Os Exércitos não se improvisam –Um estudo sobre o Exército Português e o Novo Exército Anglo-Português em 1808
Este texto é uma adaptação/síntese de uma conferência efectuada durante o SEGUNDO SEMINARIO SOBRE LA GUERRA DE LA INDEPENDENCIA “ENTRE EL DOS DE MAYO Y NAPOLEÓN EN CHAMARTIN: LOS AVATARES DE LA GUERRA PENINSULAR Y LA INTERVENCIÓN BRITÁNICA” (decorreu 10 a 20 de Maio de 2004 em Madrid, organizado pela Universidade Complutense de Madrid e pelo Instituto de Cultura e História Militar de Espanha).
Foi nossa intenção escrever concretamente sobre os aspectos militares e não enquadrar o tema em profundidade nas possíveis vertentes política, social ou económica.
O final da longa Campanha Peninsular
“Wellington’s Army in the Peninsular War was really an integrated Anglo-Portuguese force, and the Portuguese element was more important than in sometimes realised - between one-third and one-half of the hole at any one time ..., though crowned with laurels of glory, has largely escaped the attention of historians as a primary subject of study…”1.
De facto, talvez pela obra de referência seja a conhecida de todos, Sir Charles OMAN2, o papel dos portugueses naquele que foi o mais famoso Exército das campanhas peninsulares ficou um pouco esquecido. Gostaríamos de acrescentar que o papel dos militares portugueses não se resumiu ao Exército de Wellington. Portugal, com uma população de 2 800 000 habitantes levantou vários Exércitos totalizando mais de 150 000 soldados3. O Exército de primeira linha atingiu os 57 000 homens, organizados em Brigadas independentes ou integradas nas Divisões inglesas, as forças de Milícias ultrapassaram os 50 000 homens em 53 Regimentos e as Ordenanças4 mobilizaram entre 60 000 a 70 000 homens. Ao lado de Napoleão Bonaparte combateu um Exército Português (Legião Portuguesa) com cerca de 9 000 homens e nos territórios ultramarinos, como no Brasil e em Moçambique, forças portuguesas combateram as de Napoleão com efectivos significativos e que não incluímos neste total.
No final da longa Guerra Peninsular, após a sua participação na vitória final de Toulouse em 1814, o comandante do Exército Português, William Carr Beresford, depois de um penoso regresso das tropas portuguesas, afirmou na ordem do dia 27 de Agosto de 1814: “Soldados! Depois de vos terdes mostrado em campanha iguais aos melhores soldados da Europa... esta marcha vos faz, como homens, tanta honra quanta durante a guerra tendes adquirido como militares...”5.
“The Portuguese regiments, wrote Surgeon Henry, “had secured the esteem and respect of the British soldiers by their gallantry in the field and general good conduct”. The evening before the separation the British officers gave “a parting entertainment to the Portuguese officers” marked by “a remarkable display of cordiality and brotherly affection” with British airs sung by the Portuguese and the British singing “Portuguese in turn, whilst suitable toasts were cheered’ by all; … and when we came to the cross-roads where we were to separate, the old fellow-campaigners, officers and men, embraced and exchanged affectionate adieus: and as we moved in different directions, loud and prolonged cheers answered each others in peals and echoes, until they melted in the distance”6.
Era um Exército Luso-Britânico (ou Anglo-Luso ou Anglo-Português) tanto em efectivos como na moral, debaixo de um comando unificado de Wellington. Infelizmente esta não é a imagem que temos recebido de vários historiadores. De facto, em 1808, este não era o Exército Português de que falamos no final da campanha. Nesse ano, praticamente nada existia ou o pouco que tínhamos tinha sido mandado para França (Legião Portuguesa) ou para o Brasil e o que sobrava era de facto muito pouco e de pouca qualidade... “Aunque el pueblo demuestre la mejor voluntad de defenderse - informaba o coronel Browne, jefe inglés, en una nota escrita, que se envió al Parlamento británico - sus esfuerzos duran tan poco y están combinados tan mal que no hay esperanza alguna de que pueda resistir al enemigo”7.
Como se pode explicar a transformação, em poucos anos, de este Exército para um eficaz e respeitado Exército? Foi um milagre?... Não o creio.
Quem lida com a coisa militar sabe que não é possível improvisar Exércitos de um momento para o outro, “que não se fazem omeletes sem ovos” e que não pode ter sido um milagre o criar num período de apenas cinco anos vários magníficos corpos combatentes.
Tanto no Brasil como em Portugal, em Espanha como em França ou junto a Napoleão Bonaparte, os Exércitos portugueses mostraram que sabiam combater, que tinham bons comandantes. A partir de um país destruído, durante duas décadas permanentemente ameaçado e com as suas Forças Armadas completamente destroçadas, Portugal soube, sozinho ou com os seus aliados, levantar corpos militares que provaram o seu valor e em número muito superior ao que parecia ser razoável assumir.
“La Légion Portugaise combattit vaillamment dans nos rangs à Wagram, à Smolensk, à la Moskowa, et avec tant des nôtres, trouva son tombeau dans les glaces de la Bérézina: avant la mort, à Koenigsberg, de son digne chef, le général de division marquis d’Alorna et la perte de ses élément nationaux les plus purs, elle a payé, de son sang, l’honneur d’avoir fait partie de la Grand-Armée.”8
No ano de 1808 Portugal estava mais uma vez numa situação de grande dificuldade e, como tantas vezes na sua história, teve de recomeçar praticamente do nada com os aliados de sempre. A história e a participação do Exército português em campanhas expedicionárias é uma permanente constante desde a nossa fundação no século XII. Como uma constante também, tem sido a falta de meios humanos e materiais com que nos deparamos no início de cada campanha. Constante foi, da mesma forma, esse conceito de “nação em armas”, que nos permitiu sempre rearmar e, com mais ou menos estrangeiros, ressurgir nas alturas decisivas e honrar os nossos compromissos9.
Não foi um milagre... foi assim... à portuguesa, que se criaram e re-criaram os Exércitos portugueses em 1808, com as Milícias e Ordenanças, na primeira linha independente e no Exército Anglo-Luso, na Legião Portuguesa e no Corpo Expedicionário que no Brasil conquistou a Guiana Francesa. Também foi assim que a Marinha Portuguesa provou a nossa determinação quando seguia os calcanhares de Napoleão Bonaparte e o levou a dizer em 1798 “Tempos virão em que a Nação Portuguesa pagará com lágrimas de sangue o ultraje que está fazendo à República Francesa”10.
Pagámos!... como tantos outros povos na Europa, mas também os fizemos pagar! No final sentimos orgulho pela vitória embora com o desgosto de ver uma nação destruída. Mas, sem dúvida, fomos uma vez mais Portugal.
Por, ora recuemos um pouco no tempo para entender a génese do Exército português de 1808.
A génese da estratégia estrutural portuguesa
Uma das habituais confusões que muitos historiadores fazem sobre o Exército Português durante as Guerras peninsulares é compararem as Milícias e Ordenanças portuguesas a guerrilheiros (“the crucial part they played - Milícias e Ordenanças - in the all-important draft system was largely ignored, possibly because there was nothing quite like it elsewhere”11) porque eram forças praticamente desconhecidas na Europa. Outra incompreensão comum tem resultado de não se entender que o conceito de “nação em armas” é muito antigo em Portugal e bastante anterior à revolução francesa. Recuemos, pois, até à Idade Média onde nasceu “o espírito” do Exército Português.
A estrutura da hoste régia portuguesa dos finais da Idade Média nada se relaciona com os conceitos de Exércitos permanentes e profissionais de hoje12. Só na segunda metade do século XV é que despontou esta realidade. A hoste do rei medieval era o resultado da congregação de uma série de parcelas com elevado grau de autonomia e era sempre um Exército provisório porque não se podiam afastar as pessoas dos campos e sustentá-las por muitas semanas.
As várias parcelas eram as seguintes e abrangiam um todo nacional, complementado, quando necessário, com forças estrangeiras:
• A Guarda do Rei (cerca de 20 homens), a nobreza (núcleo essencial do Exército régio: lanças proporcionais às contias que variavam de 1 até 30 lanças; no início do séc XV constituíra-se a ordenança permanente para defesa do reino com 3 200 lanças (500 dos Capitães - Vassalos principais, 2 360 dos escudeiros de uma lança - vassalos de pequena nobreza e 340 das ordens militares);
• O recrutamento concelhio - a que gostaríamos de dar especial destaque porque nos ajuda bastante a perceber o que se vai passar de 1808 a 1816 - Aquantiados: em função da fortuna pessoal, eram constrangidos a possuir um determinado equipamento militar que deveriam apresentar em revistas periódicas e com o qual deveriam comparecer em caso de convocação; Besteiros: recrutados entre os mesteirais e supostamente bem adestrados no manejo de uma arma de importância táctica Þ besteiros do conto - tipo milícia com organização própria e chefiada pelos anadéis dos lugares e pelo anadel-mor do reino e os besteiros de cavalo - corpo de atiradores com besta a cavalo, núcleo bélico muito peculiar e a quem a monarquia reservou um lugar especial no seio da hoste régia, bem preparada e especialmente escolhida.
