaltante e entusiasta determinação que o anima, devendo acrescentar-se que tal texto foi o único escrito por ele elaborado para a Revista. Depois, vendo que a nóvel publicação singrava, de acordo com os termos do Contrato, embora acompanhando fielmente as suas sucessivas e regulares edições, passou a ser a política a merecer-lhe atenções, tendo sido, até à sua morte, verificada em 29 de Janeiro de 1897, quatro vezes Ministro da Guerra, numa das quais acumulando a Fazenda, e, em 1881, presidente dum ministério regenerador, de cujo partido era então presidente, em substituição do Marechal Saldanha.
Escreveu efectivamente num dos parágrafos da introdução:
“(…) Há, porém, uma grande classe nesta sociedade em que vivemos, inteiramente especial pela natureza das suas funções e pelo machanismo da sua organização e que contém no seu seio as mais altas e as mais curtas inteligências; que carece, como as que carecem, de uma instrução adequada e geral e que, sem embargo, não tem um só órgão de imprensa que a represente e que ponha ao alcance da sua grande maioria os variadíssimos conhecimentos de que necessita. Falo do Exército (…)”.
Um pouco adiante, referir-se-ia também particularmente à Marinha. Escreveu, pois, a encerrar o último parágrafo:
“(…) Muito de propósito nos abstemos de amontoar exemplos da opinião que sustentamos; não vale a pena gastar erudição para provar o que é evidente de si para quantos ouvem e vêem; contra a surdez e a cegueira obstinadas não há argumentos que prevaleçam. Aos que forem prosélitos da ignorância das letras, aconselhamos-lhes que não lêam. Escrevemos somente para aqueles que desejam que tenhamos um exército instruido e para os que, ainda que nos pequenos postos, querem alcançar facilmente conhecimentos, que contribuam para oaupar algum dia, com honra delles e vantagem pública, a elevada posição a que subirem. Para estes é que vai redigir-se a Revista Militar, fruto das vigilias de alguns oficiais que, desejando ser úteis aos seus camaradas, querem também aprender, escrevendo. Oxalã que esta publicação mereça o acolhimento da maioria do Exército e dos homens instruidos do paíz e que este atrevimento dos nossos poucos anos, que só confia em Deus e na sua vontade, desperte em pennas mais hábeis o desejo de se ilustrarem e de serem úteis a uma classe que tanto merece da pátria”.
Na existência continuada da Empresa da Revista, que já se seguiu durante 166 anos, manda o contexto de alguns dos seus artigos, das actas e doutros documentos e a tradição histórica que se considerem nela três períodos:
– O que se inicia com a sua fundação, em 1848, e até fins de 1862, em que foi inteiramente independente;
– O que a continua em 1862, com a publicação dos primeiros Estatutos e a concessão de subsídio pelo Ministro da Guerra;
– O que a continua, desde de 1904/1905 até à actualidade, em que a tutela do Exército, por preocupações de ordem política e militar, passou a exercer sobre ela certo grau de controlo, embora sem prejuízo da mesma independência.
Como se verifica, só vinte um meses depois das reuniões preliminares de Oliveira de Azeméis é que o Contrato da fundação da Revista foi assinado, tendo a assinatura do tenente Fontes Pereira de Mello, por imposição reconhecida dos restantes, sido a primeira a aparecer no alto da extensa coluna de fundadores, embora não fosse o mais graduado ou antigo. Estava-se em 1 de Dezembro de 1848, a data simbólica de homenagem aos patriotas restauradores da independência do domínio espanhol e, embora muito mais atenuada, ainda existia por esse tempo alguma intranquilidade política e militar que, apesar de Gramido, continuava a influenciar o espírito dos políticos e militares e, consequentemente, o das unidades do Exército e da Marinha. É por essa data da fundação da Revista, em 1851, também com larga interferência de Fontes Pereira de Mello, que surge o Movimento da Regeneração, encabeçado pelo Partido Regenerador de que ele viria ser chefe, em 1877, em substituição do Marechal Saldanha.
