Ao longo da sua existência, o Hospital Militar Principal (HMP) foi alvo de diversas alterações na sua estrutura e dimensão, que importa analisar à luz da época e das circunstâncias. Este artigo visa relatar cronologicamente as mudanças mais relevantes, desde a sua origem até à sua extinção.
Remonta ao ano de 1573 a fundação do convento, designado de Convento de S. Bento ou da Estrela (figura 1), que alguns séculos mais tarde foi adaptado a Hospital Militar (Lima, 1950, p. 1). É considerado o primeiro convento beneditino de Lisboa (França, 2002, p. 78).
Segundo Reis (2004, p. 584), “o convento que, desde 1628, funcionava como Colégio para o noviciado, foi mandado despejar em 1797 (…) para servir de Hospital às Tropas auxiliares Britânicas que naquele tempo vierão a este Reino. Esta ocupação durou até ao princípio de 1802 (…) uma vez que em 6 de junho de 1801 foram feitas as pazes com a França e a Espanha”.
A situação política alterou-se, a guerra voltou e o Convento foi novamente ocupado em 1807, recebendo feridos portugueses e franceses do exército de Junot. Porém, em agosto do ano seguinte, o Colégio da Estrela voltou a albergar, por algumas semanas, tropas inglesas que tinham vindo novamente, e em grande número, ajudar os seus aliados portugueses na luta contra o inimigo comum, os franceses (Reis, 2004, pp. 584-585).
Em 1834, com a extinção das Ordens Religiosas e por determinação da Comissão de Saúde Militar, é o Colégio da Estrela adaptado a Hospital Militar, com o nome de Hospital Militar de Lisboa (Reis, 2004, p. 585), mais conhecido vulgarmente por Hospital da Estrela (HMP, 1982, p. 3).
(Fonte: Carvalho, 2014, p. 55)
Figura 1 – Convento da Estrela no último quartel do séc. XIX
Só mais tarde, em 6 de outubro de 1851, é assinado o decreto LXXXI, determinando a centralização de todos os Hospitais Regimentais de Lisboa, para melhor controlo administrativo, instalando definitivamente o Hospital Militar no Edifício do Colégio da Estrela, com o nome de Hospital Militar Permanente de Lisboa (figura 2). Este decreto só seria publicado no Diário do Governo números 97 a 105, de 2 de Dezembro de 1852. Curiosamente, é no mesmo ano de 1852, que, em 3 de abril, é inaugurado o Jardim da Estrela, adjacente ao hospital, o que trouxe grande protagonismo a esta parte da cidade (Silva, 2002, p. 72).
Segundo Lima (1950, p. 3), “o edifício do Convento, que como todos vêem, é bastante distinto das restantes edificações, tornou-se, pelo decorrer dos anos e acumulação de serviços, demasiado insuficiente para o fim, a que foi adaptado; por isso houve a necessidade de o ampliar com vários anexos, completamente separados do edifício principal. Os primeiros anexos, talvez coevos da instalação, devem ser as dependências que se vêem à direita de quem sobe a escadaria do portão principal e que têm tido as mais variadas aplicações.”
(Fonte: Lima MAP, 1950, p. 4)
Figura 2 – Corpo central da fachada do Hospital (s.d.)
Segundo Reis (2004, p. 591), “em 3 de Dezembro de 1886, Sua Majestade El-Rei D. Luís I, visitou o hospital para se certificar pessoalmente das condições de hospitalização. Sabe-se que o Rei ficou mal impressionado com as condições higiénicas do edifício, o que teve como consequência a nomeação de uma comissão para estudar a remodelação do hospital (…). Essa comissão concluiu que era indispensável a construção de um edifício próprio, em local convenientemente escolhido, para novo hospital. E como medida provisória, propunham a construção de duas enfermarias na Cerca (…).” “Cerca” é a designação do espaço adjacente à Basílica da Estrela e ao Convento do Santíssimo Coração de Jesus.
Quanto ao novo hospital, muita água correu depois disso, muitas comissões foram constituídas, muitos locais escolhidos, mas nunca o novo hospital arrancou e o provisório passou a definitivo por alegados motivos económicos (Reis, 2004, p. 591).
No final do século XIX o hospital pôde expandir-se em espaço e qualidade. Por um lado, o “Edifício Principal” do hospital aproveitou a totalidade do Convento da Estrela e anexou a ala do edifício que dá para a Rua de São Bernardo, que ajudou a restaurar, isto em 1898. Por outro lado, no ano seguinte, a “Cerca” ocupou parte do Convento do Santíssimo Coração de Jesus, que repartiu com a Direcção Geral dos Serviços Geodésicos e Topográficos e com a Igreja, e aproveitou a extensa cerca do convento para construir anexos onde se instalaram vários serviços (Reis, 2002, p. 50). Nesta fase, o hospital apresenta dois espaços físicos distintos separados pela Calçada da Estrela, o “Edifício Principal” ou “Sede do Hospital” (adjacente ao Jardim da Estrela) e a “Cerca”.