• As Ordens Militares (Templo Þ depois Cristo, Hospital, Avis, Santiago); Mercenários (primeiros em Portugal na 1ª Guerra Fernandina (1369-71) e que na crise de 1383/85 (mercenários ingleses) desempenharam um papel muito importante na campanha militar no Minho para submeter os castelos fiéis a D. Juan e D. Beatriz; por último tínhamos os denominados homiziados (criminosos e marginais que esperavam um perdão vantajoso).
Embora tenhamos descrito um número elevado de parcelas, João Gouveia Monteiro afirma-nos que os efectivos da hoste régia na Idade Média teriam, no máximo, de 10 000 a 12 00013.
Quanto à Administração Militar e a forma como esta abrangia todo o território nacional, esta era feita por delegação do Rei através de: Coudel-Mor, Anadel-Mor (e os respectivos coudel e anadel locais), Alcaide-Mor, importante do ponto vista operacional, Fronteiros-Mor e diversos fronteiros locais. Estes últimos eram de nomeação régia e dispunham de poderes de excepção. Sempre que se preparava uma campanha militar eram organizadas frontarias que correspondiam ao espaço genérico das comarcas do reino (p.ex. Entre Douro e Minho, Beiras, Entre-Tejo e Guadiana, etc ou cidades como Santarém ou Lisboa).
Esta estrutura base, com algumas diferenças desde a fundação do Reino no século XII até à segunda metade do século XV14, criou uma identidade nacional fortemente ligada ao seu Exército - o do Rei de Portugal, ao contrário do que se passava na generalidade da Europa com pequenos Exércitos privados ao serviço de grandes senhores (tipo feudo-vassálico). Tal estrutura criou formas e meios de mobilização organizados no todo nacional que várias vezes se provou de uma eficácia tremenda na defesa de Portugal. “No Exército medieval português, o serviço militar era, não só um dever (principalmente para os nobres e clero que compensava certos privilégios), mas também um direito a exercer por quem ascendia a um estatuto de liberdade relativamente aos nobres, colocando-se na dependência do Rei (o que significava o seu eventual apoio contra os nobres), como era o caso das tropas dos concelhos. Era um verdadeiro sistema serviço militar obrigatório, sobretudo colectivo”15.
Interessa-nos, para melhor entendermos o Exército durante as Guerras Peninsulares destacar três importantes e antigas leis do Reino16:
• Criação das Milícias - D. Sancho I (1185-1211), fomentou a criação de autênticos “viveiros de gentes” e D. Sancho II (1223-1248) passou a estabelecer nas suas cartas forais a obrigação de serem constituídas Milícias municipais;
• As “Nação em Armas” - na Regência de D. Pedro (1444) foram promulgadas as Ordenações Afonsinas, incluindo as ordens reais que regulamentavam a organização territorial da milícia municipal, o acontiamento dos nobres e a organização dos besteiros do conto.
• Criação das Ordenanças - Com D. Diniz (1277-1325) foram criados pequenos corpos militares de besteiros com os seus comandos permanentes que passam a integrar na hoste real também os “homens de ofício” ou mesteirais, que não faziam parte da milícia concelhia. Surge aí pela primeira vez o termo ordenança (à ordem do Rei), a “massa militar da Nação” no dizer de Carlos Selvagem17. Mas foi em 1570 que o chamado Regimento das Companhias de Ordenanças (Ordenações Sebásticas) concretizou um tipo de serviço militar obrigatório que se vai manter até ao período que estamos a estudar (das Invasões francesas). O reino era dividido em vastos distritos de recrutamento (comarcas ou capitanias-mores) onde cada capitão-mor procedia ao alistamento (arrolamento) de todos os homens válidos dos 18 aos 60 anos para formar as companhias de ordenança ou bandeiras. Mais tarde foram criados terços de Ordenanças com 3 000 homens cada. Foi a partir daqui e até meados do século XIX que a partir das Ordenanças se recrutavam os homens para formar as unidades de primeira linha, sempre que fosse necessário.
Depois da Restauração, em 1640, o Exército consolidou-se como corpo permanente. Também nesta fase difícil da nossa história tivemos de recomeçar do nada, sem Exército e sem Marinha. Perdida grande parte do nosso império ultramarino foram necessárias medidas de excepção para recuperar o velho espírito de nação em armas e ampliá-lo. Das várias medidas de D. João IV salientamos as seguintes:
• Criação de um Conselho de Guerra com um conjunto de Oficiais Generais e Almirantes que geriam as forças terrestres e navais;
• Nomeação do governador das armas das províncias (divididas em comarcas), com vista a assegurar o recrutamento, instrução e disciplina das tropas;
• Organização do Exército em três escalões de forças:
o Ordenanças - destinadas a guarnecer as praças-fortes, em companhias de 240 homens cada, a servir como tropa irregular nas operações de pequena guerra, local e circunscrita, e a funcionar como depósito de recrutamento;
o Auxiliares ou Milícias - destinadas a acudir às fronteiras em situações de guerra, organizadas em terços com cerca de 600 homens;
o Exército de Linha ou Exército Regular - Exército permanente destinado à guerra de manobra, a Infantaria organizada em Terços de 2 000 homens e a Cavalaria em companhias de 100 homens num total de 20 000 infantes e 4 000 cavaleiros18.
• O serviço militar obrigatório abrangia todos os homens válidos entre os 15 aos 60 anos sendo para o Exército de linha os oficiais nomeados pelo Rei; e os soldados provinham das listas de Ordenanças entre os filhos segundos de todas as classes; os restantes ficavam distribuídos pelas Milícias e os de maior idade nas companhias de Ordenanças.
Nas décadas seguintes o Exército português acompanhou a evolução dos restantes Exércitos europeus. Durante a Guerra da sucessão de Espanha, em 1707, D. João V publica novas Ordenanças e passam a existir Regimentos no Exército de primeira linha.
Demasiado tempo de paz19 levou a que o Exército fosse negligenciado e em 1762 foi chamado a Portugal um General prussiano muito respeitado, o Conde de Lippe20, a quem foi atribuído o cargo de Marechal-General do Exército Português e que, comandando um Exército Luso-Britânico21 teve grande sucesso durante a Guerra dos Sete Anos. Quando deixou Portugal tinha organizado “one of the best armies in Europe”22.
A organização dos Regimentos tinha sido refinada, modernizaram-se os regulamentos, melhorou-se o sistema de instrução e treino e o armamento evoluiu. O sistema de recrutamento, mais assente num sistema regional, permitia a existência de 21 Regimentos de Infantaria, 12 de Cavalaria e 4 de Artilharia. O alistamento dos oficiais passou a fazer-se através do Real Colégio dos Nobres, perdendo grande parte da arbitrariedade que caracterizava o processo anterior e foi feito o restauro de diversas fortalezas, bem como a construção do Forte da Graça em Elvas, completando o sistema defensivo das fronteiras. Note-se que não só o Conde de Lippe não mudou o sistema de Milícias e Ordenanças como, admirado pela eficácia do mesmo, o recomendou para ser implementado no seu país.
Mas a Revolução Francesa apanhou de novo um Exército negligenciado, comandado por um velho general, o Duque de Lafões e um sistema de recrutamento manchado pelas inúmeras injustiças nas levas de recrutas23.
O carácter expedicionário das forças armadas portuguesas foram então de novo testadas e um Exército de cerca de 5 000 homens partiu para o Rossilhão, nos Pirinéus, em auxílio de Espanha na guerra contra a França24 e uma expedição naval partiu para combater com a armada de Nelson25.
Em 1801, devido aos insucessos na defesa de Portugal contra a ofensiva hispano-francesa da Guerra das Laranjas, Portugal procurou novos generais estrangeiros para reorganizar o seu Exército, mas nenhum conseguiu o que Lippe tinha conseguido e alguns dos grandes generais portugueses de então foram injustamente pouco escutados, como o Marquês de Alorna ou Gomes Freire de Andrade.
Finalmente, a 19 de Maio de 1806, uma nova lei propunha grandes alterações na organização e sistema de recrutamento, especialmente com o novo regulamento de Ordenanças. Esta lei representava “um progresso notável nas nossas instituições militares”26, o país ficaria dividido em 3 grandes Divisões militares: norte, centro e Sul, abrangendo 7 governos e 3 distritos militares. As 3 Divisões tinham 24 Brigadas de Ordenanças, cada uma com 8 capitanias-mores e por sua vez estas divididas em 8 companhias de Ordenanças. No total, além destas Brigadas de Ordenanças, o Exército de primeira linha mantinha os 24 Regimentos de infantaria, 12 de Cavalaria e 4 de Artilharia e os Regimentos de Milícias passavam para 48.