As disposições acordadas no Contrato da fundação são simples, precisas e concisas, como se exige em todos os documentos militares: a Revista é criada para servir o Exército e a Marinha e, como englobante maior, a Pátria, donde a sua divisa “Pró-Pátria”; não faz política, não trata temas religiosos, não admite questões pessoais e aceita reflexões e memórias que sirvam domínios que lhes sejam acessórios… E engloba uma outra cláusula muito particular: “serão os Sócios Fundadores, todos os outros que aderirem e os assinantes que custearão a publicação e a sua administração”.
O aparecimento do primeiro número da Revista, em meados de Janeiro de 1849, e dos números a seguir constituíram sucesso imediato entre o público militar e civil, tornando-se seus sócios e assinantes altas entidades civis e militares, como o Rei D. Fernando II, o Príncipe Real D. Pedro, o Infante D. Luiz, os Ministros, os Generais e os Subsecretários, o da Guerra em primeiro lugar. O próprio e futuro Rei D. Pedro V, sob anonimato, chega a colaborar na Revista em torno de polémica relativa à construção da linha de caminho de ferro do Leste. A Revista “era qualquer coisa que tratava nas suas páginas as necessidades do Exército e da Marinha e do seu Pessoal e traçava a posição dos dois Ramos no meio pacífico e de solidariedade por que se ansiava”.
Entretanto, a Instituição Militar continuava a independentizar-se do poder político e, embora fornecendo-lhe quadros válidos para as suas diversas comissões de serviço público, soube opor-se às velhas tendências revilharistas que continuavam a tentar controlá-la, desempenhando, aí, a Revista papel determinante. Internamente, a experiência que foi sendo colhida com a publicação e a evolução positiva constatada com a Regeneração, conduziriam, dentro em pouco, à necessidade de adaptar o Contrato da Fundação às novas realidades nacionais, sem prejuízo, no entanto, das suas bases dominantes e da filosofia fontiana que haviam influenciado a sua assinatura.
Surgem assim, catorze anos depois, em 1862, os primeiros Estatutos e o Regulamento Interno da administração da Empresa.
Na transição do século XIX para o século XX, a Revista vai ser influenciada na sua vida ascensional, mas já inteiramente firmada, com a rotatividade política dos Partidos Regenerador e Progressista e, a seguir, com o aparecimento e a afirmação do Partido Republicano Português. Os sucessivos governos, cerca de quarenta, que, desde 1851, se seguem, entre os quais os três em que Fontes Pereira de Mello participa, acompanham atentamente e com alguma apreensão o que se publica na imprensa em geral e nos jornais militares que vão aparecendo, merecendo a Revista Militar, neste campo, especial atenção do Ministro da Guerra, em face da categoria dos sócios que a constituem. Os governantes vêem-se, assim, na necessidade de seguir melhor e controlar o Pensamento Militar, não se esquecendo que, até cerca dos anos cinquenta, estivera intensamente penetrado por ideólogos que o utilizavam em seu proveito. Não se queria voltar, de modo algum, a esses turbulentos tempos.
Deste modo, a situação é apreciada, em 1904, entre a direcção da Revista, então presidida pelo General Morais Sarmento, e o gabinete do Ministro da Guerra, sendo ministro o General Sebastião Teles, e concretizada em Janeiro de 1905, visando certo acautelamento político. Surge, assim, a decisão ministerial que se segue: Como já foi pensado em 1894, entende-se que a dispersão de esforços verificada em matéria de jornalismo militar não é conveniente num exército pequeno como o do nosso País e que, portanto, muito conviria reunir esforços e formar um periódico com condições materiais e profissionais capazes de melhor fazer valer os interesses do Exército e de mais propriamente auxiliar a realização (derramamento) da instrução nas fileiras”.
Em consequência, como já possuía condições de sobrevivência próprias e tinha granjeado elevado prestígio, a Revista Militar é mantida na sua independência e são nela fundidas as Revistas do “Exército e da Armada”, a da “Administração Militar” e o “Portugal Militar” que são, portanto, extintas. Como complemento, exarando despacho no documento da fusão anterior, o Ministro da Guerra determina que “A Revista não fará política nem admitirá questões pessoais. Abster-se-á de fazer programas dos assuntos que tratar nos seus artigos. O seu título indica-o quanto basta e deve querer ser julgada pelas suas produções. É provável que se prometesse quanto dela ficaria muito aquém das espectativas…”. E conclui: “A empresa fará quanto puder e nisso mesmo prestará um serviço à nobre profissão das armas; a crítica de juizes competentes dirá se cumpriu a missão”.
