O combate de Naulila
18 de Dezembro de 1914
O Coronel Pedro Esgalhado já havia produzido uma obra de sátira política, que foi comentada e apresentada aos leitores da Revista Militar. Desta vez brinda-nos com um livro de História Militar, que relata os antecedentes e os factos de um combate que, ainda hoje, é motivo de polémica e de diversas interpretações.
O autor começa por abordar a expansão portuguesa em África e o seu significado e relevância. Trata depois da postura das potências coloniais europeias, no fim do século XIX, com destaque para as políticas por elas seguidas após a Conferência de Berlim de 1884/1885.
Pela sua importância para o tema debruça-se, em seguida, sobre a situação do Exército Português nos finais do século XIX, no início do século XX e sobre as reformas introduzidas pela República.
Também relevante é a análise da atitude dos republicanos em relação à Grande Guerra, tendo como pano de fundo a segurança e a manutenção do Império, a instabilidade do regime Republicano, as divisões internas, a reorganização do Estado e, acima de tudo, a divergência em relação à melhor forma de defender os interesses pátrios.
Intervir no conflito europeu, como grande desígnio para reforçar a nossa afirmação internacional, ou pensar exclusivamente na manutenção da integridade do Império, investindo na segurança e no desenvolvimento dos seus territórios. As Forças Armadas acabaram por ser envolvidas em três frentes de guerra, na Flandres, em Angola e em Moçambique, pagando o preço do sangue e também os custos decorrentes da nossa debilidade económica e financeira e ainda da deriva e instabilidade governativa.
Os primeiros reforços militares foram enviados para Angola e Moçambique, mas o grosso das nossas forças e do nosso esforço logístico acabou por ser remetido para a Flandres, a partir de janeiro de 1917, numa mobilização que fragilizou e deixou descurados os distantes e vastíssimos territórios ultramarinos.
E chegamos a Naulila, pequena sanzala no sul de Angola, situada a centenas de quilómetros do mar, próxima da fronteira com a África Ocidental Alemã, hoje Namíbia, rodeada de desertos, mas próxima do rio Cunene, o que lhe permitia o acesso à preciosa água. O autor recorre ao relato do General Santos Correia, para descrever o local:
O posto de Naulila não tinha qualquer valor militar contra forças europeias; consistia num muro de adobe, tendo à volta uma fiada de arame farpado; um pouco adiante das faces Sul e Leste tinha ultimamente sido construída uma trincheira para atiradores de joelhos. Dentro do posto havia algumas casas rudimentares (paredes de pau a pique e barro, tetos de capim); serviam de secretaria, arrecadações, caserna, cavalariça, etc.
O caso de Naulila desencadeou-se em meados de outubro de 1914, com a entrada no nosso território de um pequeno destacamento militar constituído por 13 alemães e 10 soldados indígenas. As dificuldades linguísticas, a sequência de mal entendidos, a perceção de que teria havido uma cilada ou uma traição, culminaram na morte de 3 alemães, em 19 de outubro de 1914, entre os quais o administrador do distrito fronteiriço. As primeiras retaliações alemãs começaram em novembro e prosseguiram no mês seguinte. Em 18 de dezembro 1914, as forças alemãs atacaram Naulila com infantaria e artilharia. As nossas forças defenderam-se como puderam e causaram alguns mortos e feridos aos alemães, mas sofreram a morte de 3 oficiais e 66 praças, retirando-se posteriormente para o nosso posto militar mais próximo.
Portugal viria a entrar na I GG, cerca de dois anos mais tarde, na sequência da declaração de guerra alemã, que ocorreu em 09 de março de 1916. Entre as várias razões apontadas, a Alemanha mencionou o incidente de Naulila:
O governador alemão do distrito, Dr. Schultz-Jena, bem como dois oficiais e algumas praças, em 19 de outubro de 1914, na fronteira do Sudoeste Africano alemão e Angola, foram atraídos, por meio de convite, a Naulila, e ali declarados presos sem motivo justificado, e, como procurassem subtrair-se à prisão, foram, em parte, mortos a tiro enquanto os sobreviventes foram à força feitos prisioneiros.
Esta pesquisa sobre Naulila, como todos os trabalhos desta natureza, é fruto de uma investigação aturada feita em arquivos e bibliotecas mas, acima de tudo, resultado de um trabalho coletivo, destacando-se o labor dos Doutores José Caimoto Duarte e Luís da Silva Fernandes. Este último coligiu as notícias e os ecos da imprensa local relativos à saída dos expedicionários do Regimento de Infantaria 14, de Viseu para Angola e ainda à toponímia de Viseu relacionada com Naulila.
Trabalho que só com amor e paixão poderia ser realizado. Pois foi isto mesmo que o Coronel Esgalhado concretizou ao investigar Naulila, nas suas diferentes vertentes, num estudo notável, baseado na documentação disponível.
Por entender importante, permito-me acrescentar uma pequena nota referente à relevância do Caso Naulila para o Direito Internacional. Portugal recorreu para o Tribunal Internacional de Justiça, pedindo compensações pelos danos pessoais e materiais, causados pela Alemanha. Esta contestou, afirmando que as suas tropas haviam procedido legalmente, por se tratar de uma retaliação, pela morte dos seus três nacionais que se encontravam legalmente em território português. O Tribunal rejeitou a justificação alemã e criou a seguinte jurisprudência:
Antes que as represálias possam ser executadas, tem de haver suficiente justificação, na forma do cometimento de um ato contrário ao Direito Internacional; ainda assim, se isso acontecer, as represálias têm de ser precedidas de um pedido de reparações que não tenha sido satisfeito e ser concretizadas tendo em vista um sentido de proporção entre a ofensa e a represália[1].
Esta obra apresentada num volume de 174 páginas está ricamente ilustrada e documentada com inúmeras fotografias, mapas, estampas, desenhos, plantas, e relevantes anexos. Em co-edição Quartzo Editora e Núcleo de Viseu da Liga dos Combatentes, O Combate de Naulila constitui um valioso contributo para a História Militar em Portugal.
A Revista Militar agradece a oferta deste livro e felicita o Coronel Pedro Esgalhado por mais esta iniciativa.
Major-general Manuel de Campos Almeida
Vogal da Direção da Revista Militar
[1] Ver Shaw, Malcolm. International Law, Cambridge University Press, 1997, p. 786.
Vogal Efetivo da Direção da Revista Militar.