Procuraremos neste artigo perceber de que modo as Forças Armadas (FA) têm contribuído para a afirmação dos desígnios da política externa do Estado, na região do Magrebe, tradicionalmente definida como a região noroeste de África, a oeste do Egipto, onde se incluem em Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Mauritânia e os territórios do Sara Ocidental.
A análise do modo como essa contribuição se tem vindo a processar efetuou-se através das ações levadas a cabo pelas FA no campo da cooperação militar e dos contributos proporcionados no domínio tecnológico e industrial na área da defesa, assim como da participação em operações militares, realizadas tanto no quadro multilateral das organizações internacionais e regionais de que Portugal faz parte, como no quadro bilateral com os países da região.
No quadro multilateral considerámos a participação das FA em atividades da Organização das Nações Unidas (ONU), da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) da União Europeia, da Agência Europeia para as Fronteiras Externas (FRONTEX), da Organização do Tratado do Atlântico Norte e da Iniciativa 5+5[1]. Não nos deteremos nas relações da OSCE com o Norte de África dada a sua nula expressão no domínio militar. No quadro bilateral consideraremos a cooperação militar com todos aqueles países[2]. Mapearemos as diferentes atividades levadas a cabo no quadro da cooperação multilateral e bilateral, de seguida salientaremos a importância do “Diálogo para o Mediterrâneo” da OTAN para Portugal, avançaremos com algumas propostas que poderão ajudar a melhorar a cooperação de defesa com os países do Magrebe, para terminar com uma síntese conclusiva.
Não nos deteremos na importância geoestratégia da região para Portugal. Diremos apenas que foi reconhecida como uma área geográfica de interesse estratégico relevante em documentos oficiais, desde 1991, e tem-no sido nos sucessivos programas dos últimos oito governos da República. Para além disso, o Magrebe foi considerado como área geográfica de interesse estratégico para Portugal nos conceitos estratégicos de defesa nacional de 1994, 2003 e 2013. É uma região onde Portugal tem vantagens competitivas evidentes sobre os seus parceiros: não tem um passado colonial recente na região; mantém um bom relacionamento com os países da região; não é percebido como uma ameaça; e não existem tensões com os países da região resultantes da imigração.
No âmbito da ONU, as FA participaram em três operações de paz na região, tanto na forma de unidades constituídas como de contribuições individuais. No primeiro caso, as FA participaram na missão de paz da ONU no Líbano – UNIFIL –, desde o final de 2006, com uma unidade de Engenharia militar de escalão companhia, tendo terminado a sua contribuição a 27 de junho de 2012[3]; assim como na missão de paz no MALI – MINUSMA –, de 4 de setembro de 2014 a 15 de Maio de 2015, com um contingente de 51 militares. Essa participação sofreu, ao longo do tempo, diferentes configurações. À presente data, a Força Aérea Portuguesa (FAP) mantém dois militares no QG da MINUSMA.
No caso de contribuições individuais na forma de observadores militares, as FA participaram na missão da ONU na região do Sara Ocidental – MINURSO –, desde abril de 1996 até fevereiro de 2001. De salientar que dois dos comandantes da missão foram oficiais generais portugueses.
No âmbito da PCSD, as FA participaram e participam também no Mali, na EUTM Mali. No seguimento de um pedido feito pelas autoridades do Mali e de acordo com os termos da RCSNU 2085[4], a UE decidiu lançar, em fevereiro de 2013, a EUTM Mali, uma missão não combatente, a qual visava treinar e aconselhar as FA do Mali, sob controlo das autoridades civis legítimas, de modo a dotá-las das capacidades necessárias para restaurarem a integridade territorial do País. Vinte e três Estados-membros da UE responderam à chamada contribuindo com pessoal. A participação nacional teve início a 25 de fevereiro de 2013 e conta com sete militares, seis deles com a missão de formar atiradores especiais do Exército do Mali.