Em consequência desta intervenção ministerial de 1905, são elaborados novos Estatutos, em substituição dos de 1862, cujas disposições mais relevantes, ainda hoje em vigor, são as seguintes:
– O apoio financeiro por parte do Ministério é institucionalizado;
– A nomeação do presidente da direcção da Empresa e da Revista será feita, como até então, entre os seus Sócios Efectivos, mediante consenso da sua Assembleia Geral, competindo o seu sancionamento final à autoridade que, na altura detenha a competência do mesmo Ministro da Guerra – com a extinção do Ministério, em Abril de 1974, essa autoridade é, presentemente, do Chefe do Estado-Maior do Exército;
– Diz-se ainda no documento que este sistema de nomeação “representa apenas o direito que o Governo tem de fiscalizar o integral cumprimento das bases acordadas”, mas não prejudica o estatuído no sentido de que “a Empresa deverá manter-se independente de qualquer tutela oficial ou de outra natureza”.
Os Estatutos de 1905, já submetidos a ligeiras alterações, foram pela primeira vez publicados no Diário da República de 23 de Maio de 1992, por ocasião da atribuição à Empresa do título de “Pessoa Colectiva de Utilidade Pública”, e foram clarificados, por Regulamento Interno, aprovado em Assembleia Geral de 1996.
Considerando os seus objectivos e os condicionamentos postos ao seu acervo, a Revista tem trabalhado, nomeadamente, conceitos e princípios de Defesa e Segurança e de outros domínios de interesse para as Forças Armadas, em especial do Exército, com relevância para os de estratégia, táctica, história, administração, logística, técnica, organização e empenhamento operacional, visando o cumprimento de missões de força locais e, modernamente, quer de apoio à Paz em áreas exteriores, quer no quadro de alianças e tratados, como a OTAN e a UE, o Conhecimento Militar, a Cultura, a Moral e a Ética.
Concretamente, destacaram-se, no decorrer de décadas, os seguintes domínios: penetração e pacificação dos, então, territórios ultramarinos portugueses na segunda metade do século XIX; prosseguindo nos primeiros anos do século XX; sucessivas reorganizações do Exército e da Marinha; Primeira e Segunda Guerras Mundiais; período de Guerra Fria, entre 1945 e 1986; Organização do Tratado do Atlântico Norte; Subversão no Estado da Índia, entre 1954 e 1961; invasão e ocupação do mesmo Estado, em Dezembro de 1961; Guerra Colonial, de 1961 a Abril de 1974; reorganização e redimensionamento das Forças Armadas, após Abril de 1974; acontecimentos de todos os domínios verificados em países da Europa e doutros continentes.
Deu-se ainda, ao mesmo tempo, a intervenção da Revista em numerosos colóquios, seminários e congressos nacionais e internacionais e, colectivamente ou a título individual, a cooperação dos seus Sócios em actividades de diversas instituições culturais nacionais, como a Academia Portuguesa da História, a Sociedade Histórica da Independência de Portugal, a Comissão Portuguesa de História Militar, a Academia de Marinha, a Academia de Cultura Portuguesa e a Sociedade de Geografia de Lisboa, com reflexos muito positivos para o seu acervo.