Ao recenseamento obrigatório entre os 17 aos 40 anos de idade, seguia-se a inspecção e a classe anual passava a ser dividida, por sorteio em duas partes, para o Exército Activo e para as Milícias e Ordenanças.
O serviço compreendia 10 anos no activo e 8 nas Ordenanças ou 14 nas Milícias e 8 nas Ordenanças. Mas a primeira invasão travou a implementação completa deste sistema e as futuras decisões de Carr Beresford representaram, segundo o mesmo Tenente-Coronel Victoriano César “um retrocesso e um aviltamento”.
Mas em vésperas da primeira invasão qual e como era então o Exército Português?
O Exército em vésperas da primeira Invasão Francesa
Quando no Outono de 1807 Napoleão decidiu invadir Portugal, ele tinha boas razões para pensar que não teria grande resistência. O Exército Português estava de facto profundamente dividido. Um dos oficiais mais ilustres, Marquês de Alorna, era abertamente pró-francês e acreditava que o futuro de Portugal passava por pertencer ao Império pan-Europeu planeado por Bonaparte.
Não era o único e outros oficiais de grande prestígio como Gomes Freire de Andrade ou Pamplona partilhavam as mesmas visões. Vários oficiais emigrados franceses, como o Conde de Novion, ao serviço de Portugal27, também mostravam fortes interesses por este novo sistema político. Até o velho aliado de Portugal, Grã-Bretanha, escrevera que a defesa de Portugal contra a máquina de guerra de Napoleão, reforçado pelas forças espanholas de Godoy, seria completamente impossível.
Lisboa, após a Guerra das Laranjas, tinha-se tornado num permanente campo de batalha diplomático franco-britânico28. As duas potências lutavam para nomear ministros, controlar o Exército e as polícias, intimidando através de embaixadores, almirantes e generais. Por isso, quando Napoleão assina com Espanha o tratado de Fontainebleau a 27 de Setembro de 1807, o Exército, como sempre “espelho da Nação”, está profundamente dividido. O Príncipe Regente, D. João VI ao saber da força franco-espanhola a caminho de Portugal dá ordens para não se resistir aos invasores, cumpre o plano há muito estabelecido desde os tempos do Marquês de Pombal e evacua a Corte e a Administração para o Rio de Janeiro.
Importante referir ainda, para melhor entender o estado de espírito dos militares e avaliar o que tal significou na coesão do Exército Português, as consequências do recrutamento, em grande número, de oficiais estrangeiros durante os séculos XVII, XVIII e XIX. “Em boa verdade existiam (em elevado número a partir da Restauração com o conhecido Schomberg)... bons e maus técnicos estrangeiros .... surgiam, isso sim questões atinentes à emulação, insegurança, rivalidade e inveja por parte dos soldados portugueses que, na maior parte dos casos, se confrontavam com uma situação de subalternidade, salários mais baixos e forte dose de descrença, face à lealdade dos servidores estrangeiros”29. Esta é uma questão que se vai entranhando no seio do Exército de forma constante até à chegada de Beresford como comandante do Exército Português. O Conde de Lippe, que nos legou preciosos contributos na reorganização do Exército, alerta, após o seu regresso à Prússia, que para o comando do Exército, “nenhuma qualidade pode contrabalançar a de conhecer o Exército, o local, a língua, ser conhecido dos oficiais e da tropa... é mais conveniente e útil dar o comando a um general escolhido, por assim dizer, no seu Exército...”30.
Mas a falta de oficiais qualificados levou sempre à sua procura no estrangeiro pois “também carecemos de um Oficial hábil que sirva de general de Artilharia, de outro capaz da direcção dos Engenheiros e...”31. E o fraco desempenho do velho Duque de Lafões no comando supremo do Exército Português levou de novo a procurar estrangeiros para o comando nacional e esta atitude iria dividir ainda mais o Exército.
Em vésperas da invasão francesa, pelo facto de não se ter escutado as palavras de um dos mais importantes oficiais estrangeiros ao serviço de Portugal, tínhamos um Exército além de dividido e pouco coeso, descaracterizado - “Este complexo dos sucessivos governos... trouxe mais prejuízos que benefícios ao nosso país e, acima de tudo, onerou profundamente o sempre debilitado erário público”32.
O “Conselho Militar” criado em 1802 e composto por nove generais (dos mais hábeis), devido ao permanente boicote promovido pelo embaixador francês Lannes, é esquecido e as suas recomendações ficam na gaveta. Certamente para mostrar a Napoleão as intenções pouco bélicas de Portugal o ministro António de Araújo e Azevedo resolveu reduzir as forças militares33. As novas leis de 1806 não chegam a entrar em vigor.
Estava, assim, o nosso Exército diminuído, mal preparado, fracamente comandado e para cúmulo, por forma a demonstrar que aparentemente tínhamos aderido ao Bloqueio Continental decretado por Napoleão, tínhamos desguarnecido todas as praças fortes do interior e da zona da raia para reforçar a defesa da costa.
A aliança luso-britânica
Não se pode falar do Exército Anglo-Português sem recordar a importância da mais velha aliança da Europa materializada no conhecido Tratado de Windsor (1386).
Desde a fundação do nosso país que encontramos os Ingleses combatendo lado a lado com os Reis de Portugal34, desde logo na tomada de Lisboa, em 1147. O primeiro bispo da cidade recuperada para os cristãos, Gilberto de Hastings, era inglês e, em 1199, o conhecido João Sem-Terra mandou uma embaixada ao nosso país para pedir a mão de uma princesa - leia-se, para formalizar uma aliança política que, afinal, não se concretizaria até 17 de Fevereiro de 1294, quando os dois reinos fortalecem de uma maneira formal as relações “diplomáticas”.
Depois de mais tentativas falhadas de alianças matrimoniais (em 1344 Eduardo III pedira a mão de uma infanta portuguesa, filha de Afonso IV, para o seu filho, o famoso Príncipe Negro), em 1353 foi assinado um decisivo acordo comercial entre o Rei de Inglaterra e os mercadores portugueses. Mas o essencial da aliança política entre as duas coroas firmou-se no âmbito da Guerra dos Cem Anos. Em Tagilde, perto de Guimarães, no dia 10 de Julho de 1372, os dois emissários do rei inglês encontraram-se com D. Fernando, firmando um tratado. É tradição fundar em Tagilde a aliança luso-britânica.
Só em 1381, aquando da chamada Terceira Guerra Fernandina, as tropas inglesas comandadas pelo Conde Cambridge e 2 000 peões (metade dos quais temíveis arqueiros) vêm em efectivo socorro do rei português. Depois, quando um mestre de Avis aflito se dirigiu a Ricardo II, invocando os tratados para poder recrutar soldados em Inglaterra, esses soldados, sobretudo os arqueiros, operaram maravilhas em Aljubarrota, como é sabido. Foi neste contexto de vitória que se celebrou, em 9 de Maio de 1386, em Windsor, o tratado com o nome desta cidade: treze artigos jurando «liga, amizade e confederação geral e perpétua» entre os dois reinos.
Após a restauração, D. João IV apressa-se a tentar restabelecer o bom entendimento com o rei inglês Carlos I. Em 27 de Dezembro desse mesmo ano, 1703, John Methuen consegue formalizar um tratado comercial que ficaria para a História com o seu nome: em duas palavras, os tecidos ingleses entrariam em Portugal sem limitações, enquanto os vinhos portugueses pagariam, em Inglaterra, apenas um terço do que pagavam os concorrentes franceses.
A interpretação que se faz deste tratado tem tido leituras muito distintas mas, de facto, a aproximação entre Portugal e a Grã-Bretanha solidificou-se em todos os domínios e no que nos interessa, no domínio militar. Nas guerras dos finais do século XVII e no século XVIII, foi vulgar encontrar forças inglesas e portuguesas a combater lado a lado, especialmente durante a Guerra da Sucessão de Espanha (1702-1713) e no final da guerra dos Sete Anos (1762-1763). Depois de assinada a paz entre a Espanha e França em 1795 e após retirada do corpo expedicionário português dos Pirinéus espanhóis, a Grã-Bretanha enviou um corpo de 6 000 homens para a fronteira portuguesa. Ainda com a Grã-Bretanha, Portugal continuou nos mares a combater Napoleão e em 1798 ficaram célebres as palavras de Napoleão sobre esta afronta (já reproduzidas em capítulo anterior).
