Capítulo 1 – Introdução
Em vida do mestre Oliveira Martins era tal o horror que estas ilhas forneciam aos possíveis colonos brancos que o escritor as considerava como: “Ilhas perdidas qual cemitério a flutuar no Atlântico”.
1.1 – Meus contactos com S. Tomé
A minha ligação a S. Tomé e Príncipe não é grande. Aconteceu que no ano de 1951 passei por S. Tomé1 em viagem para Luanda. A primeira sensação foi quando saí para o convés do navio, o velho “Pátria” da Companhia Colonial de Navegação, o bafo quente que contra mim veio desde a atmosfera exterior, possivelmente perto dos 30 graus Célsius, tal era a temperatura ambiente existente.
Após uma pequena travessia em botes da capitania até ao cais da cidade, atravessando as agitadas águas da baía de Ana Chaves com proximidade de tubarões e perigos da “calema”, (ventos instantâneos que podem aparecer nos mares de S. Tomé) lá cheguei finalmente a terra.
Fig. 1 – Partida de Lisboa Fig. 2 – A lancha da Capitania
Se não me engano tinha feito o percurso dos descobridores de S.Tomé e Príncipe desde a Ilha da Madeira até ao golfo da Guiné, durante cerca de uma semana tendo percorrido mais de 3.000 milhas.
Do meu livro de memórias, que nós no Colégio Militar chamamos de Calixto, retirei o seguinte:
“No dia 4 de Agosto de 1951 acordei sobressaltado. O navio tinha parado mas não foi isso que me assustou, foi sim o barulho de “zacatrazes”2,”ramalhos”3e”camas ao poço”4 que se ouvia no camarote contíguo. Eram os ex-alunos que nos tinham ido fazer uma recepção à Colégio. Ficámos satisfeitíssimos e saltámos logo das camas. Vestimo-nos e desembarcámos.
O facto mais importante foi o meu “baptismo de voo”.
Até houve uma piada engraçada dita por um ex-aluno. Disse ele:
Antigamente os “meninos da luz” iam receber o seu baptismo de voo à Amadora e hoje vêm-no receber a S. Tomé. Vejam bem o que é o progresso!
Houve risada geral e depois de um bom almoço, reembarcámos.
O almoço foi na Roça Rio do Ouro onde, depois de visitarmos as diferentes secções, nos ofereceram um lauto banquete, com muitas iguarias europeias e muitas também africanas. Comi mais de quinze bananas e voltámos para o navio carregados com cacau, café, coconote, cocos e com mais de dez cachos de bananas. Agora sim, isto já era África sonhada por mim. Muitos pretos e bastante calor. Estamos no Equador. A ilha lembra Sintra em ponto grande. Toda coberta de uma vegetação luxuriante, muitas árvores de fruto e aquelas outras que eu ouvi contar que dez homens de mão dada não chegam para as abraçar. Enfim, apesar disto tudo ainda não me dava ideia de selva que eu imaginava em África.”
Partimos de Lisboa em 26 de Julho de 1951 e chegámos a S. Tomé em 4 de Agosto de 1951, pelo que demorámos nove dias para vencer esta distância.
A sua cobertura de nuvens é quase permanente o que permite que a humidade na ilha seja sempre perto dos 100%. Tal, ajuda à permanência de uma vegetação arbustiva e arbórea que raramente se encontra em outros locais do planeta.
De um trabalho do meu colega e amigo, Mendes Paulo, infelizmente já falecido, e viajante como eu, retirei o seguinte apontamento:
“Foi de madrugada que o Pátria chegou a S. Tomé, tinha eu acabado
de me levantar quando ao espreitar pela vigia descortinei a paisagem densa e luxuriante das primeiras terras que se poderiam considerar africanas. Depois do café mandaram-nos vestir o traje africano: Shorts e capacete colonial.
Foi um trabalho termos de tirar o capacete colonial e shorts que ainda repousavam calmamente no fundo das malas e quando nos vimos equipados de “caçadores de leões” foi uma risota pegada…
O Bastos de Carvalho nosso professor de Física, era sem dúvida o mais caricato, pois os shorts ficavam-lhe enormes nos palitos que sustentavam uma já razoável barriga de Major. Tivemos uma lancha especial e fomos os primeiros a descer. Fomos esperados pelo Governador e pela Mocidade Portuguesa formada; depois dos cumprimentos do costume os ex-alunos entraram nos carros e fomos para o aeroporto. Um ex-aluno piloto tinha já ali um “Dragon” preparado para nos proporcionar uma vista aérea da cidade e da Ilha e foi também para a maior parte de nós o baptismo de voo. Depois disto, de que todos gostámos, fomos visitar a Roça Rio do Ouro onde almoçámos. Esta propriedade, de uma enorme extensão tem rendimentos superiores a 30.000 contos por ano. É também uma espécie de quinta onde encontramos um enorme hospital para nativos, um museu das culturas da ilha e da sua fauna e ainda uma amostra de animais num engraçado mini-zoo. Da roça viemos todos carregados de bananas, cocos, cacau, etc5”.
Fig. 3 – O “Dragon” do baptismo de voo, e os “baptizados”, no aeroporto da cidade
Fig. 4 – Após o almoço na Roça com cacaus na mão
Fig. 5 – Almoço na Roça Rio do Ouro
Fig. 6 – Rota seguida pelo nosso navio
De Lisboa a S. Tomé a viagem pode ser visualizada pelo esquema anexo, obtido no Google Earth.
Voltei a São Tomé em 1956 de caminho para Moçambique, mas nessa altura só me fiquei pela cidade de S. Tomé, onde contactei os pais de uma amiga minha de Lisboa, estudante, chamada Didi Cruz, cujos pais estavam na cidade, ele advogado e ela desconheço o que fazia, e que me receberam com toda a simpatia como era costume nesta terra. Suponho que me seja permitido dizer que a família sendo tradicional em S. Tomé, eram efectivamente “pardos” ou “filhos da terra”. Viviam numa vivenda junto ao mar e que suponho deveria ter sido construídas pelo governador Gorgulho, de má memória para muitos santomenses.
Se não fosse a temperatura de S. Tomé, a insalubridade do clima, o afastamento de quase tudo, a dificuldade de reabastecimentos inclusive de medicamentos, por certo teria nessa altura muitos mais colonos portugueses, independentemente do local de origem.
Sob aspecto gastronómico S. Tomé e Príncipe pede meças a qualquer país com tradições. Por isso na filatelia tal desiderato pode ser analisado pela imagem anexa:
Fig. 7 – Molho de fogo e Calúlú, nos seus selos.
1.2 – Descoberta e estabelecimento da Capitania
Vinte e oito anos antes da abertura do caminho marítimo para a Índia, foi consolidada a presença de navegadores portugueses no golfo da Guiné e nas costas circundantes. Mas talvez pressentindo que o caminho para a Índia iria passar longe de terra, quase pelo Brasil, os navegadores afastaram-se do rio Congo e foram descobrindo S. Tomé (1470), Ano Bom (1471), Príncipe (antes Santo Antão) e não descobriram Fernando Pó (aqui Bioko) por esta ilha já ser conhecida.
No reinado de D. Afonso V (1469-1481), Fernão Gomes ganhou um contrato para que descobrisse terras a sul da Serra Leoa.
Este navegador em 1470 descobriu o Cabo Palmas. Consta que a ilha de S. Tomé tenha sido descoberta em 1471 por Vasconcelos no dia de S. Tomás6. Mas há outras versões sendo a mais usual a de que estas ilhas que estavam desabitadas até 1470, foram descobertas pelos navegadores portugueses João de Santarém, Pedro Escobar e João de Paiva. Esses três navegadores, parece que descobriram em 21 de Dezembro de 1470 a ilha de S. Tomé e em 1 de Janeiro de 1471 a Ilha de Ano Bom (Pagalu). No regresso descobriram a Ilha de Príncipe a que puseram o nome de S. Antão, talvez a 17 de Janeiro de 1471.
Fig. 8 – Pontos estratégicos ocupados pelos navegadores portugueses durante a expansão para sul. (Mapa alemão recente, onde dão o nome de Bioko à ilha de Fernando Pó)
Tinham como pilotos Martin Fernandes, de Lisboa, e Álvaro Esteves de Lagos.
Outra hipótese atribui o descobrimento a Rui de Sequeira, que regressando à Mina, depois de ter ido até ao Cabo de Santa Catarina, teria encontrado as ilhas de S. Antão e S. Tomé.
Esta zona estava dentro da demarcação do contrato com Fernando Gomes, desde a Serra Leoa até ao referido cabo.
Fig. 9 – Estátuas apeadas dos descobridores
A zona do Golfo da Guiné englobava a Baía de Biafra ou dos Mafras, e a Baía de Benin.
No dicionário em referência 1 em rodapé, consta sobre São Tomé “que era uma ilha da África Portuguesa, no referido Golfo da Guiné a 200 km a NO do Cabo Lopes, também conhecido por Lopo Gonçalves, e tendo por coordenadas geográficas: 0º 25’Latitude Norte e 4º 24’ longitude Este”.
A Ilha de Fernão Pó (Bioko), por estar mais perto do continente africano já era habitada.
As informações dessa data indicavam “que a ilha tinha 20.000 habitantes sendo a sua capital a cidade de S. Tomé onde viviam cerca de 2.000 habitantes, e tinha a residência de um Bispo. Que o clima é muito quente e insalubre, mas que o solo é muito férti.”.
Além das quatro ilhas e dos enclaves de Mina e Ajudá existiam os reinos de:
“Loango (Bonali)
Cacongo (Kinhgolé)
Congo ( S.Salvador)
Angola (Loanda)
Benguela (Benguela)”
que dependiam da capitania de S. Tomé.
Fig. 10 – Pormenor de uma carta holandesa de 1780
Neste pormenor de uma carta holandesa da mesma zona do Golfo da Guiné (Fig.10), além das quatro ilhas já referidas, Ano Bom, S. Tomé, Príncipe e Fernão do Pó, aparece a Guiné, desde a Mina ao Cabo Lopes, contornada a rosa, o Congo contornado a amarelo incluindo Loango, Loanda, Benguela até ao cabo negro. A Aetiopien do mesmo mapa agora contornada a verde inclui o rio Biafra e o Monomotapa, este puxado para sul.
Na figura 11, pormenor de uma carta de 1800, pode ver-se a indicação das Ilhas de Cabo Verde, do Cabo Palmas, das quatro ilhas junto de S. Tomé, do Congo a amarelo, de Loango até Benguela e até ao Cabo Negro já na costa da Cafraria, está em verde, em rosa estão a Guiné e o Monomotapa e em rosa carregado a Aetiopien. As cartas de navegação eram ciosamente guardadas pelos comandantes das naus e poucas chegaram aos nossos dias. No entanto, os holandeses com as suas Companhias das Índias, oriental e ocidental, por serem organizações comerciais eram rigidamente controladas, exigindo aos seus empregados, relatórios e mapas das zonas por onde passavam as suas naus. As organizações alemãs também o exigiam, razão porque grande parte dos mapas existentes ou são alemães ou holandeses.
Fig. 11 – Pormenor da Costa da Guiné numa carta de 1800
As quatro ilhas S. Tomé, Príncipe, Ano Bom e Fernão Pó estão mal localizadas embora S. Tomé esteja indicada sobre o Equador. No Manicongo, a amarelo estão incluídas Loango, Luanda, Benguela e S. Salvador. O cabo Negro já está indicado como estando na Cafraria, na zona azul.
Quase toda a informação histórica expressa neste artigo, foi por mim obtida a partir de documentos escritos por Raymundo José da Cunha Mattos, Marechal de Campo do Exército brasileiro, que viveu entre 1776 e 1839, e servido em S. Tomé e Príncipe por 19 anos, sem ser degredado. (o itálico abaixo, indica textos de C. Mattos).
2.1 – D. Afonso V, o Africano 1469-1481
Foi Fernão Gomes quem ganhou um Contrato para a descoberta de terras a sul da Serra Leoa. Este contrato deu origem à descoberta do arquipélago de S. Tomé, Príncipe, Ano Bom e Fernão Pó entre 1470-72 e talvez pelos mesmos navegantes contratados por Fernando Gomes.
2.2 – D. João II, O Príncipe Perfeito 1481-1495
El-Rei D. João II fez mercê do Senhorio da ilha do Príncipe ao seu Secretário António Carneiro e com o título de condado, a Capitania Donatária transitou pelos seus descendentes até ao ano de 1753, ano em que se uniu ao Domínio da Coroa por contrato celebrado com o Conde de Lumiares.
Os Condes da Ilha de Príncipe colocavam nela um Capitão-mor ou Lugar-Tenente o qual era subordinado ao Governador da capitania de S. Tomé e igualmente punham um Ouvidor na ilha, de quem se apelava para o Ouvidor Geral em S. Tomé.
Os Capitães-mores dos Donatários venciam 200$000 réis de ordenado até 26 de Outubro de 1721 dia em que se lhes foi dobrada essa quantia; administravam as fazendas dos Condes onde havia muitos escravos e 12 engenhos de açúcar de propriedade ou foreiros, e cobravam a soma de 25$600 réis pela ancoragem de cada navio estrangeiro que ali tomava mantimentos ou fazia outros negocios. Em compensação disto o Capitão-mor pagava ao Donatário a quantia de 400$000 réis por ano e fornecia-lhe os escravos necessários para o serviço de sua casa.
Quando D. João II entrou na administração da Monarquia, chamou o astrónomo nuremburguês Behaim para uma junta composta pelos Doutores ou Mestres José e Rodrigo, (Médicos da Câmara de El-Rei) presidida por D. Diogo Ortiz de Villegas (apelidado, o Licenciado Calçadinha e Bispo de Tanger) para reformarem as Tábuas de Ptolomeu e inventarem um método de navegação com segurança, tomando a altura do Sol. Concluído este importante trabalho, determinou El-Rei que Behaim acompanhasse Diogo Cão na sua viagem de descobrimento ao sul do Cabo de Santa Catarina, até onde (conforme o sentir de alguns escritores) ele havia chegado em outra ocasião. Assim pretendia El-Rei verificar a exactidão dos novos instrumentos e das Novas Tábuas, calculadas pelos membros da Junta Astronómica, dos quais um era castelhano, dois eram portugueses e um alemão.
Os historiadores dizem que o navio de Diogo Cão em que ia o astrónomo ou cosmógrafo Behaim fora acompanhado por outro, debaixo do comando de João Afonso de Aveiro e que saíram de Lisboa no mês de Novembro de 1484, levando as melhores cartas marítimas que então existiam em Portugal, organizadas pelos irmãos Colombos, por Behaim, por pilotos portugueses por maiorquinos e por italianos. Faria e Sousa diz que Diogo Cão fora, em armada de um navio descobrir o Congo em 1484. Isto de modo nenhum invalida a notícia de haver saído em Conserva7 com João Afonso até Castelo da Mina onde se separaram, este para Benim e aquele para o Cabo de Santa Catarina, donde navegou para o sul e descobriu o Congo; é porém de considerar o que diz Faria acerca da armada de Diogo Cão ter sido de um só navio, para provar que a Ilha de S. Tomé se achava descoberta antes do ano de 1484 e que o seu descobridor não fora Diogo Cão nem Martim Behaim, seu piloto ou cosmógrafo. O Capitão português não tinha navio algum que fosse a Portugal dar notícia de qualquer descobrimento, que por ventura fizesse durante a viagem que durou 19 meses, pois que Diogo Cão só voltou a Lisboa no mês de Maio ou Junho de 1486. Só então deu a notícia dos seus sucessos gloriosos; Martim Behaim tendo sido premiado com o posto de fidalgo efectivo, voltou para o Faial.
Os créditos do astrónomo ficaram muito mais engrandecidos na Alemanha quando ele em 1492 chegou a Nuremberg, onde se demorou um ano e ofereceu ao Senado da Cidade um Globo terrestre o qual segundo dizem ainda se conserva para monumento das suas viagens. Neste globo estão pintadas além de muitas outras coisas, as Ilhas de S. Tomé, Príncipe e S. Martinho e por baixo delas uma nota que se supõe ser do próprio Behaim declarando o seguinte:
“Estas ilhas foram descobertas pelos navios que El-Rei enviou a estas paragens do país dos mouros em 1484: Nós somente ali achamos desertos e não vimos homem algum; só bosques e aves.”
Esta parte não só tirada de escritores estrangeiros, mas também do Tomo 8º Parte 2ª, das memórias de Literatura Portuguesa; lembrando que o seu ilustre autor a despeito das cartas e do globo de Behaim e das recordações dos seus patrícios, continua a sustentar que a Ilha de S. Tomé fora descoberta por F. de Sequeira criado da Casa Real.
Após a descoberta de S. Tomé pelos navios do Contratador Fernão Gomes, comandados por João de Santarém, Pedro Escobar, F. Sequeira ou por Álvaro de Caminha Souto Maior, alguns homens estabeleceram-se no lugar do primeiro desembarque chamado hoje de Plá (praia) Ambó ou Praia das Tartarugas, na parte setentrional da ilha, e daqui passaram para o sítio onde agora existe a cidade e levantaram uma capela dedicada a Nossa Senhora da Ave Maria e S. Tomé, por ser no dia da festa deste santo que a ilha foi descoberta, ainda que depois disso a chamassem Ilha de S. Tomás, o que continuou por pouco tempo. Ignora-se a época precisa do primeiro estabelecimento no lugar da cidade, mas pensa-se que foi dois anos depois da descoberta. A obra do Deão Manoel do Rosário Pinto que no princípio do século passado floresceu e deu muito que fazer em intrigas a todas as autoridades civis e eclesiásticas, completada com todos os livros de Registo da Secretaria do Governo da Ilha, os da Provedoria da Fazenda Real, Ouvidoria, Câmara e Cabido, leva a concluir que o seu autor o Deão Pinto, era pessoa de grandes luzes e uma crítica mui atilada, pois que colheu todos os (informes) mais importantes com as suas circunstâncias mais particulares, e adicionou aquilo que faltava nos Cartórios em consequência incêndios e invasões, percorrendo os escritores nacionais que trataram da Ilha de S. Tomé. O Manuscrito do Deão Pinto acha-se infelizmente muito mutilado (e estava em poder de Cunha Mattos).
Em 1485 D. João II constituiu a Ilha de S. Tomé em capitania e a doou a João de Paiva, mas o autêntico povoamento só teve lugar em 1493 no tempo do terceiro donatário Álvaro de Caminha que fez transportar para a ilha alguns degredados do continente europeu. Também povoou com escravos africanos e judeus, bem como agricultores madeirenses que introduziram a cana do açúcar.
El-Rei D. João II não perdendo de vista as suas ideias de descobrir a Índia pelos mares que circundam a África, tendo presente os mapas dos Infantes D. Pedro e D. Fernando e conhecendo, pelas descobertas das Costas até ao Cabo de Santa Catarina e as das ilhas de Fernando Pó, Príncipe, S. Tomé e Ano Bom, a conveniência de estabelecer uma cadeia de postos ou de colónias que se protegessem mutuamente desde Lisboa até aos ricos países que procurava, determinou que João Afonso de Aveiro fosse reconhecer melhor o Golfo de Benim e Diogo Cão que segundo se diz fora o descobridor do Cabo de Santa Catarina recebeu ordens de continuar as explorações pelas terras do sul deste cabo.
E porque para o fim gigantesco que se propunha fosse necessário povoar melhor e estabelecer uma administração em todas estas costas e ilhas descobertas além do Governo da Mina, onze meses depois de Diogo Cão estar em viagem, faz mercê da capitania de S. Tomé, por carta datada em Cintra no dia 24 de Setembro de 1485 a João de Paiva, escudeiro fidalgo da sua Casa e morador na vila de Óbidos, sendo de juro e herdade e compreendendo todo o território que decorre desde o cabo Formoso até ao de Santa Catarina com as ilhas do Golfo de Benim ou de S. Tomé, acima indicadas. Neste mesmo dia concederam-se vários privilégios aos moradores da capitania e em 16 de Dezembro (concedeu) uma espécie de Foral para se administrarem os negócios públicos na colónia.
Em Janeiro de 1486 foi doada, em sesmaria, ao mesmo João de Paiva, para si e seus descendentes, metade da ilha de S. Tomé, à escolha deste. João de Paiva veio a ser o primeiro povoador da “Feracíssima Ilha”.
Entre os Privilégios concedidos aos habitantes de S. Tomé pelo foral de 1485, abrangiam o resgatar (comerciar) nos cinco rios além da Fortaleza de S. Jorge da Mina.
Em 1493 a Câmara de Lisboa deu “o translado do seu regimento e ordenanças Álvaro C(aminha), capitão da Ilha de S. Tomé, pela boa governança da dita ilha”.
Assim “foi autorizada concessão de alvarás de seguro aos moradores degredados, que pretendessem vir ao reino arrecadar suas fazendas ou vender as suas mercadorias. Estes privilégios não deviam ir além de quatro meses e seriam respeitados por todas as justiças do reino”8.
Fig. 12 – Visão artística da “Feracíssima” ilha
A Carta Régia de 11 de Dezembro de 1493, permitia a exportação de açúcar de S. Tomé para a Mina, sendo o preço fixado de meio cruzado. As canas cortadas eram prensadas nos engenhos e mergulhadas em água corrente de modo a obter-se um suco, que era fervido seguidamente. O melaço resultante, vertido em moldes, dava origem ao chamado “Pão de Açúcar” que devia ser purificado com cinza.
Não consta que João de Paiva tivesse servido na ilha, nem existem memórias de quaisquer acontecimentos até ao ano de 1493 em que por carta de 11 de Dezembro se faz mercê da capitania da ilha de juro e herdade a Álvaro de Caminha Souto Maior com um ordenado de 250 escudos pagos pela Casa da Mina, segundo informam Resende e D. Agostinho Manoel. A carta de doação foi passada em Torres Vedras e os privilégios concedidos aos moradores foram maiores do que os de 16 de Dezembro de 1485.
Entre os privilégios sobressai o de que os moradores podiam negociar desde o Rio Real até à terra do Mani Congo (o Rei do Congo) e esta foi nesse tempo a extensão do Governo ou Capitania de S. Tomé, por não se haver ainda povoado o Reino de Angola. O açúcar podia vender-se ao Feitor da Cidade de S. Jorge da Mina a meio cruzado a arroba; os escravos a 4$000 réis ou ouro que os valesse; um moio de pimenta 60 manilhas de cobre ou 8 cruzados.
2.3 – D. Manuel I, o Venturoso 1495-1521
António Carneiro em 1500 iniciou a colonização de S. Antão, depois Ilha do Príncipe, depois de D Manuel lhe ter concedido a doação da capitania e da alcaidaria-mor. Na mesma data D. Manuel concedeu o primeiro foral aos habitantes da ilha.
Em 1500, D. Manuel concedeu aos moradores não pagarem o dízimo, nem portagem das mercadorias que levassem ao Reino, e eram também livres de Siza as mercadorias que levavam do Reino.
Achando-se vaga a Capitania por motivo que se ignora, fez El-Rei D. Manuel mercê dela de juro e herdade a Fernão de Melo, fidalgo de sua casa e Alcaide-Mor de Évora, por carta de 4 de Janeiro de 1500, concedendo-lhe todas as jurisdições civis e criminais altas e baixas, inclusa a pena de morte. Tendo obrigação de conservar dois ouvidores. O Donatário obteve novos favores para os habitantes da capitania os quais foram datados de 26 de Março de 1500, e esteve muito tempo na governação pois consta que no ano de 1511 (1º de Agosto), abasteceu de mantimentos as naus da Índia, comandadas por D. Garcia de Noronha. Foi casado com D. Violante de Carvalho de quem teve João de Melo, seu sucessor na Capitania, o qual casou com D. Guiomar Correia de que nasceu Cristóvão de Melo, último senhor e Capitão Donatário, de que se tem conhecimento por negociar a incorporação da ilha à Coroa.
