Nº 2567 - Dezembro de 2015
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Estratégia Marítima, Quo vadis?
Mestre
André Barbicas Ferreira

1. A Importância e o Valor do Mar

Várias características podem ser apontadas como salientes e ímpares, tornando o Mar um elemento crucial para o planeta e, claro está, para os seres vivos.

Podemos, então, começar por explicar o conceito de “Mar” pela sua enorme extensão, cerca de três quartos da superfície terrestre; o segundo ponto que pode ser feito é relativo à sua profundidade, uma vez que a mesma equivale a 12 600 pés.

Estas parecem ser as duas características mais proeminentes quando se tenta explicar, i.e., definir, o que é o Mar.

Porém, e por estar relacionado com questões de defesa, é importante referir que os mares são, igualmente, “pouco transparentes” às radiações de cariz electromagnético, o que levou muitos investigadores a aproveitar este factor no campo das armas e sensores militares.

Esta breve introdução ao conceito vê a sua importância na tentativa de realçar, por um lado, o valor real do mar e, por outro, o seu valor potencial, se tomarmos em linha de conta todos os inúmeros e ainda desconhecidos recursos naturais que dele se poderão aparentemente extrair. Podemos, então, resumir a questão em três componentes principais:

a) Como via de transporte;

b) Como fonte de recursos naturais;

c) Como plataforma para atacar a terra.

A utilização do Mar como via de transporte foi, e continuará a ser, uma realidade importantíssima, mantendo-se o transporte marítimo como o mais expressivo e económico meio de transporte para o comércio internacional.

O mar foi, desde sempre, uma fonte capital de recursos alimentares e desponta, recentemente, como fonte de produtos energéticos e minerais, além de poder conter todo um manancial de riquezas no fundo, por ora não se encontram totalmente reveladas.

A História mostra-nos que as nações dominantes, ou impérios, não deixaram de reconhecer, invariavelmente, a importância que o domínio do mar e a sua utilização adequada tiveram para a realização dos seus objectivos e interesses nacionais. Os gregos contra os persas, os romanos contra os cartagineses, a Europa Ocidental contra os turcos, lutaram, através dos séculos, pelo controlo do Mediterrâneo. Os vikings utilizaram, exaustivamente, o mar para ataques, comércio e exploração de áreas alargadas e desconhecidas, sendo, depois, seguidos pelos portugueses, espanhóis, franceses, holandeses, britânicos e alemães.

Conforme é unanimemente reconhecido, nas duas recentes guerras mundiais o poder marítimo contribuiu decisivamente para os resultados finais alcançados. Os americanos e os japoneses foram os últimos a lançarem-se para a tentativa de controlo de um oceano, o Pacífico.

Nos tempos mais antigos era a URSS, potência continental tradicional, que tenta, pela primeira vez na História, acrescentar a essa condição natural, ser também uma potência marítima.

O engrandecimento e a decadência da grande maioria dos povos estão intimamente relacionados com o domínio ou controlo que foram capazes de exercer sobre o mar, designadamente sobre as comunicações marítimas e os modos da sua utilização. Vivemos numa época em que o Mar se revela, mais e mais, como um factor relevante na vida internacional.

Os oceanos são um elo de unidade cultural e económica entre as nações, o acesso ao mar é um requisito essencial, pois nenhuma outra alternativa se revela, até ao momento, para substituir as reais potencialidades dos navios. Mesmo para países interiores, como a Áustria e a Suíça. O transporte marítimo é elemento de suporte essencial das importações e exportações de produtos essenciais às suas economias.

Atenta-se em que, cerca de 80% dos países actuais têm fronteira marítima ou, pelo menos, acesso ao mar e que, cerca de 70% da população mundial ocidental vive e tem os seus principais centros de actividade a menos de 50 km da costa.

Não surpreenderá, assim, a tendência que se mantém universalmente para o crescimento médio dos transportes marítimos, crescimento esse que se tem situado na última década entre os 4% e os 6%.