São também os britânicos que vão apoiar a saída da família real portuguesa para o Brasil “a remarkable decision which saved the crown and, ultimately, saved Portugal”35 e de imediato segurar as nossas possessões da Madeira e ajudar a defender os Açores (como o tinham já feito em 1801 em concordância com a vontade do príncipe regente).
“Portugal sabia a razão por que contava com o seu Quartel-General na Velha Albion. Efectivamente a Inglaterra apostava nos portos seguros da vasta costa Atlântica do seu Aliado, não descurando a existência da colónia brasileira - o gigantesco mercado que convinha permanecer intacto e firme em mãos amigas.”36
Não somos ingénuos ao ponto de afirmar que esta forte ligação entre Grã-Bretanha e Portugal se deva a sentimentos de pura amizade e devoção. Mas a salvaguarda dos respectivos interesses criaram laços de permanente colaboração, com bons e maus momentos e, obviamente, com vantagens e desvantagens mas fomentaram hábitos de trabalho entre responsáveis de ambos os países sendo, nesta época, já bastante natural e rotineiro as relações da cooperação militar entre os dois países e entre as duas forças armadas.
O novo Exército Anglo-Português que vai surgir depois da primeira invasão é, por isso, um consequente natural desta ancestral ligação entre duas velhas nações europeias. Será normal encontrar soldados combatendo no Exército Anglo-Português que tiveram os seus pais/avós a combater junto dos britânicos na Guerra dos Sete Anos ou os avós/bisavós na Guerra da Sucessão de Espanha.
A primeira invasão francesa e o desarmar de um país
Quando Junot chegou a Lisboa ainda teve tempo para ver a esquadra do príncipe regente a sair para o Brasil a 27 de Novembro de 180737. Napoleão não lhe irá perdoar a saída da corte e transferência da sede de poder de Lisboa para o Rio de Janeiro - capturar Lisboa não significava submeter Portugal e Napoleão sabia-o perfeitamente. A Rainha ainda reinava além-mar, em “outra parte de Portugal”.
Por isso Napoleão escreve a Junot dizendo-lhe que “... desarme os habitantes, despeça todas as tropas portuguesas, dê exemplos severos, mantenha uma atitude de severidade que o faça temer...”38
Como seria fácil de antever a ocupação francesa rapidamente passou a exercer a repressão e uma das tarefas principais do novo poder usurpador em Portugal foi o desmembrar da força armada remanescente:
• o Exército foi simplesmente desfeito por uma ordem de 22 de Dezembro de 1807 e em Janeiro do ano seguinte foi também desfeita a reserva estratégica da nação, as Milícias e as Ordenanças;
• os soldados com mais de oito anos de serviço foram mandados para casa deixando as armas com os franceses (embora pudessem manter os uniformes);
• as montadas da cavalaria foram para os dragões franceses como remonta;
• dos soldados com menos tempo de serviço, foram seleccionadas as melhores e mais preparadas forças do Exército Português e, comandados por ilustres militares portugueses já referidos (Marquês de Alorna, Gomes Freire de Andrade, Pamplona, etc) num total de 9 000 homens, constituiu-se a Legião Portuguesa que foi enviada para França incluindo os poucos cavalos que não tinham sido retirados directamente pelos franceses (organizada em 16 de Janeiro de 1808, constava de 5 Regimentos de Infantaria, 4 de Cavalaria e 1 Batalhão de Infantaria ligeira).
Apenas tinha ficado a Guarda Real de Polícia39 por se encontrar fortemente controlada por um emigrado francês.
Ou seja, no final de Janeiro de 1808, Portugal continental ocupado por franceses e espanhóis, vítima de forçadas contribuições de guerra, saqueadas igrejas, conventos, palácios e estabelecimentos comerciais, está completamente desarmado - grande parte dos melhores comandantes estão no Brasil ou em França, os seus cavalos foram confiscados, o armamento também e a organização territorial das Milícias e Ordenanças completamente desfeita.
Mas a Espanha vai mudar a sua posição e a revolta do 2 de Maio motivará a saída das tropas de ocupação espanholas em Portugal e as populações portuguesas vão então revoltar-se contra as águias de Napoleão. Mas com quê?
Fénix ou o renascer da “nação em armas”
A partir de Junho de 1808, oficiais e soldados começaram a apresentar-se nas suas antigas unidades, muitos usando os seus velhos uniformes e trazendo como armas tudo o que podiam encontrar.
Foi com a ajuda das anteriores forças espanholas de ocupação que se conquistou a guarnição francesa estacionada no Porto no princípio de Junho e por todo o país estes ataques repetiram-se obrigando os franceses a concentrar o seu dispositivo nas grandes cidades, especialmente à volta de Lisboa.
As forças40, então fraca e pobremente organizadas, não representavam mais do que pequenos grupos mal armados e que não tinham a mínima hipóteses de se oporem contra o bem treinado Exército Francês. Foi a altura de solicitar o velho aliado.
Primeiro chegou o dinheiro, armas e abastecimentos e, só depois, no Outono, a primeira força de primeira linha aparece em Portugal, a Leal Legião Lusitana, levantada a partir de emigrados portugueses exilados na Grã-Bretanha e comandados pelo carismático Sir Robert Wilson.
As forças britânicas, que tinham desembarcado em Portugal em Agosto de 1808 para socorrer Portugal e ajudar a expulsar os Franceses, não seriam só por si suficientes. Mesmo estas precisavam também de algum apoio logístico, “Con excepción de dos escuadrones del Real Cuerpo Irlandés de Tren, que había traído consigo, no contaba con otros medios de transporte a su disposición. El obispo de Oporto le había enviado algunos caballos, con los cuales pudo elevar sus fuerzas montadas de 180 a 240 jinetes, y dotar a su artillería de suficiente ganado de arrastre….”41
Se Portugal tinha de ser defendido e isso era obviamente também do interesse dos britânicos, então seria necessário algo mais do que os Exércitos expedicionários britânicos ou as ajudas em dinheiro, armas e equipamentos. O Exército Português tinha de renascer e preparar-se para, uma vez mais, bater-se, lado a lado, com os ingleses em mais uma campanha na Europa.
D. Miguel Pereira Forjaz (Ministro da Guerra, Estrangeiros e Marinha), em nome da regência portuguesa, vai tomar então as medidas necessárias para a defesa de Portugal levando a cabo as reformas do Exército que tardavam em ser aplicadas desde o já falado plano de 1803.
Para recompletar as unidades ordenou-se que se reunissem nos seus antigos quartéis todos os oficiais e praças desmobilizados pelos franceses, concedeu-se perdão aos desertores e chamaram-se todos os soldados que tinham tido baixa desde 1801 até 30 de Novembro de 1807.