Não consta em que tempo a Povoação de S. Tomé foi erecta a Concelho, mas sabe-se que nunca teve o título de Vila, antes de receber o de Cidade. Todavia na Ponta do Sul existe um lugar agora deserto a que se dá o nome de – Vila – e a uma ribeira contigua chamam – Rio da Vila – e nela existem grandes minas, fornos de cal e outras coisas que mostram ter aquele sítio sido mui povoado.
Fig. 13 – Antiga escrava
Igualmente não consta em que ano foi criada a primeira paróquia da ilha, porém há a certeza de existir já no ano de 1504, assim como a Casa ou Hospital da Misericórdia, em cuja confraria o Vigário da Matriz de N. Senhora da Graça exercitava (?) certas jurisdições em observância da carta Régia de 3 de Maio do mesmo ano.
No ano de 1512 houve um grande incêndio na Povoação de S. Tomé, a qual por ser composta de casas de madeira, ficou de todo aniquilada.
Em 1515 D. Manuel determinava que “a descendência das escravas dadas aos colonos, bem como as mães, eram livres e não podiam ser demandadas, elas, seus filhos e filhas, como cativos d’el Rei, nem de pessoa alguma.”
Em 30 de Dezembro de 1516 deu-se regimento ao Contador da Fazenda de S. Tomé, Lopo Ferreira; A respeito dos negócios da Fazenda expediram-se muitas ordens, devido à importância de ilha por não se achar o Brasil colonizado nesse tempo.
No dia 20 de Janeiro de 1517 houve uma sublevação de escravos que teve princípio na Fazenda dos Lobatos no Rio do Ouro, distrito da actual freguesia de Guadalupe. Os mulatos quiseram assassinar a gente branca, mas foram destruídos.
Em 1517 D. Manuel estendeu “aos escravos dos primeiros povoadores o benefício que tinha concedido às escravas e seus descendentes.
Entre 1514 e 1518 o tráfico (de escravos) ficou nas mãos de particulares na Ilha de Príncipe. Em 1518 o mesmo tráfico foi declarado livre.
Por alvará de 1520, confirmado em 1538, o monarca comunicava ao Capitão de S. Tomé, juízes, vereadores e procurador que “ Hei por bem que os homens pardos moradores na capitania entrem nos ofícios da governança da Ilha, como entram os outros moradores da dita ilha, sem nisso se fazer diferença deles aos homens brancos”; permitindo portanto o acesso aos ofícios da governação às pessoas de origem mestiça.
Com Álvaro de Caminha Souto Maior foram para a ilha de S. Tomé os rapazes maiores de 12 anos de idade que o Rei fez arrancar aos hebreus; a todos eles se distribuíram terras; pelo tempo adiante vieram a ser chefes das famílias mais respeitáveis da colónia, que cresceu em indústria e população de um modo extraordinário. Além dos rapazes filhos dos hebreus habitavam em S. Tomé outras pessoas respeitáveis; na carta que Pêro Vaz de Caminha, Piloto-mor da Armada de Pedro Álvares Cabral, escreveu a El-Rei D. Manuel, datada de Porto Seguro em o 1º de Maio de 1500, a respeito da descoberta do Brasil, pediu o dito Caminha a El-Rei que mandasse recolher da ilha de S. Tomé para Lisboa seu genro Jorge de Osório que lá se achava. O Piloto Mor Caminha era parente de Capitão Álvaro de Caminha Souto Maior.
Não consta se Álvaro de Caminha faleceu ou se se retirou da ilha.
Os filhos dos judeus que foram mandados para S.Tomé, chamados de “mossos”, apresentaram em 1520 uma carta escrita por D. Manuel a D. João III, onde “constava o privilégio e liberdade para não serem presos por nenhum caso salvo sobre fianças, tirando o caso de obrigação de morte, por bem deles serem dos primeiros povoadores da terra” (S. Tomé).
No dia 15 de Fevereiro de 1518 expediu-se uma lei proibindo que os homens brancos da ilha fossem ao resgate (comércio, compra e venda) de escravos; determinou-se que se expulsassem os que lá andavam e que se não se recolhessem ao Reino, fossem condenados a certas penas.
Em 8 de Fevereiro do mesmo ano de 1519 deu-se Regimento a Álvaro Frade, Feitor do Trato de Escravos de S. Tomé; e aos seus oficiais, e por alvará de 20 de Outubro declarou-se-lhe a sua jurisdição e alçada. Por alvará de 16 de Maio de 1520 permitiu-se a Afonso Lopes, Feitor da Fazenda da Ilha, a contratar as Rendas dela. Em 6 de Agosto do mesmo ano proibiu-se a saída do gado da ilha de S. Tomé para a Fortaleza de S. Jorge da Mina. Por provisão de 10 do dito mês concedeu-se o privilégio de se livrarem sobre fiança, em crimes que não fossem graves, os descendentes dos hebreus (judeus) que foram para a ilha com o Capitão Álvaro de Caminha; e para os mulatos descendentes dos mesmos hebreus ocuparem os ofícios públicos juntamente com os brancos. Este privilégio foi confirmado com o alvará de 27 de Agosto de 1546.
2.4 – D. João III, o Piedoso 1521-1557
Em 1522 a ilha de S. Tomé foi incorporada nos Próprios da Coroa, por sentença de confisco contra o seu novo donatário.
Em 19 de Maio de 1524 concedeu-se foral aos moradores da Terra e Concelho da Ilha de S. Tomé, o qual consta de grande número de Capítulos (46); e declara-se que nos casos omitidos servirá (de base) o Foral da Ilha da Madeira.
Em 1526 por decreto real afirmava-se expressamente a elegibilidade dos mulatos para o Concelho Municipal da Ilha.
Por carta de 22 de Abril de 1535, foi a povoação de S. Tomé condecorada e enobrecida com o título de Cidade;
Em 1546 confirmou -se por alvará real o privilégio de 1520, pelo que se percebeu que tinha havido necessidade dessa confirmação.
Fig. 14 – Antigo escravo-forro
No mesmo ano de 1546, foi ordenado que ninguém fosse presos sem culpa formada para evitar o abuso e arbítrio dos juízes; e procurou-se moralizar a colónia proibindo que dentro da povoação vivessem mulheres públicas (alvará de 1555).
Em 1547 os angolares revoltaram-se e chegaram a tomar a cidade de S. Tomé.
O Rei em 1548 determinou que os tabeliães e escrivães prestassem fiança de 1000 cruzados antes de começarem a desempenhar as suas funções.
Em 1548 (16 de Janeiro) expediu-se alvará para os escrivães e tabeliães darem fiança de 400$000 réis pela responsabilidade dos cartórios a cujos papéis até então davam impune descaminho. Em 17 do mesmo mês outro alvará proibindo dar que(ixa ?) porque muitos homens ricos ( por ser a terra grossa, diz a lei) perturbavam continuamente a paz.
Por alvará de 7 de Março de 1548 ordenou-se que faltando o capitão (Governador) da ilha a Câmara provesse os ofícios que vagassem. Por esta lei ficou a Câmara então governando em falta dos capitães, ou nomeando pessoa que governasse a colónia.
Em 1550 houve grande emigração dos habitantes da ilha para o Brasil e daí em diante aconteceu a progressiva decadência da terra. Diz-se que então naufragara nas costas do sul da ilha um navio que vinha de Angola carregado de escravos. Estes foram os ascendentes do povo a que hoje se dá o nome de angolares.
2.4.(1) – Cardeal D. Henrique – Regente 1557-1568
Em 1558 comprou El-Rei a donataria da ilha a Cristóvão de Melo.
Pelo alvará de 9 de Novembro de 1559 mandaram-se expulsar novamente as prostitutas da cidade de S. Tomé.
Em 1566 foi iniciada pelo Capitão ou Governador a construção da Fortaleza de S. Sebastião em S. Tomé, a qual veio a ser concluída por Diogo Salema e montou nela a primeira artilharia que o governo de Lisboa, lhe enviara no caravelão de aviso, depois da tomada da Madeira.
Fig. 15 – Fortaleza de S. Sebastião em S. Tomé
Corsários franceses atacaram e saquearam a cidade do Funchal na Ilha da Madeira, no dia 3 de Outubro do mencionado ano de 1566 e o Governo para pôr a coberto a ilha de S. Tomé expediu ao seu Capitão Francisco de Gouveia a carta régia de 29 do mesmo mês ordenando que levantassem uma trincheira no sítio denominado Espalmadouro, que alistasse e exercitasse no serviço das armas a todos os moradores.
Em 1567 corsários franceses atacaram S. Tomé destruindo engenhos e templos. Quando esses corsários franceses atacaram a ilha, os habitantes e as autoridades fizeram tréguas entre si e defenderam-se com bravura. Mas quis o azar da guerra que tal bravura não tivesse bastado para evitar o desembarque dos agressores que cometeram, como era próprio de corsários e da época, atrocidades de toda a ordem. Mas a gente de S. Tomé herdara o hábito de não se deixar convencer nem pela força. Envenenou as águas e o vinho de palma e deu assim cabo dos invasores, e os que não morreram logo foram sofrer para sempre cruéis enfermidades.
2.5 – D. Sebastião, o Desejado 1568-1578
No reinado de D. Sebastião, foram publicadas com data de 3 de Novembro de 1571, determinações sobre como haviam de ir armadas as naus e navios que “destes reinos navegassem”.
[“ E os navios que forem pêra as ilhas de Cabo Verde e Rios (de Guiné) irão em companhia de naus e navios que forem para Santomé (S. Tomé) ou Brasil, indo submetidos debaixo da bandeira do capitão mor da frota que for para cada uma destas partes em cuja companhia por necessariamente haverem de tomar a ilha de S. Tiago de Cabo Verde. As naus e navios que houverem de ir para Santomé poderão partir do primeiro dia de Agosto de cada ano até por todo o mês de Março do ano seguinte, que são oito meses e dentro deles poderão partir em qualquer mês que quiserem, tanto que houver quatro naus e dali para cima, para todos juntos fazerem a viagem e entre eles devem eleger um Capitão Mor entre os Mestre e Pilotos das naus, que estiverem para partir e se houver empate, a sorte dirá. As Naus devem ser providas e armadas conforme este regimento. As Naus e Navios que não levarem gente, artilharia, pólvora e armas que por este regimento mando que tragam, não receberá carga em lugar algum dos meus reinos.”]
Os amotinados na ilha continuaram uma ameaça permanente para os colonos.
Já em 1574 os Angolares auxiliados por escravos fugidos, se tinham revoltado e das suas casas das terras de Mécia Alves, invadiram as roças vizinhas, destruíram plantações, queimaram muitos engenhos de açúcar e foram atacar a cidade que pretendiam destruir. Mas como estavam armados só com flechas, facilmente foram dominados pela tropa regular que os obrigaram a fugir para as montanhas do interior.
Fig. 16 – A fortaleza de S. Sebastião, hoje adaptada a Museu Nacional de S. Tomé
Em 1575 terminou a construção da Fortaleza de S. Sebastião. Esta fortaleza em S. Tomé foi quase totalmente construída por escravos, e por serventes contratados para as roças que, quando se portavam mal, iam de castigo prestar serviços em trabalhos forçados, nas obras da mesma.
A construção da Fortaleza de S. Sebastião foi feita por subscrições de moradores e dinheiro das condenações da Alçada9
No ano de 1576 mandou El-Rei abrir alicerces da imensa Igreja Catedral de N. Senhora da Graça a muito pequena distância da que existia invocada N.Sª. da Avé Maria e S. Tomé.
Em 1578 desmembraram-se da Capitania de S. Tomé todas as terras que ficam a sul do cabo de Santa Catarina, para formarem o Governo de Angola até ao Cabo da Boa Esperança.
Outro alvará da mesma data (determinou) para “se não venderem as fazendas por divina, dentro de 4 anos” e ainda outro alvará para que “as pessoas de fora da ilha não fossem empregadas nos ofícios públicos enquanto houvessem naturais da terra, hábeis.”
2.6 – D. Henrique, o Casto 1578-1580
Nada constou do seu reinado sobre S. Tomé e Príncipe.
2.7 – D. Filipe I, o Prudente 1580-1598
Em 1584 desembarcou em S. Tomé o bispo D. Martinho de Ulhoa.
No ano de 1585 foi a cidade de S. Tomé reduzida a cinzas acidentalmente, com um grande incêndio e então consumiram-se os cartórios e arquivos da Capitania.
No ano de 1586 chegou à ilha Tomé Francisco de Figueiredo com o título de Capitão Governador; os seus antecessores tiveram o título de Capitães.
No ano de 1587 o Bispo D. Martinho de Ulhoa, celebrou Sínodo Diocesano e reformou os estatutos da Sé. Este Bispo que foi ao Congo duas vezes teve algumas desavenças com o Governador Miguel Teles de Moura.
De 1580 a 1590 instalou-se a crise do açúcar. Em 1593 foram ampliados os privilégios do primeiro foral permitindo aos habitantes “resgatar em toda a terra firme té o rio real e a ilha de Fernamdo Póo e em toda a costa do Manicongo, pimenta, escravos, etc”.
Por alvará de 20 de Março de 1593 foi confirmado o de 13 de Novembro de 1574 acerca do cumprimento dos Degredos, na Guerra do Mato, face à continuação dos estragos que faziam os angolares que matavam os homens, e levavam as mulheres para as suas aldeias.
Em 1595 os holandeses saquearam S. Tomé.
No dia 26 de Agosto de 1594 foi publicamente excomungado o Governador D. Fernando de Menezes pelo Bispo D. Fr. Francisco de Vila Nova, o que deu motivo a sublevação dos escravos no dia 9 de Julho de 1595. Estes factos que constituem um dos mais notáveis episódios da história da ilha, merecem ser publicados, por não existir obra alguma que deles faça menção circunstanciada. O único livro em que se achou este acontecimento, foi no Tomo 10º do Santuário Mariano, cujo autor não obstante haver as melhores informações dos religiosos da sua ordem que foram Bispos e tinham hospício na ilha na época em que ele escreveu, por motivos que se ignoram ocultou a verdade; e se assim não foi, estava ele e os seus irmãos, Eremitas de Santo Agostinho bem pouco conhecedores de um negócio que ainda hoje anda na boca de toda a gente preta de S. Tomé, posto que extremamente confuso e maçador.
Em 9 de Julho de 1595 reunido aos seus partidários levantou Amador o estandarte da revolta, proclamou-se rei da ilha e durante um ano, trouxe a vida da colónia em constantes sobressaltos. Alarmados com a extensão que o movimento tomava, os colonos e as autoridades organizaram a resistência e, ao cabo de grandes esforços, conseguiram prender o Amador em 1596, e depois de julgado foi executado. Mais adiante no Capítulo 6º, pormenoriza-se este incidente.
Os holandeses debaixo do Comando do Almirante Noort tomaram esta ilha donde foram expulsos somente em 16 de Dezembro de 1598 por Lopo de Sousa Coutinho, quando este, estando na cidade da Mina onde fora Capitão, se recolhia a Portugal. Os holandeses tinham quatro navios e na primeira tentativa que fizeram para desembarcar foram mortos Cornélio Noort, irmão do Almirante e mais 25 homens. Antes desta Invasão tinham os holandeses procurado assenhorear-se da ilha mas foram repelidos. [Vide a História Geral das Viagens, Tomo 10, página 337.]
Fig. 17 – Ataque Holandês a S. Jorge da Mina
Consta que nos séc.XVII e XVIII esta situação levou muitos dos grandes proprietários da ilha de S. Tomé a repensarem a sua vida e receando novas revoltas resolveram mudar-se para o Brasil, onde a vida decorria mais tranquila e a fortuna se fazia rapidamente. Assim abandonaram as ilhas mudando-se para a América do Sul, fazendo-se acompanhar de toda a sua fortuna, incluindo pertences das suas explorações agrícolas, caldeiras, alambiques e até telhas das suas casas e seus engenhos de açúcar.
No ano de 1597 dividiu-se o Bispado de S. Tomé para se criar o do Congo e Angola, e todo o Continente que decorre desde o Cabo de Santa Catarina até ao da Boa Esperança não obstante a Bula de separação tivesse sido datada de 13 de Junho de 1587,data em que era prelado de S. Tomé o Bispo D. Martinho de Ulhoa, o qual tendo ido duas vezes ao Congo, talvez conhecesse a necessidade dessa criação. Poderia também ter acontecido o contrário e ser a separação forçada, pois que o Bispo renunciou à Diocese antes do ano de 1590, ano em que foi eleito o citado D. Fr. Francisco de Vila Nova.
2.8 – D. Filipe II, o Pio 1598-1621
No reinado de D. Filipe II os holandeses tomaram todas as feitorias portuguesas no Congo francês, no cabo de Lopo Gonçalves, na ilha de Fernando Pó, no Rio de El-Rei, no Calabar, no Rio Real, etc. e finalmente na cidade de S. Jorge da Mina.
Em 1599 estava no contrato das ilhas, Cristóvão Paes que, em luta com os procuradores da Fazenda Real, perdeu engenhos e escravos que lhe foram apreendidos. Os abusos cometidos pelos habitantes de S. Tomé no tráfico de escravos, que eram resgatados fora das zonas demarcadas e o não pagamento do estatuído pela Coroa, levou a desentendimentos com as autoridades.
Há tradição de haverem alguns corsários holandeses comandados por Noort, tocado na Ilha de S. Tomé, quando da ilha de Príncipe, saíram para o Rio de Janeiro, em 16 de Dezembro de 1598; ignora-se o dia em que chegaram mas diz-se que incendiaram as casas e engenhos da Freguesia de N. Sª das Neves na costa noroeste da ilha. Em S. Tomé os holandeses ocuparam a ilha entre 18 e 20 de Outubro de 1599.
No dia 6 de Outubro de 1600 aportou a S. Tomé a esquadra holandesa comandada por Pedro Van der Does o qual desem- barcou sete peças com que bateu e tomou a Fortaleza de S. Sebastião. O Forte de S. Gerónimo foi abandonado e todo o povo fugiu para os matos. Os holandeses saquearam e queimaram e levaram 100 peças de artilharia, 1400 dentes de elefante e muitas arrobas de açúcar, muitas fazendas e dinheiro; os holandeses pelo uso desregrado dos cocos frescos e do vinho de palma foram atacados por disenteria, de maneira que em 14 dias morreram 1000 homens. Nestas circunstâncias a gente da terra em número de 7000 lançou-se sobre os holandeses e obrigou-os a uma fuga precipitada.
Os navios chegaram à Holanda tão empestados que foi necessário mandar queimar alguns deles, sofrendo a expedição a perda de 1800 homens. Dapper diz que esta invasão foi em 1610. O Almirante e seu sobrinho Jorge Van der Does foram vítimas da enfermidade.
No entanto a emigração para o Brasil continuava pelo que em 1606 foram prometidos novos privilégios.
Fig. 18 – Pontos de apoio dos holandeses em redor do Oceano Atlântico, todos antigas escalas portuguesas
No ano de 1609 chegou o Governador D. Fernando de Noronha que faleceu um mês depois da chegada, e também chegou o Governador Constantino Lobo Tavares vindo em sua companhia o Deão Barbosa o qual obteve novo acrescentamento das côngruas dos Capitulares.
No ano de 1611, foram particularmente graves os conflitos que provocou o governador interino Dr. Luís Dias Abreu, com a perseguição que começou a mover aos eclesiásticos. O deão Luís de Barros que governava o bispado, não era homem para se submeter e fulminou o governador com a excomunhão, obrigando o poder central a intervir, como fez, destituindo ambos.
Nesta época era normal na ilha uma viúva requerer ocupar o lugar exercido pelo marido, ou pedir a mercê de um cargo mantido na família do marido falecido. Assim em 1615, D. Margarida de Carvalho, viúva do escrivão da feitoria de S. Tomé, requereu para sua filha de 14 anos, como uma mercê dotal, o cargo do falecido.
Em 1615, Fernão Jorge, contratador em S. Tomé, habilitado a trazer da Índia quinhentos quintais de búzios, mercadoria de grande interesse na permuta do Rio Real.
Outras mercadorias tinham importância no resgate:
– pimenta de cauda (para a Europa);
– malagueta;
– gengibre;
– escravos.
2.9 – D. Filipe III, o Grande 1621-1640 (em Espanha consideram até 1680)
Por carta Régia de Agosto de 1623, de futuro os navios negreiros deveriam trazer a bordo alguns religiosos que ensinassem a doutrina e procedessem ao baptismo dos escravos.
Estes passaram a ser baptizados em S. Tomé, pelo que:
…resolvida a salvação das suas almas, o negócio continuou em bom ritmo, já que o”direito que lembrava a perdição das almas, ignorava as penas dos corpos”.
Em 1626 governava o Bispado o Deão Dr. Francisco Pinheiro, “homem muito instruído e virtuoso, que pretendeu pôr ordem nos negócios eclesiásticos, que os padres traziam em grande relaxamento e reprimir os abusos”. Tanto bastou para que o cabido, apoiado pelo governador, se amotinasse, pretendendo depor o Deão da sua jurisdição. Como o não conseguisse, mandou-o matar em sua própria casa atacado pelas forças do governador. O Governador publicou um bando impondo a pena de morte contra quem falasse nesse acontecimento.
Em 1636 foi para governador da ilha António de Sousa Carvalho, homem de instintos cruéis, cujo governo foi um período de terror para os habitantes. Aos mais distintos naturais (pardos) chegou a infligir castigos corporais e trabalhos forçados, tais como os de carregar pedras.
2.10 – D. João IV, o Restaurador 1640-1656
No princípio de Junho de 1641 chegou um navio inglês à ilha de S. Tomé e por ele constou ter sido aclamado El-Rei D. João IV. Miguel Pereira de Melo que governava interinamente, por haver falecido seu tio Manoel Quaresma Carneiro, dispunha-se a celebrar a festa da aclamação quando soube que havia dado fundo10 a Praia das Conchas, ao norte da ilha, um navio castelhano em que vinham governador e 200 soldados de Filipe IV (III de Portugal). A fortuna quis que as correntes de água ao norte impedissem a subida do navio para o porto da cidade e que o Governador espanhol se não resolvesse a desembarcar a tropa naquele lugar. Enquanto as águas corriam ao norte em desfavor dos castelhanos aconteceu dar fundo na Praia Fernão Dias, ao norte da ilha das Cabras, um navio de guerra francês. Apenas o espanhol o descobriu mandou recado a Miguel Pereira, participando-lhe a sua vinda e ordenando-lhe que tratasse como inimigo a embarcação francesa que acabava de fundear. O Capitão francês logo que conheceu ser espanhol o navio que estava na Praia das Conchas, levantou ancora, atacou-o, rendeu-o e pôs os 200 espanhóis em terra. Entre estes vinha um piloto português o qual dando notícia a Miguel Pereira não só da restauração de Portugal, como de pretender o Governador castelhano tomar a Fortaleza, mandou cercar a tropa desembarcada e convidando o Governador a uma conferência, atormentou-o aliás sem proveito algum, porque o espanhol negou sempre pretender tomar a Fortaleza de S. Sebastião. Miguel Pereira deliberou então a festejar os acontecimentos de Portugal e quando tudo se achava para isso preparado, em consequência das comunicações do Governo de Lisboa, chegadas no 13 de Setembro por um navio inglês, nada foi feito por causa das noticias que sobrevieram e que a seguir são referidas.