Os transportes marítimos representam cerca de 90% dos transportes mundiais. Inúmeros factores contribuem para esta situação, os principais dos quais são o baixo valor do frete marítimo em relação ao aéreo e ao terrestre (cerca de 1/100 e 1/10, respectivamente) e a insubstituibilidade do transporte marítimo no âmbito das cargas pesadas, factor porque se mantém como sustentáculo dos transportes de combustíveis e da grande maioria das matérias-primas essenciais.

De notar que, dos cerca de 35.000 navios mercantes existentes no Mundo, aproximadamente metade se encontra constantemente a navegar e que, embora se trate de um transporte de baixa velocidade em relação aos outros, continua a manter uma melhor relação quantidade/velocidade e quantidade/custo.

Em Portugal, por exemplo, segundo fontes do Instituto Nacional de Estatística relativas ao comércio externo, o transporte marítimo é responsável por 70% dos transportes totais.

No âmbito militar, recordamos aquilo que este meio representou como elemento vital durante as duas guerras mundiais e, mais recentemente, nos conflitos da Coreia e do Vietname.

Uma referência ainda à estratégia marítima da OTAN onde o reforço e reabastecimento da Europa, por parte dos EUA e do Canadá, irão ter uma componente de apoio vital e essencial no transporte marítimo através do Atlântico Norte, e uma outra referência ao confilto das Falklands (i.e., Malvinas), no qual esses transportes constituíram uma base capital de sustentação logística e de transporte militar para um teatro de operações tão distante do Reino Unido e sem quaisquer alternativas de bases de apoio.

As principais Marinhas Mercantes actuais, em número de navios disponíveis e tonelagem total, são as da Grécia, do Japão, do Reino Unido e da Rússia, além das tradicionais de bandeira de conveniência, como as da Libéria e do Panamá. Desde o final da II Guerra Mundial, até 1982, as de maior crescimento em número de navios são as do Japão e da Grécia.

Como fonte de recursos naturais o mar apresenta, ultimamente, fruto do crescente desenvolvimento tecnológico, perspectivas de riquezas jamais equacionadas ou sequer imagináveis. Mais concretamente, são de realçar, no âmbito dos recursos biológicos, as provenientes das novas técnicas de pesca e da maricultura e aquacultura, e, na área dos recursos minerais, as novas capacidades e técnicas de extracção do petróleo, de gás, da água, e de um cada vez maior número de minerais essenciais e, por fim, no campo dos recursos energéticos, o aproveitamento das marés, das ondas, das correntes e do próprio gradiente térmico.

Uma palavra ainda à parte alimentar.

Como se sabe, o mar contém, como fonte de proteínas, qualquer coisa como 6% a 8% das disponibilidades mundiais conhecidas e cerca de um quarto das carências em proteínas animais. Daí o papel importante que tem desempenhado, e continuará, certamente, a desempenhar, como suporte da alimentação mundial em situação de tensão e de guerra.

Os valores da produção das pescas têm vindo a crescer a nível mundial, e estima-se que possam duplicar até ao final deste século. Portanto, têm sido dados passos significativos nas áreas da investigação, permitindo um melhor conhecimento das espécies marinhas, a aplicação de novas técnicas de pesca e de conservação do pescado e, ainda, a utilização de zonas e regiões não exploradas anteriormente, nomeadamente, o Atlântico Sul e a Antárctida. Estatísticas de 1982 indicam como principais produtores de pescas o Japão, a URSS e a China.

No respeitante à maricultura e aquacultura, resta saber até que ponto poderá constituir uma alternativa do futuro das pescas, uma vez ultrapassados os ainda difíceis problemas técnicos, eventualmente existentes, e que a façam emergir como a substituta das pescas tradicionais. É uma solução de capacidade tecnológica intimamente ligada ao custo-eficiência, como é natural.