Encontra-se ainda em estudo pelas autoridades portuguesas a possibilidade das FA virem a participar na EUNAVFOR MED, operação SOPHIA, uma missão militar da CSDP aprovada pelo Conselho, com o objetivo de desmantelar as redes de tráfico e contrabando de seres humanos na região central do Mediterrâneo.
No âmbito do FRONTEX, a Marinha e a Força Aérea têm vindo a participar, desde 2011, em várias operações coordenadas por aquela agência. A Força Aérea tem vindo a participar em diferentes iterações de quatro operações distintas daquela organização: na operação HERMES, em Pantelleria e Cagliari (Itália)[5], na operação POSEIDON, na ilha de Creta (Grécia), na operação AENEAS (Itália) e na operação ÍNDALO, em Almeria (Espanha), todas elas com a missão genérica de controlar os fluxos de migração irregular a partir do norte de África.
No ano de 2015, a FAP participou: na operação HERA 2015, de 22 de Agosto a 30 de setembro[6], com a missão de detetar e localizar embarcações suspeitas de migração irregular, tendo efetuado outras missões, nomeadamente, de Busca e Salvamento (SAR) em apoio das autoridades senegalesas; na operação TRITON 2015, 1 a 31 de outubro[7], com a missão de vigiar e agir como agente dissuasor na salvaguarda da vida humana, em que as instituições europeias estão empenhadas[8]; na operação INDALO com a missão de controlar atividades de migração ilegal e outros crimes transfronteiriços, desde o Norte de África até a sul da costa espanhola. A Operação INDALO, com sede em Málaga (Espanha), foi conduzida na costa sul de Espanha.
Também a Marinha tem estado muito ativa em diferentes iterações de várias operações do FRONTEX, quer através do envio de navios quer através de equipas da Polícia Marítima. Em 2015, a Marinha participa com um navio patrulha oceânico na operação INDALO 2015, no Mediterrâneo ocidental, em águas espanholas e nas fronteiras marítimas com a Argélia e com Marrocos, com a missão de detetar, identificar e impedir a atividade de embarcações envolvidas nos fluxos migratórios irregulares e prestar socorro sempre que necessário. A Polícia Marítima participa, de 1 de outubro a 31 de dezembro de 2015, na operação POSEIDON SEA 2015, no mar Egeu, com o objetivo de cooperar no controlo e vigilância das fronteiras marítimas gregas e no combate ao crime transfronteiriço[9], em Lesbos, junto à costa da Turquia, em cooperação com a guarda-costeira grega.
No âmbito da OTAN, a participação das FA deve ser considerada a três níveis: no quadro de parceria do “Diálogo para o Mediterrâneo” (a ser discutida separadamente em secção própria); no âmbito operacional; e no campo da cooperação em matéria de ciência e tecnologia. Nem as FA nem qualquer outro órgão nacional participam em atividades de natureza militar da iniciativa da OTAN nos dois primeiros níveis de intervenção. A “Science and Technology Organization” (STO), cujo objetivo prioritário é contribuir para o desenvolvimento de formas de segurança cooperativa, em que 70% das suas atividades são abertas a parceiros, nomeadamente àqueles que se inserem no “Diálogo para o Mediterrâneo”, poderia ser outro fórum a aproveitar por Portugal e pelas FA.
No âmbito operacional, a OTAN tem em curso no Mediterrâneo a operação naval Active Endeavour, a qual foi lançada em outubro de 2001, como resposta à ameaça terrorista materializada pelos ataques de 11 de setembro de 2001, sendo, até à data, a única operação militar da OTAN ao abrigo do Artigo V do Tratado do Atlântico Norte.
Esta operação naval decorreu inicialmente no Mediterrâneo Oriental, com a missão de detetar e impedir o movimento de terroristas ou de armas de destruição massiva. As FA têm contribuído regularmente para esta operação, desde novembro de 2001, através da sua participação nas forças navais permanentes da OTAN, primeiro na STANAVFORLANT e, depois de 2005, na SNMG1[10]. A partir de março de 2005, essa participação envolveu também uma aeronave P3-P e, após agosto de 2012, um submarino.