No dia 1º de Outubro chegou à cidade de S. Tomé uma embarcação de Angola, dando notícia da entrada dos holandeses na capital daquele Reino; e logo no dia 4 deram fundo em frente à Fortaleza de S. Sebastião a principal da ilha de S. Tomé, 13 navios dos Estados Gerais das Províncias Unidas (Holanda), comandadas pelo célebre Almirante Cornélio Jol que muito se havia distinguido nas costas do Brasil, e era conhecido pelo nome de “Pé de Pau”. Antes que a esquadra tomasse esta posição haviam desembarcado 14 companhias de infantaria debaixo das ordens dos Coronéis Hinderson, Valet e Triest, na Praia do Almoxarife, um pouco ao norte da enseada em que se achava a Igreja Paroquial de Santa Ana e o ilhéu do mesmo nome e ao sul da grande ponta de areia chamada Praião. O Governador Miguel Pereira de Melo e Albuquerque meteu-se na Fortaleza de S. Sebastião com 200 soldados da ilha e dos que tinham chegado da Cidade de S. Jorge da Mina, que pouco antes tinha sido conquistada pelos holandeses. Os moradores da Cidade de S. Tomé recolheram-se para os matos levando as suas preciosidades; e o Capitão João de Sousa e Távora filho do ex-Governador Lourenço Pires de Távora, marchou com as ordenanças a obstar a passagem do inimigo para a cidade; sendo batido, tomou posição na Ribeira denominada Água Grande na Praia Melão, posto mui interessante para cobrir a cidade e foi reforçado por três companhias de ordenanças (única força militar existente fora da Fortaleza), as quais por medo ou por falta de disciplina o abandonaram. Vencido este passo foram os holandeses atacar o Forte de S. Jerónimo e de que era Capitão Francisco Ximenes o qual sem resistir entregou o mesmo forte aos holandeses e proporcionou os meios de se atacar a Fortaleza de S. Sebastião que fica a menos de um quarto de légua ao norte daquela obra. Na fortaleza existiam 36 peças de artilharia de bronze e empilhadas nos baluartes, cortinas e casamatas.
Os holandeses quiseram tomar a fortaleza por escalada ao mesmo tempo que a batiam do mar; mas foram infelizes por perderem muitos soldados e por ter ido a pique o Navio Almirante invocado11 Enkluyre, por um bom tiro feito pelo condestável da Fortaleza, e tal ter produzido uma grande conflagração. Pensa-se que este navio era mui pequeno porque se achava fundeado dentro do porto em frente da pequena praia da Fortaleza e também que a sua artilharia era de pequeno calibre; talvez o navio não tivesse 150 toneladas. O Almirante fez desembarcar todas as suas forças disponíveis, atacou e entrou na cidade pelo caminho do Juncal ou da Capela de S. Miguel, conduzido por um preto e fazendo uso das peças do Forte de S. Gerónimo, levantaram uma bateria no Espalmadouro donde bateram a Fortaleza tendo morrido 3 soldados. Miguel Pereira intimidado, não tendo esperança de socorros; lembrado da inútil resistência do ano de 1600; desejando salvar as suas riquezas e conhecendo que a ilha de S.Tomé defende-se nos matos e não na Fortaleza de S. Sebastião e que de mais a mais o clima é a maior e mais activa tropa contra os invasores europeus, resolveu-se a capitular no fim de 14 dias de sítio, evacuar a Fortaleza com as honras da Guerra, recolher-se a Portugal em um navio inglês e quando chegou a Lisboa foi preso no castelo de S. Jorge onde acabou a vida.
Logo que os holandeses se fizeram senhores da cidade, que foi por eles saqueada do pouco que não se tinha conduzido para os matos, foi João de Sousa levantar um entrincheiramento no monte que fica na parte posterior da Igreja de N.Sª. da Conceição a que naquele tampo chamavam Picão de João Soares e agora ficou-se denominando – Arraial – por se haver ali postado o dito João de Sousa com a gente que podia entrar em combate. Os holandeses depressa os obrigaram a largar este posto mas não se atreveram a pisar fora da cidade sem irem em número respeitável.
Os moradores principais vendo as disposições dos holandeses, conheceram que eles pretendiam conservar o domínio da colónia e por isso deliberaram fazer-lhes guerra sistemática até os obrigar a evacuarem; Para este fim reuniram-se na Igreja da Santíssima Trindade, Paroquial distante mais de uma légua ao rumo és-sudoeste da cidade, estabeleceram aí a Sé Catedral e o Senado da Câmara e formando-se um partido, foi eleito em 12 de Dezembro para o emprego de Governador um Paulo da Ponte, homem poderoso na ilha e natural de S. Miguel. Paulo da Ponte foi logo ocupar o Sítio do Picão ou Arraial de que João de Sousa tinha sido desalojado e daí incomodava fortemente os inimigos que já começavam a sofrer os efeitos do clima da terra.
Paulo da Ponte estava no Arraial de S. Sebastião no dia 16 do sobredito mês de Novembro de 1641,
O General Holandês determinou ao Coronel Valentim Triest que, reunindo as tropas que se achavam capazes de pegar em armas atacasse os entrincheiramentos de Paulo da Ponte, os quais foram tomados. Os portugueses postos em derrota fugiram pela terra dentro abandonando aos holandeses mil arrobas de açúcar pertencentes à Fazenda Real e o Cofre de Rendas Públicas que estava escondido na Quinta de Francisco d’ Almeida, perto da capela de N. Sª. Madre de Deus, o qual fora denunciado por um escravo do almoxarife Manoel Lopes da Silveira. O cofre tinha apenas 630$000 réis. Os holandeses incendiaram as casas e engenhos por onde passaram.
Convencidos os moradores das suas faltas de força para desalojarem os holandeses e vendo a grande diferença que existe entre os bons desejos e a execução deles, entraram em ajuste com os invasores para viverem em estado de tréguas até chegarem decisões da Europa acerca da inteligência e execução das que o governo de Portugal havia concluído com os Estados Gerais no dia 22 de Junho do mesmo ano.
O Almirante Jol anuiu à proposta e Paulo da Ponte em nome dos moradores prometeu que se pagariam aos holandeses os mesmos dízimos e direitos que se pagava à Coroa de Portugal e além disto a quantia de 2200$000 réis por uma só vez.
Esta capitulação foi fielmente observada durante a vida do Almirante Jol, mas apenas este faleceu, começaram os holandeses a praticar toda a sorte de crueldades contra os habitantes que eram mais patrióticos e lamentavam o cativeiro da colónia. Por morte do Almirante Jol sucedeu no comando o Vice-Almirante Johannes ou Jonsen, Comandante do navio Leanna. O Almirante Jol, o Coronel Valet e os Majores e Capitães Dammert, Dasmaker, Claud, Tack, Teer e Jol e muitos marinheiros e soldados foram sepultados na Igreja catedral, de que fizeram casa de extintos, a Igreja de N. Sª. da Conceição ficou servindo de armazém de mantimentos e a do Rosário, de curral de gado. A imagem do Apóstolo S. Tomé de estatura de um homem, sólida e mui antiga tinha sido conduzida para fora da cidade por diligência do cabido; não se puderam salvar os cartórios.
Os holandeses estiveram na ilha de S. Tomé entre 3 de Outubro de 1641 e 15 de Dezembro de 1644 e depois até 9 de Janeiro de 1649 onde mantiveram uma feitoria.12
Em 1642 o Reino enviou reforços e novo governador, Lourenço Pires de Távora, que chegado à ilha obrigou os holandeses a recolherem-se na fortaleza, os quais só em Janeiro de 1644, capitularam.
Em meados do séc. XVII (1650) já sem vestígios da antiga prosperidade, S. Tomé passou a simples porto de escala e entreposto do comércio de escravos com o Brasil.
Com prósperas e adversas fortunas viveram os portugueses com os holandeses até ao dia 8 de Novembro de 1642 em que chegou à ponta do sul da ilha o Governador e Capitão Mor Lourenço Pires de Távora, o qual havia tocado na Ilha de Ano Bom e vinha numa fragata que comboiava uma caravela com munições e 40 soldados.
Lourenço Pires de Távora escreveu o seguinte, continuado com notícias encontradas no Cartório da Fazenda Real, por Cunha Mattos.
A Relação do Távora diz assim:
[Portei à ilha de S. Tomé por barlavento dela em 8 de Novembro de 1642 no Ilhéu das Rolas à meia noite em ponto, onde mandei seguir a caravela, e fragata e no próprio instante fiz lançar o batel ao mar e nele mandei que se embarcasse o Capitão Manoel Rodrigues de Leão, 6 soldados e 4 marinheiros com ordem que fossem ao ilhéu e saltassem em terra, que em todo o caso me trouxessem alguns negros pescadores, que nunca costumam faltar ao dito ilhéu; foram sem nenhuma detenção e tornou a voltar o batel com um negro e uma negra mui boçais, que apenas lhe puderam entender bem a língua; contudo alcancei deles que ainda os holandeses estavam na ilha e que possuíam a fortaleza e que os moradores estavam pelos matos cada um espalhado por suas fazendas.
Tanto que amanheceu fiz dar à vila e fui surgir na Enseada da Angra das Negras três léguas ao sotavento do Ilhéu das Rolas onde estive surto todo o dia que foi de 9 de Novembro. Nesta paragem chegaram às embarcações algumas almadias (canoas) de negros pescadores que me deram por nova em como os holandeses conservam a cidade e a Fortaleza de S. Sebastião e que no porto estava uma nau grande de 22 peças de artilharia carregada de escravaria para Pernambuco; que havia dois dias tinha chegado um pinque (?), que se dizia vinha de Pernambuco com aviso; e mais me deram por nova que havia quatro dias que era partida uma nau carregada de açúcar e que levava o general velho, porquanto era vindo no pinque outro novo general.
Com estas novas mandei levar âncora antes de amanhecer e fui-me chegando para o Porto de Santa Ana surgir com as embarcações na enseada achando fundo bastante e tanto que nos pusemos entre o ilhéu e a terra, vimos vir para nós uma canoa equipada e nela um clérigo e um leigo pardo filho da terra e chegando a bordo achamos ser o Cónego Pedro de Matos e o outro pardo Pascoal Dias de Pina. Perguntei-lhes depois de ter entrado, por novas, e disseram-me o que tinham dito os pescadores; contando-me mais as muitas misérias que na ilha passavam e que cada um dos moradores estava posto no mato e quem padecia mais eram os pobres, que os ricos passavam bem por terem os açúcares que eram o que os holandeses buscavam e que comiam e bebiam com eles e os levavam para as suas fazendas que eu iria para a terra e saberia os moradores que isto faziam e outra particularidade mais. Perguntei-lhes que presídios tinham os holandeses na cidade e na fortaleza; não souberam dizer coisa certa; somente me disseram que no pinque lhes vieram alguns soldados com o novo general. Perguntei-lhes quanto tempo haveria que se tinham publicado as pazes entre El-Rei Nosso Senhor e os Estados da Holanda, me responderam que tais pazes se não tinham publicado, nem delas tinham ouvido nunca falar senão agora e que ainda as capitulações que com o General Pé de Pau (o Almirante Jol) tinham feito e assentado, lhes não guardavam; os soldados lhes faziam por fora mil consultas à gente pobre. Considerando eu que havia já três dias que estava sobre a ilha correndo as enseadas dela e que tinham vindo a bordo bastantes almadias para se haver de espalhar novas da minha chegada e que até àquela hora não tinham visto nenhum morador nem menos viu o modo de que elas viessem e se ajuntassem naquela paragem de Santa Ana levado desta desconfiança mandei marear à popa e que fossemos caminho do porto fiado nas pazes gerais que trazia e mais na ligeireza das minhas embarcações mareadas à popa com vento sul. Incontinente se armou uma trovoada da banda do norte que desfechando com tanta força nos foi forçado marearmos à popa. Com o traquete fomos correndo com ela e indo mareados disse o dito Cónego Pedro de Matos – Senhor Governador não porfie contra a vontade de Deus, que ele é servido que vossa senhoria não vá para o porto para que é cansar-se, que em este ano não temos ainda trovoada nenhuma e agora que se deliberou a querer ir para o porto, logo lhe mandou impedir o caminho com esta trovoada. Lancei mão do padre e mandei o piloto que mandasse largar todo o pano para nos aproveitarmos do vento e podermos tomara Angra de S. João que tem um seguro porto e bem fechado para se poder defender em qualquer ocasião que os holandeses quisessem intentar alguma coisa e que nela descarregaríamos as munições de Sua Majestade que me parece estariam seguras e que desde esta paragem os podia levar em batéis para onde nos fossem necessárias;
A todos pareceu muito bem e com estas resoluções fomos navegando até prima noite. Nesta própria hora nos amainou o vento da trovoada e nos veio calando o sul arrazoadamente fresco e com ele umas correntezas de águas para o nordeste, que indo pela ponta da bolina na volta da terra para ferrarmos a Enseada da Angra, em um abrir e fechar dos olhos nos achamos a sotavento de Santa Ana, rolando as embarcações como pedaço de pau que leva e traz a maré do Rio de Lisboa. Quando aquilo passou, mandei dar fundo, por não irmos dar sobre a fortaleza dos holandeses, que me descobrissem as embarcações e porque estávamos muito longe da terra surtos, andamos toda aquela noite dançando espia para nos pormos debaixo dela.
Acabado o quarto da prima, vimos vir um batel para as embarcações mui equipado. Perguntou ao vigia, que batel era respondem que era de paz e que nele vinha João Carvalho Falcão. Mandei que chegasse a bordo, entrou dentro, perguntei-lhe a causa que havia para que até ao presente não tinha visto nenhum morador, pois havia tês ou quatro dias que aquelas embarcações andavam sobre a ilha e que me avisasse em que forma estavam os moradores com os holandeses e como viviam com eles. Respondeu-me que todos os moradores estavam pelos matos cada um em suas choupanas e que todos estavam divididos e que tinham feito governador a Paulo da Ponte mas a maior parte dos moradores se não haviam estado à sua eleição, bastava achar-se presente Diogo Delgado e Manoel Tojo para se fazer Governador e o dito Paulo da Ponte, tanto caso faziam dele como de um pau e que de presente estava escondido por que tivera aviso de Manoel Lopes da Silveira, que reside na cidade com os holandeses que o queriam ir os holandeses a prendê-lo, que era impossível terem os moradores notícias destas embarcações por causa de estarem mui divididos e muito pela terra dentro. Perguntei-lhe se haviam publicado as pazes gerais, respondeu-me que não havia mais com os holandeses que debaixo de umas capitulações que os moradores (moradores chamam-se em S. Tomé os homens que podem ocupar empregos na Câmara) da ilha tinham feito com o General Pé de Pau, as quais depois da sua morte tinham quebrado mil vezes os que lhe sucederam e que lhes faziam cada dia mil acintes e vexações; mas agora que tinham recado de Portugal e ordem de sua Majestade, já não haviam de sofrer e assim o dizia um Capítulo dos Concertos que os guardariam até nova ordem de El-Rei. Perguntei-lhe que presídio tinham os holandeses na cidade, respondeu que teriam 60 a 70 soldados e na Fortaleza teriam uns 100 soldados e que o seu General residia na cidade… (falta uma palavra no manuscrito) e tinham feito uma trincheira e nela duas peças de artilharia que varriam toda a Rua Grande; que na casa de Mateus de Alva Brandão em que assistia o seu comissário também outras duas peças de artilharia que lavavam toda a Rua do Soares. Perguntei-lhe que moradores eram os que passavam com eles familiarmente, respondeu-me que não sabia nem um, porque todos faziam o que podiam. Perguntei-lhe se os holandeses sabiam da minha chagada respondeu-me que não porque ele falava cada dia com um alferes irlandês católico por nome Jorge que lhe descobria tudo quanto passava com os holandeses e que se ele houvesse ouvido falar na minha chegada que lho tivera descoberto ainda hoje por haver falado com ele e como ao dito alferes lhe chegasse a tal nova logo se havia de passar com alguns soldados para os portugueses e que se lhe dava eu licença, logo avisaria e que veria não logo o efeito do que nem tinha dito. Respondi-lhe que não fizesse tal até eu dar o ponto porque queria primeiro deitar em terra todas as munições de El-Rei e perguntei-lhe que embarcações haviam no porto; disse-me o próprio que me tinha dito o Cónego Matos. Despediu-se de mim seria o quarto da modorra rendida; dei-lhe por ordem que com todo o segredo avisasse os moradores da minha vinda e que me viessem todos ajuntar em Santa Ana e lhe perguntei quem era o Sargento Mor dos portugueses e disse-me que no tempo de paz fora Francisco de Alva Brandão e que agora era Filipe Marques. Dito isto dei-lhe por ordem que o chamasse logo para que viesse falar comigo o que importava.
O dia seguinte que amanheceu 11 de Novembro, fiz chegar ao reboque as embarcações quanto foi possível para terra; neste comenos nos veio o Sargento Mor Filipe Marques e depois de me dar as boas vindas me disse estas formais palavras – Senhor Governador, trate de botar logo em terra o que trazem as embarcações e segurem as munições de El-Rei, que os holandeses logo hão-de ter aviso da chegada de V.Sª porque temos muitos traidores na terra que comem e bebem com eles e os levam às suas roças, até às salhadas (em S. Tomé chama-se salar, o puxar à mão uma canoa quando a fazem no mato, ou um grosso pau para qualquer obra) que fazem os levam. Respondi-lhe que me pesa mesmo ouvir tais novas e que estava perplexo com elas; e de tal modo me parecia mais serviço de Deus e de Sua Majestade voltar-me com as embarcações para o Reino que vir lidar e governar tal gente, pois se ela estava compradada com os holandeses, de que facto era na terra Governador. A isto disse-me “Saiba V.Sª. que tanto estão, que não usamos falar palavra pelos matos, que ponto é largá-la pela boca, que no próprio instante o sabem os holandeses.” Fui-ma apartando um pouco com ele e o levei para a mesa onde lhe perguntei mui encarecidamente e lhe mandei da parte de Sua Majestade me descobrisse quais eram as pessoas ou moradores que algum trato tinham com os holandeses a uma para me saber guardar e à outra para também saber quem havia de ocupar nas ocasiões que se oferecer ao serviço de El-Rei, foi-me declarando as pessoas seguintes:
– Francisco d’ Almeida da Quinta está feito Mestre-sala na Torre (Palácio do Governador na Cidade e chamam-lhe Casa da Torre da Homenagem) servindo ao general que se foi e ao outro que morreu, dando mais alguns contra os pobres que não correm com os holandeses; e descobrindo-lhes tudo quanto V.Sª. tem sucedido na ilha; as naus que V.Sª tem tomado; e quantos flamengos mandou matar (é provável que estas tomadias e mortes fossem no tempo em que este Governador Lourenço Pires de Távora que governara em S. Tomé). E outras muitas velhacarias que V.Sª pelo tempo adiante vai ouvindo e descobrindo.
– A segunda pessoa é o Reverendo Mestre-escola António Tavares que de dia e de noite está na Torre feito enfermeiro do General e de sua mulher.
– A terceira pessoa é Francisco do Vale Pereira que os leva para a sua roça e os banqueteia com grande aparato.
– A quarta pessoa é João Carvalho Falcão que não há dia que não vá com eles.
Em sua companhia leva Francisco Borges seu primo a quem já os flamengos deram muitas pancadas e nem por isso se quer despegar deles.
O padre Rodrigo Lopes não há dia que lá não vá a jogar com os flamengos.
O Reverendo Chantre Tomé Rodrigues que trata com eles como se fossem portugueses e lhe vende quanta farinha faz na sua roça.
O Reverendo……………]
Até aqui o manuscrito tem em falta algumas folhas.
Não podendo continuar a história da Restauração da Ilha pelo que deixou escrito o Governador Távora, seguiremos outras memórias e os Registos de vários livros da Provedoria da Fazenda Real que se acham também mutilados ou devorados pela traça.
Esta consulta foi mais uma vez executada por Cunha Mattos.
O General holandês Triest recebeu notícia da existência dos dois navios na Enseada de Santa Ana e querendo saber a quem pertenciam, mandou reconhecê-los pelo penque armado da artilharia e 22 soldados mas teve a incompreensível lembrança de escolher para prático da embarcação Manoel Lopes da Silveira que fora Almoxarife, e cujo cofre os holandeses tinham roubado. Este homem industrioso havia–se fingido amigo dos inimigos para os enganar quando achasse oportunidade e oferecendo-se agora a ocasião, tais manobras fez com o penque que o meteu nas mãos de Lourenço Pires. (Este acontecimento está registado no Livro 6º da Provedoria da Fazenda Real.) O resultado foi ser incendiada a casa que o almoxarife tinha na cidade e retirar-se o citado general com toda a sua tropa para a Fortaleza de S. Sebastião, que veio a ficar com 200 soldados inclusos os que desembarcaram de um navio armado.
Logo que o Governador Lourenço Pires teve notícia do abandono da cidade fez desembarcar as munições e a tropa na Enseada de Santa Ana junto à Igreja Paroquial e reunindo todos os moradores que haviam acudido àquele sítio, marchou em boa ordem para a cidade e então o Cabido da Catedral, o Governador interino Paulo da Ponte e o Senado da Câmara reconheceram como Governador e capitão Mor a Lourenço Pires de Távora. O Governador quis logo purificar os templos que foram violados pelos hereges e deu ordem a desenterrarem-se da Igreja Catedral os cadáveres do Almirante Cornélio Jol, Coronel Valet e outros cabos que se achavam ali sepultados. O Cabido opôs-se a isto alegando não haver a certeza de bom êxito da entrada do Governador, e este consentiu que os ofícios divinos se celebrassem na Igreja da Misericórdia até á celebração das tréguas, não obstante o chuveiro de balas que da fortaleza se jogavam para a cidade.
O Governador Távora que levava ordens de El-Rei para viver em tréguas com os holandeses e outras instruções particulares, enviou um parlamentário à fortaleza com a cópia do tratado feito entre D. João IV e os Estados Gerais; o General holandês que tinha ordens em sentido contrário deu respostas evasivas e então Lourenço Pires cuidou em sitiar a fortaleza ou pelo menos impedir que os holandeses não cometessem hostilidades fora do alcance da artilharia dela. Esta ocupação da cidade pelos portugueses serviu de pretexto para o General Holandês que dominava a cidade de Luanda, capital do reino de Angola, fazer a surpresa do Bengo no dia 17 de Maio de 1643. Lourenço Pires levantou várias trincheiras à roda da Fortaleza e estabeleceu uma boa obra no Picão de João Pereira, agora chamado Arraial, e que já tinha servido de alojamento das tropas de Paulo da Ponte quando os holandeses entraram na cidade.
Tal era o estado das coisas da ilha de S. Tomé quando inesperadamente se recebeu um reforço de gente, armas e munições que o Governador do Brasil António Teles da Silva remetia ao Governador de Angola Pedro César de Menezes, comandado pelo Sargento Mor João de Araújo e Azevedo.