No final de 1808 foram então criadas as seguintes forças em Portugal42:
• criaram-se 6 Batalhões de Caçadores, de 628 praças cada (Outubro de 1808) com 5 Companhias, sendo uma de atiradores de elite; No Outono de 1808 Portugal não tinha nenhuma tropa ligeira porque a maior dos antigos membros da Divisão Ligeira estavam incorporados na Legião Portuguesa; estas forças iriam adquirir enorme reputação como forças de elite no decorrer das seguintes campanhas peninsulares; tinham espingardas mais curtas do que a infantaria normal, usando alguns a carabina estriada “Baker” inglesa e em vez da baioneta usavam um sabre pequeno;
• levantaram-se os 24 Regimentos de Infantaria até atingir um efectivo de 1 550 homens cada um, com 1 Batalhão a 10 Companhias (8 de fuzileiros, 1 de granadeiros e 1 de atiradores); no final do ano contabilizavam-se 21 094 homens com apenas 19 113 armas e 6 912 uniformes; a espingarda era de fecho de pederneira e provinha de várias origens, sendo a maioria do modelo inglês “Brown Bess” de calibre 20mm;
• Os 12 Regimentos de Cavalaria, a arma mais prejudicada pela acção de Junot, foram elevados a 594 homens, com 4 Esquadrões de 2 Companhias; em Dezembro de 1808 a Cavalaria contava com 3 641 homens, 2 617 cavalos e apenas 629 uniformes; iam armados de espada direita cuja lâmina pesava 1,5 Kg, carabina e pistola;
• os 4 Regimentos de Artilharia tinham no final do ano 3 918 homens, 3 564 mosquetes e 3 416 uniformes (o que estava bastante melhor do que nas restantes armas), as peças foram as possíveis de serem retiradas das praças fortes e transportadas para o campo como primeiro passo no rearmamento dos regimentos; foi progressivamente aumentando o número das peças de bronze (3,6 e 9 libras) e obuses de 15cm;
• restabeleceram-se os Regimentos de milícias, em número de 48, possuindo quando completos 1 101 homens cada um; contabilizavam-se em Dezembro 52 848 homens e cada Regimento tinha 9 Companhias;
• foram mandadas reunir todas as Companhias de Ordenanças em todos os Domingos e dias santos para se exercitarem no uso das armas (que tivessem) e nas evoluções militares; teoricamente o número de Companhias, de 240 homens cada, organizadas em 24 Brigadas, poderia atingir 1 536 Companhias; só em Lisboa foram criadas 16 legiões divididas por distritos, cada com 3 Batalhões e cada Batalhão com 10 Companhias; como verdadeiros distritos de recrutamento calcula-se que as Ordenanças forneceram para as Milícias e para o Exército de primeira linha nos anos seguintes entre 60 000 a 70 000 militares;
• apareceram corpos de voluntários que, regra geral, nos seguintes anos foram absorvidos pelas Milícias como a legião Transtagana, os Voluntários de Portalegre, Beja e Coimbra. Gostaríamos no entanto de destacar:
o em Lisboa dois corpos de Cavalaria e Infantaria destinados à guarnição e polícia da cidade denominados Voluntários Reais do Comércio da Cidade de Lisboa; no Porto também se criou um corpo igual;
o Voluntários do Porto (herdeiros da Companhia de eclesiásticos do Porto de 1643) comandado pelo bispo com cerca de 600 frades e outros eclesiásticos organizados num “Regimento” a dois Batalhões;
o Corpo Académico Militar de Coimbra com as suas raízes na Restauração constituído pelos alunos da Universidade tendo os professores como oficiais;
o O Corpo de Privilegiados de Malta que juntava os membros da Ordem de Malta em Lisboa;
• a Leal Legião Lusitana (LLL) patrocinado pela Grã-Bretanha e levantada a partir dos portugueses aí emigrados; era composta por 3 Batalhões de Caçadores com 10 Companhias cada num total de 2 300 homens e ainda uma Bateria de Artilharia com 4 peças e 2 obuses; quando em 20 de Abril de 1811 foram aumentados mais 6 Batalhões de Caçadores ao Exército Anglo-Português foi pelo mesmo decreto desactivada a LLL;
• os seguintes corpos especiais que brevemente descrevemos:
o Real Corpo de Engenheiros, com enorme tradição e prestígio no Exército Português, existiam cerca de 100 engenheiros militares em Portugal continental, 9 no Brasil, 1 na Índia e 1 em Angola43; reorganizado em Novembro de 1808 passou a possuir uma estrutura com 8 Coronéis, 13 Tenentes-Coronéis, 27 Majores, 22 Capitães e 22 Tenentes mas apenas em 1812 foi acrescentado o Batalhão de Artífices destinado a fazer os trabalhos de engenharia;
o o Arsenal Real que desde a Restauração produziu munições e mosquetes para o Exército recomeçou imediatamente a laborar após a saída dos franceses, com 33 oficiais, 50 mestres e cerca de 2 000 trabalhadores com uma clara prioridade na produção de peças de artilharia;
o o Corpo Telegráfico ficou famoso especialmente depois das célebres linhas de Torres Vedras em 1810; embora tenha sido criado no final de 1808 só começou a operar em 1809 construindo formidáveis linhas telegráficas entre as principais praças em Portugal, como Abrantes e Elvas, utilizando um eficaz sistema semafórico ou o célebre sistema naval de balões nas linhas de Torres Vedras;
o a Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho fundada em 1790, pela mesma época em que foi fundada a antecessora da Escola Naval, a Academia Real de Marinha (1779), reabriu logo após a saída dos franceses e foi fundamental na formação dos futuros oficiais do Exército;
o o Corpo de Informações44 – D. Miguel Forjaz, mantinha uma rede eficaz de informações em território espanhol coordenada pelo director da Posta Militar, Joaquim José de Oliveira; havia Oficiais na Galiza, em Leão e Castela-a-Velha, Estremadura, Andaluzia e Astúrias; pagavam-se a informadores a 1.000 reis por semana e estes “olhos de Portugal” eram de tão grande eficácia que nos anos seguintes Wellington fez todos os esforços para poder obter o comando deste corpo (“Senhor Oliveira” como lhe chamava o Duque);
o os Guias do Exército criados em 1806 iriam depois transformar-se, já em 1812, nos eficazes Guias Montados compostos por estrangeiros e voluntários da Universidade de Coimbra com conhecimentos de inglês e francês;
o em cada praça principal existia o Governador (Oficial-General), um Major e um ajudante de campo que com as antigas organizações conhecidas como Pé-de-Castelo (cerca de 200 homens) asseguravam a disponibilidade das mesmas;
o a Guarda Real de Polícia, com 1 000 Infantes e 229 Cavaleiros em Lisboa e um Esquadrão no Porto foram essenciais na manutenção da lei nestas cidades após 1808;
o no apoio logístico destacam-se ainda as Tesourarias do Exército, os Víveres e o Serviço Médico, este último em 1808 muito mal organizado e que foi alvo de uma restruturação pelo Marechal Beresford em 1809.
As forças presentes nas Ilhas da Madeira e dos Açores:
• Madeira - como importante ponto estratégico no controlo das principais rotas, os Britânicos reforçaram-nas45 tanto em 1801 como em 1807. Além das tropas britânicas46 destacamos o importante Grupo de Artilharia com as suas 6 Baterias;
• Açores - Existia 1 Batalhão de Infantaria com 8 Companhias e uma importante milícia organizada em 3 terços que totalizavam cerca de 3 000 homens
Fora de Portugal, gostaríamos de focalizar a atenção nas forças oriundas do continente:
• Brasil - Foi o território mais afectado pelas guerras napoleónicas. A importante colónia que obteria o estatuto de Reino Unido a Portugal tem, com a presença de D. João VI, um programa de reformas nos anos seguintes que a colocarão com um aparelho militar dos mais evoluídos. Destacamos, ainda no ano de 1808:
o as 17 capitanias que existiam com o seu Capitão-General e as tropas regulares e milícias debaixo do seu comando;
o das forças de primeira linha cerca de 2/3 eram oriundas do continente e além do envio de homens também existiam unidades completas mobilizadas para o Brasil como é o exemplo dos regimentos de Moura, Estremoz e Bragança;47
o foi deste território que partiu uma operação conjunta e combinada Anglo-Portuguesa para conquistar a Guiana francesa:
• em Novembro de 1808 uma Armada Anglo-Portuguesa48 bloqueia a Capital, Cayene;
• em Dezembro uma força terrestre portuguesa de 1 200 homens comandadas pelo Tenente-Coronel Marques de Sousa conquista Oyapoc;
• parte dessa força embarca nos navios e com 80 Royal Marines conquistam a cidade de Cayene em 12 de Janeiro de 1809;
• Moçambique - Existia 1 Regimento a 10 Companhias com cerca de 1 000 efectivos e uma Bateria de 100 homens; desde 1790 que houve vários ataques pelos corsários franceses e em 1797 houve um ataque de duas fragatas francesas a Lourenço Marques mas foi estabelecido um acordo entre os dois governadores e as tréguas mantiveram-se até ao final das guerras napoleónicas.
• Angola - Existia 1 Regimento de Infantaria, 1 Grupo de Artilharia e 1 Esquadrão de Cavalaria.
• Índia - Com o Vice-Rei que controlava os governadores de Macau, Timor e Moçambique, havia uma força bastante bem organizada com 2 Regimentos de Infantaria, 1 Regimento de Artilharia e a Legião dos Voluntários Reais com o total de 5 400 homens (mas dos quais apenas 1 200 eram europeus). Tal como na Madeira houve o reforço britânico em 1801 e 1807 e a partir de 1808 esteve um Batalhão Britânico de Bengala.
• Macau - Tinha um destacamento do Regimento de Goa e tal como na Índia e Madeira assistiu-se à presença Britânica em 1801 e 1807, depois houve operações conjuntas da Armada Portuguesa com as Armadas da GB e da China mas para combater piratas e não franceses;
• São Tomé e Príncipe/Fernando Pó/Cabo Verde/Guiné-Bissau/Timor - em todas existiam pequenas guarnições de Infantaria com Artilharia. Apenas se assistiu a pequenos episódios entre holandeses e britânicos junto a Timor mas que não ameaçaram os territórios portugueses.
O rápido crescimento e a melhoria constante dos Exércitos
Logo no ano seguinte, 1809, Soult vai ter grande dificuldade para se opor ao Exército Português49 que apresentava já o seguinte dispositivo:
• General Miranda Henriques, com uma Divisão em Tomar;
• General Manuel Pinto Bacelar, com uma Divisão na Beira;
• General Francisco de Paula Leite, no Alentejo, com algumas guarnições;
• General Bernardim Freire50, com 1 400 Homens, na fronteira norte;
• Brigadeiro Francisco da Silveira Pinto da Fonseca, com 2 800 Homens, em Trás-os- Montes;
• Leal Legião Lusitana - L. L. L. sob o comando do Brigadeiro Roberto Wilson.
