Coronel Fernando Ferreira Valença
9 de abril de 1916 – 8 de agosto de 2015
O Coronel de Artilharia Fernando Ferreira Valença nasceu em Lisboa, em 9 de Abril de 1916, e faleceu em Carnaxide, em 8 de Agosto de 2015. Era Sócio Efetivo da Revista Militar, desde 1959, com o nº 181.
Frequentou o ensino liceal no Colégio Militar, com marcada influência – como reconheceu – na sua formação intelectual, cívica e castrense, após o qual se alistou no Exército, em 1933, como sargento-cadete, frequentando, durante três anos, a Faculdade de Ciências de Lisboa. Ingressou na Escola do Exército, no curso de artilharia, que concluiu com a mais elevada classificação, e tendo em vista uma posterior habilitação com o curso de engenharia fabril. Promovido a alferes, em 1941, veio a ser nomeado, por imposição, atentas as qualidades intelectuais e profissionais já reveladas, para a frequência do curso de Estado-Maior, que concluiu, em 1949, com a classificação de distinto. Atingiu o posto de coronel, em 1964. Em 1955, foi-lhe detetada uma doença grave, iniciando-se um ciclo de delicadas intervenções cirúrgicas. Apesar da invulgar capacidade de resistência e fibra moral com que foi enfrentando a situação, acabou por ser considerado incapaz para o serviço ativo, por uma junta médica, passando à reserva em 1968, sendo assim cerceadas as possibilidades de atingir os mais altos postos militares.
Das várias funções militares que foram cometidas ao Coronel Valença, salientam-se as desempenhadas no Secretariado-Geral da Defesa Nacional (SGDN), no gabinete do Ministro do Exército, na chefia do Serviço Cartográfico do Exército e como assessor militar do Instituto da Defesa Nacional (IDN).
Das tarefas executadas no SGDN e no Ministério do Exército, destacam-se as relativas ao estudo e participação na elaboração da legislação relativa à importante reorganização da Defesa Nacional e do Exército, realizada nos finais da década de 50 do século passado, e de que dá testemunho em dois artigos que publicou, cerca de trinta anos mais tarde. No Ministério do Exército também acompanhou de perto as movimentações na estrutura superior político-militar, ocorridas em abril de 1961, e de que dá conta em obra que publicou sob o título “As Forças Armadas e as crises nacionais: a Abrilada de 1961”, reconhecida de grande valor histórico.
Na chefia do Serviço Cartográfico do Exército, tirando partido dos seus conhecimentos e sensibilidade aos problemas técnicos, promoveu um profundo reequipamento do Serviço, apesar das limitações da época em meios financeiros e humanos, por forma a adaptá-lo às mais modernas tecnologias e a aumentar a capacidade de produção e a cobertura cartográfica dos territórios ultramarinos.
Tal como eu, o Coronel Valença fez parte do primeiro grupo de assessores do IDN, após a sua refundação, assim se iniciando uma relação afetiva, de muita cumplicidade intelectual e de mútuo apreço e estima, que se foi estreitando ao longo do tempo. Mercê do seu entusiasmo e dedicação, da sua vasta cultura e superiores qualidades de organização, desempenhou um papel fulcral na elaboração do estudo “O País que somos”, importante na afirmação do IDN, nos seus primeiros passos. E a relevância da sua ação em vários domínios, reconhecida por todos os diretores, foi de tal forma superiormente apreciada que, ao ser exonerado daquelas funções por perfazer 70 anos, foi objeto de um tratamento excecional, sendo nomeado consultor permanente do IDN, função que desempenhou até ao limite da vida ativa. Pude, assim, primeiro como subdiretor e, anos mais tarde, como diretor, beneficiar da sua direta colaboração, sempre generosa, enriquecedora e fértil em propostas e sugestões, embora nem sempre fácil, em virtude da diferença de idades, da sua vincada personalidade, combatividade e capacidade de argumentação e, sobretudo, da autoridade que naturalmente emanava, dadas as elevadas e diversificadas funções de direção que havia desempenhado. Pude ainda apreciar de perto, com admiração, a sua auto-suficiência, fibra moral e capacidade de controlo, apesar das suas limitações físicas. De facto, quando convidado, participava sem limitações e ativamente nas deslocações e viagens de estudo, no país ou no estrangeiro: apenas pedia um quarto individual.
Pelas suas qualidades intelectuais e profissionais, capacidade técnico-científica e experiência nos domínios da organização e planeamento, o Coronel Valença foi nomeado para importantes comissões de serviço, do foro civil, algumas em acumulação com o serviço militar. Registam-se, entre outras, as seguintes como mais relevantes: administrador, por conta do Estado, da CP, durante dez anos; vogal do Conselho Diretivo do Gabinete de Estudos e Planeamento de Transportes Terrestres; vogal do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes; procurador à Câmara Corporativa – Secção de Transportes, durante três anos; vogal da direcção da Associação Industrial Portuguesa; vogal das Comissões Consultiva e da Diretiva da Junta de Energia Nuclear, em representação do SGDN; e membro do Conselho Nacional de Cartografia.
Com grande sentido da cidadania, o Coronel Valença evidenciou sempre atenção ao associativismo e às questões sociais e interesse pelas atividades culturais Assim, foi presidente da direção do Cofre de Previdência das Forças Armadas, secretário-geral dos Serviços Sociais das Forças Armadas e vogal da direção da Caixa de Previdência e Abono de Família dos Ferroviários; foi sócio fundador da Liga dos Ostomizados e visitava com regularidade os doentes do Instituto Português de Oncologia, aos quais, com o seu exemplo, procurava incutir ânimo e esperança; pertenceu a várias associações culturais; assistia, com frequência, a conferências e seminários sobre temas do seu interesse; e era um grande apreciador de espetáculos de ópera, tendo sido, durante décadas, assinante das temporadas do teatro S. Carlos.
Escreveu vários artigos, dispersos em revistas especializadas e em boletins das organizações de que fez parte e redigiu, na enciclopédia “Focus”, a maior parte dos verbetes relativos a assuntos da guerra e do Exército.
Na Revista Militar, pertenceu aos seus corpos gerentes, como secretário da Assembleia Geral, durante dez anos; foi presença assídua e interventiva nas atividades da Revista, até uma fase muito avançada da vida; e foi distinguido por duas vezes com o prémio “Almirante Augusto Osório”, por artigos publicados na Revista.
Era um leitor atento do que de mais relevante se publicava sobre temas do seu interesse, que se centrava, particularmente, nas características gerais dos momentos significativos da evolução técnico-científica e das suas potenciais consequências na evolução das sociedades, nas relações internacionais e na polemologia; entusiasmava-se com o debate de ideias, desde que travado com rigor, correção e honestidade intelectual; e era um conversador insinuante e estimulante. A sua aparência espelhava as características do seu espírito: uma apresentação sempre cuidada, discreta, mas personalizada; a pontualidade; a educação esmerada; um trato afável e cortês, mas comedido; a correção das atitudes e posturas; a disciplina e auto-controlo; a abordagem cartesiana dos problemas.
O Coronel Valença foi, portanto, um notável militar e cidadão, pela sua elevada craveira intelectual, vasta cultura, capacidade de trabalho e de organização, sensibilidade social, gosto pela vida, interesse empenhado pelos grandes problemas nacionais e abertura de espírito à inovação e à mudança. E, por ironia do destino, o oficial que aos 52 anos foi considerado incapaz para o serviço ativo tornou-se no decano dos oficiais do Exército e dos sócios efetivos da Revista Militar, extinguindo-se a escassos meses de completar cem anos.
Da sua folha de serviços constam numerosos louvores, tendo sido agraciado com as seguintes condecorações:
– Oficial e Comendador da Ordem Militar de Aviz;
– 3 Medalhas de prata de Serviços Distintos;
– Medalhas de Mérito Militar de 1ª e 2ª classe;
– Cruz de Mérito Militar – 2ª classe, com distintivo branco (Espanha);
– Medalhas de Comportamento Exemplar, de ouro e de prata.
À Família enlutada, em especial ao nosso confrade General Luís Valença Pinto, a Direção da Revista Militar exprime o seu profundo pesar.
Tenente-general Abel Cabral Couto
Sócio Efetivo da Revista Militar
Nasceu em Mateus, Vila Real, em 11 de Março de 1932, onde fez o curso de liceu que terminou em 1949, com 18 valores.
Cursou Artilharia, na Escola do Exército (1949/1953). Depois fez outros cursos: Geral e Complementar de Estado-Maior, do Instituto de Estudos Militares (IAEM); Emprego de Armas Especiais, na Escola do Exército dos Estados Unidos da América, em Oberamergau e Superior de Comando e Direção, do IAEM.
Frequentou o curso de licenciatura em Ciências Físico-Químicas da Faculdade de Ciências de Lisboa.
Atualmente, é general do Exército na situação de reforma.
Professor catedrático convidado do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (desde 1987) e membro do Conselho