A Dor Muscular Tardia ocorre normalmente na sequência de lesão muscular induzida pelo exercício físico, especialmente se envolver contração muscular excêntrica e/ou se for realizado por indivíduos não adaptados; está subjacente a processos de lesão mecânica, inflamação/edema e proliferação de radicais livres, traduzindo-se por queixas musculares localizadas (por exemplo, dor, fraqueza, tensão, edema) que aumentam nas primeiras 24 horas, atingem um pico entre as 24 e 72 horas e aliviam progressivamente até desaparecerem aos 5-7 dias após o exercício físico1,2. A dor muscular tardia afeta a recuperação dos desportistas/militares, tendo um impacto negativo na sua capacidade de treino e competição/atuação no teatro de operações.
A Oxigenoterapia Hiperbárica é uma modalidade terapêutica que consiste na administração de oxigénio puro em ambiente com pressão superior à atmosférica medida ao nível do mar (Figura 1); provoca vasoconstrição, aumenta a oferta de oxigénio, reduz o edema, ativa a fagocitose e tem efeito anti-inflamatório3. A oxigenoterapia hiperbárica foi sugerida como opção terapêutica para a dor muscular tardia no sentido de acelerar o processo de recuperação.
Figura 1 – Câmara hiperbárica portátil
Para coligir as evidências de eficácia da oxigenoterapia hiperbárica no tratamento da dor muscular tardia procedeu-se à pesquisa da expressão «“delayed onset muscle soreness” and “hyperbaric oxygen”» na PubMed, leitura dos artigos disponíveis em texto integral e consulta das suas referências bibliográficas consideradas relevantes.
A pesquisa originou seis artigos, tendo sido identificados seis estudos sobre a utilização da oxigenoterapia hiperbárica no tratamento da dor muscular tardia (Tabela 1).
Não está comprovado que a oxigenoterapia hiperbárica acelere o processo de recuperação na dor muscular tardia após realização de exercício físico excêntrico; é possível, inclusivé, que o possa prejudicar – a diferença entre a dor às 48 horas pós-exercício físico é estatisticamente significativa a favor do grupo controlo4. Também não há evidência de melhorias no edema e na força muscular (valores similares entre grupos)4. Não se encontraram diferenças significativas entre a exposição imediata e a exposição retardada à oxigenoterapia hiperbárica4. Nenhum estudo reportou efeitos adversos4.
A ausência de evidência de eficácia não é evidência de ausência de eficácia. Há poucos estudos sobre a temática em apreço e os que existem apresentam limitações – a dimensão da amostra é uma limitação transversal. Além disso, os protocolos utilizados são diferentes – impossibilitam uma análise conjunta dos dados – e os estudos apresentados são experimentais – não reportam os efeitos da oxigenoterapia hiperbárica no tratamento da dor muscular tardia secundária ao exercício físico em situações reais.
A necessidade de uma prontidão constante por parte dos desportistas e militares exige aos médicos o conhecimento de medidas terapêuticas eficazes no tratamento da dor muscular tardia. A investigação sobre os efeitos da oxigenoterapia hiperbárica na dor muscular tardia deve ser fomentada, preferencialmente de forma prospetiva e uniformizada.
Tabela 1 – Estudos experimentais sobre o uso da oxigenoterapia hiperbárica no tratamento da dor muscular tardia
ESTUDO | PARTICIPANTES | MÉTODOS | INTERVENÇÕES | AVALIAÇÕES |
Staples, 1999 (a) | 49 voluntários saudáveis, submetidos a exercício físico no quadricípite não dominante | Randomizado, Controlado, Ocultação dos doentes | OH1: O2 100% a 2.0 ATA, 60’, às 0, 24 e 48 horas pós-exercício + O2 21% a 1.2 ATA, 60’, às 72 e 96 horas. OH2: O2 21% a 1.2 ATA, 60’, às 0 e 24 horas + O2 100% a 2.0 ATA, 60’, às 48, 72 e 96 horas. Controlo1: sem intervenção. Controlo2: O2 21% a 1.2 ATA, 60’, às 0, 24, 48, 72 e 96 horas pós-exercício. | Dor: END; Força muscular: torque excêntrico máximo. |
Staples, 1999 (a) | 30 voluntários saudáveis, submetidos a exercício físico no quadricípite não dominante | Randomizado, Controlado, Ocultação dos doentes | OH1: O2 100% a 2.0 ATA, 60’, às 0, 24 e 48 horas pós-exercício + O2 21% a 1.2 ATA às 72 e 96 horas. OH2: O2 100% a 2.0 ATA, 60’, às 0, 24, 48, 72 e 96 horas. Controlo: O2 21% a 1.2 ATA, 60’, às 0, 24, 48, 72 e 96 horas pós-exercício. | Dor: END; Força muscular: torque excêntrico máximo. |