O Vice-Rei António Teles deu instruções ao referido Araújo no dia 20 de Maio de 1643 para seguir da Bahia em direitura a Ponta da Palmeirinha no Reino de Angola cujos Sobas auxiliados pelos holandeses apertavam as forças portuguesas. Estas forças tiveram juntamente com o seu General, a desgraçada sorte nas margens do Bengo, onde foram completamente destroçados. O navio pela força das correntes de água não pôde tomar a Ponta que lhe fora indicada e arribou à ilha de S. Tomé. Lourenço Pires fez incorporar os 50 soldados de João de Araújo, aos outros que tinha na ilha e de todos formou 4 companhias de portugueses e 1 de estrangeiros comandados pelo Alferes irlandês Jorge Fagan, que com esta gente desertara da Fortaleza de S. Sebastião. O Alferes recebeu a patente de Capitão e prestou bons serviços a Portugal, e João de Araújo e Azevedo foi nomeado comandante destas tropas. Lourenço Pires continuou a bloquear a Fortaleza por algum tempo e por fim ajustou tréguas com o General inimigo até que das Cortes respectivas chegassem novas ordens.
Não se passaram muitos meses até que as (ordens) de Governo de Portugal fossem para S. Tomé. No dia 4 de Novembro do mesmo ano de 1643 aportaram à ilha dois navios e um patacho, armados em guerra e a seu bordo o Mestre de Campo D. Filipe de Moura, irmão de Lourenço Pires, com tropas de artilharia e munições para obrigarem os holandeses a evacuação da ilha, que fora firmada depois de feito o tratado de tréguas. Os Holandeses vendo-se assim apertados, cederam a fortaleza mediante certos pagamentos que se lhe fizeram e recolheram-se a Pernambuco. D. Filipe de Moura tinha saído de Lisboa no princípio de Março de 1643 e passou pelo Brasil em que também ardia a guerra com os holandeses.
Não consta positivamente o dia em que os holandeses evacuaram a Fortaleza, mas parece que foi em Dezembro desse ano, pois que no mês de Fevereiro de 1644 recolheu-se a Lisboa D. Filipe de Moura levando consigo oficiais e soldados que se achavam em S. Tomé. Lourenço Pires continuou a governar pacificamente por muitos meses ou talvez anos, o que se ignora ao certo por não existirem registos do seu tempo, posteriores a vinte de Agosto de 1645. Parece que então governando ele mesmo tornaram os holandeses a invadir a ilha debaixo das ordens de Adão Tasmar e a conservaram até ao ano de 1648 em que aportando um navio de Angola com a notícia da conquista deste reino pelas forças do General Salvador Correia de Sá e Benevides os holandeses temendo serem atacados, abandonaram a Fortaleza com toda a artilharia e munições que nela se achavam.
Na História das Províncias Unidas (Holanda) por Mr. Leclerc acham-se várias notícias acerca da ocupação da ilha pelos holandeses que nada têm de verdadeiras. Diz o autor que um Cristóvão Sanches informara em Pernambuco ter Lourenço Pires de Távora partido de Lisboa em Julho e que logo que chegara à ilha se entrincheirara e que tinha matado 24 holandeses por engano. (São os que foram no penque13 reconhecer os navios). Disse mais que havia recusado os direitos ordinários, que se fizera senhor da cidade e construíra nova fortaleza, (foi o reduto ou Bateria do Picão do João Pereira a que se deu o nome de Arraial de S. Sebastião, e ainda em 1813 existia apesar das injurias do tempo) e que isto acontecera 15 dias depois de se terem publicado as tréguas. (Os holandeses não fizeram publicar as tréguas de 22 de Junho de 1641 e pelos papéis de Lourenço Pires negam-se tais factos. Os moradores viviam em tréguas com os holandeses da ilha, mas era em consequência dos ajustes feitos com o Almirante Jol ou Pé de Pau, e o Governador Paulo da Ponte) Disse finalmente o referido Cristóvão Sanches que fingindo os holandeses quererem atacar os moradores, estes envenenaram as águas para matarem os inimigos que ainda existiam na colónia.
Quando Lourenço Pires de Távora chegou a S. Tomé fez registar o alvará de 10 de Julho de 1641 permitindo aos moradores a navegação e comércio em toda a Costa da Mina, isto é, incorporou ao Governo de S. Tomé todo o território da Capitania de S. Jorge da Mina, cujas praças haviam sido tomadas pelos holandeses. Igualmente fez registar o alvará de 15 de Dezembro do mesmo ano que lhes permitiu a cultura do gengibre que tinha ficado proibida pelo alvará de 15 de Dezembro de 1578. Também se publicou a ordem de 20 de Fevereiro de 1642 proibindo a existência de religiosos estrangeiros na colónia.
2.11 – D. Afonso VI, o Vitorioso 1656-1667
Em 1657 teve lugar um ataque holandês a Lisboa, cidade que ficou bloqueada por 3 meses.
Ignoram-se os acontecimentos da ilha até ao ano de 1657 por haverem ardido os cartórios.
2.12 – D. Pedro II, o Pacífico 1667-1706
No começo do reinado de D. Pedro II a ilha de Príncipe foi escolhida para depósito naval e comercial da Companhia do Cacheu e Cabo Verde.
Durante mais de um século os Angolares continuaram as suas façanhas de devastação nas Roças, as quais só vieram a terminar em 1693 quando o Capitão dos Matos, Mateus Pires lhes foi dar combate nos seus próprios esconderijos.
Fig.19 – Canhão de 1700 enviado por D. Pedro II para a ilha de Príncipe. Ainda hoje lá se encontra
Em 1673 o Cabido excomungou o Provedor da Fazenda Real, por não lhe pagar prontamente a sua côngrua. O Governador Julião de Campos Barreto começou a exercitar o emprego de Provedor e foi também publicamente excomungado, não como Governador mas como Provedor o que vinha a ser o mesmo que reconhecer o Cabido no corpo do Governador uma alma governadora e outra provedora.
No dia 18 de Março de 1680 saíram de S. Tomé o Governador em exercício Bernardim Freire de Andrade e seu sucessor Jacinto de Figueiredo de Abreu, para a Costa da Mina embarcados na Nau Madre de Deus e Fragata Santa Cruz para fundarem no Reino de Ajudá ou Uydá, uma fortaleza que com efeito ficou estabelecida por consentimento do Rei de Ajudá. Os Governadores regressaram a S. Tomé no dia 2 de Setembro e os navios largaram para Lisboa nos dias 14 de Outubro a nau e, em 6 de Novembro a fragata.
Durante o Governo de Bernardim Freire foram a S. Tomé dois navios espanhóis com grandes somas de dinheiro a comprar escravos para a América.
Em 13 de Janeiro de 1683 morre o governador Jacinto Figueiredo de Abreu e a ilha ficou quase em completa anarquia até 1693 ano em que o novo governador Ambrósio Pereira de Barredo e Castro lhe pôs termo, mas após um ano de governo também faleceu na ilha.
Ainda em 1683 houve grandes tumultos na cidade. Os partidaristas de João Álvares da Cunha elegeram-no Governador, o que deu motivo a profanar-se a Igreja catedral, a haver um tumulto na ilha, e a estabelecerem alguns cónegos na Catedral, na Igreja da Madre de Deus e outros na Capela de N. Sª. da Glória e S. João Batista, da Fazenda da Praia Melão, pertencente ao Governador João Álvares o qual praticou os maiores desatinos, matando, ferindo e roubando os seus adversários. Este homem insolente ordenou que um morador branco dos principais da terra e europeu de nascimento corresse as ruas da cidade com um porco pendurado ao pescoço, mandou açoitar outros e conduzir a cabeça de um preto pelas ruas espetada numa lança. Pela chegada do Bispo D. Bernardo Zuzarte de Andrade sossegaram estes males mas apareceram outros, de novo todos motivados pelos eclesiásticos.
Nesse mesmo ano houve grandes desordens entre o Governador Paulo Freire de Noronha que se estabelecera na ilha e o mencionado João Álvares da Cunha. Paulo Freire foi a Lisboa queixar-se da insolência de João Álvares o qual veio a sofrer da sua iniquidade.
No ano de 1689 apareceram novas desordens em S. Tomé entre o Governador António Pereira de Lacerda irmão do Cardeal Pereira, Fernão Soares de Noronha e o Desembargador Manoel Dias Raposo e seu filho Bernardo Dias, em que também envolveram o Ouvidor Bento de Sousa Lima; fizeram-se toda a sorte de disparates que concorreram para mais breve destruição da ilha.
Quando na falta de nomeação para governador a Câmara de S. Tomé tomava as rédeas do governo até novo governador ser nomeado. Assim a Câmara escolheu para encarregado do governo, João Álvares da Cunha, um dos mais ricos proprietários da ilha. Foi mais um período de perturbações pois todos os que eram contrários ao encarregado do governo e não concordavam com os seus destinos, eram perseguidos e presos, como sucedeu a Manuel Rodrigues Veloso, que sofreu açoites públicos pelas ruas da cidade e a Félix de Castro que conseguiu fugir e refugiar-se na Sé, dentro da qual houve desordens porque as forças do governador queriam à viva força, capturar o fugitivo.
Os cónegos, servindo-se deste pretexto levaram o Santíssimo para a igreja da Madre de Deus, fora da cidade o que os pôs em grande incompatibilidade com o bispo D. Bernardo Zuzarte, cujos actos eram contrariados pelos padres da sua diocese. O governo de Álvares de Castro continuou a caracterizar-se pelas maiores tropelias e violências, até que foi preso e remetido para Lisboa pelo governador enviado de Portugal, António Pereira de Brito Lemos em 1687.
Fica-se assim com a ideia de que no séc. XVII (1600/1700) havia na ilha de S. Tomé desassossego permanente, desordens do clero turbulento e indisciplinado, rixas e parcialidades dos proprietários muito poderosos, abusos e prepotências e por vezes falta de energia e capacidade dos governadores.
Por morte do governador Vicente Diniz Pinheiro tiveram lugar novos distúrbios. Tanto a Câmara como o desembargador Dionísio de Azevedo e Alvelos, queriam suceder na governação da ilha, pelo que começou entre eles uma luta feroz que só veio a terminar com a chegada em Dezembro de 1709, do bispo D. Frei João de Sahagum, que conseguiu restaurar a tranquilidade pública. O próprio clero andava em guerra aberta entre si, os capuchinhos de um lado, chefiados por Frei Cipriano de Nápoles e o cabido do outro.
Quando o Bispo Frei João adoeceu, a Câmara voltou a romper hostilidades e mandou prender na fortaleza uns cónegos obrigando outros a fugir e deixando o bispo sem cabido. Quando Frei João melhorou pretendeu reprimir os abusos cometidos durante a sua doença, excomungou quatro membros da Câmara, desencadeando-se novas convulsões na ilha. A Câmara não acatou a excomunhão e mandou publicar, por bando, que ninguém se tivesse por excomungado, sob pena de degredo. O bispo para evitar mais desacatos retirou-se para fora da cidade, mas a Câmara declarou que a Sé estava vaga.
Em 1693 os angolares atacaram muitas fazendas, destruíram-nas, levaram muita gente prisioneira, mas sendo perseguidos por Mateus Pires, Capitão-mor do Mato foram destroçados.
Por carta régia de 7 de Dezembro de 1694 mandou El-Rei criar alfândega nesta ilha, cujos oficiais em observância de outra carta régia de 3 de Fevereiro de 1695 eram subordinados ao Provedor da Fazenda de S. Tomé.
Nessa mesma ocasião (1695) foi para a Ilha uma companhia de Infantaria para guardar a Fortaleza da Ponta da Mina, a qual sendo mui antiga, por como diz Labat existir antes de 1626, foi então melhorada.
Por carta régia de 7 de Janeiro de 1697 ordenou El-Rei que João da Costa Matos governasse interinamente a ilha em virtude do testamento do Governador e Capitão General José Pereira Sodré, Senhor de Águas Belas.
2.13 – D. João V, o Magnânimo 1706-1750
Em 1706 os franceses em quatro navios comandados por Mr .de Auger, invadiram a Ilha de Príncipe tomaram e arrasaram a fortaleza; fizeram-se senhores da alguns navios que ali se achavam pertencente à Companhia de Cacheu e Cabo Verde, mas o Capitão Mor Manoel de Sousa da Costa teve a astúcia de atrair um grande número de oficiais e soldados à casa da fazenda, denominada Quinta e quando eles estavam comendo mui descansados e satisfeitos, pegou-se fogo a um fornilho que os fez voar juntamente com a casa.
Em 1707 os cónegos pardos pediram a El-Rei que não permitisse que houvesse cónegos pretos; e estes mostraram que os pardos eram indignos do sacerdócio. Esta ninharia alterou de um modo incrível a tranquilidade da Colónia.
No ano de 1709 os franceses tomaram a cidade e a Fortaleza da ilha de S. Tomé, da seguinte maneira:
No princípio deste ano sendo governador José Correia de Castro fundeou no porto um navio inglês que informou estarem na Costa da Mina, 4 fragatas francesas as quais se destinavam a ocupar e fazer mantimentos em S. Tomé. O Governador desprezou o aviso e no dia 21 do mesmo mês pelas 4 horas da tarde deu-se sinal de aparecerem 4 velas com bandeiras inglesas vindo do sul da ilha para a cidade. Tocou-se a rebate e as embarcações fundearam às 5 horas e romperam o seu fogo contra a Fortaleza de S. Sebastião, a qual não lhe respondeu. Os inimigos debaixo das ordens de Mr. De Viconté desembarcaram na Praia do Cagarro meia légua ao norte da cidade e num total de 420 homens marcharam para a cidade ao som de instrumentos, pelas 10 horas da manhã do dia 22. O Governador José Correia que se tinha metido na Fortaleza de S. Sebastião ordenou ao Sargento Mor da Comarca Rafael Luís Coelho que marchasse com quatro companhias de ordenança para a trincheira de S. João e que depois de aí os distribuir como julgasse necessário, voltasse para a cidade e se conservasse na Casa da Torre. Os soldados debandaram por não terem quem os comandasse e os franceses entraram na povoação sem acharem outro obstáculo que não fossem dois tiros de peça que o Desembargador Ouvidor Geral Diogo de Azevedo disparou da trincheira de S. João, que ficava contígua à sua casa na Rua da Praia e na parte posterior da igreja deste nome, cuja rua o mar já consumiu. Entrados na cidade que foi evacuada por todo o povo, levantaram uma trincheira no Espalmadouro donde bateram a fortaleza com 12 peças além do contínuo fogo dos navios, e lançaram muitas bombas das quais 14 caíram perto da muralha, uma no terrapleno do baluarte do lado da cidade e outra na cisterna. Nestas circunstâncias depois de queimarem as Ruas Grande, Soares e Flores e o Hospício de S. Tiago e a Igreja do Rosário e de roubarem o cofre da Fazenda Real em que acharam 5.778$329 réis em ouro em pó, destruídos os cartórios e saqueadas todas as casas, entraram em ajustes de capitulação com o Governador e nelas se tratou de se resgatar a cidade por 200$000 francos cuja soma ficou reduzida a 100$000 (réis) ou 40$000 cruzados dos quais receberam em dinheiro e prata das igrejas 20$000. Em refém ou penhor dos outros 20$000, levaram para França o Capitão António Luís Coelho e o Cipriano de Oliveira, que tiveram a fortuna de se escaparem de Nantes para Lisboa. El-Rei mandou tirar devassa sobre a perda da Fortaleza e Cofre Real; mas atendendo às representações da Câmara determinou pela provisão de 4 de Março de 1716 que a devassa ficasse sem efeito. Não consta quantos dias os franceses se conservaram na ilha mas é certo que em 14 de Junho do ano de 1709 fez-se auto da perda do cofre o qual está assinado pelo Governador, Ouvidor Dionísio de Azevedo e Alvelos pelo Procurador da Fazenda e Feitor Paulo da Silva da Costa, pelo Almoxarife Nicolau Coelho Mendes e pelo Escrivão Miguel Fernandes da Costa.
Na História Militar de Luís XIV, (Tomo 6º, página 299), encontra-se a expedição dos franceses à ilha de S. Tomé muito desenvolvida, exagerada em algumas partes e absolutamente falsa em outras. Diz a História que: –“Mr. Parent Ajudante de Artilharia e Comandante da Fragata de Guerra Galatéa chegou a S. Tomé em 20 de Abril. Deixando os navios franceses o Afortunado Espírito Santo e a Presa Holandesa Brisonafer, mandou embarcar 400 homens nas lanchas destes navios, tomou-as a reboque e foi com a sua fragata ancorar de noite numa ponta de terra 16 léguas (80km) distante da Bahia (a de Ana Chaves?) para surpreender as mulheres porque elas escondem o ouro e prata e conduzem os seus enfeites para os matos quando podem fazê-lo a salvo; mas que faltando-lhe o vento não conseguiu o fim a que se propunha. Aproximou-se à Bahia e desembarcou 420 homens à vista de 800 que fizeram pouca resistência.
Mr. Parente meteu a sua gente em ordem, a saber 100 homens na vanguarda comandadas por Mr. Viconté, 220 no corpo de batalha e 100 na retaguarda; assim marchou em direitura à igreja de S. João que fica à entrada e a 200 passos distante da cidade; e porto que tivesse 3 ribeiras a passar, desfiladeiros a penetrar e o fogo de 400 a500 homens a sofrer, mandou atacar os portugueses por 60 granadeiros, tomou o posto que eles defendiam e continuando a marchar teve notícia de existirem 3000 bem armados na cidade e 400 na fortaleza. Um número de tropas tão superior às suas, obrigou-o a fazer várias reflexões, mas o negócio estava determinado e ele não podia retirar-se porque as lanchas tinham ido para bordo dos navios e assim apesar do fogo da fortaleza formou dois ataques, um pelo mar e outro pela Rua Grande que terminava em uma Praça de Armas. O Cavaleiro de Viconté comandava a coluna deste ataque que era defendido por 6 peças de artilharia carregadas a metralha e fez-se senhor delas depois de um renhido combate e Mr. Parent tomou esta Praça de Armas em que havia uma peça de artilharia de bronze.
Os portugueses fugiram para os matos e para a fortaleza. Mr. Parent colocou vários corpos de guarda na cidade para repelir o inimigo que aparecia em pelotões e alguns retiraram-se para o Convento dos Agostinhos que fica a um quarto de légua distante da cidade. O Comandante atacou este porto com 200 homens, lançou fora os portugueses e pôs fogo ao edifício, logo depois foi atacar a fortaleza que é de quatro baluartes bem revestidos e tinha 50 peças de artilharia e um morteiro. Ele fez lançar uma bomba à porta da fortaleza para arrombá-la e atacá-la depois a tiros de espingarda, mas sucedendo cair outra bomba na cisterna liquidou-se a guarnição. O Governador propôs artigos de capitulação os quais lhe foram concedidos ficando ele prisioneiro e saindo os homens com honra de Guerra mas sem bagagens. Apenas Mr. Parent ficou senhor da fortaleza tentou por via de alguns habitantes haver à mão as mulheres que tinham fugido para o mato com grandes riquezas, tudo parecia facilitá-lo mas sendo acometido pelas moléstias do país, desistiu do seu projecto. O Comandante aprisionou 3 navios que se achavam no porto carregados de escravos, dois eram portugueses e um inglês. As moléstias obrigaram a Mr. Parent a largar a ilha pelo resgate de 100$000 francos. O saque montou a 164 marcos de ouro, 700 de prata, 500 escravos e 400 rolos de tabaco.”
Mr. Quincy escreveu esta História como lhe pareceu, faltando em quase tudo à verdade. Diz que pretendera surpreender as mulheres num lugar 16 léguas distante do porto da cidade, quando a ilha apenas tem 6 léguas de comprimento total. Diz que se opuseram 3000 homens armados quando em S. Tomé naquele tempo havia só 30 homens pagos na Fortaleza e 4 companhias de paisanos chamados ordenanças, por não haverem ainda auxiliares ou milicianos. Diz que passara 3 rios e grandes desfiladeiros, quando só passou a Ribeira do Melo por corrupção chamada Romelo na Praia Lagarto a qual nesse tempo (Junho) tem tão pouca água que apenas molha os pés até ao tornozelo e desde aí até à cidade não existe nenhum rio nem ribeira alguma, salvo se ele quer fantasiar como rios os esgotos das várzeas do Arraial e do Reboque que tem pequenas pontes chamadas de Ecomi e Conceição as quais no tempo das grandes chuvas terão 3 palmos de largura e quando não chove estão absolutamente secos tanto estes esgotos como as várzeas e os tais esgotos existem dentro da cidade. Os desfiladeiros estavam na imaginação do autor. Desde a Praça Lagarto, lugar do desembarque até à cidade é o caminho muito plano pelo Monte ou Oque de El Rei e Praia da Baía da mesma cidade. No ano de 1797 existiam alguns homens velhos que contavam a história de entrada dos franceses ouvida de pessoas que nela figuraram e todas assim como o interessante Manuscrito do Deão Manoel do Rosário Pinto, que entrou neste assunto, contou a invasão pela maneira que deixei apontada e desmentem as falsidades de Mr. Quincy a este respeito. Acrescentam mais que além dos dois tiros disparados pelo Desembargador Ouvidor-Geral na trincheira de S. João, disparou-se outro na trincheira da Ponte da Rua Grande, o qual foi dado por um estudante louco de cor preta que se deixou ficar quando os franceses tomaram a tal trincheira e foi morto por eles. Este louco foi o único homem que mostrou coragem na defesa da cidade pois que toda a mais gente fugiu para o mato. O Governador José Correia de Castro que entregou aos franceses a fortaleza de S. Sebastião da ilha de S. Tomé, também entregou aos franceses a Fortaleza de S. Sebastião ou Castelo do Rio de Janeiro quando esta cidade foi invadida por Duguay-Trouin, por se achar então no Brasil aquele Governador. Era oficial muito bravo e não resistiu por falta de gente que o ajudasse.
Nesse mesmo ano de 1709 depois que os franceses evacuaram a ilha, sublevaram-se os negros minas (da zona da Mina) com intenção de assassinarem os brancos. Foram destroçados e metendo-se um grande número em canoas para fugirem com os roubos que tinham feito perecerem afogados.
Por carta régia de 4 de Janeiro de 1710 determinando a obrigatoriedade de escala em S. Tomé, tanto na ida como no retorno de todos os navios oriundos do Brasil que tivessem comércio com a Costa da Mina, para que fossem cobrados os respectivos direitos. No entanto estas ordens pouco cumpridas eram, o que levou a que a ilha fosse pouco frequentada por navios portugueses mas sim aumentou o comércio com navios estrangeiros, nomeadamente ingleses, franceses e norte-americanas.
Por morte do Governador Vicente Diniz Pinheiro em Julho de 1710 houve um grande tumulto na ilha, porque o Ouvidor Dionísio de Azevedo queria governar e a Câmara também desejava a mesma coisa; a Câmara venceu e o Ouvidor foi suspenso, fugiu, fez-se forte em a Casa da Fazenda da Praia de Fernão Dias, até que por intervenção de alguns religiosos se congraçou14 com ela.
No mesmo ano um religioso barbadinho excomungou o Cabido da Catedral e tomando a Câmara parte nestas desordens os cónegos fizeram-se fortes na Sé com gente armada e artilharia e assim se conservaram até à chegada do Bispo D. Fr. João de Sahagum. O Prelado não levantou a excomunhão que o Cabido também havia fulminado contra a Câmara e esta mandou publicar bando para que ninguém a reputasse excomungada. A estas desordens sucederam outras, vários cónegos foram banidos pela Câmara; o Bispo fugiu para a Igreja da Freguesia de Santa Maria Madalena e daí para Portugal. A Câmara mandou postar sentinelas à porta da Sé e declarou que o Bispado estava vago.