Segundo Reis (2004, p. 592), “com a entrada de Portugal na Primeira Grande Guerra, o Hospital Militar Permanente de Lisboa passou a não ser suficiente para receber e tratar os feridos evacuados. Por isso (…) em 3 de Outubro de 1916, o Governo concedeu à comissão de hospitalização das Mulheres Portuguesas o edifício chamado Colégio de Campolide, para nele se fundar e manter um serviço autónomo de assistência médica e cirúrgica a benefício dos mobilizados por motivo de guerra e suas famílias”. A instituição passou a designar-se Instituto Clínico da Cruzada das Mulheres Portuguesas (Reis, 2004, p. 593).
Segundo Gusmão et al. (2002, p. 11), “terminada a Grande Guerra surgiu a questão, se o Hospital de Campolide não substituiria com vantagens, o Hospital da Estrela. Foi nomeada uma Comissão para estudar o assunto, tendo sido feito um apuramento de votos – que não foi conclusivo. Um membro desta Comissão, que tinha faltado à votação, foi chamado a prestar o seu voto – o voto decisivo. Este favoreceu a continuidade de funções do Hospital da Estrela”.
Em 1918, o hospital iniciou obras de ampliação para o lado do Jardim da Estrela, sendo que o edifício, que se encontra à esquerda de quem sobe a rampa de acesso ao “Edifício Principal”, foi inaugurado em 1923 (figura 3). Ali se instalaram vários serviços e passaram a executar-se a maioria das consultas externas (Reis, 2002, p. 54).
Ao abrigo do Decreto nº 12161, de 21 de Agosto de 1926, a designação oficial da instituição passa a “Hospital Militar Principal”.
Na “Cerca”, num edifício designado de Palacete, localizado na retaguarda da Basílica da Estrela, foi instalada a Escola do Serviço de Saúde Militar (ESSM), criada em 1927 e destinada ao Exército, segundo o Decreto nº 13851, de 29 de Junho de 1927. Ali funcionou até 1979, data em surgiu a nova ESSM, destinada aos três Ramos das Forças Armadas (Decreto-Lei nº 266/79, de 2 de Agosto de 1979) e que passou a funcionar no Quartel de Campo de Ourique. Posteriormente, no Palacete criaram-se serviços clínicos e serviços de apoio (Reis, 1994, p. 33).
(Fonte: Câmara Municipal de Lisboa, s.d.)
Figura 3 – Edifício das consultas externas
O desenvolvimento da cidade de Lisboa impôs a necessidade de construir novas vias de circulação, pelo que, na década de 1950, foi aberta a moderna Avenida Infante Santo. Esta atravessou a “Cerca” (figura 4), dividindo-a ao meio, ficando os pavilhões de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e o Laboratório de Análises Clínicas no lado nascente, separados do Bloco Operatório e do Pavilhão da Família Militar, construído na década de 1940, ambos situados no lado poente (SOHMP, 2011, p. 39).
A partir desde momento, a estrutura hospitalar bipartida deu lugar a três áreas clínicas geograficamente separadas pela via pública (figura 5), o que tornou mais complexo o circuito intra-hospitalar, nomeadamente a transferência de doentes internados, que ficou dependente do deslocamento em ambulâncias.
(Fonte: Junta de Freguesia da Lapa)
Figura 4 – Construção da Avenida Infante Santo, atravessando a “Cerca” (década de 1950)
Em 1961 tem início a guerra colonial, o que obrigou a um redimensionamento do Serviço de Saúde, quer em homens quer em camas. Dado que se encontrava desocupado, desde 11 de junho de 1961, o aquartelamento de Campolide, do Regimento de Artilharia Um, foi aproveitado para ali se instalar o chamado Centro Ambulatório de Doentes e Convalescentes, mais conhecido como “Anexo do HMP” (CARE, 1994, p. 355). O HMP apresenta, neste período, quatro áreas clínicas fisicamente isoladas.
(Fonte: Anuário do HMP de 2004)
Figura 5 – Esquema do HMP, evidenciando as três áreas geograficamente separadas
Face às evidências que as instalações do hospital são deficitárias, não só pela sua disposição em planta e estado de conservação, como pela sua excessiva dispersão, surge o dilema para a solução: melhorar as atuais instalações ou construir um novo hospital? Em 1964 foi superiormente ordenado à Direcção do Serviço de Fortificações e Obras Militares (DSFOM) que procede-se ao estudo de um novo hospital, pelo que foi elaborado o programa para a elaboração do projeto (DSFOM, 1966, pp. 5-6). Mais tarde, é inclusive apresentado o desenvolvimento gráfico do programa, tendo em consideração o terreno escolhido, situado a norte da Segunda Circular (DSFOM, 1967, p. 1).