De salientar os esforços que, nesta área, têm vindo a ser desencadeados pela China, Japão e EUA, e a importância que a Plataforma Continental virá a desempenhar no futuro, caso esta solução encontre a sua viabilidade rentável.

Relativamente aos produtos energéticos e aos minerais, uma referência ao crescente aumento da produção mundial de petróleo extraído do mar (cerca de 20% do total, nos tempos actuais) e ao desenvolvimento de novos programas de sondagem e pesquisa que pretendem encontrar viabilidade para capacidades de extracção a maiores profundidades do que actualmente, ainda da ordem de 200 a 600 metros.

No campo dos minerais, uma alusão aos nódulos polimetálicos como fontes importantes de minerais essenciais e ao crescente aumento da extracção de urânio da plataforma continental, sem esquecer a quase certa necessidade da transformação, no futuro, da água salgada em água doce, em face das actuais perspectivas de carência no âmbito terrestre.

Quanto à potencialidade da utilização do mar como fonte de recursos energéticos são conhecidos os programas de investigação e desenvolvimento, relacionados com a utilização da energia das marés, das ondas e das correntes e aquilo que elas poderão representar, no futuro, como alternativas às tradicionais fontes de energia.

 

2. Conceito, Definição e Caracterização do Poder Naval

Antes de tentar caracterizar a Estratégia Marítima, considero oportuno adiantar alguns conceitos e definições que estarão na base das minhas considerações ao longo desta exposição.

O primeiro diz respeito ao Poder Maritimo.

O conceito de “poder” na sua forma mais elementar pode ser caracterizado, em síntese, como o instrumento ou capacidade disponível para impor uma vontade. Na sua expressão de mais alto nível, quando respeitante a um Estado ou Nação, é referenciado como Poder Nacional, ou seja, a integração de todos os meios ou capacidades disponíveis como um todo, destinados, especialmente a promover a consecução e a manutenção dos objectivos nacionais definidos pela política e mobilizados pela Vontade Nacional.

De salientar que esses objectivos nacionais abrangem, normalmente, realizações, tanto no âmbito interno como no externo.

Em suma, existem dois elementos básicos no poder: a vontade para actuar no sentido de alcançar os objectivos (Vontade) e as capacidades ou meios para os atingir (Capacidade).

O “Poder Marítimo” será aqui definido como a integração de todas as capacidades ou meios relacionados com o mar (capacidades que constituem uma componente importante do Poder Nacional) que permitem aos Estados que as possuem o uso do mar na consecução dos objectivos definidos pela Política.

O Poder Naval abrange aquilo a que vulgarmente se designa por Marinha de Guerra, ou Armada, isto é, as unidades navais, os meios aéreos orgânicos, os fuzileiros quando não ramo independente, e todo o sistema logístico de apoio. O conceito de bases, em sentido lato, aplica-se a todo o sistema logístico de apoio às marinhas em geral e indispensável à sua operação e manutenção.

Deste modo, nele estão incluídos os estaleiros navais, os arsenais, os terminais de combustíveis e cargas, e as zonas portuárias, tanto no âmbito interno como no externo do Território Nacional (TN).

 

3. A Estratégia Marítima: Uma Caracterização

Caracterizado, ainda que de forma necessariamente sucinta, o Poder Marítimo, parece agora possível avançar para a caracterização da Estratégia Marítima.

Uma definição orientadora poderia ser a ciência e a arte que se ocupa da escolha, preparação e emprego do Poder Marítimo (componente do Poder Nacional) em tempo de paz perante antagonismos e em situação de crise ou de guerra para a realização dos objectivos definidos pela Política.

Estamos, como é evidente, no âmbito de uma Estratégia não só de grande amplitude de meios e de objectivos, mas também inter-relacionada e interdependente com os outros factores do Poder Nacional, em especial os factores político, económico e militar.

