Pelo ano de 1944 ou 1945, contactei com meu tio Joaquim José de Sousa, o primeiro africanista que conheci da nossa família. Trabalhou muitos anos numa firma comercial, em Bata, então capital da Guiné Espanhola, que tinha por nome a sigla ALENA, constituída pelas últimas letras do nome da empresa, nome esse que não cheguei a saber. Maneira interessante de codificar o nome de uma entidade.
Era uma época de fim da Guerra de 1939-45, quando se vivia com muitas dificuldades em Portugal, com racionamento de muitos produtos e com muita gente a passar fome. Toda a força das produções era encaminhada para as tropas combatentes ou expedicionárias, pois, embora Portugal não estivesse empenhado nas operações de guerra, tinha pessoal destacado nas colónias e nas ilhas adjacentes.
Apesar deste ambiente hostil, o meu tio conseguiu deslocar-se de férias a Lisboa, acompanhado de minha tia Maria, para visitar o resto da família, seu filho Cândido, suas duas irmãs, minha mãe Isabel e minha tia Gabriela e eu, com a idade de dez anos. Meu tio tinha facilidade de arranjar emprego, pois o seu curso de “Guarda Livros”, equivalente ao actual “Gestor Administrativo”, facilitava-lhe a vida.
Figura 1 – Bandeira actual da Guiné Equatorial
As histórias que me contou, enquanto com ele privei, fizeram-me sonhar com as terras dos trópicos, cheias de animais selvagens e ferozes, e com uma flora espetacular. Tal me entusiasmou e, quando me foi possível, para lá me lancei, tendo, na minha vida, já longa, passado três comissões militares de mais de dois anos cada, em Moçambique.
Meu tio era famoso na família, porque tendo-se portado menos convenientemente, no parecer de meu avô, este expulsou-o de casa aos dezoito anos, pelo que se viu na obrigação de emigrar, no caso vertente, fazendo uma viagem para Fernando Pó sem regresso e, posteriormente, para Rio Muni, onde se radicou.
Dessa sua viagem chegou até mim um conto por ele escrito onde narrava as suas aventuras a bordo do navio que o transportou, desde Lisboa. Além de pequenas aventuras amorosas durante a travessia, a qual durou mais de um mês, narrava que, no primeiro dia, chamou o funcionário encarregado dos camarotes e, pegando numa nota de 500 escudos, para a época uma pequena fortuna, rasgou-a ao meio e, dando uma metade ao funcionário, disse-lhe que se o servisse bem receberia o resto da nota no final da viagem. Consta que foi muito bem tratado.
Não sei em que ano teve lugar esta viagem, mas calculando que ele teria pouco mais de vinte anos quando embarcou, seria, portanto, no ano de 1920.
Quando o meu tio Joaquim veio a Lisboa, em 1944, já se encontrava bem instalado economicamente em Bata e quando regressou levou o seu filho Cândido para trabalhar com ele. Sei que, muito mais tarde, se mudaram para as Ilhas Canárias onde o meu tio veio a falecer.
A vida do meu tio somente serve de introito a uma pequena apresentação de um território em que ele viveu e que, tendo sido cedido por Portugal a Espanha, se tornou independente.
Na actualidade, a sua equipa de futebol tem dado que falar no Campeonato de Futebol das Nações Africanas, chegando mesmo às meias-finais de 2014, onde defrontou a equipa do Chade, tendo ficado classificada em 4º lugar.
Existe a possibilidade, muito remota, de que a zona do Golfo da Guiné tivesse sido visitada por Hanón, um general cartaginês que realizou uma viagem, seguindo a costa de África, cerca do ano de 525 a.C.. É assim possível que Hanón tenha visitado o Golfo da Guiné e tenha visto o que ficou registado na narração da sua viagem, como o “ígneo Carro dos Deuses com as suas torrentes de fogo”, que definia assim o único vulcão visível do mar na costa africana.
Figura 2 – O vulcão dos Camarões em erupção, como deve ter sido visto por Hanón
A costa do Golfo da Guiné foi percorrida pelas naus portuguesas, em distâncias mais de dez vezes as dimensões de Portugal Continental, foi chamada de Ganaja, e no mapa de Abraão Cresques tomou o nome de Ginuia[2]. Por mais tarde lá se ter construído o forte de S. Jorge da Mina, passou a ser chamada de Costa da Mina, e só no séc. XVII é que apareceram as designações de Costa da Malagueta, Costa do Marfim, Costa do Ouro e Costa dos Escravos, que evidentemente definiam os artigos que eram comercializados nesses locais. Foram, no entanto, navegantes portugueses que efectivamente exploraram a ilha de Bioko, em 1471, sendo Fernando Pó o navegador que a situou nos mapas europeus nesse ano. Foi para esta ilha que o meu tio se deslocou.
Figura 3 – O Golfo da Guiné, entre a Costa do Ouro e o Reino de Benguela, de Bonne
O mapa da figura 3 foi executado por Rigoberto Bonne, que viveu entre 1727 e 1795. Bonne foi um geógrafo, engenheiro cartógrafo e hidrógrafo francês, sendo considerado como o melhor cartógrafo da segunda metade do séc. XVIII, e os seus trabalhos, muito bons para a época, tinham a particularidade de terem sempre as últimas informações geográficas.
Figura 4 – Nesta ampliação do mapa da figura 3, pode localizar-se St.George de la Mina e Judá (S.João Baptista de Ajudá), evidenciados com seta preta
O forte português de S. Jorge da Mina (figura 5), situado na Costa do Ouro, estava muito perto do forte de Elmina, construído mais tarde pelos holandeses, mas numa situação melhor, pois estava no alto de uma colina que comandava a entrada do estuário do rio a uma altitude de 14 metros sobre o mar.
Figura 5 – Forte de S. Jorge da Mina, português
Este forte de Elmina (figura 6), situado na mesma zona que o anterior, foi construído ao nível da água do mar, ocupando uma área tripla da do forte de S. Jorge.
Figura 6 – Forte de Elmina, holandês
Figura 7 – Visualização da localização dos dois fortes, obtida a partir da internet
Estes dois fortes foram perdidos para os holandeses, na época em que Portugal era governado pela dinastia dos Filipes. Nesta época, tanto em África como no Oriente, e como no Brasil, a construção de fortificações foi muito incrementada.
Também entre a Costa do Ouro e a Costa dos Escravos foi construído, por Portugal, um forte que recebeu o nome de S. João Baptista de Ajudá. Actualmente, no interior desse antigo forte português encontra-se o museu de História de Ouidah (Ajudá).