Este labor da Revista muito tem beneficiado da continuidade das suas direcções que, em 166 anos, após 1878, a data limite da direcção em regime colegial, teve, sucessivamente, apenas oito presidentes: o General Morais Sarmento, durante 52 anos, de 1878 a 1904, como director-gerente, e de 1905 a 1930, como presidente efectivo; o General Teixeira Botelho, durante 25 anos, de 1931 a Janeiro de 1956; o General Afonso Talaya de Sousa Botelho, durante 13 anos, de Fevereiro de 1956 a 1968; o General Câmara Pina, durante 11 anos, de 1969 a Janeiro de 1981; o General Bethencourt Rodrigues, durante 10 anos, de 1981 a 1990; eu próprio, durante 10 anos, de 1991 a 2000; o General Espirito Santo (falecido em Outubro de 2015), durante 11 anos, de 2001 a 2011; actualmente, desde 2012, o General Pinto Ramalho. Durante alguns anos, em que não houve presidente da direcção nomeado, e alguns foram, a governação da Empresa da Revista foi assegurada por um director-gerente e por um director-administrador, que hoje fazem parte do seu Executivo.
Desde o seu primeiro número até aos tempos actuais, a Revista tem respeitado escrupulosamente, ainda que por vezes com dificuldade quanto à colaboração necessária, a sua periodicidade estatutária, publicando actualmente 12 números por ano, três deles duplos. No termo do ano de 2014, no seu segundo século, portanto, com 166 anos de existência e 2555 números publicados, regista uma paginação média de 116 páginas por número.
A Empresa tem sido parca na selecção e eleição dos seus Sócios. Efectivamente, num quadro estatutário máximo de 70 Sócios, teve, até esta data, apenas 291 Sócios Efectivos desde a sua Fundação, incluindo os 26 sócios fundadores, e elegeu apenas 8 Sócios Honorários, existindo actualmente dois.
A existência financeira da Empresa é coberta pela venda de algumas centenas dos seus dos cerca de 600 exemplares mensalmente editados, mas é-o, fundamentalmente, por subvenções anuais do Ministério da Defesa Nacional e do Estados-Maiores dos Ramos das Forças Armadas.
Sediada, actualmente, em edifício do Estado (Exército), a Santa Clara, em Lisboa, a Empresa já ocupou três outras sedes, que custeava das suas verbas: na Rua Nova da Trindade, nº 6, 1º andar – a primeira, onde foi assinado o Contrato da sua Fundação; na Rua dos Fanqueiros – a segunda; no Largo da Anunciada – a penúltima. Estas antigas sedes encontram-se hoje referenciadas por placas alusivas à presença da Revista nesses locais.
As mudanças de sede, fundamentalmente, e alguns períodos, aliás curtos, talvez menos cuidados da administração da Empresa, conduziram a que a quase totalidade do seu arquivo, nomeadamente o relativo ao “cisma” de 1904 e 1905 com o Ministro da Guerra, se perdesse. Restaram, felizmente, algumas actas de reuniões, aprimoradas notas informativas de alguns Sócios e a tradição estabelecida.
O acervo da Revista vem sendo informatizado nos últimos vinte anos, com entradas faceis e adequadas. A Empresa, no entanto, entregou-se durante largo tempo, a demorada e cansativa elaboração de “ÍNDICES” que, englobando notas relativas à sua história, abrangem todo o período, desde a Fundação até ao fim do ano 2000.
O desempenho literário e cultural da Revista ao longo dos anos e a sua projecção têm sido particularmente reconhecidos pelos sucessivos poderes públicos e outras instituições, os quais lhe atribuíram os seguintes prémios, citações e distinções honoríficas:
– Em 1928, uso de Bandeira própria, sendo suas cores dominantes a verde e a branca, por portaria conjunta dos Ministros da Guerra, Marinha e Colónias;
– Em 1929, condecoração com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Santiago da Espada;
– Em 1933, concessão pela Academia das Ciências de Lisboa das suas Palmas Académicas de 1ª Classe;
– Em 1948, data do seu primeiro centenário, homenagem pela Câmara Municipal de Lisboa, com a presença do Chefe do Estado, com descerramento de Placa na sua primeira sede, à Rua Nova da Trindade;
– Em 1999, ano da comemoração do 150º aniversário, considerada Membro Honorário da Ordem Militar de Cristo;
– Também em 1999, homenagem da Câmara Municipal de Lisboa, com atribuição do nome da Revista a Praça do bairro de Benfica;
– E, ainda, Diploma de Mérito da Exposição da Imprensa (1890), Medalha da Guerra Peninsular (1912), Medalha de Cobre da Exposição Nacional de Artes Gráficas (1913), Medalha de Cobre da Exposição Internacional do Rio Janeiro (1922/1923).