O Governo Português no Rio de Janeiro, solicitou entretanto ao Governo Britânico a indicação de um oficial capaz de reorganizar o Exército, tendo sido indicado o General Beresford que, por decreto de 7 de Março de 1809, foi nomeado pelo Príncipe Regente D. João, como Comandante-Chefe do Exército Português.
Logo após assumir o comando do Exército, Beresford introduziu medidas disciplinares de grande severidade, bem como algumas inovações tácticas, de acordo com o praticado pelos restantes Exércitos europeus.
Beresford estabeleceu o seu QG em Tomar, iniciando a reorganização do Exército pelas unidades do centro e sul, uma vez que as do norte estavam já empenhadas contra a 2ª invasão francesa que entretanto se iniciara. Supriu a falta de oficiais portugueses, confiando, de acordo com a regência, os principais postos a oficiais ingleses. Todos os sargentos e praças eram portugueses, sendo ingleses a maioria dos comandantes de Divisão e Brigada51, pouco mais de metade dos comandantes de Regimento e Batalhão, e pouco menos de um quarto dos oficiais em cada unidade.
Os regulamentos foram adaptados de acordo com os ingleses, por forma a melhorar a eficiência do funcionamento combinado (luso-britânico) do Exército. Após a ultrapassagem de algumas inevitáveis resistências iniciais (rejuvenescendo os quadros, fixando um limite de idade para os oficiais no activo, reformando aqueles que pela sua idade já não podiam assegurar o serviço de campanha), o Exército ganhou uma “feição britânica” que viria a perdurar por largos anos.
A manutenção do Exército Português52 no período 1808-14 contou com os subsídios britânicos resultantes do acordo entre as duas coroas. Em Novembro de 1808 a Grã-Bretanha comprometeu-se a custear o salário e a manutenção - além das armas, fardamento e equipamento - de 10 000 homens do Exército de 1ª linha, dobrado para 20 000 em 1809 (com a abertura dos portos brasileiros) e para 30 000 em 1810, aquando da construção das Linhas de Torres Vedras. Portugal pagava os salários e os equipamentos a cerca de 25 000 homens do Exército de 1ª linha, além da marinha, das milícias, das Ordenanças e das tropas ultramarinas.
No mesmo período foram remetidas da Grã-Bretanha cerca de 160 000 espingardas, 2 300 carabinas, 3 000 de cavalaria, 7 000 pistolas, 15 000 espadas de cavalaria, 190 000 fardas, etc.
Em 1810, como afirmámos anteriormente, já existiam mais de 150 000 homens nas Forças Armadas, só contabilizando os do Exército de 1ªlinha53 e os regimentos de milícia54.
Por vezes, os historiadores tendem a sublimar a história dos generais e a olvidarem a decisiva acção das Milícias e Ordenanças portuguesas durante as segunda e terceira invasões. Hoje está na moda falar do Combate em Profundidade - conceito que visa atingir a retaguarda do inimigo isolando as suas reservas do ataque principal e/ou impossibilitando possíveis reforços e abastecimentos. O que as Milícias e as Ordenanças portuguesas então fizeram - o combate em profundidade contra linhas de comunicação de Soult e contra as reservas de Massena - foi decisivo no desfecho das Campanhas. Um terço dos efectivos em campanha por parte dos aliados eram constituídos por milícias e ordenanças e, se contabilizarmos a população que construiu as formidáveis Linhas de Torres Vedras, então tivemos uma verdadeira “nação em armas” na defesa do território nacional.
Partindo praticamente do zero, em 1808, mas com uma “escola” antiga de organização nacional, habituados a trabalhar com o velho aliado e com as claras prioridades atribuídas pelo nosso Príncipe Regente foi, mais uma vez, natural o rápido crescimento e o efectivo melhoramento do Exército. Milícias e ordenanças encontravam-se quase refeitas em 1809 e o Exército de 1ª Linha combatia entre iguais com os britânicos, em 1810.
Em 1812 o Exército de Wellington tinha aproximadamente 90 000 homens, mais de metade dos quais eram portugueses e que nas batalhas mais importantes da guerra peninsular iriam mostrar o seu valor (muitos perdendo a vida), como por exemplo:
• 8 000 em Albuera - 389 baixas;
• 18 000 em Salamanca - 2 038 baixas;
• 8 377 estão no cerco de Burgos - 304 baixas;
• 15 000 na retirada de Burgos e Madrid - 62 baixas;
• 30 000 em Vitória - 917 baixas;
• 28 000 em Nive (França) - 2 413 baixas;
Penosa foi a campanha até à muito digna acção na última das batalhas em Tarbes e Toulouse, Março/Abril de 1814. Durante a Guerra Peninsular55 o Exército Português participou em cerca de 280 acções de combate (15 batalhas, 215 combates, 14 sítios, 18 assaltos, 6 bloqueios e 12 defesas de praças) com um total de 21 141 baixas portuguesas (sem contar com as baixas entre as milícias e as ordenanças).
A prova estava dada de que estávamos à altura dos nossos aliados. Podíamos ter ficado pela defesa do território nacional mas, como tantas vezes ao longo da história, cumprimos o nosso dever e partimos para ajudar na libertação de Espanha e entrámos em França apoiando-a para obrigar Napoleão a capitular. Fomos ajudados mas também soubemos ajudar.
Em síntese
Em 1808 não existia um Exército Português em Portugal Continental. O que restava do anterior (depauperado, dividido e descaracterizado) Exército de Portugal encontrava-se desmobilizado, com as suas melhores tropas a combater com Napoleão; os seus melhores generais na Legião ou no Brasil e, com raras excepções, os poucos capazes que tinham sobrado, encontravam-se a desempenhar funções no conselho de regência (a 18 de Setembro, tinha sido anunciada a regência de que faziam parte o Tenente-General Conde de Castro Marim, o Tenente-General D. Francisco Xavier de Noronha, o Tenente-General Francisco da Cunha e Menezes,... o Brigadeiro Miguel Pereira Forjaz, etc).
Quando os mais altos dirigentes da Nação, nos últimos dias de 1807, deram claros sinais para aceitar a entrada dos franceses, o que se poderia esperar do seu Exército? O Rei apelara à recepção pacífica dos franceses, a Igreja aconselhara a aceitação de Napoleão, a maçonaria recebe de braços abertos Junot. Então, o Exército “espelho da nação”, vai reflectir essa atitude e, dividido nas ligações aos vários partidos, “aparentemente cooperante” aceita as decisões impostas.
Mas também, como tantas vezes ao longo da nossa história, assistimos a um renascer fulgurante do Exército. Foi apenas o tempo necessário para dirimir algumas divergências, renovar quadros, treinar e equipar novos soldados para, apoiado pelas ancestrais estruturas de Milícias e Ordenanças, Portugal se apresentar, a uma só voz, como uma “nação em armas”. No ano seguinte e dois anos depois, no Buçaco, com os seus antigos aliados, os soldados bateram-se como iguais com os seus camaradas do Exército Anglo-Português.
Em Agosto de 1808, o Exército Português praticamente não tinha nem soldados, nem armas, nem organização, nem comandantes. Mas mantinha, ainda, o espírito secular das Milícias e Ordenanças, o saber obtido nas campanhas expedicionárias, a prática de trabalho com a Grã-Bretanha e, acima de tudo, a generosa população que, sob o único comando da Rainha de Portugal, apoiou e suportou todo este gigantesco esforço.
_______________
* Tenente-Coronel de Infantaria. Sócio Efectivo da Revista Militar.
_______________
Bibliografia
AAVV, GENEALOGIA DOS CORPOS DO EXÉRCITO, LISBOA, Direcção do Serviço Histórico-Militar, 1991.
A. H. NORRIS AND R. W. BREMNER, THE LINES OF TORRES VEDRAS, LISBOA, British Historical Society of Portugal, 1985.
BARRENTO, Brig António Q. Martins, INVASÕES FRANCESAS: PORTUGAL NA FRONTEIRA DO PODER TERRESTRE E DO PODER MARÍTIMO, LISBOA, Revista de Artilharia, nº8, 1989.
BOTELHO, J.J. Teixeira, HISTÓRIA POPULAR DA GUERRA DA PENÍNSULA, PORTO, Livraria Chardron, 1915.
BOPPE, P., LA LEGION PORTUGAISE 1807-1813, Paris, 1897, reeditado por C. Térana Editeur em 1994.
CALÇADA, Ten-Cor J. C. F. Antunes, A 2ª INVASÃO FRANCESA: OPERAÇÕES A NORTE DO DOURO EM 1809, Lisboa IAEM, apresentação na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Março de 1998.