Para remediar tantas desordens foi despachado como Governador e Capitão General, Bartolomeu da Costa Ponte o qual chegou à ilha no dia 24 de Junho de 1713.
O zelo do Governador suscitou contra ele o ódio do Ouvidor Lucas Pereira de Araújo e Azevedo, Câmara e Cabido de maneira que se formou uma conspiração para o deporem.
Em 1715 novo Governador e Capitão General Bartolomeu da Costa Ponte que pretendia pacificar a ilha, mas não o conseguiu porque a Câmara sublevou a população contra ele, sitiou-o na fortaleza e obrigou-o a fugir para Lisboa.
O Governador refugiou-se na fortaleza de S. Sebastião no dia 12 de Abril de 1716; disparou tiros de rebate no dia 13 e acudindo unicamente 600 homens, foram presos e fugiram alguns indivíduos, o que aumentou mais a desordem. Laborando debaixo de todas as dificuldades até ao dia 25 de Novembro, quando o povo induzido pelos principais conspiradores, sitiou o Governador na fortaleza e intimou-o através de um tabelião da Câmara, para sair da ilha e ir para Portugal. O povo que se juntou no Campo de S. António foi de cerca de 5000 homens. O Governador vendo-se assim ultrajado mandou fazer fogo contra a cidade, mas como a guarnição da fortaleza o abandonasse deixando-o com um só escravo, fechou as portas, desceu para a praia com uma corda e embarcou em princípio de Dezembro, num navio inglês cujo capitão lhe ofereceu todo o auxílio para livrá-lo do poder dos sublevados. Durante esta desordem foram incendiados e completamente destruídos 13 engenhos de açúcar e muitas outras propriedades.
O Governo mandou tomar conhecimento deste sucesso o Governador e Capitão General António Furtado de Mendonça e o Ouvidor Luís de Valenguela Ortiz. Estes levaram ordem de remeterem preso para Lisboa o Ouvidor Lucas Pereira; o novo Ouvidor em vez de cumprir a ordem de prisão, tendo chegado à ilha antes do General António Furtado, hospedou-se em casa do seu antecessor e quando o dito General chegou a S. Tomé e encontrou o Ouvidor assim hospedado, estranhou que tal tivesse feito.
António Furtado começou depois desta prisão entender-se bem, tanto com o ministro preso como com os Oficiais da Câmara; nomeou para lugar de Ouvidor interino um dos conspiradores, o qual tirou a devassa ordenada por El-Rei e como era de esperar saiu unicamente culpado o benemérito General Bartolomeu da Costa Ponte.
O Governo não fez caso da devassa, mas o General António Furtado continuou a governar e a enriquecer-se até que abruptamente deixou a ilha desgostado de todos e por todos aborrecido pela sua avareza e relaxação no ano de 1719.
No ano de 1735 sublevou-se a tropa de S. Tomé contra o Governador e Capitão General Lopo de Sousa Coutinho e no de 1739 praticou outro tanto contra o Sargento-mor Caetano Luís Coelho, sendo Governador e Capitão General D. José Caetano de Souto Maior. Nova sublevação houve contra a Câmara no ano de 1744 a qual foi expulsa do Governo em que devia entrar por ocasião do falecimento do Bispo Governador D. Fr. Luís da Conceição. O Coronel Francisco de Alva Brandão, que tinha promovido a desordem, foi nomeado Governador pelos amotinados os quais praticaram os maiores insultos e desatinos contra os inimigos deste oficial. O Governo de Portugal ordenou que o coronel fosse deposto e a Câmara entrou a governar em Agosto de 1745 quase um ano depois da sua expulsão. O mesmo coronel foi chamado a Lisboa e obtendo a protecção da Senhora da Casa da Flor da Murta, favorita de El-Rei D.João V, regressou a S.Tomé mui bem despachado, mas o navio perdeu-se e não houve notícias dele. Os cabeças da desordem (o maior dos quais era um cabo de esquadra chamado António de Barros) em número de 13, foram remetidos para a cadeia da Bahia, onde no fim de 16 anos de prisão tiveram sentença em observância da ordem de 19 de Dezembro de 1760; 4 padeceram na forca, e os restantes foram condenados a galés, As cabeças dos executados, remeteram-se salgadas para S. Tomé e aí as colocaram em postes altos em diversas freguesias a que pertenciam os criminosos.
Em 1744, por falecimento do bispo e governador, D. Frei Luís da Conceição, quis a Câmara assumir o governo mas amotinou-se o regimento de ordenanças que praticou horríveis atentados e nomeou governador o coronel Francisco de Alva Brandão, que em 1745 tinha sido expulso por ordem régia. Sucedeu-lhe um governo da Câmara que processou os cabecilhas do motim e fez executar 13 deles.
Em 1747 um incêndio consumiu a Vila de Santo António, no Príncipe, que era construída de madeira.
2.14 – D. José I, o Reformador 1750-1777
Pelo alvará de 15 de Novembro de 1753 transferiu-se para a ilha de Príncipe a sede do Governo de S. Tomé e Príncipe, ficando o governo particular desta ilha (S. Tomé) encarregado ao “oficial de guerra” de maior patente. A cidade de S. António no Príncipe foi capital do arquipélago de 1753 a 1852, quase 100 anos. Era entreposto obrigatório para os navios mercantes franceses, holandeses, ingleses, dinamarque-ses e portugueses que seguissem da Europa para a América do Sul, os quais desde 1721 se encontravam abertos para abastecimento e aguada. Foi o Marquês de Pombal que transferiu a capital para a Ilha de Príncipe. Parece que no entanto alguns governadores preferiram manter-se em S. Tomé, pelo que os problemas se mantiveram.
Fig. 20 – Largo da Cidade de S. António no Príncipe, nova capital
Por Alvará de 15 de Novembro de 1753 foi elevada a Vila de S. António a Cidade do mesmo nome, para ser Capital do Governo das Ilhas do Príncipe e S. Tomé.
Pela provisão de 30 de Agosto de 1755 suprimiu-se o emprego de Capitão-mor da Ilha de Príncipe e criou-se o de capitão-mor da Ilha de S. Tomé, para governá-la durante a ausência do Governador-Geral. O primeiro Capitão-mor de S. Tomé foi João Francisco de Almeida.
No ano de 1770 houve grandes desavenças entre os eclesiásticos; foi preso o Cónego Luís Francisco de Matos e suspenso, preso e remetido para Lisboa o Desembargador Ouvidor Geral João Álvares Bandeira. O pior de tudo foi para a Câmara a qual em atenção às suas antigas e modernas iniquidades foi inibida de governar na falta dos Governadores e Capitães-mores pelo decreto de 23 de Julho deste ano.
Os anos que decorreram até 1770 foram um tecido de intrigas, enredos e desordens entre o cabido e mais eclesiásticos, Câmara, capitães-mores, ouvidores e povo.
No ano de 1770 esteve como governador o capitão-mor Vicente Gomes Ferreira sobre quem Cunha Mattos disse…”lembrou-se tanto dos interesses da sua casa, como se esqueceu do bem do serviço público”.
Nesse ano de 1770 terminou o poder da Câmara (Senado) que ficou reduzido às atribuições de um simples corpo municipal, sendo destituída dos poderes anteriores quando escolhia o Governador interino, passando o cargo de governador, ou capitão general, na ausência destes, para o bispo, ouvidor ou oficial de maior patente. No entanto os conflitos não diminuíram.
2.15 – D. Maria I, a Piedosa, 1777-(1792)-1816
Em Outubro de 1778 foi feita a entrega das ilhas de Ano Bom e Fernando Pó aos representantes do rei de Espanha, por terem sido consideradas inúteis para Portugal, em troca de terras espanholas na América do Sul que se juntaram ao Brasil.
No ano de 1796 amotinaram-se a tropa de linha e as milícias em serviço na Ilha de Príncipe, os quais nomearam Governador, Ouvidor e outras entidades. Mas quando um corpo de 120 homens de S. Tomé, chegou àquela ilha, entrou tudo na ordem e alguns dos amotinados foram remetidos para o Brasil, donde no fim de seis anos, regressaram à sua pátria perdoados. A marcha da tropa de S. Tomé para a ilha de Príncipe fez época na história das transmigrações, pois que não existindo pulgas nesta ilha, ficaram todas as casas cheias destes insectos, que com os soldados foram desde S. Tomé.
No dia 15 de Agosto de 1797 chegaram a S. Tomé a Nau Vasco da Gama e a Fragata Cisne levando a bordo o Bispo D. Fr. Rafael de Castelo de Vide e o Sindicante José Joaquim Borges da Silva para tomar conhecimento das acusações feitas contra o Governador João Rosendo Tavares Leste e Ouvidor António Pereira Basto Lima Varela Barca. Esta sindicância procedeu das acusações de contrabandos de fazendas francesas e de vários roubos praticados pelo Governador e Ouvidor; o Capitão-mor João Batista da Silva foi quem os acusou; e ao depois quando serviu como Governador não foi mais poupado, por haver cometido extorsões ainda maiores. Este João Batista da Silva quando foi para S. Tomé como Capitão-mor no ano de 1788 levou a planta de café da Bahia a qual prosperou de um modo extraordinário e com mui considerável melhoramento da qualidade tanto em S. Tomé como na ilha de Príncipe.
No ano de 1799 esteve muito agitada a ilha de S. Tomé pelo procedimento do Governador João Batista da Silva contra o Capitão-mor João Ferreira Guimarães.
No dia 29 de Dezembro de 1799 o Capitão de Navio da República Francesa João Francisco Landolfe, comandante das fragatas Concórdia, Medea e Franqueza e do Bergantim Tártaro fez desembarcar na Praia Salgada (Ilha do Príncipe) 400 homens debaixo das ordens do Chefe de batalhão Lerck o qual se apoderou da fortaleza e do toda a ilha sem disparar um tiro de espingarda. A ilha era nesse tempo comandada interinamente pelo Mestre de Campo Manoel Monteiro de Carvalho e pelo Ouvidor interino Joaquim Pedro Lagrange, por ausência do Governador João Batista e Silva que se achava em S. Tomé. Os Governadores assinaram uma capitulação no dia em que os franceses se apresentaram à vista da cidade, o mesmo em que desembarcaram; mas como os inimigos só queriam refrescar, fizeram um ajuste de resgate da ilha por 500 onças de ouro no dia 28 de Janeiro de 1800 e retiraram-se no dia 31 desse mês fazendo presente de 500 escravos aos moradores, os quais tinham sido tomados a navios ingleses. Por este modo os habitantes da ilha se interessaram muitíssimo na invasão francesa, porque além de comprarem a vil preço, uma enorme quantidade de géneros que os inimigos haviam tomado aos ingleses, ficaram com os 500 escravos no valor de 12$800 réis cada um.
Depois do ano de 1812 em que pela última vez Cunha Mattos esteve na Ilha de Príncipe nada ocorreu que notável fosse, além das intrigas suscitadas para entrarem diversos poderosos no Governo a que chamavam Constitucional e Provisório; chegando ao absurdo de se separarem estas duas dessecadas ilhas pondo-se independentes uma da outra, enquanto não apareceram autoridades legítimas mais fortes que as fizeram aquietar.
No dia 4 de Outubro de 1802 aportou a S. Tomé a Fragata de Guerra Minerva comandada pelo Capitão de Mar e Guerra José Maria de Almeida, levando a bordo o Governador Gabriel António Franco de Castro.,e o Ouvidor Luís Mourão Cordeiro do Vale
Em 30 de Agosto de 1805 chegou a S. Tomé o Governador Luís Joaquim Lisboa e encontrou vários oficiais militares excomungados pelo Cabido por haverem feito a prisão de um clérigo que foi ferido em uma pendência. O Cura da freguesia de Santa Ana também excomungou uma mulher por motivos iguais aos que deram lugar à prisão do Cura da Freguesia da Trindade.
Dizia Cunha Mattos no final da sua História: “Quem souber a história das excomunhões fulminadas pelo cabido, pelos Bispos, pelos Curas, pelos Missionários da ilha de S. Tomé, talvez diga que são aqui mais frequentes do que as do Abissa15 e dos religiosos do Império da Abissínia.”
Em 1807 a Inglaterra e os Estados Unidos da América proibiram o tráfico de escravos e a procura dos produtos da Ilha diminuiu drasticamente.
Em 1808 a Corte foi transferida para o Brasil, fuga ou golpe diplomático, o que é certo que os franceses ficaram “a ver navios no alto de Santa Catarina”.
Em 1815, metade dos engenhos estavam sem laborar e a terra quase sem trabalhadores-escravos. Constava que 62 fazendas de açúcar laboravam, mas 59 estavam paradas, por falta de trabalhadores.
Durante o espaço de 60 anos a ilha vegetou na maior miséria. Este deplorável estado de coisas é contado por Cunha Mattos, já referido na sua obra Corografia Histórica de S. Tomé e ilhas anexas.
2.16 – D. João VI, o Clemente (1792) 1816-1826
No início do séc. XIX os governos na ilha foram cheios de desavenças lutas e intrigas, para não destoarem dos anteriores. Mas a agricultura era mesmo a esperança da nova era de S. Tomé, sendo em 1799 introduzido o café e em 1824 introduzido o cacau.
No dia 23 de Setembro de 1810 chegou à ilha o capitão-mor João Ferreira de Guimarães e no dia 20 de Dezembro do mesmo ano fundeou o Bergantim S. Francisco de Paula Providente, em que o Desembargador Ouvidor-Geral José Joaquim de Oliveira Cardoso veio. Este bergantim comprado na Bahia a instâncias do Ouvidor como necessário ao serviço da ilha e sem o conhecimento do Governador nem do Ministério do Rio de Janeiro, deu motivo a grandes contestações entre as duas autoridades; e o pior foi que o Ouvidor se viu obrigado a dizer que o bergantim não só era inútil em S.Tomé como também não havia meios de o poder ali conservar. O resultado foi determinar o Governo do Rio de Janeiro que o bergantim fosse para o Brasil, mas tal teve lugar depois de já ter falecido o Ouvidor, no quarto dia de moléstia “carneirada” em 7 de Novembro de 1811.
No dia 23 deste mês e ano chegou a S. Tomé a Escuna Real Artilheira debaixo das ordens do 1º Tenente Miguel de Sousa Melo e Alvim que foi Chefe da Divisão da Armada e Ministro da Marinha. Na escuna foram 5000$000 de réis, em moedas de três patacas, e cobre provincial para ter giro neste Governo. Miguel de Sousa conduziu para o Rio de Janeiro o referido bergantim S. Francisco de Paulo Providente, e a escuna artilheira ficou empregada no serviço das ilhas.
Em 1811 acentuou-se a decadência do comércio após a abolição da escravatura, e em 1822 deixou também de se receber a prestação anual de 9 contos vindos da Baía, por o Brasil se ter tornado independente. Foi mesmo neste ano que S. Tomé recebeu a sua sentença de morte, porque em virtude do tratado de aliança com a Inglaterra, principiaram os comandantes dos navios ingleses a cometer inauditas violências contra os navios portugueses que negociavam escravos, acabando assim o comércio e a agricultura da ilha, bem como os rendimentos reais da capitania.
Em 21 e 22 de Janeiro de 1815 o tráfico de escravos ficou abolido na capitania de S. Tomé e Príncipe.
Tal facto originou a decadência completa da Ilha, pelo que muitos agentes e moradores deixaram a capitania e partiram, principalmente para o Brasil.
Desde então em diante houve alguns acontecimentos desagradáveis principalmente em ocasiões de instalações de Governos Provisórios, desde 1821 em diante. No ano de 1836 achavam-se as ilhas em tal abandono que o Ministro da Repartição respectiva, no Relatório anual disse que nada sabia a respeito delas.
2.17 – D. Miguel, o Usurpador 1828-1834
As informações sobre as ilhas do arquipélago, de autoria de Cunha Mattos, acabaram no reinado anterior.
Nada consta neste reinado sobre as Ilhas de S. Tomé e Príncipe.
2.18 – D. Pedro IV, o Libertador 1834-1834
Face às Guerras entre liberais e constitucionalistas, nada consta sobre o arquipélago em tão curto espaço de tempo.
2.19 – D. Maria II, a Educadora 1834-1853
Em 2 de Novembro de 1837, faleceu o Coronel José Ferreira Gomes, o introdutor do cacau na lha de Príncipe, nas terras de Cima-Só.
2.20 – D. Pedro V, o Esperançoso 1853-1861
Em 14 de Dezembro de 1854 foi mandado organizar o registo de escravos existentes nas colónias.
Em 1857 já há impressora na colónia. Em 3 de Outubro sai o 1º Boletim Oficial da colónia.
Neste ano foi introduzida em S. Tomé pelo Barão de Água-Izé, a árvore que produz a fruta-pão.
Fig. 21 – Árvore da fruta-pão
2.21 – D. Luis I, o Popular, 1861-1869
Em 1867 abre em S. Tomé o Banco Nacional Ultramarino. (Em Timor só foi aberto o mesmo banco em 1967, por acaso 100 anos depois).
Em 3 de Novembro de 1868, o Governador de S. Tomé e Príncipe, Estanislau Xavier de Almeida, referindo-se à pecuária disse: “A criação de gado tem sido descurada nestas ilhas, onde não faltam pastos e não há a meu ver razão que justifique semelhante incúria… Esta indústria carece de ser animada, criando incentivos… julgo conveniente a instituição de mercados mensais e feiras anuais assim como exposições de gados…”
Julgo que nesta data o governador desconhecia o problema da mosca do sono.
2.22 – D. Carlos, o Martirizado 1869-1908
Em 1875 é abolido o trabalho escravo em S. Tomé e Príncipe e é de notar que o tráfico tinha sido abolido 60 anos antes. No ano seguinte foram contratados indígenas de Angola para os trabalhos nas roças os “serviçais”, que na realidade tinham o mesmo tratamento que os escravos, embora recebessem ordenado.
Em 1878 uma campanha militar comandada por Estanislau de Almeida, acabou com o reino dos angolares na ilha de S. Tomé.
Em 29 de Maio de 1880, a Câmara Municipal de S. Tomé consigna em acta que “a baunilha fora ali introduzida pelo oficial da armada Custódio Miguel Borja, governador da colónia, por uma planta que trouxera do Gabão e oferecera ao agricultor José António Dias Quintas”. No entanto esta planta não obteve grande sucesso nas ilhas. Em 18 de Dezembro de 1882 uma portaria régia determinou ser proibido mandarem-se degredados para as colónias de Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe.
Em Julho de 1907, sua Alteza Real o Príncipe D. Luís Filipe inicia a sua viagem às colónias de África, com excepção da Guiné.
Em 14 de Novembro do mesmo ano, saiu a reorganização militar das províncias ultramarinas o que permitiu um maior contacto e melhor conhecimento das colónias pelos componentes do exército metropolitano.
2.23 – D. Manuel II, o Desventuroso 1908-1910
Parece que não teve tempo de reinado para fazer algo por S. Tomé e Príncipe.
2.24 – 1ª República 1910-1926
É formada a “Liga dos Interesses Indígenas”.
Ocasionalmente em 1919 o Sol beneficiou estas ilhas, por ter tido lugar um eclipse total que foi visível na ilha do Príncipe. Assim o astrónomo inglês Artur Stanley Eddington (1882-1944) esteve na ilha para estudar o eclipse do Sol que teve lugar em 29 de Maio desse ano. Tais observações permitiram posteriormente comprovar a exactidão do princípio da relatividade formulado por Albert Einstein.
Divulgadas estas observações à comunidade científica e aceites como válidas, a imprensa inglesa deu grande relevo ao acontecimento e Einstein, que era conhecido apenas por estudiosos, passou a ser muito falado nos jornais, sendo então considerado como o símbolo de grande cientista do século XX.
Estas observações de 1919 na Ilha do príncipe marcaram pois um passo importante da história da Ciência.
O Professor Eddington chegou ao Príncipe em 23 de Abril. As condições meteorológicas não eram as melhores para o eclipse ser observado. Instalou-se na Roça Sundy, nomeou três intérpretes, um português e dois ingleses. A Roça Sundy está a 150 metros de altitude, na zona noroeste da ilha, cujas coordenadas são aproximadamente:
Latitude 1º 40’ N
Longitude 29’ 32” E (Gr)
Ainda na ilha o astrónomo Eddington fez uma primeira verificação da teoria de Einstein e encontrou o valor que confirmava a previsão deste.
Fig. 22 – Verificação do desvio de estrelas durante o eclipse16 Fig. 23 – Einstein
2.25 – 2ª República 1926-1968
Em 1927 é promulgado o “Código do Trabalho dos Indígenas”.
Em 11 de Julho de 1938, o Presidente da República Portuguesa, General Fragoso Carmona, iniciou a sua viagem às colónias de S. Tomé e Príncipe e Angola. Foi o primeiro Chefe de Estado a visitar as colónias.
Em Junho de 1939, o mesmo senhor inicia uma segunda viagem às colónias de Cabo Verde e Moçambique, com escala por S. Tomé.
Em 1951 a colónia passa a ser denominada Província Ultramarina, e recebe a minha visita e do meu cur- so de finalistas do Colégio Militar.
Em Janeiro de 1953 dá-se a crise de Batepá, mal esclarecida pelas autoridades coloniais.
Carlos Benigno da Cruz17, refere sobre este caso, que:
“Em 21/2/1945 foi nomeado governador de S. Tomé e Príncipe, por Decreto publicado em Boletim Oficial nº15 de 14/4/1945, o capitão de Artilharia Carlos de Sousa Gorgulho”.
Este governador foi acusado de ter mandado executar 1.032 habitantes pela simples razão de ter corrido o boato que iria surgir uma revolta contra o governador e aos restantes brancos da ilha. A repressão foi violenta mas julgo que este episódio tão explorado pelos políticos santomenses, a que deram o nome de Massacre de Batepá, parece-me exagerado nos números de mortos apresentados.
“Por telegrama secreto nº 48 do Ministro do Ultramar, de 17/4/1953, o Governador foi chamado a Lisboa e substituído na Ilha pelo Ten. Coronel Francisco A. Pires Barata”.
Em 1957 a PIDE passa a funcionar em S. Tomé e Príncipe.
Em 1963 consta na Revista Militar uma referência a S. Tomé num artigo escrito pelo então Tenente-coronel Hélio Esteves Felgas. Foi este senhor um grande escritor militar, com imensas publicações sobre o ultramar português, que se atreveu a relatar uma visita a estas ilhas.
Diz Esteves Felgas que “vista do mar S. Tomé é um autêntico cone de verdura que se ergue das águas e chega até às nuvens”, e que “a capital da Província Cidade de S. Tomé é uma cidade agradável”.
2.26 – Estado Social 1968-1974
Pouco ou nada consta além do “Exílio do Dr. Mário Soares”.
2.27 – 3ª República 1974-…
É assinado o tratado de Alger em 26 de Novembro de 1974.
A Independência de S. Tomé e Príncipe tem lugar em 12 de Junho de 1975. Em 30 de Setembro de 1975 as quintas (roças) são nacionalizadas.