Noutro estudo, é analisada a hipótese de construção de um novo edifício nas imediações do Pavilhão da Família Militar (lado poente da Avenida Infante Santo), que conclui que a opção é vantajosa do ponto de vista económico e funcional (DSFOM, 1968, p. 5).
Apesar dos desenvolvimentos, o projeto de construção do novo hospital não passou do papel, a que não será alheia a evolução da guerra colonial e o esforço financeiro do país nesse período. Porém, em 18 de outubro de 1973, é inaugurada a Casa de Saúde da Família Militar (figura 6), localizada na ala poente da “Cerca”, possuindo doze amplos pisos (HMP, 2005, p. 10). Na opinião de Alfarroba (2009, p.20), “se a todos os títulos se tratou de uma obra fascinante, em que os critérios de engenharia hospitalar andaram de braço dado com as necessidades assistenciais, o nome com que o designaram é pleno de significado”.
No mesmo dia 18 de outubro de 1973, no Anexo do HMP (Campolide), foi inaugurado o chamado Edifício Dois, onde passaram a funcionar os serviços de Dermatologia, Ortopedia e Psiquiatria (Reis, 2002, p. 60). Acrescenta o mesmo autor (2002, p. 60) que, “em 21 de Fevereiro de 1977 foi aí inaugurado um Bloco Operatório, destinado essencialmente ao Serviço de Ortopedia. Esta obra tinha perfeita justificação, pois não era defensável aquilo que até aí sucedia. Os doentes internados no Anexo, tinham que ser operados no Bloco Central, localizado na Estrela, o que obrigava ao seu transporte em ambulância, antes e depois de serem operados, exactamente quando os doentes mais precisavam de sossego.”
Em 1989 o anexo do HMP é desativado (Carvalho 2014, p. 70) e o hospital regressa à anterior estrutura tripartida.
Mota (1991, p. 74), no seu discurso de tomada de posse como diretor do HMP, em 1 de fevereiro de 1991, afirma: “prevê-se para os próximos anos a construção de um novo edifício hospitalar. É urgente e fundamental preparar as equipas para a sua fase de arranque. As mudanças terão de ser cuidadosamente planeadas (…)”. Porém, tal desiderato não se verificou.
“No início do novo milénio (…) melhorou significativamente os serviços de urgência, as áreas de internamento, implementou a departamentação hospitalar, etc., tudo isto, num esforço de reconhecida dedicação e empenho. Para além do apoio assistencial como área prioritária, não se descuram as vertentes do ensino e da investigação, motores indispensáveis da actualização e do melhoramento permanente dos cuidados médicos, complemento incontornável da actividade clínica deste início do novo século”, pode ler-se no sítio do Exército Português.
(Fonte: Reis 2002, p. 60)
Figura 6 – Casa de Saúde da Família Militar (s.d.)
O Decreto-Lei nº 187/2012, de 16 agosto, artigo 7, extingue o HMP e os hospitais militares da Marinha e da Força Aérea. Surge o Hospital das Forças Armadas (HFAR), sedeado nas instalações do Hospital da Força Aérea.
Desde 1834 que o principal estabelecimento hospitalar do Exército está instalado no antigo Colégio da Estrela, sendo que somente em 1852 foi definitivamente publicado o seu estatuto em Diário do Governo. Desde então, assumiu diversas designações: Hospital Militar de Lisboa, Hospital Permanente de Lisboa e Hospital Militar Principal. Ao longo da sua história, por várias vezes se equacionou a construção de um novo hospital, mas essa medida foi sendo sistematicamente adiada. A solução passou sempre por sucessivas alterações e adaptações na sua estrutura e dimensão, fruto de imperativos de ordem diversa, nomeadamente: melhoria da resposta sanitária às circunstâncias militares, constrangimentos financeiros, alterações na rede estradal da cidade de Lisboa ou progressos nas boas práticas da Medicina que desaconselham estruturas hospitalares geograficamente distantes. Apesar da peculiar estrutura fragmentada, com vias públicas a separar as diferentes áreas hospitalares, o HMP sempre soube adaptar-se às circunstâncias, com o propósito de honrar o seu compromisso e corresponder aos desafios na assistência à saúde da família militar, em consonância com a sua divisa: “Inter Arma Fons Vitae”.
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* Licenciado em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Especialista em Oftalmologia. Exerce funções no Hospital das Forças Armadas – Pólo de Lisboa, desde junho de 2014.
Licenciado em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Especialista em Oftalmologia. Exerce funções no Hospital das Forças Armadas – Pólo de Lisboa, desde junho de 2014.