Da obra “Capitania da Bahia, nos meados do séc.XVIII”,consta:
– Ajudá, cidade importante da África, no fundo do golfo de Benin, na Costa da Mina, reino de Daomé. O porto de Ajudá foi muito frequentado pelos portugueses, depois de ter sido descoberto por Pedro Escobar e João de Santarém, quando navegavam, por conta de Fernão Gomes, o descobridor da Mina (mais tarde), a quem tinha sido arrendado o comércio da Guiné. A cidade de Ajudá, tomou nome do reino independente a que pertencia e de que era capital. O forte português de São João Batista de Ajudá, achava-se estabelecido na antiga aldeia de Grejé, tendo à sua volta um núcleo de habitações;
– Forte de São João Batista, estabelecimento português no território de Dahomé, que data do reinado de D. Pedro II. Fê-lo o capitão de São Tomé, Bernardim Freire de Andrade, em 1680. Era, ao mesmo tempo, armazém de mercadorias e forte com guarnição militar, e com um governador a cujo cargo ficavam também os interesses nacionais da região. O rei de Dahomé tinha, no estabelecimento português, um representante e recebia a tença anual de 400$000. Os estrangeiros que negociavam em Ajudá, pagavam dízimos a Portugal, fazendo a feitoria grande comércio com a Metrópole e com o Brasil[3].
Figura 8 – Desenho do forte de S. João Baptista de Ajudá ou Ouidah
Estes três fortes não fazem parte da história da Guiné Equatorial, mas tiveram muita ligação com S. Tomé e Príncipe e com as restantes ilhas do Golfo da Guiné, inclusive com Fernando Pó e Ano Bom. O primeiro, S. Jorge da Mina, caiu na posse de holandeses no séc. XVII, mas o segundo, S. João Baptista de Ajudá, só em 1961 foi entregue às autoridades de Benim, já em pleno séc.XX.
Figura 9 – A Guiné envolvendo o seu Golfo no século XVI e XVII, área de trocas comerciais exclusivas portuguesas
Nessas trocas estavam incluídas a aquisição de escravos para trabalhos no Brasil e nos estados americanos e espanhóis.
O tráfico de escravos ou de pessoal destinado ao trabalho escravo era o negócio mais rentável, entre o século XVI e o finais do século XIX, embora os outros materiais negociáveis, como o ouro e marfim e diamantes também tivessem a sua cota parte.
Além do transporte de negros, executado por navios portugueses, também franceses, ingleses e mesmo americanos se especializaram nesse tráfico. No entanto, a França estava bem assente no Congo Francês, a Inglaterra, embora pouco assente na Guiné, tinha uma marinha que se sobrepunha a todas as outras no mundo, logo após a derrota da “Invencível Armada”[4].
Os estados do sul dos futuros Estados Unidos da América, esclavagistas convictos, não tinham problemas em afirmar que a raça branca tinha sempre supremacia e que o negócio da venda de escravos era legal. Assim, pelas fotos das figuras 10 e 11 se pode verificar a existência de mercados e lojas que traficavam escravos, de raça negra.
Figura 10 – Price Birch&Co, negociantes de escravos[5]
Curioso é referir que as próprias tribos das costas africanas, muitas delas antropófagas, como entregavam os seus escravos aos compradores e nunca mais os viam, pensavam que os compradores “brancos” os comiam.
Atendendo a que mais de metade do continente americano estava sob o domínio de Espanha, é natural que este país sentisse necessidade de arranjar mão-de-obra barata e se visse na necessidade de obter escravos.
Assim, Espanha viu necessidade de obter in loco um fornecimento constante de negros para abastecer as suas fazendas ultramarinas, desde a Califórnia, México, Venezuela, Perú e Argentina. Que melhor lugar que no próprio Golfo da Guiné, para o que convenceu o rei de Portugal, por certo seu familiar, a conceder-lhe por escrito autorização para comercializar na costa da Guiné, com todos os reis guinéus e ainda a exploração dos seus rios mais importantes, Níger, Camarões, etc..
Figura 11 – Queensware, leilão e venda de negros[6]
Aproveitando uma altura de grande confusão quanto à definição da soberania, se portuguesa ou espanhola, da Colónia do Sacramento, no sul do Brasil e da zona das missões jesuíticas vizinhas, combinaram que Espanha ficaria com Sacramento e Portugal com a zona das missões. De acordo com esta troca de áreas, Espanha pensou radicar-se na zona do Golfo e, assim, Portugal cedeu-lhe ilhas que nunca foram efectivamente portuguesas – Fernando Pó e Ano Bom. A primeira, porque já era habitada quando da descoberta europeia pelo homem que lhe deu o nome, efectivamente os habitantes que já existiam antes do contacto com europeus nunca se submeteram a Portugal, e a segunda, habitada por náufragos de barcos portugueses que naufragaram na zona e que nem autorizavam missionários a viveram nela.
Também uma ilha mais pequena, a Corisco, e mais perto do continente, foi doada a Espanha, e julgo que a única efectivamente a ser ocupada por pessoas espanholas.
O país actualmente chamado de Guiné Equatorial está situado na costa Oeste de África, um pouco a norte do Equador, e daí o nome de Equatorial. É um dos menores países do continente africano, e a parte continental, conhecida por Rio Muni, faz fronteira, a norte, com Camarões, a sul e a leste, com o Gabão, a oeste, com o Golfo da Guiné e, portanto, com o Oceano Atlântico. Confrontando com a costa marítima do Rio Muni, encontram-se as ilhas de São Tomé e Príncipe, que não fazem parte deste país.
Figura 12 – O país Guiné Equatorial, constituído por parte insular e parte continental
A norte e a sul destas ilhas, e constituindo a continuação da cordilheira que vem de Camarões, encontram-se as ilhas de Fernando Pó ou Bioko, e a ilha de Ano Bom, ambas fazendo parte da Guiné Equatorial.
Junto à costa encontram-se outras ilhas, mas a mais importante é a chamada Corisco. Na ilha de Bioko encontra-se a capital Malabo, antigamente chamada de Santa Isabel, pelos espanhóis.
Em 23 de Julho de 2014, a Guiné Equatorial (Rio Muni e Ilhas adjacentes, Fernando Pó, Ano Bom e Corisco), passou a fazer parte da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP).
Este país tem cerca de 28 mil quilómetros quadrados e perto de 700 mil habitantes. Claro que, no tempo de meu tio, era uma colónia pouco rentável, somente vivia da produção do cacau e da exploração de madeiras. Como veremos, chegou mesmo a ser colónia penal para africanos ou descendentes vindos de Cuba. No entanto, apesar de ter pequena área, tem actualmente a terceira maior produção e exportação de petróleo africana, depois da Nigéria e de Angola.