Em 1975 a história de São Tomé e Príncipe, segundo uma interpretação marxista-leninista do autor Carlos Benigno da Cruz, no seu livro “S. Tomé e Príncipe do Colonialismo à Independência”18 foi resumida a:
“Uma vez estabelecidos em S. Tomé no ano de 1485, os portugueses entregaram-se ao comércio de escravos, conseguindo em rápidas surtidas ao continente africano, mão de obra necessária e fundamental para a cultura da cana do açúcar, produto que se encontrava no solo da ilha (?). S. Tomé no séc.XVI foi o primeiro exportador africano deste produto”.
E mais adiante:
“Submetidos a um infernal ritmo de trabalho nos engenhos, os escravos eram recompensados com um dia de folga semanal que era utilizado para conseguirem meios de subsistência e vestuário”.
“No resto da semana ofereciam a sua força de trabalho ao explorador colonialista”.
“Em 1517 e 1530 deu-se o declínio da cana do açúcar, mormente devido a revoltas de escravos e de mulatos descendentes dos primeiros colonos brancos e de escravos negros idos do continente africano, e que pretendiam tratamento igual ao concedido aos colonos brancos. Estes foram ajudados pelos angolares – um povo que vindo do sul da ilha, durante dois séculos vibrou contínuos e vitoriosos golpes sobre o regime colonial instalado no norte da Ilha”.
E ainda mais adiante:
“A primeiro grande consequência dessas revoltas, aliadas aos consecutivos ataques de armadas (piratas) holandesas e francesas a S. Tomé, foi o êxodo dos colonos em direcção ao Brasil e o fim da era do açúcar”.
“Há uma nova distribuição de terras e é concedida alforria a todos os escravos e descendentes que tinham acompanhado os primeiros colonos. Com a partida dos senhores dos engenhos para o Brasil, estes são substituídos pela nova classe social, constituída pelos Libertos (forros), os quais passam a defender interesses antagónicos aos dos escravos, classe a que anteriormente pertenciam”.
“Em meados do séc. XVII a economia do açúcar está completamento destruída”.
“Só em 1800 com o café e em 1822, com o cacau, aparece uma nova vaga de colonos portugueses começando novo período de exploração colonial”.
“No fim do séc. XIX S. Tomé e Príncipe já produzia quase 12% da produção mundial de café. Mas os novos colonos apoiados pela banca e pelo capital financeiro português, entregam-se então afanosamente à tarefa de alargar as suas terras, lançando mão da pilhagem, usura e roubo compulsivo, na mira de expropriar os antigos proprietários”.
“Em 1842, derivada da pressão exercida contra o esclavagismo por certos países ocidentais como a Inglaterra, os quais não o faziam por humanitarismo de qualquer espécie, mas somente porque nesses países, ao grande avanço das forças produtivas não correspondiam já relações de tipo esclavagista, o colonialismo português debate-se com um grande problema de mão de obra, já que a cultura de cacau para ser lucrativa em alto grau, exigia a utilização maciça de forças de trabalho escravo”.
Face ao avolumar de perturbações violentas:
“Em 1869 é decretada a abolição da escravatura, mas os libertos ficam com a obrigação de vender a sua força de trabalho aos antigos senhores, sendo o salário a pagar fixado durante nove anos”.
“Em 1875/76 a crise na agricultura leva muitos colonos à ruína. Assim os colonialistas mais poderosos recorrem a empregar trabalhadores noutras colónias. Por curiosidade sabe-se que o salário de um homem adulto em 1946 era de 60 escudos mensais”.
“Por exemplo em S. Tomé em 1956 existiam nas roças:
– 9650 angolanos;
– 6320 cabo-verdianos;
– 4910 moçambicanos.”
Em 2006 a Doutora Otilina Silva escreveu o livro “S. Tomé e Príncipe, Ecos de Ontem e de Hoje” onde desenvolveu as suas opiniões sobre os seus conhecimentos de 25 anos de vivência em S. Tomé, e o que foi encontrar, suponho que em 2009.
Esta escritora no seu livro sobre São Tomé e Príncipe, que julgo ser o seu terceiro sobre esta terra, onde viveu entre 1950 e 1975, transmite-nos bem o seu afecto ao arquipélago.
Começa indicando que “quando se fala de STP (sigla de S. Tomé e Príncipe), o comércio de escravos está sempre presente, embora a data da abolição seja bem conhecida.
Somente em 1933/39 no tempo do Governador Tenente-coronel Ricardo Vaz Monteiro foi apresentado um projecto de orçamento da colónia com saldo positivo.
A Dra. Otilina informa que:
“Em S. Tomé não se morre de fome porque a terra é fértil”, e mata a fome a quem a tem.
“Ao contrário do Oceano cujo trajecto parece nunca terminar, as estradas de S. Tomé podem terminar quando menos se espera”.
“Os amarelos (táxis) proliferam e como não existem outros transportes públicos, continuam a proliferar”.
Em 1970, era o território africano com maior densidade de estradas construídas, “275 km de estradas públicas sendo 150 já alcatroadas”.“No Príncipe somente há 9 km de estradas asfaltadas”.
Fig. 24 – Os táxis amarelos, em grande quantidade na cidade
A mesma Dra. Otilina mencionou por alto a possível exploração do petróleo nas zonas do arquipélago, esperança que faz renascer a vontade de se beneficiarem alguns oportunistas, e talvez dê apara beneficiar o povo de S. Tomé e Príncipe. E continua “a riqueza da natureza parece contrastar com a pobreza dos homens”19.
Para encerrar o assunto História de STP, concluímos que os escritos de Raimundo José da Cunha Mattos, considerado por muitos escritores como o “Papa” da história sobre S. Tomé, terminam em 1836, estando nessa data Cunha Matos já no Brasil, para onde se bandeou quando da independência do mesmo, julgo que as suas crónicas têm valor real e retratam muito bem o que se passou no arquipélago até 1821. Por isso fui adaptando as suas alinhavadas informações à estrutura deste artigo, porque além destas fontes de informação, somente as escritas de alguns eclesiásticos há muito perdidas, poderiam completar a história de S. Tomé e Príncipe.
Fig 25 – Farol na Fortaleza de S. Sebastião em S. Tomé
Sendo eu colaborador da Revista de Artilharia e da Revista Militar, tentei obter outros relatos que me permitissem complementar as pesquisas sobre o Arquipélago, e enquanto na Revista de Artilharia que começou a ser publicada em 1904 nada encontrei até 2010 que se referisse a S. Tomé, na Revista Militar que já se publica desde 1848 apenas encontrei uma referência a S. Tomé e Príncipe em 1963, ou seja 115 anos de publicação da Revista, sem que alguém se tenha referido a estas ilhas.
Julgo que para além do pensamento de Oliveira Martins, referido no início deste trabalho como “Ilhas perdidas qual cemitério a flutuar no Atlântico”, havia muito mais pessoas pensando que tais ilhas já tinham soçobrado e que efectivamente estavam no fundo do Atlântico.
3.1 – O que eu vi:
3.1.1 – Em S. Tomé
Acontece que numa chegada de um navio à Baía de Ana Chaves apenas se fica com uma pálida ideia de uma ilha coberta de nuvens, até nuvens muito baixas que não permitem visualizar a orografia da ilha de S. Tomé.
Fig. 26 – Visão aérea global da Ilha de S. Tomé20
Desta imagem e sem grande precisão é possível observar, da esquerda para a direita da foto:
– a ponta Baleia;
– o Cantagalo;
– o Cão Grande (agulha vertical);
– o Pico de S.Tomé ( o ponto mais alto da ilha);
e para a direita, possivelmente
– o Monte Café.
A orografia ameniza-se para a direita da foto, ou seja para o norte da ilha, onde se encontra a capital.
Efectivamente, quando cheguei à ilha, fomos todos convidados para uma volta de avião, mas certamente não estávamos preparados para essa aventura, pelo que somente reparámos na cidade, com a sua baía, o navio onde estávamos viajando e alguns morros, acidentalmente descobertos de nuvens, mas nada ficou na nossa retina que fosse possível lembrar sessenta anos depois. Sabemos no entanto que a área das duas ilhas pouco passa os 1000 km², o que corresponde a pouco mais do que as áreas dos concelhos algarvios de Loulé (765 km²) e Faro (202km²).
Fig. 27 – Aspecto da Ilha de S. Tomé vista do exterior, com a habitual cobertura de nuvens
3.1.2 – Como eu poderia ter visto a Ilha do Príncipe
No golfo da Guiné, no recôncavo a que os cosmógrafos portugueses chamavam Baía dos Mafras, ergue-se a Ilha do Príncipe, que faz parte do alinhamento de outras ilhas S. Tomé, Fernando Pó e Ano Bom. Todo este arquipélago descoberto em 1470 e 1471, pertenceu a Portugal até 1788 ano em que as ilhas de Fernando Pó e Ano Bom foram cedidas à Espanha.
Situada a norte de S. Tomé, Príncipe tem uma área aproximada de 84 km², cerca de 18 km de comprimento, entre o Porto do Golfinho ao norte e a Ponta do Pico Negro ao sul, e de 14 km de largura entre a Ponta Garça a leste e o Pico Padrim a oeste. Em 1960 a sua população era de 4.605 habitantes.
Tal como S. Tomé, é uma ilha muito montanhosa e acidentada tem a sua maior altitude a 984 metros no Pico do Príncipe a sudoeste e, quase no centro da ilha ergue-se o Pico do Papagaio a 680 metros.
Tem uma costa muito mais recortada que a de S. Tomé. Na costa leste recorta-se profundamente a baía de S. António ao fundo da qual fica a cidade do mesmo nome.
Mesmo no extremo noroeste fica um pequeno número de ilhéus denominados Mosteiros. Mais a sul fica a ilha de Santana ou Roque, já na chamada Baía de Santo António. Passada a Ponta Garça entra-se numa larga reentrância, onde fica a Praia do Baixo Mundo. Caminhando para o sul encontram-se novos ilhéus, como a Pedra Metade e a Pedra Mulher. No extremo sul fica a Ponta do Pico Negro, numa pequena península. Para sudoeste está o ilhéu Caroço (o Dutch Cap das cartas inglesas) o único que é habitado. Ao sul da ilha está ainda uma baía entre o ilhéu Portinho e a Ponta do Grosso ou das Mamas. O nome desta deriva de dois picos próximos e iguais a que se chama “as mamas”, já na costa oeste. Menos recortada do que a costa leste, o seu acidente mais importante é a Baía do Oeste ou das Agulhas, entre a península do Focinho de Cão, ao sul, e a ponta Iola, ao norte. Na costa norte e ao norte da Ponta Golfinho, fica o ilhéu Bom-Bom. Muito afastado da costa e a norte do ilhéu Bom-Bom fica um rochedo isolado, a Pedra da Galé. Também a sueste da ilha e muito afastados (da costa) ficam os ilhéus denominados Pedras Tinhosas.
Fig. 28 – Os nevoeiros típicos de S. Tomé e Príncipe
Embora numerosos os cursos de água da ilha não passam de pequenas ribeiras só caudalosas na estação das chuvas. Os mais importantes são o Ribeiro do Papagaio e a Ribeira dos Frades.
Primitivamente chamada de Ilha de Santo Antão, o seu nome actual advém do facto de, desde longa data ter sido reservado para o filho mais velho do rei, o imposto sobre o açúcar que na ilha se produzia (daí o nome de Ilha do Príncipe).
Esta ilha, tal como todo o arquipélago do Golfo da Guiné, faz parte das cordilheiras continentais que se estendem dos Alpes da Abissínia aos Montes do Futa D’Jalon e constituem um ramo destacado de uma enorme cadeia eruptiva em parte submersa devido a um fenómeno geo-cinético; as características destas ilhas, as suas altitudes, as ravinas, sulcos e quebradas de várias ordens por elas disseminadas; os recortes caprichosos que as cingem, as ilhotas que salpicam os seus mares e a natureza da sua ossatura falam da sua origem vulcânica.
A linha do Equador, passando pelo ilhéu das Rolas a sul de S. Tomé e portanto a poucas milhas ao sul do Príncipe, dá a esta ilha um clima de desiguais e benignas características equatoriais, mas o sistema de cadeias de montanhas cujo centro é o Pico do Papagaio, sistema constituído por montanhas estranhas, bizarras e fantásticas todas cobertas de exuberante flora equatorial, se bem que de modesta altitude mas muito acidentadas formam quebra-ventos que determinam climas desiguais entre o norte e o sul da ilha.
A ilha é farta de calor pois a sua temperatura média ronda os 25º, oscilando entre uma média máxima de 36,8º e uma mínima de 16,8º.A atmosfera, em geral carregada de humidade, origina densos nevoeiros nas altas cotas que umas vezes sobem outras descem de e para os vales.
Quando da descobertas desta ilhas e das restantes do arquipélago, não foram encontrados habitantes nem vestígios humanos. Em contrapartida os navegantes ficaram encantados com a luxuriante vegetação que cobria esta ilha.
A vida do arquipélago foi desde os primeiros anos perturbada por inúmeras desordens internas, intrigas, rivalidades pessoais e vicissitudes governamentais.
A ilha do Príncipe teve uma vida mais calma e tranquila mas nem por isso a queda de prosperidade de S. Tomé deixou de a afectar.
Com a transferência da corte para o Brasil os barcos que faziam o tráfego de e para o Brasil, foram dispensados de aportar em S. Tomé e Príncipe, sendo abandonadas as feitorias de várias nações ao tempo existentes no arquipélago. Para “ajudar a crise”, desenvolve-se a doença do sono na ilha.
Em 1800 o Governador João Batista da Silva introduz a cultura do café. Em 1822 face à crise internacional do preço do café, foi introduzida a cultura do cacau, que primeiramente entrou no Príncipe como árvore ornamental.
Em 1878 com contingentes de colonos metropolitanos e da África então portuguesa (Angola, Moçambique e Cabo Verde) aumentam as populações das cidades e vilas, desenvolve-se o comércio e os portos do arquipélago ganham nova vida. A população nativa ganha hábitos burgueses e aristocráticos e nas roças, povoadas de inúmeros trabalhadores, a vida passa a ter um fausto e um luxo orientais. Ser roceiro em S. Tomé era, na Metrópole, significado de ser milionário e nababo.
Com o Brasil a produzir açúcar no final do séc.XVII (1690…) e além da competição do Brasil, também as vicissitudes políticas e administrativas bem como a anarquia de que S. Tomé se tornou palco, e ainda pelo grande número de colonos que abandonaram as ilhas a caminho do Brasil, a economia das ilhas entrou em agonia.
No princípio do séc. XIX (1800…) o elemento preponderante da população das duas ilhas é o mestiço. “A propriedade está, em geral, nas mãos dos mulatos descendentes dos primitivos colonos e de suas escravas negras, quase todos dedicados a pequenas culturas de quintal apenas destinados à subsistência”.
3.2 – O que viu Cunha Matos (em itálico segue o texto original)
3.2.1 – Em S.Tomé
[A ilha de S. Tomé] Está situada entre seis (graus) e quarenta minutos ao norte do Equador (6º40’N) e entre vinte e oito (graus) e cinquenta e seis minutos do 25º grau de longitude do meridiano da Ilha de Ferro (25º 28’/56’)
[O centro da ilha tem aproximadamente as seguintes coordenadas geográficas, tiradas do Google:
Latitude 0º14’20”, 91 N;
Longitude 6º 35’39”, 86 E de Greenwich]
As estradas da cidade para as vilas são de fácil transito e antigamente estiveram cercadas de uma árvore denominada quina que é alta e de pouca grossura; as melhores de todas são as que vão para as vilas da Trindade e Santo Amaro. Em outro tempo admitiam carros; mas agora cuida-se tão pouco da sua conservação, que em alguns lugares não restam vestígios das antigas árvores e cercas que as ornavam.
A ilha é retalhada por mais de setenta rios ou ribeiras, algumas delas caudalosas. As maiores são a Água Grande da cidade, a qual em maré-cheia admite lanchas. A Água Grande da Praia Melão que banha uma grande fazenda do mesmo nome. A Água Izé ou camarão que banha uma boa fazenda do Visconde de Vila Nova do Souto de El-Rei. O Rio de Melo a que corruptamente chamam Romelo na Praia Lagarto, junto às fazendas de D. Aires de Sousa Coutinho. O Rio do Ouro sai no mar na Praia de Fernão Dias légua e meia a norte da cidade. Há outras grandes ribeiras em lugares menos povoados. Posto que muito não sejam menos volumosas do que as precedentes. A totalidade das ribeiras e córregos grandes e pequenos são 151 e a maior parte delas nascem nas altas montanhas que ocupam o interior da ilha.
Fig. 29 – Cascata de grande altura
Fig. 30 – Esboço altimétrico de S. Tomé (Google)
A mais considerável baía da ilha é a da cidade, formada pela ponta de leste onde existe a Fortaleza de S. Sebastião, e a Oque ou Monte de El-Rei em que se acha o insignificante forte de S. José na ponta denominada Cabo Verde. Esta baía tem um banco de areia junto à igreja de N. Sª. de Belém ou Bom Despacho. Não tem mais de três braças de fundo e é desabrigada dos ventos do quadrante leste. Ao norte do Ilhéu das Cabras está a Baía de Fernão Dias a que os ingleses chamam – Francis Bay – ou Baía de S. Francisco em razão de ficar sobre ela em um elevado monte a Capela de S. Francisco de Assis. Ao sul da Fortaleza de S. Sebastião fica a enseada de Santa Ana com bom desembarque junto à igreja paroquial; e ainda mais ao sul está a grande Baía ou Angra de S. João que é abrigada das trovoadas ou ventos de travessia, tem duas ribeiras caudalosas no fundo e pode admitir muitos navios com toda a segurança. É nesta baía que se acha a Vila de Santa Cruz dos Angolares. Além destas existem muito outras baías em lugares despovoados.
O Ilhéu das Cabras fica ao norte da cidade, entre a Praia de Diogo Nunes e a de Fernão Dias e o Ilhéu de Santa Ana ou cabo do Postilhão perto da enseada do mesmo nome.
Fig. 31 – Fruta natural de S. Tomé
As Sete Pedras são dez rochedos (e não sete) que ficam este-oeste com a Enseada ou Baía de S. João dos Angolares. O Ilhéu das Rolas o mais considerável da ilha fica debaixo do Equador. Os ilhéus de S. Miguel, Macacos, Joana de Sousa, Coco e alguns outros na face oeste da ilha são muito pequenos e todos eles despovoados e sem água. No Ilhéu das Rolas há muito madeiras e tem no meio um atoleiro ou sorvedouro que por canal subterrâneo se comunica com o mar. Fronteiro ao Ilhéu das Rolas fica uma grande praia chamada – Yógó-Yógó21 – em que existe um rio chamado Rio da Vila onde se acham grandes ruínas de edifícios.
A ilha é um agregado de montanhas graníticas, rochas cristosas, areias e argila vermelha e amarela em que se encontram terras ferruginosas. A mais elevada montanha é a que se chama Pico de S. Tomé, onde nunca existiu neve apesar do que afirmam diversos historiadores ou pelo menos nunca a vi durante 19 anos e agora não existe em S. Tomé uma só pessoa que saiba ter ali existido, posto que algumas sejam de 100 e mais anos de idade. Há outros picos em forma de pirâmides os quais têm os nomes de Pico de Ana Chaves, Pico Lança, Pico de Adão, Homem da Capa, Pico Moccadom e outros.
Dizem alguns geógrafos que a ilha é de origem vulcânica; Cunha Mattos sem negar a antiga existência de vulcões, entende que ela esteve antigamente ligada ao continente africano do qual foi separada pela força das correntes do sul ao norte e talvez mesmo por algumas convulsões da Natureza, O terreno da ilha é muito rico em vegetação; acha-se coberta por um bosque que parece tão antigo como o mundo; e encontram-se árvores de 100 palmos de circunferência (os Ocás22) e de mais de 200 de altura (os paus capitães23). Não obstante isso sabe-se que houve tempo em que a madeira era tão escassa que não bastava para a laboração dos engenhos de açúcar. (vide o Escritor Nienhof).
Persuado-me ser a Ilha de S. Tomé o país mais fértil do mundo e se não produz todas as especiarias da Ásia, é por não se haverem para ali transplantado. Há pimenta preta (Piper Ra..isus- Piper guineense) , anil de que existiam algumas fábricas em 1725, todas em ponto muito pequeno; café transplantado da Bahia pelo Capitão-mor de S.Tomé João Batista e Silva o qual melhorou infinitamente em qualidade, sendo tão bom como o de Moka. Existem muito madeiras de tinturaria das quais o bugi-bugi ou anil arbóreo e raiz de arvora guigó24, são as melhores. Há uma erva chamada otótó25 que segundo da provisão de 19 de Setembro de 1720 se verificou ser chá de boa qualidade. Cresce o algodão branco e o amarelo; canela ou o Louros Cinamomus26, laranjas, limas, limões, cidras, cajus, cajás27, mamões, goiabas, araçás, quiabos, maracujás, safus28, jacas duras e moles, jaquente ou jaca brava cujo fruto é o ordinário alimento do povo. A árvore de jaquente é aquela de que se conta que um só pé alimenta uma família, o que deve ser verdade. Esta árvore é muito alta, copada e está em todo o ano carregada de fruta que depois de cozida é deliciosa e tem melhor gosto do que o feijão. Há pêssegos muito diferentes e menos saborosos do que os da Europa. Cola (Sterculia acuminata) fruto estimadíssimo em toda a Costa da África; figueiras, parreiras de uvas excelentes que produzem duas vezes por ano (assim como a maior parte dos frutos) e de que se faz muito bom vinho; bananas de quatro espécies. A respeito desta fruta, disse o piloto português, que escreveu a “viagem de Lisboa à Ilha de S. Tomé” no ano de 1551, e que se acha nas “Notícias para a História e Geografia das Nações Ultramarinas, que vivem nos domínios portugueses”, (impressa por ordem da Academia de Ciências de Lisboa) que naquele tempo se introduzira a cultura desta fruta a que chamam avelãs; é falso, a bananeira quitibá é indígena de S. Tomé, outra é a congo transplantada deste país e há mais duas espécies; o nome não é avelã, mas sim Bânã, corrupção de banana; nem na ilha de S. Tomé existe fruta alguma que se pareça com as avelãs; há excelentes ananases, melancias, melões, abóboras, pepinos, cabaças, batatas-doces, que produzem melhor do que as chamadas inglesas, inhames, caras, feijões, arroz pouco por não o cultivarem; milho, e mandioca. Cunha Mattos testemunha que viu um pé desta planta (mandioca) dar raízes que pesaram oito arrobas e existem terrenos que produzem ainda mais. A cana-de-açúcar é de duas espécies, e veio da Ilha da Madeira em 1494, a cana preta é melhor do que a branca; há couves, alfaces, agriões, bredos29 (amarantus graecizons), beldroegas; cebolas, alhos, coentros, salsa, erva-doce, gengibre. Há um grande número de madeiras de construção, entre elas o pau chamado azeitona que é de duração eterna se se achar abrigado. Há palmeiras e coqueiros de diversas qualidades e entre elas a palmeira de dendé de que se faz azeite para consumo ordinário. Em conclusão, a natureza é riquíssima no ramo vegetal.