Ainda no âmbito operacional, cabe referir a operação Unified Protector levada a cabo pela OTAN, na Líbia, e que culminou com a queda do regime de Moammar Gadhafi, na qual Portugal não participou com meios militares tendo-se limitado a manifestar solidariedade política com a ação da OTAN.
No que respeita à “Iniciativa 5+5”, provavelmente o quadro de parceria mais bem-sucedido com os países da região, as FA portuguesas têm desempenhado um papel de extrema relevância. Criada em 2004, a “Iniciativa 5+5” visa favorecer o conhecimento mútuo entre os seus países membros, reforçar o entendimento e a confiança, e desenvolver a cooperação multilateral entre os países do Mediterrâneo ocidental, assim como ajudar a criar e manter um clima de franca colaboração entre os dez países que a integram, de modo a dar um contributo significativo para soluções que respondam a preocupações comuns na área da segurança e da defesa.
A “Iniciativa 5+5” desenvolve-se nos seguintes domínios de cooperação: vigilância marítima; segurança aérea; participação das FA no domínio da proteção civil, educação e investigação. No campo das atividades salientamos a realização anual de exercícios conjuntos e combinados, onde é testada a interoperabilidade entre as FA dos países membros, com a participação de observadores dos diferentes países em exercícios militares.
No âmbito da “Iniciativa 5+5” desenvolve-se um conjunto de projetos extremamente relevantes, como sejam: o Colégio 5+5 de defesa; o Centro Virtual de Tráfego Marítimo Regional; o Centro Euro-magrebino de Investigação e Estudos Estratégicos; as Redes de Pontos de Contacto; o Centro de Formação em Desminagem Humanitária; o Centro de Coordenação e Planeamento Operacional; o Centro de Formação em Busca e Salvamento; a Poluição Marítima Acidental; e o Mecanismo de Coordenação Naval.
A “Iniciativa 5+5” tem-se revelado um instrumento de cooperação no domínio da defesa altamente eficaz ao serviço dos interesses de uma segurança comum no Mediterrâneo ocidental e as FA têm desempenhado aqui um papel fundamental.
Passemos então a analisar a cooperação bilateral entre as FA portuguesas e as FA dos países da região, ou seja, com Marrocos, Argélia, Tunísia, Mauritânia e Líbia. Iremos concentrar-nos apenas nas atividades mais recentes.
A cooperação bilateral de defesa com a Argélia é enquadrada por diversos acordos que remontam a 31 de maio de 2005. Esta cooperação tem-se traduzido na realização de cerca de duas dezenas de atividades por ano, de curta duração, em vertentes como o treino militar, a observação de exercícios e a troca de experiências militares em variadas vertentes. Esta cooperação estende-se também ao domínio da educação. Cadetes argelinos frequentam os planos de estudos de mestrado integrado em ciências navais, na Escola Naval.
Encontra-se em estudo a possibilidade de aprofundar o já elevado nível de cooperação e alargá-la a outros domínios, nomeadamente, à economia de defesa, o que passa, por exemplo, por intercâmbios no domínio das indústrias de defesa, com o objetivo de aproveitar um conjunto de fatores favoráveis existentes. Referimo-nos ao bom nível do relacionamento bilateral, à vontade política da Argélia incluir Portugal nos seus parceiros estrangeiros preferenciais e à intenção da parte argelina em criar estruturas industriais de defesa no seu território.
A cooperação bilateral no âmbito da defesa com a Líbia iniciou-se em 28 de maio de 2009[11], tendo-se traduzido na realização anual de um número reduzido de atividades de curta duração. De registar ainda que, por razões de ordem securitária, desde 2010, que não se verifica a realização de nenhuma atividade, nomeadamente, reuniões da Comissão Mista. Apesar de muito promissora, teremos que esperar pela consolidação do regime no país para se concretizar esse potencial.