No momento em que se têm de equacionar capacidades como o Poder Naval, as marinhas civis e todas as suas bases logísticas indispensáveis, escusado será sublinhar toda a panóplia de complexos e profundos problemas na esfera das decisões politicas, económicas e militares inerentes a esses elementos do Poder Nacional.

Pela definição adiantada, parece evidente que a Estratégia Marítima é inerente ao espaço marítimo, ou seja, trata-se da Estratégia do Poder Marítimo. De notar que vai muito mais além da Estratégia Naval, sendo que esta se refere exclusivamente ao Poder Naval, elemento saliente do Poder Marítimo.

Os objectivos que se pretendem realizar através da Estratégia Marítima são normalmente sintetizados em duas áreas fundamentais:

a)  Garantir o exercício da exploração económica do mar nas suas duas vertentes principais, da segurança das comunicações marítimas (transporte) e da protecção da exploração dos recursos económicos do mar;

b)  A possibilidade de utilização do mar como plataforma para atacar a terra;

o que pressupõe, em síntese geral, a possibilidade de controlo ou utilização do mar em proveito próprio e a sua “negação” aos eventuais antagonistas.

Para tanto, são indispensáveis não só os meios, mas também todo o sistema logístico de apoio, essencial à sua sustentabilidade.

A segurança das comunicações marítimas envolve, por um lado, a defesa e protecção das marinhas civis e, por outro lado, a defesa dos portos, bases, pontos de apoio e o controlo de zonas foais de navegação (“choke points”), e áreas de acesso respectivas.

A protecção da exploração dos recursos económicos do mar abrange uma vasta área de actividades e meios.

É presentemente referenciada como a vigilância e fiscalização das zonas económicas exclusivas (ZEE), resultantes da nova Lei do Mar.

Principais Operações:

a)  Protecção e apoio das pescas;

b)  Inspecção e protecção das actividades «off-shore», incluindo a exploração de minerais e de produtos energéticos;

c)  Protecção do ambiente, designadamente a limitação da poluição marítima;

d)  Segurança do tráfego marítimo e aéreo naquilo que é designado como o serviço de busca e salvamento (SAR);

e)  Reforço da autoridade através do controlo das comunicações marítimas e do controlo fiscal (repressão do contrabando);

f)  Protecção e apoio de outras actividades marítimas como a meteorologia, hidrografia e oceanografia.

Uma palavra sobre o Poder Naval, elemento do Poder Marítimo. O Poder Naval é caracterizado por três elementos essenciais:

a)  O elemento força, instrumento de guerra à superfície, acima da superfície e em imersão, ou seja, as unidades navais e os seus meios aéreos orgânicos e ainda os fuzileiros, nas marinhas em que não se constituem como ramo autónomo das Forças Armadas, como sucede nos Estados Unidos da América;

b)  O elemento segurança, integrada essencialmente pelas bases de apoio ou logísticas essenciais para o abastecimento e manutenção do elemento de força e como garantia para a sua sustentabilidade;

c)  O elemento transporte, constituído, basicamente, pela Marinha Mercante e pelos estaleiros navais ou arsenais.

Em síntese, este Poder Naval desempenha três funções essenciais na consecução dos objectivos definidos pela política (Estratégia Naval):

a) Funções de carácter diplomático;

b) Funções de interesse público;

c) Funções de carácter militar.

 

4. A Estratégia Marítima: A sua utilização

Caracterizada a Estratégia Marítima nos seus aspectos mais salientes, entrarei agora no âmbito do seu emprego, ou seja, nos modos de realização dos objectivos nacionais relacionados com a utilização do Poder Marítimo.

Iniciarei este capítulo com o Poder Naval.

Conforme afirmei, as suas funções básicas abrangem, fundamentalmente, três grandes objectivos da Estratégia Naval:

a) Funções de carácter diplomático;

b) Funções de interesse público;

c) Funções de carácter militar.