O Chefe do Estado foi sempre convidado para a Assembleia Geral Anual em que eram empossados novos Sócios e se apreciavam as contas do exercício do ano transacto, tendo esta prática deixado de existir, em Abril de 1974.
O último Chefe do Estado a ser recebido na Empresa foi o Almirante Américo Tomaz.
Em 1948 e 1949, a Revista comemorou o seu primeiro centenário, com diversas realizações. O Brigadeiro Abranches Pinto, então seu director-gerente, referiu, na sessão solene que teve lugar na Sala Portugal da Sociedade de Geografia de Lisboa, ”que acabara de se fechar a porta dos cem anos e que outra se abria, e que não se tratava de uma porta qualquer que em cada ano se transpõe mas, pelo contrário, de pesado portão centenário que, em regra, só se abre uma vez na vida dos homens”. Destacou ainda “os magestosos cem anos da Revista, sempre firme na sua respeitável tradição e rodeada de homenagens e manifestações ocorridas na comemoração” e terminando com o voto de “que a Revista Militar sobreviva longamente a todos nós e que, daqui a cem anos, um meu sucessor na sua direcção volte a escrever neste dia um artigo dedicado ao limiar do seu terceiro século de existência”.
Na referida sessão solene da comemoração do primeiro centenário, o saudoso e eloquente Doutor Aughusto de Castro, então ilustre director do “Diário de Notícias”, louvando a sua velhice com espírito sempre jovem e a sua alta comprensão dos problemas da Defesa Nacional, da Instituição Militar e das Forças Armadas, atribuiu à Revista o título feliz e pleno de ternura de “AVÓZINHA” da Imprensa Portuguesa, hoje, portanto, ainda mais avozinha, a 34 anos do seu segundo centenário. A Revista Militar é, de facto, a segunda publicação periódica mais antiga de Portugal, existindo uma outra mais antiga, a que podemos dar com a mesma propriedade o título de “AVOZINHO”. Trata-se do, então, semanário “Açoreano Oriental”, fundado em 18 de Abril de 1935 como diário, logo a seguir semanário e novamente diário, a partir de 3 de Janeiro de 1979, portanto, 13 anos mais velho do que ela.
Seja-me permitido que aproveite esta sessão e esta comunicação para saudar a administração do “Açoreano” e para desejar ao jornal saudável continuidade.
Como remate das elogiosas referências à Revista, impõe-se citar e recordar o ilustre Professor Doutor Aníbal Pinto de Castro – que foi académico de número desta Academia Portuguesa da História – que, na sessão solene comemorativa do 150º aniversário da Revista, em 2 de Dezembro de 1998, realizada também na Sala de Portugal da Sociedade de Geografia de Lisboa, após relatar a vida política e militar do tempo da fundação da Revista, disse na sua oração:
“(…) Deste bosquejo rápido concluir-se-á quanto é útil a existência duma publicação periódica literária onde os indivíduos que exercitam qualquer finalidade nesta grande classe (militar) possam acompanhar passo a passo todos os melhoramentos e progressos que as artes e as ciências fazem todos os dias nos variadíssimos ramos que lhes dizem respeito. O Exército carece inquestionavelmente dum jornal onde se estudem as necessidades, onde se explorem e ponham em luz as suas antigas glórias e onde se indiquem todas as reformas úteis”.
E terminou o douto Professor: “Vimos hoje comemorar uma generosa e nobre afirmação de supremacia do espírito sobre a matéria e um repositório de energia moral que alimentaram e utilizaram as virtudes militares, hoje como ontem imprescendíveis à marcha das pátrias pelo caminho da História”.
Excelentíssimos confreiras e confrades, minhas senhoras e meus senhores: duas citações sempre observadas no contexto dos sucessivos números da Revista Militar merecem ainda destaque nesta despretensiosa comunicação: a primeira, de Camões, que foi lema do extinto Instituto de Altos Estudos Militares do Exército, e o é hoje do Instituto de Estudos Superiores Militares, dos três ramos das Forças Armadas que aquele substituiu, e que refere que, “Não houve forte capitão que não fosse também douto e ciente”; a segunda citação, também de Fontes Pereira de Mello, inserida na sua referida “introdução” para o primeiro número da Revista, que escreveu: “Precisa-se do estudo para fortalecer a inteligência, da inteligência para dirigir a força e da força para defender a Pátria e a Liberdade”.