As relações bilaterais em matéria de Defesa, entre Portugal e Marrocos, estão enquadradas por diversos instrumentos de cooperação bilateral, entre eles, o Acordo de Cooperação em matéria de Defesa celebrado entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Reino de Marrocos, em 23 de setembro de 1993. É o acordo de cooperação mais antigo realizado com os países da região, não sendo, por isso, de estranhar que seja o mais estruturado.
Este acordo prevê a realização de comissões mistas anuais onde se discutem os termos dessa cooperação, tendo sido a primeira realizada em novembro de 1995 e a última em setembro de 2014. Nesta última, foi acordado um plano de cooperação para os anos de 2015 e 2016, composto por 26 atividades que abrangem: estágios operacionais no deserto; estágios de fisiologia de voo; treino de sobrevivência em ambiente marítimo para pessoal tripulante; treino SAR (Search and Rescue ); estágios no simulador de C-130; e observação de exercícios, entre outros. No capítulo da economia de defesa salienta-se a reparação de navios da Marinha Real de Marrocos efetuada no Arsenal do Alfeite.
Para além do acordo de cooperação referido, e ao abrigo deste, foram posteriormente celebrados vários acordos técnicos entre os ramos da FA dos dois países e entre os ministérios da defesa no domínio do património, da história militar e da museologia.
O estabelecimento de relações bilaterais em matéria de Defesa entre Portugal e a Mauritânia é o desenvolvimento de cooperação mais recente com os países da região. São reguladas pelo “Acordo de Cooperação Bilateral” assinado em 21 de Outubro de 2010. A cooperação bilateral iniciou-se nesse mesmo ano, com a realização da primeira reunião da Comissão Mista, em Lisboa, tendo sido negociadas sete atividades de cooperação a empreender em 2011. Foi acordado dar início à cooperação de defesa nas áreas da formação e do treino, da observação de exercícios e das indústrias e tecnologias de defesa. A segunda reunião de Comissão Mista teve lugar em abril de 2012, em Nouakchott, não se tendo registado qualquer evolução até à data.
As relações bilaterais em matéria de Defesa com a Tunísia são enquadradas pela “Convenção de Cooperação no Domínio da Defesa”, assinada a 18 de janeiro de 2013 (apesar de ter existido anteriormente um acordo de cooperação que remonta a 1995). A cooperação bilateral anual na área da defesa tem como suporte um plano de atividades fixadas pela Comissão Mista. Reconhecendo o potencial de complementaridade entre os dois países e as ameaças existentes na bacia do Mediterrâneo, Portugal e a Tunísia concertaram um plano de atividades para 2015, composto por vinte e cinco atividades de cooperação (treze a terem lugar na Tunísia e doze em Portugal), dedicadas, essencialmente, a áreas como o combate ao terrorismo, à segurança marítima, à ciberdefesa, à saúde militar e à economia de defesa.
Uma leitura neutral dos acontecimentos conduzem-nos à conclusão de que o sucesso da cooperação no âmbito da defesa tem sido um elemento crucial na forma como estes Estados nos olham e na amizade e estima que Portugal tem vindo a grangear na região. Justifica-se, por isso, aprofundar e alargar a cooperação bilateral com os países que revelem maior disponibilidade para o fazer, e onde se possam maximizar mutuamente os benefícios.
O “Diálogo para o Mediterrâneo” é um quadro de parceria criado em 1994 e que, em 2004, na cimeira da OTAN, em Istambul, foi elevado a um patamar em que passou a ser considerado um verdadeiramente instrumento de diálogo e cooperação de sete países da margem sul do Mediterrâneo com a OTAN, integrando uma componente política e militar. Integram este quadro de parceria a Argélia, Egipto, Israel, Jordânia, Marrocos, Mauritânia e Tunísia. Por quatro desses países integrarem a “Iniciativa 5+5”, e se situarem na região do Magrebe, a importância do “Dialogo para o Mediterrâneo” reveste-se de uma elevada importância para Portugal. Apesar disso, Portugal tem estado ausente de este espaço multinacional de cooperação.