Existem bois, cavalos, carneiros, cabras, porcos, gatos de algália tão estimáveis que só com licença de El-Rei era permitido resgatar-se um em cada navio na Costa da África; gatos ordinários ou domésticos, bugios de diversas qualidades e diz-se que existe o macaco branco raríssimo e como tal pouca gente o viu. Perus, gansos, patos, marrecos, galinhas, ditas pintadas ou de Angola mas indígenas da ilha; pombos, rolas, pardais, cantadores, periquitos, gaviões, corvões, estorninhos, garças, maçaricos, codornizes, patos de água, tartarugas de casco fino a que chamam sardas e as de casco branco a que chamam ambó30, estas são deliciosíssimas e aquelas muito reimosas31, cágados, rãs, sapos, cobras pretas venenosíssimas nas montanhas remotas, cobras de cipó e de outra qualidade a que chamam cobra. Borboletas de diversas variedades e outros insectos e répteis. Há imenso peixe de diferentes espécies e em tempos próprios inumeráveis cardumes de lulas arrojam-se às praias; os peixes-voadores são em tanta quantidade que se fazem grandes pescarias deles no mar alto muito léguas distantes de terra. Se houvesse menos preguiça e a natureza não apresentasse os alimentos quase espontaneamente, bastaria o ramo da pesca para fazer o povo afortunado.
Consta ter havido uma senhora chamada D. Simoa Godinho mulher preta, proprietária da Fazenda Rio do Ouro e outras muitas terras, ter extraído ouro do qual fez uma coroa para a imagem de N. Sª. do Rosário a qual segundo informa o autor do Santuário Mariano foi roubada na noite de 14 de Agosto de 1698. A coroa da antiga imagem de N. Sª. da Ave-Maria que se venera na Catedral de S. Tomé, também é de ouro minerado na ilha. Aquela D. Simoa Godinho estando em S. Tomé casou-se com um fidalgo português que regressara da Índia. Pouco depois do casamento, ele abandonou-a; ela embarcou para Lisboa com grandes riquezas e porque achasse o marido morto, doou as suas Fazendas do Bobo, Rio do Ouro, Conde e outras à Casa da Misericórdia com certas obrigações em favor dos clérigos que da ilha fossem à Capital do Reino; estas obrigações cumpriram-se até ao tempo em que a Casa da Misericórdia passou para a Igreja de S. Roque.A mesma D. Simoa Godinho construiu à sua custa todo ou parte do Mosteiro da Cartuxa de Laveiras onde se acha enterrada.
Fig. 32 – Ocá, por certo muito idoso
Também existe ferro na ilha mas ignora-se se há outros metais.
O clima de S. Tomé não pode ser saudável por muitos motivos; a situação da ilha debaixo do Equador; a sua proximidade das Costas da África; a humidade da atmosfera em uns meses e demasiada secura em outros; os ventos norte abrasadores que algumas vezes sopram; as terras baixas e alagadas em muitos lugares na ilha; os alimentos malsãos que muito vezes se usam; os excessos venéreos; o uso imoderado de licores fortes. Ao fim de dois ou três meses a andar de dia exposto ao sol ardente e de noite ao orvalho, a falta de cirurgiões, médicos e farmácias, cada uma destas coisas em particular e todas em geral, declaram-se contra a constituição da maior parte dos homens que de novo chegam à colónia. Os brancos e os pardos são os que mais sofrem a insalubridade do clima; os pretos vivem também como nos mais sadios países da Europa e muitos excedem aos 100 anos de idade; era conhecida gente com 120 anos em S. Tomé; poucos brancos chegam à idade de 70 anos e a experiência mostra que os desta cor nascidos na ilha vivem menos do que os brancos de fora. A ociosidade e a intemperança são os maiores inimigos dos habitantes de S. Tomé.
As estações são duas, a das chuvas com calor ou verão, e a seca, fria ou inverno. A estação das chuvas começa em Outubro e acaba em Abril; a estação seca ou das ventanias dura nos outros meses do ano. Na estação das chuvas troveja quase todos os dias principalmente de tarde e na estação seca o vento sul e sudoeste tem força muito viva. Quando chove há calor que às vezes chega a 40 graus e quando há tempo frio este nunca baixa dos 15 graus. Nos meses de Janeiro e Fevereiro as chuvas não são tão copiosas. As árvores nunca largam a folha neste país, todavia os vegetais estão menos vigorosos no tempo frio. Os europeus gozam melhor saúde durante o inverno e os naturais da ilha no tempo quente. O vento norte ou nordeste quente a que os ingleses chamam Hermatan e é muito quente e insalubre sopra nos meses de Janeiro ou Fevereiro de alguns anos. As trovoadas são horrorosas, mas passam depressa e depois delas fica o ar mais fresco. Nos lugares mais altos da ilha goza-se melhor saúde do que na cidade e de todos os distritos é menos saudável o de Fernão Dias. Os ingleses são de opinião contrária à minha experiência a respeito do Hermatan; Cunha Mattos teve 19 anos de prática, e viu os seus efeitos desastrosos.
Na opinião de Cunha Mattos a indústria fabril tem decaído a par da agricultura. Há poucos e péssimos ferreiros, alguns maus carpinteiros, dois ou três chamados pedreiros, maus sapateiros, alfaiates, oleiros e dois homens que dizem ser ourives. Algumas mulheres são sofríveis costureiras e rendeiras, quase todas tecem panos de algodão liso ou misturado de lã ou seda em teares muito simples; os panos são feitos em tiras ou bandas estreitas e não excedem de 12 palmos de comprimento; uns são lisos e outros de lavor, mas por defeito dos teares quase nunca se ajustam os bordados de uns com os outros ramos e não lhes sabem dar lustro por falta de prensa ou calandra. Dizem que antigamente a costura e tecelagem esteve mais aperfeiçoada mas apesar disso os panos de S. Tomé têm estimação no Brasil e noutros lugares e são extraordinariamente caros. Entendia Cunha Matos que não se teciam anualmente 4000 panos na ilha e destes não se exportavam 200.
O comércio de importação consiste em géneros de todas as qualidades que não se fabricam na ilha e em alguns escravos, cera, marfim, breu32 mineral e panos de algodão da costa da África. A exportação consiste em mantimentos de todas as qualidades produzidas na ilha e em os mesmos géneros importados com os quais se faz o comércio na Costa da África. Este comércio acha-se reduzido a pouco mais de nada. O comércio interno consiste em permutações de umas por outras coisas e também a dinheiro, e a ouro em pó vindo da Costa da Mina, em quantidade insignificante. O ouro corria aqui no ano de 1815 a 1$500 a oitava33. A moeda corrente na terra no fim do século XIX, era cunhada nos reinados de D. Afonso V, D. João II, D. Manuel, D. João III,
D. Sebastião, Filipes, D. João IV, D. Afonso VI, D. Pedro II e em menos quantidades dos reinados de D. João V, D. José e D. Maria I, e tinham sido cunhadas em Portugal. A moeda de prata dos reis acima apontados são as de 12 e 6 vinténs e de tostão. Corre também o dinheiro de prata do Brasil; no ano de 1811 foram para S. Tomé dois contos de réis de cobre para ter curso nesta capitania; o seu valor é de ¼ do do Rio de Janeiro.
Fig. 33 – Vila de Trindade no centro da ilha de S. Tomé
A agricultura teve época de glória e de prosperidade; mas decaiu e acha-se reduzida a uma comparativa insignificância. Durante o comando de Francisco de Gouveia no Reino do Congo, foram de S. Tomé para aquele Reino 70 embarcações carregadas de mantimentos; na época a que se refere Cunha Mattos, há apenas quanto basta para o consumo interno da ilha e para fornecimento de alguns navios que ali vão refrescar. A maior riqueza agrícola da ilha consistiu em açúcar; agora a maior riqueza poderá ser a do café se os habitantes quiserem abandonar a preguiça e inércia em que se acham abismados ou se o governo abandonando as quiméricas ideias de liberdade entre os povos quase selvagens, obrigar os moradores como por tarefa a cultivarem as terras e a deixarem de estar dias e dias estendidos sobre um banco com o cachimbo na boca ao pé de algumas raparigas que lhes coçam as sarnas.
Sobre a cultura do açúcar Cunha Mattos analisa:
A ilha que se achava descoberta e com poucos habitantes portugueses e alguns escravos desde o ano de 1473, recebeu no ano de 1495 um grande número de moradores que acompanharam o capitão Donatário Álvaro de Caminha Souto Maior; logo se estabeleceram engenhos de açúcar, fazendas de gado e de géneros cereais. Com estes prosperou a ilha na qual se sentiu a primeira convulsão política do ano de 1517 e então ficaram abrasados alguns engenhos. Em 1550 passaram para o Brasil vários moradores por saberem que ali se cultivava açúcar e o país era mais saudável. Em 1567 os piratas franceses queimaram outros engenhos e em 1574 os angolares destruíram um número ainda maior. Em 1595 começou a rebelião do negro Amador e foram reduzidos a cinzas mais de 60 engenhos. No ano de 1598 queimaram os holandeses outros engenhos e ainda maior número em 1600. No ano de 1642 os mesmos holandeses incendiaram outros engenhos de açúcar. No ano de 1693 os angolares queimaram alguns engenhos quando pretenderam roubar a cidade, e finalmente no ano de 1716 os soldados amotinados incendiaram 13 engenhos. Verdade é que muitos destes edifícios assim arruinados tornaram a levantar-se; mas um número muito maior ficou por terra. A tradição aponta 322 engenhos na ilha de S. Tomé no meado do século (XVI?). O Piloto (anónimo) que descreveu uma viagem diz que em 1551 existiam 60 engenhos movidos por água e onde faltava água eram movidos pelos braços dos negros.
A Enciclopédia Britânica marca 76 engenhos; Labat sobre as memórias do cavaleiro de Marchais diz que houve 400. La Martinière declara que em 1645 existiam 54 e que rendiam 100.000 arrobas de açúcar; e no ano de 1797 existia unicamente o de D. Antónia Luísa Mascarenhas o qual nesse mesmo ano fez coisa de dez arrobas de açúcar mascavado e no ano de 1800 foi todo destruído. Por este modo a ilha de S. Tomé chegou a ter mais de 320 engenhos que mandavam buscar lenha para as fornalhas à Costa do Gabão e à ilha de Ano Bom, achava-se no ano de 1815 comprando cada arroba de açúcar a 12$800 réis quando é certíssimo ser o preço dele a oitenta réis a arroba no ano de 1627 e então se vendia em Lisboa e Sevilha a 240 réis o que prova ser já nesse tempo o açúcar de S. Tomé muito inferior em qualidade ao da ilha da Madeira que se vendia a 400 réis, logo depois a 1$000 e ainda depois a 2$400 réis. E não pareça exageração o que aqui digo acerca da venda de uma arroba de açúcar por 80 réis e ser o seu preço em Lisboa e Sevilha a 240, pois que este se acha declarado nos Livros da provedoria da Fazenda Real.
Cunha Matos conservou em seu poder uns autos em que se diz que Francisco de Alva Brandão remetera de S. Tomé ao Prior da Igreja de N. Sª. da Serra do Arcebispado de Lisboa, António de Alves de Guevara no ano de 1652 pela Nau do Capitão Amaro Visse, mil arrobas de açúcar que se venderam pela carregação a duzentos e oitenta réis a arroba e que no ano de 1653 remetera 3000 arrobas pala Nau do capitão Jorge Chapel, que se venderam pela carregação a duzentos e noventa réis e depois destas remetem outras 3000 arrobas pelo navio N. Sª. dos Remédios de que era mestre Sebastião Rodrigues.
Fig. 34 – Mapa holandês de S. Tomé, com o ponto cardeal Sul para cima, na imagem
Tudo acabou porque se foram extinguindo as famílias portuguesas e os descendentes laboriosos dos hebreus e ficaram só os crioulos herdeiros e indolentes, que não sabiam avaliar os incómodos de seus pais quando ajuntaram bens para eles dissiparem. Tem havido algumas honrosas excepções são conhecidos vários homens brancos e pardos da ilha que são ainda mais trabalhadores do que os portugueses nascidos na Europa e uma coisa notável é o serem mais industriosas as senhoras do que os homens nascidos na terra. A maior parte das casas que se conservam e aumentam, são as administradas por mulheres, talvez por não terem tantos meios de as estragarem pela libertinagem.
A navegação ordinária desta ilha fazia-se para os portos da Costa do Gabão e Cabo de Lopo Gonçalves; algumas vezes para a Costa da Mina, Benim e Calabar, poucas ou raríssimas para Angola e quase nunca para o Brasil e ainda menos para Portugal em navios fabricados na terra. As embarcações que havia no ano de 1815, quando eu34 saí de S. Tomé eram duas escunas de 150 toneladas e 4 de 40 a 80 (ton.). Havia grandes canoas de carga e maior número das de pescarias de que se poderiam tirar grandes vantagens se o pessoal quisesse trabalhar.
A situação geográfica da ilha; as terras baixas e paludosas35 que existem; o uso de comidas secas ao fumo e muito vezes corruptas, os excessos e enfermidades venéreas, dão motivo ao desenvolvimento de febres biliosas ou podres, à obstrução do baço, à elefantíase e à brucelose ou sarcocele36. Não existindo médicos nem cirurgiões hábeis no país, visto que o ordenado do médico do hospital era de 30$000 réis anuais, está o povo entregue a curandeiros, que ordinariamente aplicam certas águas ou coisas em que estiveram em infusão alguns paus ou ervas cujas virtudes se conhecem. Estes remédios são chamados – cura da terra – e os vomitórios e purgantes que não são preparados na ilha recebem o nome de – cura do mar –. Antes de entrar em curativo é necessário examinar a urina do enfermo ao sol e então diz o curandeiro ou curandeira que o doente tem febre, que tem icterícia37 e pleuriz38, e outros despropósitos e logo lhe ensina ou entrega os cuacos39 (lenhos40) para cozer e beber a infusão. Verdade é que com estes remédios vão vivendo e chegam a idades prodigiosamente dilatadas. No que respeita a moléstias externas faziam-se alguns tratamentos extraordinariamente admiráveis em ferimentos e fracturas, não se fazendo outro uso de remédios além do bálsamo de S. Tomé41 e algumas ervas vulneráveis que todos ali conhecem. O carbúnculo e o antraz, tão fatais em outros países, curam-se nesta ilha com extrema facilidade. A gente da terra dá o nome de cancros aos antrazes e o Governo do Rio de Janeiro sendo informado da facilidade com que os chamados cancros se curavam ordenou no ano de 1811 que lhe remetessem alguns frascos desses remédios e a receita de os fazerem.
C. Mattos disse ao Ministro da Marinha que “aquilo a que os habitantes de S. Tomé chamam cancros, nada mais são que antrazes e também disse que na ilha existem muito pessoas cancerosas a quem os remédios não aproveitavam; todavia para se satisfazer à ordem do Governo foi enviada a receita para o Rio de Janeiro a qual aqui se transcreve para se poder experimentar:”
“Em bálsamo de S. Tomé misture-se um pouco de alvaiade42 e farinha de milho; reduz-se a emplastro que se aplica à parte tendo o cuidado de banhar com água de malvas de manhã e à tarde. Eu posso afirmar que na ilha este remédio é muito eficaz; também se fazem outros com azeite de palma em que se frigem várias ervas. Como em S. Tomé não há médicos é indispensável fazer algum estudo em livros que ensinem a curar. Quando a natureza ajuda e alguns vomitórios e purgantes aproveitam, vai-se resistindo, mas quase todos ficam com obstrução no baço”. C.Mattos confessa que “foi a primeira pessoa que fez uso da Quina em S. Tomé e teve a fortuna de livrar muita gente da morte. Os curativos que ele presenciou na Ilha de S. Tomé pela simples virtude de ervas deixaram-no convencido que se existisse um bom botânico na ilha far-se-iam descobertas muito importantes a favor da humanidade e também posso afirmar que sendo incomparavelmente grande a mortalidade entre as pessoas brancas que de novo habitam na ilha, ela não é superior à mortalidade dos indígenas quando se compara com a dos mais salubres países do universo. A gente branca que chega de novo à ilha quase sempre é acometida pela moléstia no segundo ou terceiro mês de residência. As crianças brancas padecem tormentos em mãos de curandeiros e curandeiras e por isso vingam pouco e andam quase sempre adoentadas, marasmadas e cheias de sarnas. A gente preta faz um contínuo uso de sarjas em todo o corpo, a isto chamam sarrafação e ninguém toma remédio sem que os curandeiros consultando o lunário perpétuo ou o Tesouro de Prudentes decidam se a Lua é boa e se o Sol se acha em bom signo
Muito vezes esperando que a Lua fique boa ou o Sol esteja em bom signo, vão os enfermos para a eternidade antes de entrarem no uso dos remédios.”
“Os mais notáveis edifícios da cidade depois das igrejas eram em 1800 o Palácio do Governo chamado por outro modo Casa da Torre da Homenagem. É extenso e tem bastantes acomodações, acha-se muito pobremente mobilado e tem um grande quintal com excelentes parreiras de uvas. Por baixo do Palácio está o Corpo da Guarda Principal, composta de capitão, tenente, alferes e 50 outras praças de milícias; e a Casa da Alfândega. Por cima da porta da entrada do Palácio existe um belíssimo Escudo de Armas Reais Portuguesas, feitas de mármore branco
“Há mais três grandes casas inteiramente feitas de alvenaria e as ruínas de muito outras e de armazéns que foram queimados pelos holandeses e franceses quando incendiaram a cidade. Fora da cidade encontram-se inúmeros edifícios de alvenaria arruinados, grandes cercas, currais e engenhos de açúcar demolidos. Entre outros existe um engenho no caminho de Santa Ana chamado Engenho do Gramatiqueiro. O povo conta que esta grande obra fora construída em uma noite pelo diabo o qual ficando cansado e deitando-se adormeceu, acordou depois de nascer o sol e porque não podia trabalhar durante o dia, desapareceu e ficou a obra por concluir até agora.
Fig. 35 – Escudo português referido por Cunha Mattos, actualmente arreado43.
O fundo desta história é que o povo acredita nela tanto como no Evangelho e assenta na grande brevidade com que o proprietário construiu o edifício que com efeito é muito considerável. A Fazenda chamada Cabea tem cercas de pedra de dimensões extraordinárias, e tudo isso se acha deserto e servindo de retiro ás serpentes e aos gatos-de-algalia 44.”
A ilha de S. Tomé formava parte da capitania das Ilhas do Príncipe e S. Tomé e era administrada por um Governador e na ausência deste pelo Capitão-mor. Na parte eclesiástica é sujeita ao Bispo, cuja Catedral de N. Sª. da Graça, aqui existe. O Cabido acha-se extinto por se não terem feitos novos provimentos e o último prelado foi empregado em Moçambique. O Ouvidor-Geral que ordinariamente reside na Ilha do Príncipe, é substituído pelo Juiz Ordinário mais velho ou pelo Presidente da Câmara. O Ouvidor também é Provedor da Fazenda real, da Alfandega e dos Defuntos e Ausentes, Capelas e Resíduos e Auditor da Gente de Guerra. A Câmara tem dois juízes, três vereadores e um Procurador e o Escrivão. O seu Cartório está dilacerado e não existe livro nenhum antigo. O Selo da Câmara é de prata, feito no tempo de El-Rei D. Sebastião, cujo nome se acha aberto na orla, e as armas reais têm a coroa aberta ou sem Imperiais, o que prova ter sido feito durante a menoridade e é extremamente tosco. O Ouvidor tem dois escrivães, um meirinho de ouvidoria, outro da Serra, um alcaide e um porteiro, há dois tabeliães, um juiz de órfãos e o seu escrivão, há louvados ou avaliadores e partidores, inquiridor, distribuidor e contador e depositário geral. Na Repartição da Fazenda existem além do Provedor, um procurador, o almoxarife, o escrivão e o meirinho. Na Alfandega além do Provedor há o feitor, dois escrivães, o zelador o meirinho, o guarda – mor e vários guardas. O Provedor da Fazenda e o da Alfândega são uma e a mesma pessoa a qual por esse emprego não tem vencimento de ordenado mas só os emolumentos destes ofícios, que antigamente foram muito lucrativos.
Fig. 36 – A cidade de S. Tomé na década de 60
As únicas raridades naturais que aqui se encontram são várias grutas ou cavernas, cachoeiras, a Ponte que Deus Fez, que é uma espécie de aterro que passa de um a outro monte. Dizem haver um canal subterrâneo desde o Ilhéu Grande até à Ponta de Diogo Vaz, o qual atravessa a ilha de um a outro lado. Há vários picos graníticos, como agulhas e a mais admirável coisa e que me parece ter a primazia é o Maçarico45 Indicador dos Navios, o que na ilha chamam Coco Piloto (Passar o Piloto) por ter o predicado de anunciar o aparecimento de embarcações que vêm para o porto ou passam a pouca distanciada da terra.
C. Mattos deu-lhe o nome de Ardeola46 Nauscopa47;” escreveu uma memória a respeito desta ave e atribuiu-lhe o mesmo predicado e pelos princípios de Mr. Batrineau quando se inculcou Nauscopa nas Ilha de França.” A experiência seguida de 19 anos não pode permitir que ele fuja de acreditar aquilo que se apresenta com as cores de maravilhoso.” O cuco indicador do Cabo da Boa Esperança foi reputado muitos anos na Europa uma ave tão fabulosa como a Fénix, cuja existência talvez fosse real, posto que não acompanhada das circunstâncias com que a delinearam os árabes e outros habitantes dos desertos.”
A obra a História do Antigo e Moderno Governo de S. Tomé, escrito em quatro volumes, obra interessante de que são extractos os pedaços aqui publicados, é também de Cunha Mattos.
3.2.2 – Na Ilha do Príncipe (também segundo Cunha Mattos, em itálico)
O porto da Cidade de S. António da Ilha do Príncipe, acha-se situado no 1º grau e 31º minuto de latitude setentrional e no 25º grau e 50º minuto de longitude do meridiano da Ilha de Ferro (Canárias).
[Por informações actuais Google, a cidade de S. António de Príncipe tem por coordenadas geográficas:
Latitude : 1º38’30”,42 Norte
Longitude: 7º25’25”,38 Este (Greenwich)].
A Ilha tem pouco mais de 3 léguas (15 km) de comprimento Norte-Sul, e duas léguas na sua maior largura Este-Oeste; mas a contar das Tinhosas à Galé há quase 6 léguas. E desde o meridiano da última Mama do Oeste até aos Mosteiros há 3 léguas. Forma um só Distrito e Freguesia que é o da cidade de S. António a qual se acha assentada em terreno baixo, húmido, pantanoso e barrento, tendo o mar a leste, duas ribeiras ao norte e sul, que ficam contíguas a elevadíssimas montanhas e uma várzea a oeste, onde as duas ribeiras quase se tocam. Por isso a cidade fica nma pequena península de pouco mais de 200 braças (400 m) de largura em sentido Norte-Sul e terá a mesma cidade 250 braças (500 m) em comprimento de Leste a Oeste. Tem 298 fogos (em 1815), algumas casas boas de alvenaria e outras feitas de madeira, ruas direitas, quatro largos ou praças, vários templos e um hospício.48 O mar tem entrado pela cidade e demolido algumas casas na praia contígua à ribeira do sul da cidade.
Os caminhos para as montanhas do norte e sul da cidade são asperíssimos; o de oeste é muito plano. Em chegando ao alto dos montes encontram-se belos chapadões49 em que há vegetação admirável.