CÉSAR, Victoriano, A EVOLUÇÃO DO RECRUTAMENTO EM PORTUGAL, Revista Militar nº 8, Agosto de 1909.
CHANDLER, David G., THE CAMPAIGNS OF NAPOLEON, NEW YORK - EUA, Publishing Company, 1966.
CHARTRAND, René e YOUNGHUSBAND, Bill, THE PORTUGUESE ARMY OF THE NAPOLEONIC WARS (1, 2 e 3), Osprey Military, MEN-AT-ARMS, Osford, Reino Unido, 2000.
CONTI, Flávio, NAPOLEÃO E A CONQUISTA DA EUROPA, Lisboa, Círculo de Leitores, 1980.
FERREIRA, Arnaldo M. de Medeiros, HISTÓRIA MILITAR - III e IV Volume, LISBOA, Serviços Gráficos da Academia Militar.
GRIESS, Thomas E., THE WARS OF NAPOLEON, WEST POINT, NEW YORK - EUA, Avery Publishing Group Inc., 1985.
HENRIQUES, Cor, APONTAMENTOS DE HISTÓRIA MILITAR, ME 73-00-00 vol I, IAEM LISBOA, 1989.
HENRIQUES, Mendo Castro, SALAMANCA 1812, Companheiros de Honra, Lisboa, Prefácio, BATALHAS DE PORTUGAL, 2002.
LOUSA, Isabel Neves, BATALHA DO VIMEIRO, LOURINHÃ, C.M. da LOURINHÃ - Livro oficial das comemorações, 1998.
LIMPO, TCor F. A. de Brito, CONSIDERAÇÕES ESTRATÉGICAS E TÁCTICAS SOBRE A BATALHA DO BUSSACO, Lisboa, Imprensa Nacional, 1887.
LÓPEZ, Cor Juan Priego, GUERRA DE LA INDEPENDENCIA, volumen 2, 3 e 5, MADRID, Libreria Editorial San Martin, 1981.
MARTINS, Ferreira, HISTÓRIA DO EXÉRCITO PORTUGUÊS, LISBOA, Editorial Inquérito Limitada, 1945.
MEDINA, João, HISTÓRIA DE PORTUGAL, AMADORA, Clube Internacional do Livro, 1995.
OMAN, Sir Charles, A HISTORY OF THE PENINSULAR WAR, 7 volumes, London, Greenhill Books, 1996.
OMAN, Sir Charles, WELLINGTON’S ARMY, 1809 - 1814, LONDRES, Napoleon Library, Greenhill Books, Stackpole Books, Pensylvania, 1913.
PENA, António de Oliveira, TELECOMUNICAÇÕES MILITARES UTILIZADAS NA GUERRA PENINSULAR, LISBOA, Jornal do Exército nº 372, 1990.
QUINTELA, Santos, A GUERRA PENINSULAR E AS VICTORIAS DO EXÉRCITO ANGLO-LUSO-ESPANHOL, Porto, Escritório de Publicações Ferreira dos SANTOS, 1908.
RODRIGUES, TCor J. F. de Barros, HISTÓRIA MILITAR, GUERRA PENINSULAR, Escola Militar, 1935-1936.
SELVAGEM, Carlos, PORTUGAL MILITAR, Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa, 1931.
VIEIRA, Belchior, RECRUTAMENTO E MOBILIZAÇÃO MILITARES (textos de apoio), Lisboa, Universidade Lusíada, 1999.
VICENTE, António Pedro, O TEMPO DE NAPOLEÃO EM PORTUGAL - Estudos Históricos, Lisboa, Comissão Portuguesa de História Militar, 2000.
1 CHARTRAND, René e YOUNGHUSBAND, Bill, THE PORTUGUESE ARMY OF THE NAPOLEONIC WARS (1), Osprey Military, MEN-AT-ARMS, Oxford, Reino Unido, 2000, p. 3 - Tradução: “O Exército de Wellington na Guerra Peninsular era realmente uma força integrada Anglo-Portuguesa, e a parte portuguesa era muito mais significativa do que muitas vezes foi assumido... entre um terço e metade, conforme o momento...embora a sua prestação tenho sido coberta de glória, os historiadores têm, de uma forma geral, ignorado o assunto”.
2 OMAN, Sir Charles, WELLINGTON’S ARMY, 1809 - 1814, Londres, Napoleon Library, Greenhill Books, Stackpole Books, Pensylvania, 1913.
3 HENRIQUES, Mendo Castro, SALAMANCA 1812, Companheiros de Honra, Lisboa, Prefácio, BATALHAS DE PORTUGAL, 2002, p. 20.
4 “Às ordens do Rei”, um tipo de milicias, conceito que se detalhará mais adiante.
5 MARTINS, Ferreira, História do Exército Português, p. 301.
6 CHARTRAND, Ob Cit, p. 3 - Tradução: “Os Regimentos Portugueses - escreveu o Médico Henry - pela galhardia em combate e a boa conduta geral, granjearam a estima e o respeito dos soldados britânicos. Na véspera da separação, os oficiais britânicos ofereceram uma festa de despedida aos Oficiais portugueses que ficou marcada por uma admirável demonstração de cordialidade e camaradagem entre irmãos, com canções britânicas entoadas por portugueses e as portuguesas por britânicos acompanhadas por brindes e saudações mútuas eram aplaudidas por todos;... e quando chegámos ao cruzamento onde nos tínhamos de separar, os velhos veteranos de guerra, Oficiais e soldados, abraçaram-se e trocaram despedidas sentidas; e quando nos fomos por direcções opostas, ouviram-se bem alto as saudações prolongadas entre as duas forças até não nos podermos mais avistar”.
7 LÓPEZ, Cor Juan Priego, GUERRA DE LA INDEPENDENCIA, volumen 2, Campaña de 1810, MADRID, Libreria Editorial San Martin, 1981, p. 341.
8 BOPPE, P., LA LEGION PORTUGAISE 1807-1813, Paris, 1897, reeditado por C. Térana Editeur em 1994 - Tradução: “A Legião Portuguesa combateu valentemente nas Batalhas de Wagram, Smolensk, Moscovo, e como tantos de nós, tombou nas águas geladas do Beresina, antes de morrer, em Konigsberg, o seu digno comandante, o Marquês de Alorna junto com a perda dos mais puros da sua nação, pagaram, com o seu sangue, a honra de terem pertencido ao Grand-Armée”.
9 Em termos jurídicos e se quisermos ser rigorosos, o conceito “nação em armas” só vai ser uma realidade no início do século XIX. D. João VI é o primeiro monarca a obrigar a um levantamento da nação em armas, por isso o expressamos entre aspas.
10 CHARTAND, Ob Cit, p. 4.
11 CHARTRAND, Ob Cit, Vol 3 p. 8 - Tradução: “O papel crucial que desempenharam - milícias e ordenanças - no desenho geral da campanha foi muito ignorado, provavelmente porque não havia até àquela data nada como estas forças na Europa”.
12 Fonte: MONTEIRO, João Gouveia, A GUERRA EM PORTUGAL NOS FINAIS DA IDADE MÉDIA, Lisboa, Editorial Notícias, 1998.
13 Por ex., na operação ao cerco do Crato (Guerra entre Leonor de Aragão e o Infante D. Pedro) o Exército do Infante contava com 12 000 Infantes.
14 Quando foram criadas as Companhias da “Grande Ordenança” por Carlos VII de França, consideradas a primeira grande experiência europeia a este nível (in MONTEIRO, João Gouveia, ALJUBARROTA - A Batalha Real, Lisboa, Prefácio, BATALHAS DE PORTUGAL, 2002, p. 62).
15 VIEIRA, Belchior, RECRUTAMENTO E MOBILIZAÇÃO MILITARES (textos de apoio), Lisboa, Universidade Lusíada, 1999, p. TA 2-2.
16 Idem, pp. TA 2-4 a 2 -8.
17 SELVAGEM, Carlos, PORTUGAL MILITAR, Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa, 1931.
18 Um dos maiores exércitos europeus da altura (in Chartrand, Ob Cit, p. 6).
19 Houve mais um expedição armada para onde foi mobilizada a Marinha Portuguesa - em 1716/17, uma esquadra com 9/11 navios sob o comando do Vice-Almirante conde do Rio Grande, combateu no Cabo Matapão ao lado de franceses, venezianos e da Ordem de Malta contra o Império Otomano.
20 A conselho da Grã-Bretanha, o Marquês de Pombal recorreu à Prússia, para contratar um general que viesse comandar o Exército Português; a escolha recaíu no Conde Guilherme de Schaumburg-Lippe, discípulo dilecto de Frederico.