O “Diálogo para o Mediterrâneo” é um fórum da OTAN onde a cooperação se efetua quase exclusivamente no domínio militar. Cerca de 90% das atividades desenvolvidas são de natureza militar. Pelos motivos aduzidos, seria muito importante que as FA portuguesas ali estivessem representadas, o que não acontece. É um domínio de intervenção quase exclusiva da França e da Itália, com algumas incursões da Turquia.
Ainda no domínio das atividades de cooperação da OTAN no âmbito do “Diálogo para o Mediterrâneo”, cabe referir as atividades levadas a cabo pelo “NATO Defense College”, responsável pelo funcionamento da designada faculdade do Médio Oriente, que ministra cursos orientados para os parceiros do “Diálogo para o Mediterrâneo” e da “Iniciativa de Cooperação de Istambul”. Portugal não contribui para o corpo docente da referida faculdade, limitando-se a enviar esporadicamente alunos.
No caso da participação em operações sob a égide da OTAN, da PCSD, da União Europeia, ou do FRONTEX, a participação das FA resultou fundamentalmente da imperiosa necessidade de Portugal ter de assumir as suas responsabilidades enquanto membro das organizações internacionais que integra. A participação nessas missões tornou-se uma inevitabilidade resultante dos incontornáveis apelos à solidariedade institucional feitos pelos nossos parceiros e aliados que, a ser quebrada, colocaria seriamente em causa a credibilidade do país. Muitas das vezes, os objetivos dessas operações não afetam diretamente o interesse nacional. Portugal comporta-se fundamentalmente como um produtor de segurança internacional.
É necessário exercer uma diplomacia de influência para que a agenda dessas organizações possa refletir melhor os interesses nacionais, como acontece quanto à salvaguarda dos interesses de outros países. Referimo-nos concretamente à OTAN e à PCSD. Apesar de estarmos cientes das dificuldades em transformar os assuntos relacionados com o Magrebe num ponto alto da agenda da Aliança e da PCSD, temos também a expectativa que se existir uma postura concertada entre os Estados do sul dessas organizações e que a situação poderá melhorar significativamente. Os ataques de 13 de novembro de 2015, em Paris, ao que se adicionam as ameaças concretas colocadas pelo terrorismo na Líbia, Argélia e Mali poderão ajudar a reconsiderar e a equilibrar o peso das diferentes ameaças a que o espaço europeu se encontra sujeito. As FA são um poderoso instrumento que o Estado poderá utilizar, caso esse equilíbrio de prioridades se venha a manifestar.
Numa lógica de eficiência, urge repensar a natureza da cooperação que se faz, de modo a poder-se sincronizar de uma forma sinergética a cooperação multilateral com a bilateral. Excetuando o caso da “Iniciativa 5+5”, a cooperação no quadro multilateral, tanto militar como tecnológica, tem sido praticamente inexistente. As duas abordagens são indispensáveis e devem reforçar-se mutuamente. Igualmente importante é a coordenação da ação das FA com outros instrumentos de política externa, nomeadamente com as Forças de Segurança. As FA poderão certamente apoiar melhor a política externa se os decisores políticos as empregaram de uma forma coordenada com outros instrumentos de política externa, nomeadamente a diplomacia. Isso obriga à existência de um pensamento holístico de utilização dos meios e à inevitável coordenação interministerial (MAI, MDN e MNE) que permita maximizar o emprego das FA.