Há muito ribeiras caudalosas e só a da Cidade de S. António tem boa ponte de madeira. A Ribeira de S. António também se chama de Frades – por banhar a cerca do Hospício dos Capuchinhos. A Ribeira do Sul tem o nome de Papagaio – por nascer no pico assim chamado. Estas duas ribeiras ameaçaram a cidade no mês de Maio de 1797, porque o terreno em que se acham as casas não excede de quatro palmos o nível da água das mesmas ribeiras em alguns lugares. As Ribeiras da Praia Salgada, Abade, Isa ou Camarão, Prainha, Sundim, Praia Caixão e Agulhas são as mais consideráveis.
Fig. 37 – Cidade de S. António, na ilha do Príncipe
A melhor baía da ilha é a da Cidade, a sua boca fica entre as pontas da Praia Salgada e a do Capitão; tem uma légua de largura e quase outra de profundidade. As embarcações podem ancorar em 15 até 3 braças de água e as que ficam mais contíguas à fortaleza, estão seguras a meio tiro de espingarda da terra. Os tufões de leste e norte são perigosos, principalmente os últimos por serem de travessia. Além da baía da cidade há a da Praia Pequena e Abade onde fundearam as esquadras francesas que em 1706 e 1799 tomaram a ilha. Na costa do norte há a enseada da Praia das Burras e na de oeste a da Ribeira das Agulhas a qual é desabrigada do vento norte mas tem muito bom fundo.
Os ilhéus mais notáveis da ilha são as Tinhosas, o Caroço, Santa Ana, os mosteiros, e a Galá, todos desertos e sem água permanente. As Tinhosas distam 3 léguas do corpo da ilha. O Bombom fica ao pé da terra estando actualmente ligado com uma passerelle para turismo.
Fig. 38 – Esboço altimétrico da Ilha de Príncipe (Google)
A face da ilha é muito montanhosa e a parte do sul tem serras mais elevadas do que ao norte. As do sul estão inteiramente cobertas de bosques em que habitam alguns pretos fugidos, as terras do norte acham-se pela maior parte cultivadas. Estas terras do lugar chamado Sundim parecem ter sofrido a violência do fogo, dão-lhe o nome de – Budo Judê – Pedra Judeu; são ferruginosas, leves e muito porosas. Há muitos lugares estéreis e outros extremamente produtivos; dizem que existe ferro em diversos sítios e há vários picos muito elevados. O Pico do Papagaio descobre-se de longe com figura semelhante à do bico da ave deste nome.
As produções, comércio, manufacturas e agriculturas da ilha são muito pouco diferentes das de S. Tomé; contudo existem muitas árvores diferentes, não obstante ficarem estas ilhas separadas por um canal que apenas tem 20 léguas (de largura).
A População da Ilha do Príncipe no ano de 1812 montava a 654 homens livres, 762 mulheres livres, 1660 escravos e 1793 escravas. Total 4875 almas. Desta gente havia 100 pessoas brancas e 200 pardas mais civilizadas que as de S. Tomé. A população branca nunca foi tão numerosa e em geral a gente livre preta tem crescido muito e a escrava tem diminuído prodigiosamente.
Os sentimentos práticos louváveis e as superstições religiosas do povo ainda da classe mais elevada são iguais às de S. Tomé. O idioma tem pouca diferença, e apresentou dois ou três exemplos:
Em Português Crioulo de S. Tomé Crioulo do Príncipe
Meu Mum Mé
Vai Bé Uai
Corpo Boi Ibé
Fig. 39 – A palmeira de leque na cidade de S. António do Príncipe
A administração política da ilha é responsabilidade do Governador-geral e na sua ausência, quando vai a S. Tomé fica governando o oficial militar de maior patente e às vezes uma comissão governativa composta de duas ou três pessoas escolhidas pelo Governador. Aqui existem os mesmos estabelecimentos públicos que há em S.Tomé e com igual número de empregados a saber: os da Ouvidoria, da Fazenda Real, Alfândega, Defuntos e Ausentes, Órfãos e Câmara Municipal. No Juízo eclesiástico há ao Vigário da Vara e o seu Escrivão e o Promotor; das sentenças do Vigário da Vara apela-se para o Vigário Geral do Bispado que sempre residiu na Ilha de S.Tomé enquanto houve Bispo e Cabido.
Os rendimentos reais da ilha do Príncipe são semelhantes aos da de S. Tomé e podem montar anualmente a 14.000$000 réis. As despesas são muito menores. O Ajudante de Ordens vence o soldo da sua patente e 10$000 réis de gratificação mensal e forragem. O Secretário vence 10$000 réis mensais e o Major da Praça 36$000 réis por mês. Na Folha Eclesiástica as despesas são a côngrua do Vigário Paroquial 100$000 réis, o Coadjutor 30$000 e o Padre Fr. António de Castelo de Vide a esmola de 60$000. As despesas fixas das folhas são:
– Eclesiástica............ 190$000
– Civil................... 954$600
– Militar............... 4.453$600
Soma.................... 5.598$200 reais
Nesta despesa não entram os vencimentos do Governador-geral, Ouvidor, Bispo e Cabido, por irem na despesa da ilha de S. Tomé. As despesas extraordinárias fora das folhas e as eventuais são semelhantes à de S. Tomé.
Notar que todas as indicações retiradas dos escritos de Cunha Mattos se referem ao ano de 1830, o mais tardar.
3.3 – O que viu Henrique Galvão (também em itálico o original)
3.3.1 – Em S. Tomé
A Baía de Ana Chaves, onde ancorou o navio, está a noventa milhas da Ilha do Príncipe. Nela está a cidade de S.Tomé, capital de S.Tomé e Príncipe, e embora esta ilha seja maior que a outra, houve altura da sua história em que a capital passou para o Príncipe por necessidade de coarctar as revoltas constantes da população e segundo a versão oficial para permitir que os governantes vivessem mais uns anos face à insalubridade de S.Tomé. A cidade é completamente envolvida pela floresta, num abraço voluptuoso de folhas e flores.
[É tanto o verde que na segunda visita que fiz a S. Tomé, comentando que a ilha era linda por ser toda verde, a esposa do Dr. Cruz, simpática acompanhante, me respondeu que: Tanto verde…, é tanto que cansa!]
A vida e a beleza de S. Tomé concentram-se nas Roças. Algumas situadas no litoral mantêm o mesmo clima depressivo da cidade. Outras com plantações de altitude, (e os picos da Ilha chegam a ter altitudes de 2000 metros), onde a atmosfera é menos húmida e o ar é mais puro e desanuviado tornando o trabalho e a vida mais fáceis. Pode dizer-se que S. Tomé é um mostruário de climas.
Fig. 40 – Cidade de S. Tomé na Baía de Ana de Chaves
A sua orografia movimentadíssima passa por todas as pressões e temperaturas. A cidade foi construída entre dois pântanos, onde adormeciam, sem saída, águas de todo o ano. Mas ninguém cuidava, na era em que a cidade se fundou, senão de assentar os povoados nos portos e por vezes no primeiro porto que se encontrava. Muito gerações tiveram de ser massacradas pelos mosquitos, aliás sempre distraídos da saúde, no seu afã de juntar dinheiro, para que alguns homens cuidassem de se defender enxugando os pântanos ou transladando-se para a montanha.
A verdade é que mal se sobe para a cota de trezentos ou quatrocentos metros, logo as coisas mudam e do clima de S. Tomé já não se pensa no que reza a história. Passa-se insensivelmente das temperaturas húmidas de estufa para as quenturas suportáveis do verão, depois para o ar fino das primaveras e até para o frio agressivo do inverno.
Nas estradas de montanha ricas de curvas, cheias de contrastes de luz e forma, ora apertadas entre folhas preguiçosas de bananeiras, ora abertas para horizontes vastos passando em revista: ocás elegantes, poderosamente enraizadas no solo e que se elevam a sessenta metros de altura; troncos elegantes dos mangues do mato canelados e elegantes como fustes de colunas de catedral segurando abóbadas de folhagem; palmeiras sossegadas bocejando por grandes folhas; as amoreiras; o pau-bálsamo; o opa e o ipé das altitudes dão à variedade da floresta a variedade da sua cor e a sua imponência.
Entre estas rompe toda a vegetação arbustiva de que a terra se desentranha.
Dos troncos escorrem humidades verdes e a luz ambiente é doce e temperada como a luz das grandes naves góticas. Por carreiros ignorados desce a água de todas as humidades e vai, cantarolando sempre, formar uma cascata inesperada, um cordão branco de espuma sobre pedras lambuzadas de musgos ou uma lagoa romântica entre palmeiras.
A população chama Águas a certos rios, como o Água Abade, o Água Grande, o Água Crioulo, etc.
Mas as grandes diatribes que foram atribuídas à ilha e ao seu povo durante séculos, foram as revoltas de escravos, as piratices dos seus funcionários, as conspirações dos homens da igreja, o tripudiar de alguns dos seus governadores, as intrigas dos comerciantes e industriais, somando com os ataques de estrangeiros e com a rudeza do clima, que por mais que a morte fosse resolvendo muitos conflitos, a Vida, ou os refazia, ou criava outros assegurando a continuidade de Desordem.
Fig. 41 – Outro Ocá centenário
3.3.2 – Na ilha do Príncipe50
[Não devia escrever sobre esta ilha porque nunca lá estive. Assim tomo como ajuda um texto de Henrique Galvão que julgo perfeito na descrição dessa ilha. Também vai em itálico.]
É uma ilha pequeníssima desgarrada das gémeas do golfo da Guiné, irmã próxima de um grupo que emerge das mesmas águas, Ano Bom, S. Tomé e Fernando Pó, um pedaço de terra a boiar no meio do mar, com tudo o que a terra tem de generoso belo e acariciador.
A ilha aparece mal os verdes começam a diferenciar-se da mancha que escurece as águas como ramo portentoso de plantas decorativas. Não se topa palmo de terra ou solução de continuidade na espantosa variedade de verdes…A ilha é movimentada, vigorosa de linhas e contornos…Em redor da ilha nadam ilhéus minúsculos, uns de maior vulto como o Caroço, em forma de boné de jóquei, o Bombom e outros menos importantes.
Uma língua de mar penetrante, estreita e comprida, fende a ilha e forma o porto de S. António.
O grande dorso da ilha vai do Pico do Papagaio aos Mosteiros.
Em volta do navio nadam dengues51 gentios, sabiamente tripulados por indígenas de Angola e de Moçambique, com cachos grossos de bananas e esferas verdes de fruta-pão, equilibrando-se na madeira escavada como se fizessem parte dela.
Fig. 42 – O porto da Ilha de Príncipe por volta de 1742.
Um “gasolina” lento, que parece ser movido por metralhadoras (tal é o barulho do motor) traz a bordo uma dúzia de brancos, que habitam na ilha, ansiosos por cortar o cabelo no barbeiro do navio, ávidos de presença europeia e com os olhos em festa perante o barco que só os visita de mês a mês.
[Um aparte pessoal, em Díli, Timor, o barco de Lisboa só lá ia de seis em seis meses, e os poucos europeus que lá viviam também se davam ao luxo de ir a bordo no dia de São Vapor, como então lhe chamavam.]
Desembarcados, cedo verificaram que a cidade era apenas o bairro marítimo, mas que a verdadeira cidade era toda a ilha, incluindo as Roças e as Plantações. No bairro marginal só lá viviam os comerciantes pobres, os funcionários civis e militares e alguns indígenas.
As prosperidades da Ilha quer no tempo dos engenhos do açúcar, do comércio de escravos, do café e do cacau deixaram sinais dessas riquezas, mas principalmente nas Roças. Quando se sai da cidade entra-se num clima de estufa, magnífica mas estufa quente. Parece que se está com capacete, e estas humidades que vigorizam o cacau e entumescem as cerejas do café, fatigam e arrasam o europeu recém-chegado.53
Fig. 43 – Cidade de S. António de Príncipe52
Na ilha de Príncipe existiu para defesa do porto de S. António uma pequena fortaleza conhecida como de Santo António da Ponta da Mina.
Diz o autor54 que “a marcar o local onde foi a velha fortaleza de S. António da Ponta da Mina, restam hoje (1943) tão somente uns míseros lanços de ruídas muralhas e algumas escavacadas paredes”.
Fig. 44 – Habitações de pescadores na Ilha do Príncipe
Cunha Matos55 diz que a sua construção deve ter tido lugar antes de 1695 e que nessa data teria sido guarnecida por uma Companhia de Infantaria que veio de Portugal para esse fim.
3.4 – Outras descrições
3.4.1 – Dra. Otilina Silva
Esta autora viveu 25 anos em S. Tomé, um pouco mais do que o “Papa da História de S. Tomé e Príncipe”, o Brigadeiro Raimundo José da Cunha Matos que nos seus escritos indica frequentemente que a duração da sua estadia no arquipélago foi de 19 anos. Se bem que essa senhora já estivesse na ilha quando por lá passei, não tive o prazer de a conhecer, mas consta que viveu na capital de S. Tomé de 1950 até 1975. O livro em que me baseio é o “S. Tomé e Príncipe, ecos de ontem e de hoje”, de sua autoria.
Atrevo-me a realçar algumas passagens deste seu livro que considero mais importantes:
“Ao olharmos para trás, detectamos que a religião desempenhou sempre em S. Tomé e Príncipe um papel fundamental, não só na separação do Bem e do Mal, mas também na educação do povo do arquipélago”.
Afirma uma curiosidade que mencionarei:
A sigla STP que designa São Tomé e Príncipe, poderá também dizer que no arquipélago “Somos Todos Primos”.
Diz a Dra. Otilina Silva que “quando se fala de S. Tomé e Príncipe, o comércio de escravos está sempre presente, embora seja fácil indicar a data em que foi abolida a escravatura”.
No entanto em 1905 (em 21 de Janeiro) foi inaugurada a Associação dos Empregados do Comércio e Agricultura de S. Tomé, a qual se preocupava com o valor do trabalho, o problema dos trabalhadores contratados, esclarecia sobre os deveres e direitos dos associados, chegando a sugerir a criação de sindicatos para os vários sectores.
E descreve o que chama de “impacto da chegada”:
“O avião acabou de aterrar. O cheiro de terra molhada não mudou e a maresia juntou-se ao suor que escorria pegajoso. O ar condicionado do avião não deixava que nos apercebêssemos do calor que em terra se fazia sentir… Ontem como hoje, em S. Tomé a chegada de ligações vindas do exterior continuam a ser atracção.
Enquanto os nossos olhos se perdem na paleta dos verdes, damo-nos conta de que o clima equatorial quente e húmido persiste“.
Esta pequena descrição e as seguintes, que não me permito esquecer de citar, transcrevem os momentos iniciais que todo o europeu sente quando chega à ilha. Eu também senti, embora tivesse ido de navio.
“A prova (dessa humidade) é dada pelos corpos que começam a ficar molhados e luzidios. O arquipélago de S. Tomé e Príncipe apresenta-se como um país de contrastes. O mar que circunda as ilhas é azul, as areias são finas e os coqueiros inclinam-se com certa reverência no desejo secreto de dar as boas vindas a quem chega, enquanto a brisa se infiltra através das folhas longas e rendilhadas em homenagem singela ao Oceano. De mansinho, as águas cálidas beijam as raízes e os troncos numa simulação terna de afectos de mulher. Um olhar atento, porém, mostra que nem tudo é serenidade, dadas as enormes ravinas que, igualmente, se afundam e debruçam altaneiras na preservação de uma intimidade que a ilha guarda para si, como pertença exclusiva que não deseja partilhar com as águas movediças do Atlântico”.
3.4.2 – General Hélio Esteves Felgas
Este escritor militar falecido recentemente, era Tenente-coronel quando apresentou na Revista Militar um longo artigo sobre São Tomé e Príncipe. Foi no ano de 1963 e foi o único artigo que me apareceu numa pesquisa que fiz na mesma Revista Militar, cobrindo esta colónia.
Dizia ele que “vista do mar, S. Tomé é um autêntico cone de verdura que se ergue das águas e chega até às nuvens,” e que “a capital da Província Cidade de S. Tomé é uma cidade agradável”.
E mais adiante” Para quem desembarca na formosa baía de Ana Chaves, a fortaleza de S. Sebastião atesta que a nossa multissecular permanência na ilha teve por vezes de ser mantida contra a cobiça estrangeira, pela força das armas”. E diria eu, não só contra estrangeiros mas também contra revoltas internas, quer de escravos, quer de militares, na altura quase todos degredados, quer ainda nas guerras internas entre o governador e o bispo, ou entre os senhores das roças e o governador, etc.
Fig. 45 – Lavadeiras em Água Grande
Ainda na descrição o escritor acrescenta: ”A S. Tomé do século passado (séc.XIX) aparece, por exemplo, nas casas típicas do centro comercial, com loja e sobrado e longa varanda corrida. Aparece também nas ruas estreitas da cidade, nas igrejas e capelas espalhadas pela ilha, nas entradas das roças – algumas delas copiadas dos acessos às quintas metropolitanas –. Aparece ainda em algumas residências de administradores das roças, dotadas de varanda corrida e coberta e escada exterior”.
E viajando pelas estradas do litoral “As praias sucedem-se umas às outras qual delas a mais bela e convidativa. Em algumas como nos filmes, os coqueiros chegam à beira mar noutras as ondas quebram várias vezes, atingindo a maior espectacularidade na justamente chamada Praia das Sete Ondas”. E continua: “Logo à saída da cidade, depara-se-nos o espectáculo colorido e inesquecível das lavadeiras da Ribeira Água Grande, sobressaindo de um fundo luxuriante de palmeiras e coqueiros. Colorido idêntico pode ser observado no mercado de S. Tomé. onde os naturais vão vender não só os curiosos produtos tropicais, como quase todos os géneros metropolitanos, que tão bem se dão nas suas características hortas”.
E mais adiante: “Praticamente a ilha está quase toda dividida em roças. As mais antigas são as do nordeste, mas no sul a ocupação é mais recente, havendo roças maiores mas em geral menos produtivas. No total existem mais de 100 roças”.
Geograficamente o mesmo escritor anuncia: “Quer S. Tomé quer o Príncipe são afloramentos de um conjunto vulcânico submarino que se prolonga até aos Montes Camarões, já no continente africano.
Situam-se praticamente na bissectriz do Grande Golfo da Guiné, distando da costa leste africana, o Príncipe cerca de 250 km e S. Tomé 290. Entre as duas ilhas a distância é de 130 km. S. Tomé é uma linha muito montanhosa que apresenta formas de relevo diversas e típicas. De uma forma geral os grandes montes encontram-se no centro e na metade ocidental da ilha, originando litorais elevados com arribas cortadas quase a pique sobre o mar e uma costa com poucas reentrâncias. As montanhas terminam frequentemente por formas aguçadas, designadas localmente por – picos . Entre os principais citamos:
– Pico de S. Tomé
– Pico de Ana Chaves
– Pico do Pinheiro
– Pico do Calvário,
todos com mais de 1600 m de altitude, e o de
– Catumbé com 1400m”.
Ainda “em especial no centro e sul da ilha …, os Pães de Açúcar e as Torres de Penedo. Destas últimas são famosos os dois mais fotografados “Cães”, o Grande e o Pequeno”.
Finalizando o escritor afirma: “De qualquer maneira, S. Tomé será sempre uma prova insofismável de que Portugal em vez de destruir civilizações e eliminar raças, como outras nações fizeram na América e na Austrália, povoou e desenvolveu territórios encontrados desertos e neles criou grupos étnicos que independentemente da cor da pele, jamais poderão deixar de perpetuar o espírito português”.
Esta cidade na Baía de Ana Chaves e a Fortaleza ainda hoje existente, são agora os restos de uma civilização colonial que foi cedendo aos “ventos da história”, bem como algumas das Roças que tanto produziram em café e cacau e que actualmente nem podem ser visitadas pelos ocasionais turistas que visitam as ilhas, tal o estado de degradação em que se encontram. No entanto tem-se conhecimento que ainda se produz cacau mas em quantidades tão ínfimas que pouco ajudam o desenvolvimento e o bem-estar do povo santomense.
Esteves Felgas corrobora a descoberta das ilhas entre 1471 e 1472, pelos mesmos navegantes indicados por Cunha Matos, corrobora também o povoamento e lista de donatários conhecidos. Afirma o seguinte:
“Em 1493, tendo sido doada a Álvaro de Caminha o qual como o seu sucessor, usufruíam de amplos poderes em toda a ilha, tendo o Rei de Portugal regimentado que deviam dar a cada morador uma mulher preta para dela terem filhos que povoassem a ilha”.
Tal doação terminou em 1521, ficando a ilha sob património directo do Estado (Coroa). Nestes primeiros anos de povoamento S. Tomé era:
– Porto de aguada para a carreira da Índia;
– Entreposto de escravos africanos para as duas Américas.
Esteves Felgas concorda com Cunha Matos em:
“Durante quase dois séculos a ilha foi teatro dos ataques internos dos angolares (como em 1693), de saques e assaltos de corsários estrangeiros (como em 1641 pelos holandeses e em 1709 pelos franceses) de revoltas de escravos e de insubordinações das guarnições militares (como em 1734 e 1736).
Lisboa, preocupada com o Brasil e com a Índia, pouca atenção dava a S. Tomé, e os problemas internos eram tantos que a capital foi transferida para a Ilha do Príncipe, por ser mais sossegada.
Fig. 46 – Visto do ar o Pico de S. Tomé ou somente Pico, vendo-se quase junto à ponta direita da foto, a baía de Anna de Chaves, e as baías da Praia Lagarto e da Praia Diogo Nunes
No início do século XIX com o café e com o cacau S. Tomé começou a ressurgir, mas com a abolição da escravatura voltaram os problemas com os trabalhadores”.
Já no século XX as moléstias nas plantas do Cacau e Café, as duas Grandes Guerras e a independência em 1975, traçaram a vida económica da Colónia.
Em 1963 pensa-se que existiam em S. Tomé 60.000 pessoas, e no Príncipe 5.000.
Na produção de cacau S. Tomé em 1928 era o terceiro produtor mundial, e em 1963 já só ocupava o sexto lugar.
(continua...)
1 Viagem de finalistas do Colégio Militar em 1951, que cobriu Madeira, S.Tomé, Angola e Moçambique.
2 Zacatraz é uma saudação em alta voz, tradicional dos alunos do Colégio Militar e portanto dos antigos alunos também.
3 Tradição colegial de “boas vindas” e de “parabéns” a quem faz anos.
4 Modo de desmanchar uma cama e atirá-la para o chão.
5 Este texto em itálico foi escrito pelo Mendes Paulo, meu colega do Colégio Militar e meu companheiro na viagem que descrevo.
6 Dicionnaire Universal d’Historie et de Geographie, de autoria de M.N. Bouillet, datado de 1880.
7 Navio que acompanha outro, para o proteger, em caso de necessidade.
8 Arquivo Câmara Municipal de Lisboa. Livro III de D.João II nº 63.
9 Limite de acção de um magistrado.
10 Fundeara, lançara âncora na baía.
11 Chamado.
12 Garfield – “A history of S. Tomé Island 1470-1655. The key to Guinea”.
Tenente-coronel de Artilharia. Professor Efectivo de Topografia e Geodesia da Academia Militar, Lisboa; Professor e Criador do Curso de Engenharia Topográfica no Instituto Politécnico de Beja, Professor de Topografia e Desenho Topográfico da Escola de Formação e Aperfeiçoamento do Instituto Geográfico e Cadastral em Lisboa, Professor Convidado da Universidade dos Açores para as cadeiras de Topografia e Desenho Topográfico, em Ponta Delgada, e Professor de Topografia da Universidade Lusófona em Lisboa.