21 O efectivo à sua disposição era bastante heterogéneo: aos cerca de 7 000/8 000 britânicos de Lord Townshend (5 Reg Infantaria, 1 Reg Dragões e 8 Comp Dragões), somavam-se 7 000/ 8 000 portugueses, perfazendo cerca de 15 000 homens para o exército de 1ª linha, a que se somavam cerca de 20 000 homens, milícias e ordenanças que só podiam ser empregues na guarnição das praças.
22 Chartrand, Ob Cit, p. 7 - Tradução: “um dos melhores Exércitos Europeus”.
23 O General Gomes Freire de Andrade, ilustre militar dessa época, condena o carácter “violento, penoso e odioso, da obrigação militar, que transforma cidadãos livres em escravos” (Ten-General Belchior Vieira, Ob Cit, p. TA 2-13).
24 Composta por 5 052 homens (1 Divisão a 6 Regimentos de infantaria - 4 377 homens embarcados e 1 Brigada de Artilharia a 8 Companhias, com 22 bocas de fogo - 447 homens embarcados), comandada pelo Ten-General Forbes Skellater, um escocês que viera para Portugal durante a guerra de 1762; para além das forças de Infantaria e Artilharia, a legião lusitana contava ainda com o seu Estado-Maior, oficiais de engenharia, repartições civis (secretariado, hospital e botica, repartições de víveres e carruagens) e criados. Entre os comandantes dos Regimentos, figurava um oficial que se viria a notabilizar mais tarde, Gomes Freire de Andrade.
25 Permaneceu em operações de 1798 até Janeiro de 1800, data do seu regresso a Lisboa, tendo prestado excelentes serviços em apoio da esquadra britânica no Mediterrâneo, cuja principal missão consistia na vigilância da esquadra francesa do VAlm François Paul Brueys D’Aigailliers que, depois de batido por Nelson, se refugiara no porto de Toulon.
26 CÉSAR, Victoriano, A EVOLUÇÃO DO RECRUTAMENTO EM PORTUGAL, Revista Militar nº 8, Agosto de 1909.
27 Na altura a comandar a Guarda Real de Polícia, força com boa organização e influência (principalmente) em Lisboa e que receberia com todas as honras o General Junot. Importante também o Marquês de La Roziére que obteve o posto de Tenente-General e quando chegou Junot a Portugal lhe foi entregar toda a documentação que conhecia relativa à defesa de Portugal.
28 Mendo Castro Henriques, Ob Cit, p. 10.
29 VICENTE, António Pedro, O TEMPO DE NAPOLEÃO EM PORTUGAL - Estudos Históricos, Lisboa, Comissão Portuguesa de História Militar, 2000, p. 58.
30 Idem, p. 61, reproduzindo um trecho de uma carta do Conde de Lippe ao Marquês de Pombal.
31 Idem, p. 65, pedido do Embaixador em Londres em 1796.
32 Idem, p. 73.
33 Idem, p. 106.
34 Com base em Windsor, Methuen e o Ultimato, Jornal EXPRESSO, Lisboa, 02/02/02.
35 Chartrand, Ob Cit, p. 9 - Tradução: “Uma admirável decisão que salvou a Coroa e, por consequência, salvou Portugal.”
36 VICENTE, Ob Cit, p. 59.
37 A frota compreendia 15 Navios de guerra, o núcleo fundamental da Marinha de Guerra. Os restantes navios, em estaleiro para reparação, foram tomados pelos franceses. Para além dos 15 navios referidos partiram também 20 navios mercantes, com todos os que, sem obrigação oficial de o fazerem, quiseram acompanhar a família real o que, na prática, incluía praticamente todo o estrato superior da sociedade, que considerava fundamental o estado de morador na corte (cerca de 15 000 pessoas, acompanhadas dos bens que não queriam ver saqueados pelos franceses e que acabariam por ficar no Brasil). Em Lisboa ficou a maioria da população sem recursos para financiar uma estadia no Brasil, os militares que receberam ordens para se manter nos seus postos e os afrancesados, que viam com agrado a invasão francesa por acharem que contribuiria para a modernização do país.
38 Carta de Napoleão Bonaparte a Junot, In VICENTE, Ob Cit, p. 258.
39 Criada em 1801, este corpo era constituído por 8 Companhias de Infantaria, 4 de Cavalaria e respectivo Estado-Maior, totalizando 638 homens. O seu comandante tinha dupla dependência: para os assuntos militares, dependia do general das armas, para execução de ordens e requisições dependia do intendente geral da polícia. O seu primeiro comandante foi um emigrado francês, o Conde de Novion, que entrara para o Exército português por diligência do Marquês de Fronteira. Pelas suas características militares, dependência, recrutamento, organização e enquadramento, a Guarda Real de Polícia pode ser considerada a verdadeira antecessora das Guardas Municipais (Lisboa e Porto) e da Guarda Nacional Republicana, que mais tarde lhe sucederiam. Em 1802 a Guarda Real de Polícia seria vinculada ao Exército, como tropa de linha.
40 3 Corpos de tropas sob o comando dos generais Bernardim Freire de Andrade (Estremadura) e Bacelar (Beira e Trás-os-Montes) e o terceiro em reserva na região de COIMBRA.
41 LÓPEZ, Cor Juan Priego, GUERRA DE LA INDEPENDENCIA, volumen 2, Campaña de 1810, MADRID, Libreria Editorial San Martin, 1981, p. 342.
42 Como demonstram as várias tabelas in CHARTRAND, Ob Cit, vol 1, 2 e 3.
43 “many officers of ability and Intelligence” CHARTRAND, Ob Cit, p. 19, Vol 2.
44 HENRIQUES, Ob Cit, p. 19.
45 Ocuparam, segundo a leitura que se faça, mas de facto a soberania foi sempre respeitada quando as coisas se esclareceram tanto em 1801 como com os decretos do príncipe Regente na chegada ao Brasil. Estratégica e geopoliticamente, ambos os países, Portugal e Grã-Bretanha defenderam os seus interesses segurando os importantes territórios; o mesmo se iria passar na Índia e em Macau e os territórios mantiveram-se na soberania portuguesa.
46 Comandadas em 1807 pelo que viria a ser o Marechal-General do Exército Português, Carr Beresford.
47 estes Regimentos, em conjunto com 2 Regimentos brasileiros e outras forças formavam a Guarda do Vice-Rei.
48 Os navios portugueses eram 2 bergantins, 1 escuna, 2 veleiros e 3 “gunboats”.
49 Obviamente que foi fundamental a vinda de novo das forças expedicionárias britânicas com: General Artur Wellesley comandando General Mackenzie com 4 400 Homens; Generais Paget, Sherbrooke e Hill, comandando cada um uma Divisão e o Major-General Tilsit com uma Brigada; Total: 22 000 Homens. Mas durante quase dois meses foram as forças portuguesas, à custa de milícias e ordenanças, que tornaram a situação quase insustentável para as forças francesas, sendo depois a sua acção decisiva para retardar a fuga de Soult.
50 Em Setembro tinha sido reforçado com uma brigada espanhola sob o comando do Marquês de Valladares enviada pela junta da Galiza (LÓPEZ, Ob Cit, Vol 2, p. 365.
51 Carlos Lecor comandou uma das Divisões. Por ex: Em Salamanca nas 28 unidades do Ex anglo-luso, 15 foram comandadas por britânicos e 13 por portugueses; das 8 Brigadas duas são de comando português.
52 HENRIQUES, Ob Cit, p. 24, 25.
53 Efectivos portugueses do Ex 1ª Linha: 1808 - 42 619; 1809 - 47 958; 1810 - 51 841; 1811 - 54 558; 1812 - 56 808; 1813 - 51 431. in HENRIQUES, Ob Cit, p. 21.
54 As forças portuguesas presentes no Exército Anglo-Português durante a 3ª Invasão Francesa eram: a 3.ª Divisão Inglesa anexa à Divisão HAMILTON com os Regimentos de Infantaria. N.º 2, 4, 10 e 14 (2 950 H); Da 4.ª Divisão Inglesa faziam parte os Regimentos de Infantaria. n.º 11 e 23 (2 800 H); da 5ª Divisão Inglesa faziam parte os Regimentos de Infantaria. n.º 3, 8 e 15, milícias de Tomar e 3 batalhões da L. L. L (5 430 H); da Divisão CRAUFURD faziam parte os Batalhões de Caçadores 1 e 2 (2 000 H); 3 Brigadas Independentes de Infantaria com os Batalhões de Caçadores n.º 2, 4, 6, e Regimentos de Infantaria n.º 1 e 16 (8 400 H); Na Divisão de Cavalaria entravam os Regimentos de Infantaria n.º 1, 4, 7 e 10 (1 500 H).
55 MARTINS, Ferreira, HISTÓRIA DO EXÉRCITO PORTUGUÊS, Lisboa, Editorial Inquérito Limitada, 1945, p. 300.