No caso do Magrebe, é importante refletir quais os arranjos internacionais em que a ação das FA pode ser mais útil à política externa do Estado, assim como o tipo de atividades. Cabe igualmente refletir se os meios atribuídos refletem a prioridade estratégica que lhe está oficialmente atribuída. Sem questionar a importância e os resultados que se têm vindo a registar pela “Iniciativa 5+5”, é fundamental perceber que existem outros fóruns onde as FA poderão desempenhar um papel crucial na promoção do interesse nacional. Referimo-nos, por exemplo, às iniciativas no domínio militar incluídas no “Diálogo para o Mediterrâneo”, e das atividades da STO com os parceiros do “Diálogo para o Mediterrâneo”, da OTAN, e da “União para o Mediterrâneo”, da PCSD. É, do meu ponto de vista, um tema que devia merecer um maior empenho por parte das autoridades nacionais.
Reporto-me também à participação nas estruturas de cooperação militar da OTAN onde Portugal não se encontra representado, desde o Estado-Maior Militar Internacional até aos Comandos Conjuntos regionais; e da cooperação militar da PCSD, no Estado-Maior da União Europeia, onde se encontra ainda numa fase embrionária. Para além da participação nas estruturas da OTAN que tratam da cooperação no quadro do “Diálogo para o Mediterrâneo”, há outros domínios onde a intervenção das FA é da maior importância, como são, por exemplo, os Partnership Training Centers (PTC), centros de treino nacionais orientados para os parceiros, sedeados tanto em países aliados como em países parceiros, reconhecidos pela OTAN e que, por decisão nacional, conduzem atividades de educação e treino disponibilizadas para todos os aliados e parceiros. Portugal, conjuntamente com a Albânia e a Croácia, é dos poucos Estados-membros da OTAN que não alberga um PTC.
Muitos PTC encontram-se orientados para a preparação de oficiais que participam em missões de paz, mas o leque de assuntos a que se podem dedicar é bastante lato, apesar da afinidade temática que têm de ter com a coisa militar. Na atual rede de PTC não existe nenhum centro orientado para as questões específicas do Magrebe. Há um espaço não preenchido que Portugal poderia perfeitamente ocupar, com as lógicas vantagens. Os PTC permitem, através das atividades que promovem, a criação de poderosas redes de contatos, de influência e de acesso às elites militares, intelectuais e potenciais governantes dos países que participam nas atividades. Parece razoável a possibilidade de se examinar a possibilidade de Portugal criar um PTC orientado para uma área de interesse nacional, em reforço da sua política externa orientada para questões do Magrebe, sediado numa das diversas escolas militares existentes ou no IDN, sem haver a necessidade de criar uma estrutura de raiz com uma única finalidade. O IDN ou o IESM são locais de exceção por reunirem recursos humanos que lhes permitem ministrar cursos em língua inglesa, suscetíveis de serem certificados pela OTAN.
Apesar de ser inegável que as FA têm contribuído de uma forma determinante para a afirmação do Estado português no Magrebe, parece-nos que muito pode ainda ser feito para otimizar as suas capacidades e os seus recursos humanos e materiais, em proveito da política externa do Estado para a região.
Tanto no quadro multilateral como bilateral, os resultados obtidos têm variado bastante. No quadro multilateral, releva-se pela positiva a cooperação no âmbito da “Iniciativa 5+5”, em que cooperação tem sido intensa e os resultados excelentes existem, com os diferentes intervenientes satisfeitos, apesar de existir ainda um enorme espaço a desbravar. Salienta-se, pela negativa, a ausência da participação das FA no quadro do “Diálogo para o Mediterrâneo” da OTAN, um fórum onde, quem considera a região do Magrebe estratégica tem obrigatoriamente que participar, tanto fornecendo atividades como participando com militares nas estruturas dedicadas à cooperação.
No quadro bilateral, verifica-se que, apesar das relações históricas com a região serem de longa data, a cooperação bilateral com os países do Magrebe no âmbito da defesa é um acontecimento recente. Se excetuarmos o caso de Marrocos, com doze anos, a cooperação com os restantes países da região tem menos de dez anos. Varia igualmente em termos de intensidade e profundidade de país para país. É com Marrocos que se verifica uma cooperação mais articulada e densa. Apesar da importância das relações económicas de Portugal com a Argélia, nomeadamente no domínio energético, a cooperação de defesa apresenta ainda alguma timidez.
