O relato empolgante da última grande vitória de D. João I
JOÃO GOUVEIA MONTEIRO[1]
ANTÓNIO MARTINS COSTA[2]
Esta obra, da autoria de dois especialistas em História Medieval, procura relatar aquela que foi uma das mais extraordinárias campanhas militares da coroa portuguesa, durante a Idade Média.
A conquista de Ceuta começou a ser preparada no maior segredo e com grande antecedência, atendendo à complexidade da logística e à grandeza dos meios humanos e materiais envolvidos.
A frota expedicionária concentrou-se no Restelo, em 24 de julho de 1415, tendo zarpado a 25, rumo a Lagos, no dia em que se comemorava a festa litúrgica do apóstolo São Tiago. A partir daí, até ao dia da conquista, em 21 de agosto de 1415, o autor faz a reconstituição da viagem, dos incidentes, das deliberações e das operações militares. Num registo quase televisivo, são descritos os acontecimentos de cada dia, com imenso pormenor, sendo também relatadas as circunstâncias e as figuras envolvidas na tomada de decisão.
João Gouveia Monteiro serviu-se da narrativa de Gomes Eanes de Zurara, contida na sua Crónica da Tomada de Ceuta. Trata-se do mais detalhado e completo relato referente a esta expedição militar. Mas, ainda assim, é imperioso mencionar que Zurara não participou na campanha de 1415 e escreveu a sua crónica muitos anos após os acontecimentos, quando já muitos dos heróis de Ceuta haviam falecido. Como o próprio cronista relata[3]:
Como escrevi esta história cerca de 35 anos depois dos acontecimentos, houve muitos detalhes que não me foi possível reconstituir, tanto mais que dela não sobraram grandes registos escritos, dado o secretismo como tudo foi feito.
Desta forma, como refere o autor, a primeira parte da sua obra constitui[4]:
Uma evocação ficcionada da primeira conquista africana dos portugueses pelo próprio cronista e guarda-mor da Torre do Tombo, por mim colocado numa posição de voz off, como quem, já no outono da sua vida, recorda esses dias agitados mas felizes.
A dialogar com Zurara, estão João Gomes da Silva, alferes-mor do rei e o infante D. Henrique, seus amigos e informadores privilegiados e cujos testemunhos foram essenciais para a elaboração da Crónica.
A segunda parte desta obra equaciona, já numa diferente aproximação, a problemática da manutenção de Ceuta em mãos portuguesas. Questões práticas como a organização da defesa, a resistência às investidas muçulmanas, a angariação de fundos, a mobilização de pessoal, o abastecimento, a logística, o povoamento, o resgate de cativos e o apoio espiritual concedido pela Santa Sé são aqui tratadas.
Importante é também a reconstituição do quotidiano, após a conquista, determinado pelo clima, pela geografia e pelas exigências impostas pelas circunstâncias militares. Aqui, o autor recorre ao texto de Mohâmede ben Alcácime, escrito em 1422, o qual era morador na cidade e descreveu a alimentação, o vestuário, as casas de habitação, o comércio, as questões sanitárias, o quadro religioso e a composição da sua população.
São ainda tratados os aspetos relativos à importância que a cidade ocupou na vida política e social portuguesa e, em particular, no imaginário de nobres e religiosos, que passaram a dispor de um novo palco para os seus empreendimentos cavaleirescos e para a expansão da fé.
Como afirma o autor, Ceuta foi, acima de tudo, uma praça que o reino nunca quis abandonar[5]: um fator de controlo marítimo no estreito de Gibraltar (com as consequências inerentes ao nível do corso e da defesa das praias algarvias relativamente à pirataria muçulmana) e como promissor elo de ligação entre as redes de navegação mediterrânica e atlântica.
Este trabalho é fruto de uma sustentada investigação, suportada em diversa bibliografia e documentação medieval. Contudo, o que poderia ter-se transformado numa obra erudita e impenetrável, tornou-se num livro de leitura muito agradável, mercê das coloridas descrições e das qualidades pedagógicas reveladas pelo autor.
As fotografias, selecionadas por António Martins Costa, são ajudas preciosas e ajustadas à temática, que permitem visionar a geografia da cidade, as embarcações e armas da época e imaginar os combates travados e as situações do quotidiano.
Esta obra, apresentada num volume de 221 páginas, está ricamente ilustrada e documentada com inúmeras fotografias, mapas, estampas, desenhos, plantas e relevantes notas anexas. Da Editora Manuscrito, datada de julho de 2015, o livro 1415 A Conquista de Ceuta constitui um valioso contributo para a História Medieval de Portugal e, em particular, para a História Militar daquele período, pelo que se recomenda a sua leitura.
A Revista Militar agradece a oferta deste livro e felicita os autores por mais esta iniciativa.
Major-General Manuel de Campos Almeida
Vogal da Direção da Revista Militar
Vogal Efetivo da Direção da Revista Militar.