Mekjavic, 2000 | 24 voluntários saudáveis, submetidos a exercício físico nos flexores do cotovelo | Randomizado, Controlado, Dupla-ocultação | OH: O2 100% a 2.5 ATA, 60’, 1xdia, 7 dias pós-exercício. Controlo: O2 8% a 2.5 ATA, 60’, 1xdia, 10 dias pós-exercício. | Dor: END; Força muscular: força isométrica máxima; Edema: perímetro. |
Harrison, 2001 | 21 voluntários saudáveis, submetidos a exercício físico nos flexores do cotovelo | Randomizado, Ocultação parcial dos doentes | OH1: O2 100% a 2.5 ATA, 100’ (30’ 100% intercalados com 5’ a 21%), às 2, 24, 48, 72 e 96 horas pós-exercício. OH2: O2 21% a pressão mínima na 1ª sessão, 100’, restantes iguais. | Dor: EVA; Força muscular: força máxima; Edema: área seccional. |
Webster, 2002 | 12 voluntários saudáveis, submetidos a exercício físico no gastrocnemius | Randomizado, Controlado, Dupla-ocultação | OH: O2 100% a 2.5 ATA, 60’, às 3, 24 e 48 horas pós-exercício. Controlo: ar a 1.3 ATA, 60’, calendário idêntico. | Dor: % de melhoria face a dor máxima; Força muscular: torque excêntrico máximo; Edema: área seccional gastrocnemius interno. |
Babul, 2003 | 16 voluntárias saudáveis, submetidas a exercício físico no quadricípite não dominante | Randomizado, Controlado, Dupla-ocultação | OH: O2 100% a 2.0 ATA, 60’, às 4, 24, 48 e 72 horas pós-exercício. Controlo: O2 21% a 1.2 ATA, 60’, calendário idêntico. | Dor: END; Força muscular: torque excêntrico máximo; Edema: perímetro. |
Germain, 2003 | 16 voluntários (10 mulheres) saudáveis, submetidos a exercício físico no quadricípite | Randomizado | O2 95% a 2.5 ATA, 100’, às 1 e 6 horas pós-exercício, repetido 1 vez no 1º dia pós-exercício e 2 vezes (intervalo de 6 horas) no 2º dia pós-exercício. | Dor: END; Força muscular: torque máximo; Edema: perímetro. |
Existe evidência insuficiente para estabelecer os efeitos da oxigenoterapia hiperbárica no tratamento da dor muscular tardia induzida experimentalmente. Existe alguma evidência que a oxigenoterapia hiperbárica possa aumentar a intensidade da dor muscular tardia. São necessários novos estudos robustos, controlados e randomizados, para demostrar a eficácia da oxigenoterapia hiperbárica no tratamento da dor muscular tardia e validar o seu uso no futuro.
1. Costello JT. What do we know about recovery interventions used in the management of delayed-onset muscle soreness? OA Sports Medicine. 2013; 1(2):17.
2. Connolly DAJ, Sayers SP, McHugh MP. Treatment and prevention of delayed onset muscle soreness. J Strength Cond Res. 2003;17(1):197-208.
3. Barata P, Cervaens M, Resende R, Camacho Ó, Marques F. Hyperbaric oxygen effects on sports injuries. Ther Adv Musculoskel Dis. 2011; 3(2):111-21.
4. Bennett M, Best TM, Babul S, Taunton J, Lepawsky M. Hyperbaric oxygen therapy for delayed onset muscle soreness and closed soft tissue injury (Cochrane Review). In: The Cochrane Library, Issue 1, 2006. Oxford: Update Software.
Staples J, Clement D, Taunton J, McKenzie D. Effects of hyperbaric oxygen on a human model of injury. Am J Sports Med. 1999; 27:600-5.
Mekjavic IB, Exner JA, Tesch PA, Eiken O. Hyperbaric oxygen therapy does not affect recovery from delayed onset muscle soreness. Med Sci Sports Exercise. 2000; 32:558-63.
Harrison B, Robinson D, Davison B, Foley B, Seda E, Byrnes W. Treatment of exercise induced muscle injury via hyperbaric oxygen therapy. Med Sci Sports Exercise. 2001; 33:36-42.
Webster A, Syrotuik D, Bell G, Jones R, Hanstock C. Effects of hyperbaric oxygen on recovery from exercise-induced muscle damage in humans. Clin J Sports Med. 2002;12:139-50.
Babul S, Rhodes E, Taunton J, Lepawsky M. Effects of intermittent exposure to hyperbaric oxygen for the treatment of an acute soft tissue injury. Clin J Sports Med. 2003; 13:138-47.
Germain G, Delaney J, Moore G, Lee P, Lacroix V, Montgomery D. Effect of hyperbaric oxygen therapy on exercise-induced muscle soreness. Undersea Hyperbaric Med. 2003; 30:135-45.
Licenciado em Medicina Naval, pela Escola Naval e Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Médico especialista em Medicina Física e de Reabilitação e com competência em Medicina Militar e em Gestão dos Serviços de Saúde. Investigador associado do Centro de Investigação Naval. Autor e coautor de artigos publicados em revistas nacionais e internacionais.