A política de austeridade que afetou o país nos últimos anos teve também impacto nas ações de cooperação. A necessidade de diminuir atividades teve de ser contrabalançada com um maior rigor no estabelecimento de prioridades, no momento de selecionar aquilo que potencialmente poderá trazer um retorno maior. Para além da necessidade de aprofundar a cooperação nos atuais domínios, não podemos deixar de aplaudir os novos caminhos trilhados no campo da economia de defesa, formação e saúde militar.
Essa lógica de maximização dos parcos recursos, através de um maior rigor na definição de prioridades, deve alargar-se igualmente ao emprego sinergético dos diferentes instrumentos à disposição. Isto é, deve obrigar à existência de um pensamento holístico de utilização dos meios e à inevitável coordenação interministerial (MAI, MDN e MNE) que permita maximizar o emprego das FA.
Nesta equação é fundamental introduzir o capital de neutralidade percebido e a simpatia que os povos do Magrebe nutrem por Portugal (que continua a não ser devidamente explorado) e que os leva a não nos verem como uma ameaça. Estas características criam ótimas condições para que se negoceie numa posição de pares inter pares e de uma forma descomplexada, permitindo o estabelecimento de laços de cooperação saudáveis e mutuamente vantajosos. Os militares, assim como os diplomatas, são instrumentos cruciais da política do Estado.
* Sócio Efetivo da Revista Militar.
[1] Excluímos deliberadamente a participação dos ramos das Forças Armadas noutros fóruns, tais como agências e organizações regionais, onde a participação nacional é importante mas não assume a visibilidade e importância daquelas aqui selecionadas. Por exemplo, no caso da Marinha a participação no North Atlantic Coast Guard Forum (NACGF), na North Atlantic Fisheries Organization (NAFO) e na North East Atlantic Fisheries Commission (NEAFC).
[2] Excluímos o Sara Ocidental por não existir cooperação bilateral e por não ser um Estado reconhecido pelas Nações Unidas.
[3] Apesar do Líbano não se encontrar na região delimitada como Magrebe optámos por incluir essa participação, por se encontrar numa área adjacente e haver proximidade entre os atores políticos de ambas as regiões.
[4] RCSNU – Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
[5] Para operar numa zona entre a costa da Argélia/Tunísia e na costa sul da Sardenha.
[6] Essa participação incluiu 19 militares e uma aeronave 1 C-295.
[7] Idem.
[8] A Operação TRITON, com sede em Sigonella (Itália) foi conduzida numa área de operações que ia do sul de Itália ao norte da Líbia, com especial foco na zona ao redor da ilha de Malta.
[9] Nesta operação, em que a PM é empenhada pela quarta vez (1-30 de abril de 2014; 1 de novembro-31 de dezembro de 2014; 1 de janeiro-28 de fevereiro de 2015).
[10] SNMG1 – Standing NATO Maritime Group 1. A OTAN tem duas forças navais de reação imediata: os Standing NATO Maritime Groups compostos pelo SNMG1 e pelo SNMG2; e o Standing NATO Mine Countermeasures Groups (SNMCMG1 e SNMCMG2). Os Standing NATO Maritime Groups são uma força marítima multinacional, constituída por navios oriundos de vários países aliados. Estes navios encontram-se permanentemente disponíveis para a OTAN e com capacidade para cumprirem um leque muito alargado de missões.
[11] Já existia um Memorando de Entendimento assinado entre as autoridades portuguesas e líbias, em 2005, que não teve consequências tangíveis em termos de cooperação entre as FA de ambos os países.
Major-general do Exército Português, na situação de reserva.
Presentemente, é investigador do Instituto Português de Relações Internacionais.