Como foi referido, constituem, em síntese, factos históricos dominantes da Revista Militar os seguintes:
– a Revista foi criada em Fevereiro de 1847, tendo decorrido, por cerca de vinte e dois meses, o estudo e a decisão sobre o esquema literário e cultural que melhor serviria o Contrato da sua fundação, assinado em em 1 de Dezembro de 1848 –, portanto, no período de instabilidade político-militar de 1820-1851, que culminaria com a origem do Movimento de Regeneração, em 1851;
– militavam na Maçonaria, de que ele viria a ser Mestre em substituição do Marechal Saldanha, falecido em 1877, o seu principal criador e fundador Fontes Pereira de Mello e também, admite-se, os capitães Chelmick e Pereira da Costa, que primeiro o assessoraram nessa missão a que voluntariamente se votou;
– como também afirma o Prof. Doutor António Vicente no seu livro “A Maçonaria em Portugal”, existiam nessa altura, na maior parte dos comandos estabelecimentos e unidades militares, núcleos de maçons, dependentes ou não de “lojas” – a Revista congregava, desde o seu início, além dos seus 26 sócios fundadores, elevado número de sócios ordinários, oficiais de todos as patentes, membros do Reino e do governo, generais e deputados;
– havia permanente apoio de entidades da área militar da Regeneração na sua área política, ainda que as duas áreas singrassem independentes, de modo a melhorar a utilização das capacidades pessoais dos sócios, no muito que competia fazer para o progresso do País;
– não existem, no entanto, quer nos arquivos da Revista quer no gabinete dos então ministros da guerra, quaisquer actas das reuniões realizadas para a elaboração da Revista, bem como do relacionamento com os ministros nos períodos de 1862 e 1904/1905, em que estes, acautelando a posição do governo perante a Revista, impuseram a sua intervenção na nomeação do presidente da direcção, ainda que esta se processasse depois sempre independente;
– prosseguiram, durante todo o período da Regeneração, até 1910, as tentativas de cidadãos civis e de militares a elas estranhos, de se inserirem na vida das unidades para conseguirem homens, armas e equipamentos com objectivos revolucionários.
Perante o panorama descrito, parece haver lugar para se afirmar ter havido interferência da Maçonaria na Empresa da Revista e, no âmbito das suas características de organismo militar, também a sua interferência no Movimento Maçónico, o que então vinha sendo comum a todos os países da Europa… interferência pessoal de alguns sócios, como Saldanha, Fontes e muitos outros oficiais, houve com certeza!...Não são conhecidos, no entanto, quaisquer elementos que permitam garanti-la…
Uma outra questão poderá surgir ainda sobre os assuntos tratados nas reuniões da Empresa… para além da apreciação de ideias indispensáveis à sua administração e à elaboração metódica e permanente da Revista, parece difícil, perante a intranquilidade social e governamental que então se vivia, não aproveitar a presença regular dos seus sócios para apreciar e discutir aspectos do comportamento político do País e a aptidão de alguns homens para neles intervirem e cooperarem… no entanto, mesmo nestes casos, não são conhecidos, de facto, quer nos arquivos da Empresa, quer no contexto e discussão das ideias necessárias à elaboração dos sucessivos números da Revista, sucessivamente publicados, quaisquer elementos que permitam aceitar uma ou outra situação.
Em conclusão, a meu ver, embora não existam documentos oficiais ou privados que o afirmem ou testemunhem, a Empresa da Revista Militar, através da intervenção de alguns dos seus sócios, terá sido influenciada na sua criação e fundação por ideias e princípios do Movimento Maçónico e terá também influenciado o próprio Movimento.
Ex-Presidente da Direcção e Sócio-honorário da Revista Militar. Falecido em 30 de abril de 2018.