Fernando Pó, o navegador português que, em 1471/2, aportou à ilha, agora chamada de Bioko, verificou que já era habitada. No entanto, como a desenhou nos mapas de navegação, esta ficou com o seu nome durante séculos. Serviu de entreposto no comércio de escravos durante anos e teve imensos colonizadores, portugueses, holandeses, franceses e, finalmente, ingleses que, com a desculpa de controlar o comércio de escravos, roubavam navios, entrepostos, feitorias, etc., em benefício do comércio inglês. As ilhas que constituem a actual Guiné Equatorial não tiveram alteração desde que Espanha tomou posse delas. Mas, no referente à parte continental, chamada de Rio Muni ou Mbini, só em 1900 ficou definida, pelo convénio Franco Espanhol dessa data.
Inicialmente, em 1777, pelo Tratado de San Ildefonso, Portugal cedia a Espanha no Golfo da Guiné as ilhas já mencionadas, e a exploração do litoral continental entre os Cabos Formoso e o Lopez. Este acordo foi ratificado pelo Tratado d’El Pardo, de 1778, o qual constituiu a base jurídica da presença espanhola no continente africano, nas latitudes da Guiné equatorial.
O comércio era permitido nas costas e nos rios interiores, principalmente para o tráfico de escravos, de ouro, marfim e plantas exóticas que não existiam na Europa. A área por onde os espanhóis se podiam expandir nas acções de comércio, entre a foz do Niger (Cabo Formoso) e a foz do Ougwe (Cabo Lopes Gonçalves), em 1777, é visível na figura 13.
Figura 13 – Área cedida por Portugal para o comércio espanhol
O conhecimento europeu do interior de África, neste caso da África Ocidental, foi obtido com viajantes, exploradores, missionários e com alguns curiosos militares e cientistas que, durante anos, a percorreram e deixaram muita literatura sobre as suas experiências. Foi assim objecto de várias explorações feitas por aventureiros europeus, entre os quais, talvez, se possam enfatizar:
– Capitão Sir Richard Burton, inglês, que, em 1861, desempenhou a função de cônsul em Fernando Pó, actual Bioko. Durante três anos explorou as áreas circunvizinhas, registando as suas descobertas em nove livros repletos de detalhes e informações minuciosas a respeito de hábitos tribais, canibalismo e costumes sexuais. Este aventureiro tem a seu favor, para Portugal, o ter traduzido para inglês “Os Lusíadas”, de Camões;
– Explorador Karl Mauch, alemão, geógrafo que descobriu as ruinas de pedra do “Great Zimbabwe”, construídas pelos povos Shona, entre os séculos XI e XV a.C.;
Figura 14 – Mapa curioso com indicação de alguns nomes de exploradores da África Equatorial
– Explorador Mungo Park, escocês, desvendou a porção central do rio Niger;
– Mas, efectivamente, como explorador na futura Guiné Espanhola, distinguiu-se Manuel Iradier (1854-1911) que, embora inicialmente se orientasse para uma carreira de letras, por influência de Stanley, encaminhou-se para a exploração científica.
Figura15 – Manuel Iradier, explorador espanhol, nas terras do rio Muni
Em 1874, iniciou uma viagem ao golfo da Guiné e, durante 800 dias, percorreu 1900 km, desde Aye até ao rio Muni. Fez três viagens na zona da futura Guiné Equatorial que permitiram a Espanha incorporar o rio Muni na sua soberania. Publicou diversas obras sobre as suas experiências africanas. De todos os exploradores, o mais conhecido foi Manuel Iradier y Bulry.
Posteriormente, pelo Congresso de Berlim, Espanha perde uma parte dos 800.000 km2 que mantinha nas costas do Golfo da Guiné e fica reduzida a 180.000 km2. Neste ano, Primo de Rivera fez a primeira tentativa de ocupação dos territórios, bem como outras expedições, sempre sem resultado.
Entretanto, os ingleses estabeleceram-se em Fernando Pó com intenção de, futuramente, anexarem a Nigéria e os Camarões, sempre com o pretexto de reprimir o tráfego de escravos. Também os franceses tentaram instalar-se com o mesmo fim dos ingleses, mas não efectivaram a ocupação. Em 1843, uma expedição espanhola sob o comando de Lerena tomou finalmente posse destes territórios.
A presença espanhola foi efectivada com missionários, colonos e exploradores e, em 1856, Carlos Chacón, como governador, deu um grande impulso ao desenvolvimento da colónia.
Nas costas do Golfo da Guiné houve grandes exploradores, no bom sentido da palavra, pois as suas expedições tinham fins científicos e, embora com fins políticos, não tinham as intenções que mais tarde lhes atribuíram como exploradores dos habitantes.
As áreas de cada território são: Rio Muni, 26.000 km2; Bioko, 2.550 km2; Ano Bom, 18 km2, o que totaliza 28.568 km2.
Testemunho histórico
Sobre as duas ilhas – Fernando Pó e Ano Bom –, o autor obteve informações baseadas no trabalho de um português que residiu em São Tomé e Príncipe, durante dezanove anos, e que deixou uma resenha histórica escrita. Trata-se de Raymundo José da Cunha Mattos, que foi para S. Tomé, em 1796, como furriel do Regimento de Artilharia de Marinha, chegando em 1816 a Governador, quando passou ao Brasil, onde faleceu já como Brigadeiro. Há quem o considere o Papa da informação histórica sobre S. Tomé e Príncipe.
A ilha de Fernando Pó ou Byoco (do ponto de vista de Cunha Mattos)
“O monte mais elevado da ilha está aos 3º28’ de latitude setentrional e aos 26º de longitude do meridiano da Ilha do Ferro (Canárias). [Pelo Google Earth, a Capital Malabo está situada nas coordenadas: Latitude 3º45’38,55”N, Longitude 8º 46’ 50,48” E de Greenwich ]
É a ilha mais extensa das do golfo do Benim por ter 42 milhas N-S e 19 E-O. (75km x 34 km=2550 km²) e as suas costas são desabrigadas. Foi descoberta por Fernando Pó, fidalgo da Casa de D. Afonso V, Capitão de um navio da Coroa portuguesa em o ano de 1471 ou 1472 posto que vários escritores dizem ter sido achada em 1474 e outros informam que o fora no ano de 1485; em tudo há uma confusão por se haverem perdido as memórias daquele tempo.
Figura 16 – Ilha de Fernando Pó ou Bioko, em mapa recente
À vista da carta de 16 de Dezembro deste último ano expedida a favor dos moradores da ilha de S.Tomé creio que a ilha de Fernando Pó já se achava então descoberta, pois que El-Rei D. João II concedeu aos ditos moradores o comércio de toda a costa então conhecida que era até ao Cabo de Santa Catarina. Ora se as Costas da África contíguas a Benim e Calabar já em 24 de Setembro de 1485 formavam parte da capitania criada em favor de João de Paiva, forçosamente a Ilha de Fernando Pó teria sido encontrada quando os navios de Fernão Gomes descobriram esses lugares no ano de 1472 pois que a tal ilha de Fernando Pó tem 11000 pés de altura (3300 m) e apenas dista 5 léguas (25 km) do continente. Pode mesmo ser avistada desde o continente africano.
Não se sabe se a ilha pertenceu a algum capitão ou Senhor Donatário, mas a existência do forte prova ter existido quem a governasse.
Os espanhóis ficaram senhores desta ilha pelo Tratado de 1 de Outubro de 1777, estabeleceram povoação e levantaram bateria no Porto do Oeste a que deram o nome de S. Carlos mas em consequência de imensos desastres resolveram-se a abandoná-la.
Os ingleses porém desejando obstar ao tráfico de escravos que havia nos rios de Benim, Novo e Velho Calabar, Camarões e outros portos do Golfo, fizeram-se senhores da Ilha de Fernando Pó em o dia 27 de Outubro de 1827 debaixo das ordens do Capitão Owen o qual no dia 31 fez procurar o Rei Kukulaku que veio a bordo e no dia 2 de Novembro a troco de várias bagatelas cedeu um terreno para os ingleses levantarem habitações a principal das quais recebeu o nome de – Clarence –.”
A Ilha de Fernando Pó ou Bioko (do ponto de vista do autor)
Bioko é a ilha principal da Guiné Equatorial, muito perto da costa de Camarões e da Nigéria. Teve por nomes Fernando Pó e Fernão do Póo e posteriormente Ilha Macias Nguema Biyogo. Tem 2.018 km ² de área e cerca de 63.000 habitantes. A sua capital é Malabo. Localizada na região do Golfo da Guiné, a região é considerada como o berço da cultura bantu. Esta ilha já era povoada quando da sua descoberta por europeus.
Estes navegadores povoaram as ilhas de Bioko, Ano Bom e Corisco, em 1494, tendo-as convertido em entrepostos para o tráfico de escravos. A ilha de Fernando Pó já era habitada, como se disse, quando da passagem do navegador português. Os seus habitantes são uma mistura de clãs medievais descendentes de estruturas tribais, tais como: Reino Oyo ou do Congo; Reino Benga (ilha Corisco); Reino Rubi (ilha Bioko); vilas estado dos clãs Fang (na parte não insular).
Em 1493, D. João II, Rei de Portugal, proclamou-se juntando aos seus títulos reais como Rei de Portugal e dos Algarves, aquém e além mar em África, senhor do comércio, da conquista e da navegação, da Guiné, da Etiópia, Arabia, Pérsia e Índia e como primeiro Senhor de Corisco.
Em 1641, a Companhia das Índias Holandesas estabeleceu-se na ilha de Bioko, sem consentimento português, centralizando ali temporariamente o comércio de escravos até que os portugueses voltaram a fazer sentir a sua presença, em 1648, substituindo a companhia holandesa por uma própria – Companhia de Corisco – dedicada também ao tráfico, construindo uma das primeiras edificações europeias na ilha, o forte de Ponta Joko.
Figura 17 – No horizonte, à esquerda, vislumbra-se muito mal, por trás de uma ilhota, o contorno de Bioko visto da costa camaronesa (Indicado com uma seta)
Portugal vendeu mão-de-obra escrava, desde Corisco (cerca de 49.000 escravos), à França, à Espanha e à Inglaterra, entre 1713 e 1753. Houve sempre a colaboração de algumas etnias, como os bengas, para esse comércio, desde que Portugal não interviesse nas políticas internas do país.
Esta ilha foi portuguesa, desde 1474 até Março de 1778 (tratados de San Ildefonso – 1777 – e del Pardo – 1778[7]), quando foi entregue a Espanha.
Também foi cedido a Espanha, na mesma data, o direito de comerciar no golfo da Guiné, entre o rio Níger e o Ogowé, em troca da Colónia do Sacramento no Brasil.
Os espanhóis ocuparam a ilha de Fernando Pó, entre 1778 a 1780, e depois abandonaram a mesma, regressando a Montevideu.
Os ingleses ocuparam a mesma ilha, entre 1827 e 1832, para lutar contra o tráfico e fundaram Port Clarence, depois Santa Isabel e hoje Malabo. Voltaram em 1840. Os espanhóis regressaram em 1843.
Em 13 de Setembro de 1845, a rainha Isabel II (de Espanha) autoriza a transferência para a região de todos os negros e mulatos livres de Cuba que o desejassem, mas poucos aceitaram, naquela altura.
Em 1861, por Ordem Real, a ilha é transformada numa prisão espanhola. Em Outubro, por Ordem Real, os negros emancipados de Cuba, mesmo contra vontade, seriam obrigados a embarcar da mesma forma. São 260 que se vão juntar aos prisioneiros políticos que já estavam na ilha.
Em 1937, o rei Moka de Bioko é preso pelas autoridades espanholas.
A Ilha de Ano Bom ou Pagalu (segundo Cunha Mattos)
“Acha-se situada em a latitude de 1 grau e 28 minutos meridionais, e aos 20 graus e 45 minutos de longitude do meridiano da Ilha do ferro (Canárias). [Dados do Google Earth: Latitude 1º24’51,49” Sul, Longitude 5º37’04,75”Este (Greenwich)]
Diz-se que foi descoberta pelos navios de João de Santarém e de Pedro Escobar em 1 de Janeiro de 1472 posto que Martim Behaim no seu globo planisférico de Nuremberg declarasse ter sido encontrada pelos navios de Diogo Cão no ano de 1484 ou 1485, isto no caso de ser a mesma ilha de Ano Bom a de S. Martinho de que ele trata; é pequena e de figura quase oval e extremamente montanhosa.
Foi erigida em capitania donatária de juro e herdade a favor de Jorge de Melo Gaspar da Silva segundo Capitão Donatário foi casado com Dona Maria de Almeida e foram pais de D. Luísa da Silva casada com António de Melo e tiveram a Dona Maria da Silva que casou com Martim da Cunha d’Eça e estes: D. Maria da Silva casada com Pedro de Brito e Ataíde. É isto o que eu encontro no Teatro Genealógico dos Grandes de Portugal a respeito de Gaspar da Silva.
Mas recorrendo às memórias mais autênticas e circunstanciadas que pude alcançar achei um assento junto ao auto do Sínodo Diocesano celebrado em S.Tomé no dia 15 de Junho de 1617 que unido a outras notícias põem-nos ao facto do senhorio desta ilha. Consta pois que durante o tempo de Jorge de Melo, primeiro Senhor Donatário, ajustava com ele Baltazar de Almeida morador na Ilha de S.Tomé povoar-se a ilha de Ano Bom como era obrigado pelo título da sua doação. Baltazar de Almeida remeteu alguns casais para a mesma ilha e seu sobrinho Luís de Almeida também morador em S.Tomé fez compra do senhorio dela em 1570 a Jorge de Melo pela quantia de 400$000 réis com permissão de El-Rei D. Sebastião.
Figura 18 – Ano Bom
Luís de Almeida faleceu sem descendentes e deixou a administração do Morgado das Laranjeiras a D. Maria de Almeida, sua prima, em cuja linha andou até que foi sequestrada no dia 25 de Março de 1744 a Martinho da Cunha d’Eça e Almeida, por falta de título legítimo para aquela posse. Pelas memórias do Sínodo Diocesano de S. Tomé mostra-se que D. Luísa da Silva era moradora na vila de Soure em Portugal.
Figura 19 – A ilha de Ano Bom, vista de leste
Mui poucas são as notícias sobre o antigo estado da Ilha de Ano Bom. No ano de 1598, o Capitão holandês Jacques Maypay comandante de cinco navios que iam para a Índia saqueou a ilha. A povoação principal tinha nesse tempo vinte casas. O Capitão continuou a sua viagem no dia 12 de Dezembro. No ano de 1605, tornou a ser saqueada pelo Capitão holandês Matalief. Existiam aí dois portugueses e 200 moradores pretos.
O mais célebre acontecimento acerca da ilha de Ano Bom foi da entrega e posse que dela tomou a Coroa de Espanha, em virtude do Tratado de 11 de Março de 1778, e participado ao Capitão Mor das ilhas de Príncipe e S. Tomé, em carta Régia de 2 de Novembro do mesmo ano, cuja execução foi pelo modo que se segue.
No ano de 1778 chegaram à Ilha de S.Tomé as Fragatas espanholas Soledade debaixo das ordens do capitão de Navio José Varela e Ulhoa, a Santa Catarina comandada pelo capitão de navio Joaquim Tapeta, um bergantim[8] e uma charrua[9]. A bordo destes navios foi o Conde de Argelar, Brigadeiro do exército espanhol nomeado Governador Militar e Político das ilhas de Ano Bom e Fernando Pó, cedidas a El-Rei Católico pelo sobredito Tratado. O Governador de S.Tomé Vicente Gomes que não tinha recebido a esse tempo ordens algumas da Corte de Lisboa para se fazer aquela entrega em que acreditava por ver as cópias das cartas régias, que o Governo português lhe havia dirigido, entreteve o Conde por algum tempo esperando que chegasse as fragatas portuguesas com o comissário desta nação que devia fazer a
entrega das colónias ao espanhol; este Comissário era o Capitão de Mar e Guerra Bernardo Ramires Esquível que depois foi substituído pelo capitão de Mar e Guerra Luís Caetano de Castro, por motivo que ignoro.
Algum tempo depois (em Julho de 1779) (de) chegaram as fragatas[10] espanholas deu fundo a Fragata Portuguesa N.Sª. da Graça no fim do termo da viagem, comandada pelo dito Luís Caetano de Castro que foi munido de plenos poderes para fazer a entrega. Nesta fragata ia o Governador João Manoel de Azambuja. Os navios das duas nações largaram imediatamente para a ilha de Fernando Pó, onde o Comissário e Governador espanhol Conde de Argelar tomou posse da colónia. Daqui regressaram a S. Tomé e durante esta viagem faleceu o conde de Argelar. De S.Tomé foram para a ilha de Ano Bom cujos habitantes se opuseram à entrega o que deu motivo a retirar-se para a Bahia de Todos os Santos, a Fragata portuguesa Graça cujo comandante deu parte ao Governo de não quererem os espanhóis tomar posse de Ano Bom contra a vontade dos moradores.
Na ausência da fragata Graça voltaram os espanhóis à ilha Fernando Pó, aí formaram o seu estabelecimento na enseada junto às ilhas Capras e deram-lhe o nome de S. Carlos e porque lhes morresse muita gente voltaram para S.Tomé. O Comandante da Fragata Graça recebeu na Bahia ordem para regressar a S. Tomé e quando ia na viagem encontrou-se com a Fragata S. João Baptista comandada por José de Sousa de Castelo Branco que lhe trazia ordens de Lisboa para fazer efectiva a entrega da ilha de Ano Bom por qualquer modo que fosse.
Poucos dias depois da chegada em S.Tomé seguiram todas as embarcações para a ilha de Ano Bom cujos habitantes vendo tão numerosa esquadra fugiram para os matos e daí insultavam os espanhóis quando conheceram que a bandeira desta nação tinha cachorros (os leões) e entenderam que o Rei de Portugal havia feito venda deles como escravos para irem para a América.
Este acontecimento acabou de desacorçoar[11] os espanhóis e como eles já então haviam perdido o Conde de Argelar o Ministro da Fazenda Real e 300 marinheiros e soldados, tendo os portugueses também perdido acima de 150 homens, houve uma sedição a bordo dos navios espanhóis dirigida por um sargento de artilharia e os sediciosos obrigaram ao Tenente Coronel D. Joaquim Primo de Rivera sucessor do Conde Governador, e ao Capitão do navio D. José Varela a regressar a S.Tomé donde fizeram (viagem?) para o Rio da Prata.
Assim acabou a expedição da colonização espanhola das ilhas de Ano Bom e Fernando Pó, em prejuízo de ambas as monarquias que entraram no contrato. O aviso expedido a Luís Caetano de Castro para expedição das ilhas foi datado de 19 de Fevereiro de 1779 e o abandono pelos espanhóis foi em 1780.
Figura 20 – Peixes voadores comestíveis, existentes no Golfo da Guiné
Estes disseram que largaram a colónia e recolheram-se a Rio da Prata por temerem serem aprisionados pelos ingleses com que (m) então começavam a ter guerra.
A linguagem dos habitantes da Ilha de Ano Bom é (era) a portuguesa corrompida pela pronunciação e pelo ajuntamento de muitos termos dos idiomas africanos. Quando falam parecem-se com os pescadores algarvios mais cerrados e arremedam menos aos habitantes de S. Tomé do que aos da Ilha do Príncipe. A sua religião é a católica romana de mistura com os abusos e superstições inumeráveis.
Ignora-se absolutamente o número dos habitantes da ilha de Ano Bom, mas pelo que me disse o Capitão-mor é provável que não excedam a duas mil almas ou ainda um menor número pois que ele contava 352 famílias tanto nas povoações como espalhados pelas roças. Dizem que antigamente existiram famílias brancas na ilha, mas no ano de 1814 restavam só 4 mulheres pardas, talvez filhas dos estrangeiros que ali aportaram. O autor do Santuário Mariano impresso no ano de 1722 diz que nesta ilha existiam mais de 700 homens e que as mulheres, meninas e mulatas seriam algumas duas mil.
O clima da ilha é mui benigno e saudável por se achar longe da terra firme, gozar de ventos frescos e ser refrigerada pelos vapores das águas do oceano mais puras do que as que banham as costas do Golfo do Benim, que recebem as matérias pútridas arrojadas pelos inumeráveis e caudalosos rios existentes desde o Cabo das Duas Pontas até ao de Santa Catarina”.
A ilha de Ano Bom ou Pagalu (do ponto de vista do autor)
É uma pequena ilha pertencendo actualmente à Guiné Equatorial, localizada a sudoeste e a cerca de 180 km de S.Tomé. Tem de comprimento máximo 6,4 km e de largura 3,2 km, sendo a sua área de 17,5 km2. Tem de população cerca de 5000 habitantes e como capital S. António da Praia. Pensa-se que a ilha foi descoberta por exploradores portugueses sob o comando de Fernão Pó, a caminho da Índia, em 1473, tendo sido povoada com angolas [12], em 1474.
Em 1778, foi cedida a Espanha juntamente com a Ilha de Fernão Pó (actual Bioko) e cedida toda a costa da Guiné para sul do rio Niger, em troca dos territórios espanhóis junto ao Brasil. Fez parte da Guiné Espanhola, desde essa data, com a Ilha de Fernão Pó, as ilhas de Corisco, Elobey Grande e Elobey Pequeno, junto à costa da Guiné Equatorial. Em 1968, a Guiné Espanhola emancipou-se de Espanha, formando o estado da Guiné Equatorial. Actualmente, a ilha tem o nome de Pigalu ou Pagalu que quer dizer papagaio, em português. Devido à distância de Bata e ainda mais de Malabo, capitais da Guiné Equatorial, e à proximidade de S. Tomé, é natural que mantenha os laços culturais com Portugal. O idioma é o espanhol, mas o mais usado é o Fá-d’Ambô derivado do português e do crioulo antigo.
Presentemente, em Ano Bom, ou Annobon ou Pagalu, não há água corrente, electricidade, televisores, refrigeradores, hotéis, nem transportes regulares.
Figura 21 – Foto aérea de Ano Bom
O alimento básico é o peixe cozinhado com arroz importado. Há muita fruta tropical. Dispõe de um regular e moderno aeroporto.
Somente no referente ao território continental, ou rio Muni ou Mnibi, houve necessidade de definir as fronteiras terrestres que foram atribuídas a Espanha pela convenção de Paris de 1900, dado que as ilhas estão por definição já referenciadas do antecedente.
Figura 22 – Fac simile do documento de demarcação das fronteiras da Guiné Espanhola
O Convénio hispano-francês de Paris, em 1900, definiu finalmente as fronteiras com o Gabão, então francês, ficando a fronteira norte do Rio Muni definida pela antiga fronteira entre o Gabão e o Camarões. O croquis da figura 22 apresenta o que foi anuído pelos dois participantes, Espanha e França, em 1900, e indica o que ficou assente entre Espanha e Alemanha, em 1906, no limite Norte. É este o mapa oficial de delimitação das possessões espanholas e francesas na Guiné Continental, incluída como anexo nº 3 ao texto do Convénio de 1900 e utilizada como única referência cartográfica válida nos trabalhos de demarcação que se seguiram à assinatura do mesmo. Para esta missão de demarcação saíram de Cadiz, em 9 de Junho de 1901, os técnicos Gutierrez Sobral, destinado a demarcar 318 km da fronteira meridional, e Barrajo Viñas, para a fronteira oriental de 342 km. Estes trabalhos foram executados com observações geodésicas e astronómicas pelos técnicos espanhóis. A fronteira norte com o país Camarões só foi concretizada em 1906, com ajuda do engenheiro alemão, Capitão Föerster.
A origem do Rio Muni, ou Mbini
Pelo Tratado do El Pardo, em 1778, além das ilhas de Ano Bom e Fernando Pó, foram cedidos a Espanha, por Portugal, “uns vagos direitos de comércio nas costas do continente africano, para a faixa que se estendia da foz do rio Niger até à do rio Ogowé” (figura13). Tal poderia ser considerado como parte das costas do Biafra e do Manicongo. Foram assim cedidas aos espanhóis possibilidades de comerciarem na costa da Guiné, entre o rio Niger e o rio Ogowe, o que deve corresponder a uma área que permite cobrir uma costa de cerca de 800.000 km2. Na figura 23, como sendo território espanhol, apenas constam Fernado Po, Annobon e Corisco, entre 1885 e 1894.
Figura 23 – Carta da época do Mapa Cor de Rosa
A carta régia de 21 de Novembro de 1493 autorizava os moradores de S.Tomé a resgatarem livremente mercadorias, incluindo escravos, na terra firme “desde o rio Real e a ilha de Fernando Pó até toda a terra de Manicongo”. Essa foi a autorização que, em 1778, foi extensiva aos comerciantes espanhóis, que passaram a dispor de cerca de 800.000 km2, para o seu comércio. Pela Conferência de Berlim, em 1885, Espanha, passou a dispor somente de 180.000 km2 de costa, entre Fernando Poo e Ano Bom. No entanto, em 1887, constavam como território espanhol somente as ilhas de Fernando Poo e Anobon, e a ilha de Corisco, junto à costa.
Figura 24 – Início da colónia Guiné Espanhola
Além das ilhas de Fernando Pó e Ano Bom, os espanhóis passaram também a ocupar uma área perto do cabo de S. João, incluindo a ilha Corisco. Em 1897, os espanhóis passaram a ocupar efectivamente as zonas assinaladas, áreas cedidas pela Conferência de Berlim, entre o rio S. Benito e o rio Gabão (figura 24).
A parte continental (Rio Muni) é protectorado em 1885 e colónia em 1900. Penso que, em 1885, foi atribuído a Espanha um rectângulo de terreno com cerca de 1 grau de lado em latitude, e 1 grau e meio de longitude em comprimento. Ficou portanto com um território encravado entre o Gabão e os Camarões, mas, analisando geometricamente, verifica-se que somente os franceses que ocupavam o Gabão, no Congo Francês, cederam aos espanhóis 26000 km2 deste território. Os alemães, nada cederam, mantendo o limite fronteiriço que tinham com o Gabão (figura 27), em 1887.
A fronteira norte do Rio Muni vai coincidir com linha que definia a fronteira entre o Gabão e o país Camarões. Já constam nesta carta as cidades de Batah e Libreville, actual capital do Gabão (figura 25).
Em 1909, todas as colónias espanholas do golfo da Guiné formaram os Territórios Espanhóis do Golfo da Guiné ou Guiné Espanhola.
Entre os anos 1926 e 1959, passou a designar-se de Guiné Espanhola a colónia constituída pelas duas ilhas principais e o território de Rio Muni. Foi nesta época que meu tio deve ter chegado à Guiné Espanhola.
Em 1960, Fernando Poo e o Rio Muni tornaram-se províncias ultramarinas separadas.
Figura 25 – Carta de 1887, indicando o limite entre o Congo Francês e os Camarões, tendo sido acrescentados, a tracejado, pelo autor, os limites da Guiné Equatorial com o Gabão
No já referido mapa (figura 3 e sua ampliação, figura 26), executado por Bonne, em 1770, cobrindo as ilhas do Golfo de Guiné, a Costa do Kalabar e a Guiné Oriental, até ao limite sul da actual Angola, pode ver-se que Bonne definiu, além da foz do rio Camarões, o cabo de S. Jean e o rio Benito, estes dentro dos actuais limites de Rio Muni.
Na data do mapa, todas as ilhas eram pertença de Portugal e assim o cartógrafo Bonne o indica.
Figura 26 – Pormenor da área do futuro Rio Muni
O limite norte do enclave foi definido com os Camarões que, como se pode ver na figura 27, já era uma linha recta (assinalada com a seta preta), em 1887, embora não constasse ainda área espanhola.
Figura 27 – Parte do Mapa Cor de Rosa, em 1887
Rio Muni actual
Depois de os espanhóis ocuparem parte da costa africana, em zona do Manicongo, e algumas ilhas, como Corisco, Fernando Pó e Ano Bom, foi-lhes cedido o terreno correspondente ao actual Rio Muni, que se pode ver na figura 28.
Figura 28 – A área continental atribuída ao reino de Espanha, com fronteiras desenhadas a régua e esquadro
Esta definição fronteiriça sofre dos defeitos normais de terem sido traçados a régua e esquadro, usuais na Europa, no referente a colónias africanas. Pessoalmente, parece-me que este país foi feito “à semelhança com uma gaveta introduzida no corpo da África ocidental ”.
A norte, confronta-se com os Camarões, e, a sul e a leste, com o Gabão. A oeste, com o golfo de Guiné. Nesta área continental, a capital está em Bata, onde se encontra a actividade comercial do enclave, mas a capital do país está em Malabo, no Byoco, antiga Fernando Pó.
A Espanha não tinha política colonial adaptada aos territórios da África tropical. A velha administração monarquista tinha, por muito tempo, oferecido a sua preferência, primeiramente, a Cuba e, em seguida, a Marrocos. Igualmente, em Portugal, o Brasil sempre teve a preferência dos políticos metropolitanos sobre as restantes colonias africanas, daí o atraso destas últimas.
Antes da guerra civil espanhola, a África equatorial não possuía existência administrativa autónoma, não tinha uma orientação política própria. A sua política, durante a monarquia, caracterizava-se por uma indulgente negligência na Guiné Espanhola, onde a situação de um território para outro variava.
Em Fernando Poo praticava-se uma agricultura essencialmente voltada para a exportação, ao passo que no continente, no Rio Muni, não se produzia nada, além de madeiras tropicais.
Figura 29 – A exportação das madeiras tropicais de Rio Muni foi, e é, um facto real da Guiné Equatorial
Em Fernando Poo a criação de plantações de cacau era inspirada na colonização portuguesa de S.Tomé, mas ela foi contrariada pela recusa dos autóctones, os Bubi, em trabalharem nas plantações. Portanto, a actividade agrícola dependia de trabalhadores importados, cuja importação era mascarada de serviçais, por a Sociedade das Nações ter proibido o trabalho escravo nas plantações. Em 1930, este trabalho foi mesmo interrompido por pressão da mesma Sociedade.
Durante a guerra civil espanhola (1936-39), tiveram lugar acções militares no Rio Muni, entre tropas republicanas e franquistas.
O generalíssimo Franco, como era conhecido em Espanha, quando atingiu o poder, introduziu algumas modificações de ordem orçamental na administração das colónias, dando mesmo autonomia à Guiné Equatorial.
A II Guerra Mundial aclarou as políticas coloniais dos anos de 1930 e lançou África numa grave tormenta que veio a ter consequências para Portugal, trinta anos depois.
A Guiné Equatorial foi colónia de Espanha até 1968.
É sobre esta troca que Espanha ainda hoje se queixa, pelo engano a que foi levada por Portugal. E se efectivamente se fixaram os espanhóis na zona não insular, foi à custa de muito trabalho e aventura, pois além das fronteiras com França e Alemanha terem sido cortadas a régua e esquadro, como já se disse, os terrenos atravessados cobriam zonas de mato cerrado e habitados com tribos indígenas de “antropófagos”.
Pela tese de doutoramento da Doutora Dolores G. Cantús[13], ainda podemos ver, no seu ponto de vista, como Portugal, em 1778, enganou Espanha.
A Ilha de Ano Bom:
– está indicada como situada a 11º13’ Sul, quando está realmente a 1º 24’ Sul;
– seria maior do que Fernando Pó, boa para cultivar algodão e teria bons ancoradouros. Acontece que, realmente, não tem terrenos cultiváveis e fica a 670 km de Fernando Pó. Está ainda situada na corrente quente de Benguela que leva directamente os navios à vela para o Brasil e muito dificilmente para Cuba, como Espanha pretendia;
– ainda hoje a ligação entre Fernando Pó e Ano Bom demora sete dias, e os passageiros vão de canoa para terra, pois o barco fica a vários quilómetros da capital Palé.
Na Ilha de Fernando Pó não houve enganos, pois tem bons ancoradouros e terrenos férteis.
S. Tomé e Príncipe foram efectivamente colonizados por Portugal, que largou as duas ilhas cedidas por puro desinteresse, e também porque, no final do séc. XVIII, o fluxo da escravatura se tinha deslocado para sul, Gabão, Congo e Angola, pelo que a ilha de Fernando Pó perdeu o interesse económico.
Além disso, as actividades dos “polícias ingleses”, com a sua marinha muito activa, também ajudaram a esta manobra.
Há várias histórias de embustes entre Portugal e Espanha, como está indicado, mas a mais sensacional foi a dos astrónomos e geógrafos portugueses terem acabado por se instalar numa área na América do Sul duas vezes superior à que lhes competiria pelo tratado de Tordesilhas, por um problema de medição das longitudes.
Portugal e Espanha, em 1777 e 1778, pelos tratados de S. Ildefonso e del Pardo, vislumbram as intenções de liberalizar o comércio colonial e suprimir o tráfego negreiro.
Mas, se analisarmos mais profundamente, verifica-se que a Espanha somente pretende obter um porto negreiro, sem intermediários, para abastecer Cuba.
Passaram quase 240 anos e o que vemos? Pelo menos, por enquanto, Portugal ainda não é depositário, de vulto, de aspirantes a trabalhadores vindos da CPLP.
Figura 30 – Transporte organizado de longo curso, entre África e América (séc. XVIII)
Os problemas que têm tido lugar nos países africanos e asiáticos, seu fluxo para a Europa, e sem intenção de menosprezar o sonho europeu dos migrantes, podemos comparar: (a) as atitudes dos negociantes do tráfico de escravos entre os séculos XVI e XIX, que proporcionavam o transporte dos mesmos (figura 30); e, (b) o transporte de migrantes proporcionado pelos actuais comerciantes, verdadeiros traficantes de pessoas no Mediterrânio entre África e Europa (figura 31).
Claro que, segundo Zurara, em 8 de Agosto de 1444, o desembarque, em Lagos, de 235 escravos foi um acto considerado lícito, e normal em toda a Europa e em todo o mediterrânio. O próprio Infante D. Henrique, receberia o “quinto” a que tinha direito na venda que se seguiria.
Figura 31 – Transporte desorganizado de “carne para trabalho quase escravo”, em pleno séc. XXI
E não devemos esquecer que a costa ocidental de África foi o maior fornecedor deste comércio e, portanto, a Guiné Equatorial pode ser incluída nesse item.
De há uns tempos para cá, notava-se uma má vontade na admissão da Guiné Equatorial na CPLP. As razões dos democratas portugueses e brasileiros seriam: (a) ter a Pena de Morte no direito cívico; (b) não se falar português; (c) O método governativo ser ditatorial.
Quanto às duas primeiras premissas, em Fevereiro de 2015, Obiang[14] suspendeu a Pena de Morte; em 2010, adoptou a língua portuguesa como oficial na Guiné Equatorial.
Antigas P.U. | Democrata | N/Democrata | Talvez |
Angola |
| Sim |
|
Cabo Verde | Sim |
|
|
Goa |
|
| Integra a India |
Guiné |
|
| Aguardar |
Macau |
|
| Integra a China |
Moçambique |
| Sim |
|
S.Tomé e Príncipe | Sim |
|
|
Timor | Sim |
|
|
Brasil | Sim |
|
|
Finalmente, “o ser uma ditadura”, parece difícil definir. Será que alguma antiga colónia portuguesa, mesmo o Brasil, é perfeitamente democrata e não ditatorial?
Falta alguma? Talvez Ajudá, que caiu sem lutas libertárias.
Assim, quando, em 2014, em Dili, a Guiné Equatorial recebeu a sua secretária com direito a lugar e a voto, parece que estava tudo certo. Julgamos que esta questão já será pacífica nesta data.
Os detractores da entrada deste país na CPLP enumeraram diversos pontos contra essa entrada:
– Depois de ter sido descoberta a existência de petróleo e gás natural, em 1990, o país ofereceu, em 2008, 3 milhões de dólares para a Unesco e 30 milhões para luta contra a fome em África;
– Em 2010, participa em Luanda na cimeira da CPLP como observador. Pouco antes da cimeira de Luanda incluiu a língua portuguesa como oficial;
– Em 2014, é suspensa a pena de morte no país;
– Consta que, embora desmentido, o apoio da Guiné Equatorial ao carnaval brasileiro, em 2015, ajudando uma escola de samba a ganhar, foi de 3,5 milhões de dólares.
Os mesmos detractores não entram em linha de conta com factores favoráveis:
– Actualmente, diversas empresas brasileiras e portuguesas trabalham na Guiné Equatorial;
– Já organizou dois campeonatos de futebol africano, tendo ficado, em 2015, classificado em 4º lugar. Eu gosto de futebol.
Figura 32 – Cidade Malabo, ex S. Isabel, na ilha de Bioko, actual capital
Pessoalmente, penso que a entrada da Guiné Equatorial na CPLP é bem vinda, e que a aceitação de pessoas para a CPLP só vem qualificar e dar valor a esta organização.
* Tenente-coronel de Artilharia. Professor Efectivo de Topografia e Geodesia da Academia Militar, Lisboa, Professor e Criador do Curso de Engenharia Topográfica no Instituto Politécnico de Beja, Professor de Topografia e Desenho Topográfico da Escola de Formação e Aperfeiçoamento do Instituto Geográfico e Cadastral, em Lisboa. Professor Convidado da Universidade dos Açores para as cadeiras de Topografia e Desenho Topográfico, em Ponta Delgada, e Professor de Topografia da Universidade Lusófona em Lisboa.
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[1] Quando o autor passou pelos bancos da Escola, ainda se estudavam todas as Colónias portuguesas, mas esta Guiné, por ser espanhola, não fazia parte desse estudo, razão para o aparecimento deste artigo.
[2] A Caminho da Índia – Björn Landström, 1964.
[3] (Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira; Vol. I.0, Editorial Enciclopédia Limitada. Lisboa-Rio de Janeiro, pgs. 692, 693).
[4] Esta alcunha foi posta pelos ingleses à esquadra naval que o rei da Ibéria tinha enviado para bater os ingleses, não o tendo conseguido, por desconhecimento das tempestades do mar do norte e da “arte“ dos piratas ingleses do “bate e foge”, os quais foram transformados em lords do almirantado pela sua raínha Isabel I, a qual só exigia aos seus marinheiros que lhe levassem todos os mapas portugueses e espanhóis que pudessem tomar.
[5] Fotos da Guerra civil americana (1861/65).
[6] Idem.
[7] O tratado de 1777 manteve o de Madrid (1750) e resolveu problemas só no Brasil: no de 1778, porque os espanhóis ficaram fora de África pelo de Tratado de Tordesilhas, Portugal cedeu Ano Bom e Fernão Pó e a costa africana acima referida.
[8] Embarcação pequena de dois mastros e uma só coberta. É própria para o combate ou para dar caça.
[9] Navio grande de guerra que servia para transporte de tropas.
[10] Navio de guerra de força imediatamente inferior à nau.
[11] Desanimar, desapontar.
[12] Nome dado a pessoas provenientes de Angola.
[13] Fernando Poo: Una aventura colonial Española en el África Occidental (1778-1900) – Universitat de Valencia, 2004.
[14] Presidente em exercício.
Tenente-coronel de Artilharia. Professor Efectivo de Topografia e Geodesia da Academia Militar, Lisboa; Professor e Criador do Curso de Engenharia Topográfica no Instituto Politécnico de Beja, Professor de Topografia e Desenho Topográfico da Escola de Formação e Aperfeiçoamento do Instituto Geográfico e Cadastral em Lisboa, Professor Convidado da Universidade dos Açores para as cadeiras de Topografia e Desenho Topográfico, em Ponta Delgada, e Professor de Topografia da Universidade Lusófona em Lisboa.