A função de carácter diplomático está intimamente relacionada com a direcção da política externa nacional.

Ao ser utilizado o Poder Naval nestas funções, são tomadas em consideração as suas características ímpares de versatilidade, mobilidade, capacidade de projecção, autonomia e simbolismo. Através da conhecida “presença naval”, esse poder desempenha um papel singular no apoio à política externa, designadamente na criação das condições psicológicas para negociação diplomática, partindo de uma posição de força, e naquilo que esta postura representa de capacidade de influência e de prestígio nacional. Por outras palavras, essa presença naval permite, sem dúvida, um significativo aumento da capacidade de negociação, apoiada numa componente de dissuasão de extrema importância, onde a credibilidade da eventual actuação, em caso de necessidade, tem certamente um papel preponderante na condução dessas negociações.

Em suma, trata-se de um instrumento potencial importante para o aumento da capacidade da Nação em influenciar, através de intimidação, as orientações de negociações diplomáticas específicas consoante os cenários e, em particular, na condução de crises. Pode, igualmente, ser utilizado a nível diplomático de um modo indirecto, designadamente no apoio a terceiros, na demonstração de uma condição de dependência naval e, ainda, em demonstrações em áreas distantes associadas a objectivos nacionais externos.

Poderíamos encontrar imensos exemplos demonstrativos de que os efeitos que se conseguem com a presença naval são consideravelmente mais significativos do que a decisão de se enveredar pela utilização desse poder de forma ofensiva.

“A existência do poder naval é uma concreta e permanente evidência da Vontade Nacional, é um dos factores de influência nas relações internacionais, e o seu grau de prontidão, os seus movimentos, podem dar um significado  capital à acção diplomática” [1]

No respeitante às funções de interesse público, já aludi, anteriormente, à importância actual, fruto da nova Lei do Mar, da vigilância e fiscalização das ZEE. Trata-se de uma função de policiamento, de auxílio militar à autoridade civil na garantia da ordem e na manutenção da soberania nacional. De realçar que estas funções têm reflexos importantes e participam activamente em outros sectores vitais da Estratégia Nacional, em particular nas estratégias Económica, Diplomática e Psicológica.

A completar estas considerações sobre o emprego do Poder Naval dentro de uma Estratégia Naval, uma referência às funções de carácter militar.

Para além da importante e indispensável colaboração com os outros ramos das Forças Armadas nas missões inerentes à defesa nacional, garantia da integridade do Território Nacional e da Soberania Nacional, o Poder Naval tem o papel relevante no âmbito da dissuasão nuclear estratégica e convencional e, através dos diferentes tipos de operações navais, no controlo do mar, requisito indispensável à protecção e manutenção da ordem internacional no mar.

Os objectivos principais actuais do emprego do Poder Naval, no âmbito da Estratégia Naval, são os seguintes:

a)  Controlo do mar para fins militares, económicos e diplomáticos;

b)  Transporte e abastecimento de forças militares por mar, e a sua protecção;

c)  Movimento e transporte de forças navais para atendimento de tarefas diplomáticas ou para o seu emprego contra alvos em terra ou no mar;

d)  Defesa da garantia de exploração dos recursos económicos do mar e do seu leito.

Do conceito tradicional e histórico do chamado “domínio ou senhorio do mar” por parte da Potência Marítima, conceito básico da doutrina de Mahan, apoiado num poder naval ofensivo, capaz de levar, em qualquer momento e em qualquer lugar, à vitória decisiva no mar sobre o inimigo, tendo em vista a garantia da utilização do mar para objectivos próprios e a negação do seu uso aos antagonistas, tem-se vindo a evoluir, naturalmente, para o novo conceito do “controlo do mar”.

Não representa outra coisa senão o domínio do mar numa área limitada e durante o tempo necessário para a consecução de uma determinada operação ou objectivo específico. As leis internacionais, limitando cada vez mais as áreas marítimas gerais, bem como a ameaça nuclear, têm vindo a ser os principais responsáveis pela impossibilidade da utilização do poder naval com o intuito de um domínio completo do mar.

Passemos, agora, ao emprego da componente transporte do Poder Marítimo na Estratégia Marítima.

Segundo estatísticas Lhoyd’s, para o período de 1945-1980, a Marinha Mercante mundial tem vindo a conhecer um grande crescimento total (2,5 vezes mais em toneladas), é significativo o aparecimento de navios de maiores dimensões (cerca do dobro), um aumento na velocidade de deslocamento da ordem dos 30% e conhece-se uma diferente repartição da tonelagem mundial (petroleiros representam cerca de 40% da tonelagem total, seguida dos transportadores de produtos energéticos e de minerais).

Além disso, constata-se, como vimos, uma mudança de países com supremacia mercante.

Não é, portanto, de surpreender que a Marinha Mercante seja considerada, actualmente, no emprego da Estratégia Marítima, como a quarta arma ou ramo das Forças Armadas, importante contributo para a Segurança Nacional em países marítimos, e vital para a segurança do Ocidente, designadamente no campo dos transportes marítimos para fins económicos. E, no campo militar, como apoio ao Poder Naval e como transporte para fins militares.

A terminar estas considerações no âmbito do emprego da Estratégia Marítima, uma palavra final ao “homem do mar” e à mentalidade marítima. O homem é exactamente aquele que permite qualquer estruturação e dinamismo de acção em todos os sectores do Poder de maneira a fazer a sua integração como um todo.

O seu ensino profissional, numa era de exigências tão grandes nos campos científico e tecnológico, não pode deixar de constituir preocupação primordial dos governantes. Com isso se contribuirá para o cimentar de uma consciência nacional, de uma real mentalidade marítima nacional, em suma, uma opinião pública que acredite firmemente no valor do mar e que esteja consciente do seu inegável contributo para o Desenvolvimento e Segurança Nacional.

No caso português, nação marcadamente marítima, ao Atlântico intimamente ligada, desde sempre, e neste oceano geograficamente disperso, o mar é o seu principal aglutinador logístico e uma base essencial de coesão nacional.

“As lições da História ensinaram-nos que, desde os tempos remotos de Roma, a nação que possui o controlo dos oceanos e mares mais importantes e das suas zonas de trânsito é a que, no final, prevalece” [2]

 

5. Considerações Finais

a) O valor estratégico e económico do mar, que sempre constituiu historicamente um facto, tem vindo a aumentar nos tempos mais recentes;

b) Determinadas regiões, até agora representando um papel selectivamente secundário do ponto de vista mundial, poderão emergir, em futuro breve, para uma posição conspícua mundial (casos da Antárctida, da Islândia, da Groenlândia, e das Ilhas Atlânticas);

c) O crescente aumento demográfico mundial e a estimada futura carência de recursos biológicos e minerais, fazem do mar uma esperança natural, mas também, e em paralelo, uma nova potencial fonte de futuros conflitos de interesses económicos e estratégicos de vária ordem;

d) Participando o Poder Marítimo em todas as componentes do Poder Nacional, é inegável o papel relevante deste Poder para o desenvolvimento e para a segurança das nações marítimas, em especial do Ocidente;

e)  Dentro dos objectivos principais da Estratégia Marítima sobressai a importância cada vez mais relevante do controlo do mar, designadamente, para a manutenção da segurança das comunicações marítimas para fins económicos e militares, e para a garantia da exploração dos recursos económicos do mar.

 

[1]  Documento de Estratégia Nacional Francesa, in http://www.css.ethz.ch/.../pdfs/CSS---Analysen-46-FR.pdf.

[2]  Marechal Montgomery: 1959.

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2016-01-11
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Mestre

André Barbicas Ferreira

Especialista em Relações Internacionais e Estratégia.

REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia