“(...) A condição ribeirinha/marítima de todos os Estados-membros da CPLP proporciona enormes vantagens que importa maximizar. O potencial estratégico do mar advém, entre outros, dos recursos estratégicos aí existentes, da sua importância geopolítica e estratégica no atual sistema internacional e da sua condição de fator de conexão e de desenvolvimento (...)”
In, “ Identidade da CPLP no Domínio da Defesa”, 2015, p.5
Nos próximos vinte minutos, sob o tema “A centralidade geoestratégica de Portugal. A nova identidade da CPLP no Domínio da Defesa”, irei falar sobre a importância, para Portugal, da cooperação na área da Defesa no quadro da CPLP e de que forma pode contribuir para a afirmação de Portugal no mundo.
A primeira ideia que se nos ocorre, atualmente, sobre a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), sob o ponto de vista geoestratégico de Portugal, trata-se de uma Organização Internacional, com um crescente impacto regional e cada vez mais de dimensão (ou vocação) global. Uma Comunidade que assenta na partilha de uma matriz histórico-cultural-linguística comum e que aposta, primariamente, no desenvolvimento da cultura, da história e da Língua Portuguesa.
Uma organização que projeta o interesse de Portugal nos quatro cantos do mundo, e que por isso mantem relevante e presente “Portugal no mundo”. É também um potente vetor de influência político-diplomática e um dos principais eixos da política externa portuguesa, sendo fundamental para os nossos interesses económicos, diplomáticos e de segurança.
Uma Comunidade que está presente no nosso imaginário, que vive no nosso quotidiano, e que se encontra, passados quase duas décadas após a sua criação, numa fase que diria de consolidação organizacional, crescimento ideológico e de amadurecimento institucional. Uma Comunidade que procura afirmar-se, internacionalmente, pela multicooperação, pela sua identidade cultural própria – que lhe advém da Língua e da História comum – e ainda, pela presença, cada vez mais assertiva e mundividente, nos contextos internacionais.
Uma organização que tem investido no apoio ao desenvolvimento e na segurança dos seus Estados-membros, o que implica, neste mundo globalizado, assumir novos desafios e obviamente evidenciar novas oportunidades para os seus Estados-membros, e consequentemente para Portugal.
Mas que desafios e oportunidades são estes? E como podemos afirmar Portugal na CPLP e no mundo? Qual é então, atualmente, a relevância geoestratégica da CPLP para Portugal? Será importante para Portugal a cooperação na área da Defesa no quadro da CPLP?
Não irei obviamente dar respostas a todas estas interrogações… até porque talvez não existam respostas concretas e possíveis para todas elas… pretendo tão-somente apresentar algumas ideias e deixar algumas “provocações” para o nosso debate.
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Como temos vindo a constatar, a CPLP vem-se afirmando no nosso mundo global, através da adoção de uma inovadora e, penso que cada vez mais, pragmática visão político-estratégica para a cooperação sectorial entre os seus atuais nove (9) Estados-membros.
Paradigma que se torna bem evidente, não só pelo crescimento institucional sustentado evidenciado como pela crescente presença nos fora internacionais; pelo volume de conteúdos existentes no ciberespaço e pela dimensão cultural e académica que alcançou, mas principalmente pela dinâmica organizacional associada aos múltiplos programas, projetos e protocolos de cooperação sectoriais, que têm sido desenvolvidos desde 1996[1].
Assim, diria, ousadamente, que estamos a deixar a fase da adolescência, do crescimento e a entrar numa fase mais adulta do processo evolutivo, e por isso, temos uma organização mais segura na sua política, mais pragmática e interventiva nas suas estratégias sectoriais, que aposta no seu desenvolvimento institucional e na relação com o mundo atual.
Comunidade que está também a consolidar a partilha de experiências vividas (quase vinte anos) e a reforçar a “comunhão de afetos”, tantas vezes citada pelo Professor Adriano Moreira, e que esteve na sua origem. Aliás, penso que esta ligação “pessoal-afetivo-emocional”, que sempre norteou os destinos e os objetivos da organização, são ainda, atualmente, charneira e fio condutor nas múltiplas áreas de cooperação, nomeadamente na vertente da Defesa.
Estamos também certos que este paradigma virtuoso “língua-cultura-afetos” continuará a significar muito do que a comunidade tem como projeto identitário próprio. E estou também certo que a CPLP continuará a ser importante para afirmar Portugal na sua geopolítica e geoestratégia global.
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Neste contexto, num horizonte onde impera, cada vez mais, a necessidade de fortalecermos a concertação político-diplomática, importa apostar tudo na dinamização da economia e contribuir para o desenvolvimento sustentado dos seus países, bem como reforçar a cooperação na área da Segurança e Defesa…
Portugal tem neste domínio específico um importante papel a desempenhar… o de continuar a liderar a cooperação na área da Defesa na CPLP. Um papel que passa por apostar em aproximar mais a Comunidade das nossas comunidades espalhadas pelo mundo, de inseri-la melhor na nossa sociedade, de sentir e viver, mais intensamente, as suas boas virtudes, ou seja, tornar, ainda mais, a CPLP como um veículo da presença de Portugal nos contextos regionais e globais onde está inserida.
Enfim, contribuir para que a CPLP, possa ser, cada vez mais, uma comunidade global e globalizadora, uma comunidade ao serviço do cidadão e da sociedade. Ao serviço do desenvolvimento e da segurança dos seus países e obviamente de Portugal… pois, como sabemos, o desenvolvimento e a segurança são fatores interdependentes, pois não existe segurança sem desenvolvimento e não podem existir condições para um desenvolvimento económico-social sustentado sem cooperação para a segurança…
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Por outro lado, estamos a viver, com dizem alguns comentadores televisivos, “tempos diferentes” vividos numa conjuntura com enormes desafios e de alteração de paradigmas. Aspetos que lançam para as organizações como a CPLP novos desafios, mas penso que para os países como Portugal representa novas e mais desafiantes oportunidades...
Nesta dita “conjuntura diferente”, a CPLP apresenta-se como uma organização comunitária onde se partilham valores, ideologias e amizades, mas, convém não esquecer, que assenta, principalmente, nos interesses dos seus Estados-membros. É, por tudo isso, uma comunidade onde se pretende apostar numa cooperação estratégica integral, onde se procuram implementar planos estratégicos de cooperação, onde se aposta na globalização… ou seja, apostar numa maior inserção no mercado mundial, no ciberespaço e na Segurança global.
Aliás, a globalização constituiu o tema central da X Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, que decorreu em Díli, em 17-18 de julho de 2014, e procurou uma nova visão estratégica para a comunidade de países de língua portuguesa, plasmado no Programa da Presidência Timorense da CPLP (2014-2016).
Uma organização onde a Segurança e a Defesa se constituam como objetivos politico-estratégicos, pois que só em “cooperação estratégica” poderemos fazer face às ameaças transnacionais que pendem sobre os nossos Estados. Paradigma que nos obriga, cada vez mais, a sermos produtores de segurança e instrumento de paz, de ajuda humanitária e agente do desenvolvimento. E esse é também um enorme desafio para Portugal e para as Forças Armadas Portuguesas…
Neste contexto, parece-nos ser adequado refletir sobre o significado intrínseco da “cooperação estratégica na CPLP” e saber qual o impacto direto na nossa economia, na política externa, na diplomacia, na cultura e qual o real impacto para a Defesa Nacional. Aspetos que considero fundamentais para se compreender a importância da CPLP para Portugal e de Portugal na CPLP.
Assim, penso que devemos todos refletir sobre a adoção de uma nova “Visão Estratégica para a CPLP”. Uma visão que aposte na cooperação estratégica, que possa ser materializada na área da Defesa, num plano estratégico de cooperação para a Defesa. Uma “Visão-Estratégia-Plano” que poderá estar alinhado com os interesses de Portugal na CPLP e no mundo. E que, estou certo, potenciará obviamente a centralidade geoestratégica de Portugal…
É ou deve ser, por isso, uma cooperação estratégica que na vertente da Defesa nos obrigue a abrir novamente os horizontes para o mar, mais concretamente para o Oceano Atlântico – que é o verdadeiro “centro de gravidade da CPLP”, e apostar numa verdadeira “Cooperação Geoestratégica de Defesa” na CPLP.
Uma cooperação que inclua os potenciais países parceiros e as organizações regionais, que ligue e envolva os continentes e os oceanos, que ligue a CPLP à sociedade, que potencie a “pegada lusófona” de Portugal no mundo. Uma cooperação que nos leve mais para África, mais para o Brasil, mais para a América do Sul, que reforce a nossa presença no Atlântico Sul, que reforce parcerias e seja o elo de ligação entre países, continentes e organizações… pois a centralidade geoestratégica de Portugal assim o exige.
O verdadeiro dilema é saber como se faz? Como tornar a “velha” cooperação bilateral do passado na cooperação multilateral do presente, e como ter, no futuro, arte e engenho para apostar numa “nova” cooperação “bimultilateral” para a Defesa. Ou seja, uma cooperação “bimultilateral” que articule o que vimos fazendo com os países de língua oficial portuguesa (PLOP) e com o Brasil, com o que devíamos fazer com outros países (Guiné-Equatorial, Namíbia, Senegal, Zimbabwe e outros que virão) e ainda com as organizações regionais que se ligam ao Oceano Atlântico. Refiro-me efetivamente a uma cooperação mais dinâmica, melhor integrada e obviamente “estratégica”.
Uma “cooperação estratégica de Defesa” é o que efetivamente Portugal precisa no âmbito da CPLP para o futuro. Contudo, a verdadeira questão é saber como Portugal pode, na área da Defesa, potenciar a sua participação na CPLP? Como tornar esta cooperação estratégica? Ou seja, como potenciar a centralidade geoestratégica de Portugal na cooperação da Defesa?
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Falemos agora de outro “ativo estratégico” para a CPLP e para Portugal que é o mar…
Como sabemos, o mar é um elemento geopolítico permanente na geografia de todos os Estados-membros da Comunidade. Foi através do mar, sob a mesma língua de comunicação, que se forjou a nossa identidade e que abriu caminho para a edificação de uma identidade coletiva, supranacional e comunitária, tão específica como a CPLP.
Somos, como sabemos, uma comunidade de países marítimos (ribeirinhos) que se repartem por três (3) oceanos, usufruindo de 7,6 milhões de quilómetros quadrados (km2) de área marítima, com uma enorme potencialidade económico-financeira, mas com uma acrescida responsabilidade na dimensão da “segurança energética” e na “segurança marítima”.
Neste contexto, o Oceano Atlântico merece especial destaque porque se trata, por excelência, de um corredor marítimo, como disse, o “centro de gravidade da CPLP”, cuja importância recrudesceu nos últimos anos por razões geopolíticas/geoestratégicas e geoenergéticas conhecidas por todos. O Oceano Atlântico materializa um eixo que une os hemisférios sul e norte, abrindo uma “janela de oportunidade” para que o espaço da lusofonia e para que Portugal participe numa cooperação geoestratégica alargada e que aposte numa estratégia securitária coletiva reforçada.
Estamos, meus senhores, perante um “novo paradigma securitário” que implica uma maior aposta de Portugal na cooperação na área da Defesa no quadro da CPLP, nomeadamente na Segurança marítima e muito especialmente na ligação entre continentes e organizações regionais. Um paradigma securitário que materializa o verdadeiro sentido da centralidade geoestratégica de Portugal no mundo… e que contribuirá para alavancarmos “novas” e “velhas” alianças.
Neste contexto, a participação de Portugal na “Estratégia da CPLP para os Oceanos”, desenhada em Lisboa, em 3 de maio de 2010, levou a uma tomada de consciência sobre os aspetos relacionados com a inserção geográfica dos países membros, especialmente ao nível das plataformas marítimas e das riquezas dos recursos associados à economia do mar.
A adoção da “Estratégia da CPLP para os Oceanos” (2010) veio demonstrar, claramente, a necessidade de reforçarmos as ações de cooperação marítima, abrindo as portas para uma interoperabilidade e uma partilha de meios e de informações mais eficiente… nomeadamente entre as Marinhas da CPLP e as autoridades navais e aéreas. O documento veio ainda apelar ao cáracter “conjunto” e “combinado” das intervenções e abriu, quanto a mim, a porta para uma “Cooperação Estratégica no Domínio da Defesa”, nomeadamente na vertente da segurança marítima. Documento que também é estratégico para Portugal… pois potencia, em larga medida, a centralidade geoestratégica de Portugal na CPLP.
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Falemos agora, para finalizar, da Cooperação Técnico-Militar (CTM) portuguesa e do contributo para a área da Defesa na CPLP… pois não podemos falar de cooperação na vertente da Defesa na CPLP sem nos referirmos à CTM (como é conhecida…).
Permitam-me que recorde os presentes que a cooperação da CPLP no domínio da Defesa resultou das recomendações dos Ministros da Defesa de Portugal e dos PALOP (o Brasil era observador), reunidos em julho de 1998, em Oeiras – Lisboa, iniciando-se, ainda fora da Comunidade, as atividades de cooperação na componente da Defesa[2]. Ou seja, a componente da Defesa no quadro da CPLP resultou da excelente cooperação “bilateral” que existia entre Portugal e os cinco PALOP – materializado nos programas quadro ao nível da CTM que estavam em desenvolvimento.
Neste contexto, o acordo sobre a “globalização da Cooperação Técnico-Militar” assinado pelos ministros da Defesa, em 25 de maio de 1999, na cidade da Praia (Cabo Verde), fez com que a componente de Defesa da comunidade consolidasse os seus órgãos estruturantes com o objetivo de “(…)promover e facilitar a cooperação (...) sistematizando e clarificando as ações a empreender…”(1999). A cooperação na área da Defesa resultou assim de uma primeira “globalização interna da cooperação”, num alinhamento multilateral do melhor que se vinha fazendo em termos bilaterais.
Uma cooperação em que se procurou melhorar a estruturação organizacional do que se vinha fazendo praticamente desde as independências com cada um dos “novos” Estados africanos. O quadro legal seria aprovado pelos ministros da Defesa, também na cidade da Praia (Cabo Verde), a 15 de setembro de 2006. Referimo-nos ao “Protocolo de Cooperação da CPLP no Domínio da Defesa” que é atualmente o documento-quadro com base no qual se rege toda a cooperação dos países da CPLP neste domínio.
Do Protocolo de Defesa resultaria, oito (8) anos depois, na XV Reunião de Ministros de Defesa, realizada em Lisboa, a 26 de maio de 2014, as indicações para que esta componente fosse dotada de um mecanismo de cariz orientador e conceptual, capaz de dar sentido às iniciativas e à cooperação multilateral, tendo sido então apresentado no conselho ordinário de Ministros da CPLP, realizado em 24 de julho de 2015, em Díli (Timor-Leste), a “Identidade da CPLP no Domínio da Defesa”.
Esta evolução do bilateral, assente na CTM, para o multilateral, assente na CPLP, representando uma dinâmica evolutiva interna, vem agora colocar a necessidade os Estados-membros evoluírem para uma “globalização plena” e de apostar numa cooperação bimultilateral, assente numa dinâmica evolutiva externa. Pois que a CPLP, não podendo agir, nem como bloco defensivo regional nem como estrutura global de Defesa capaz de atuar em qualquer cenário, limitado pelo supracitado “Protocolo da Cooperação da CPLP no Domínio da Defesa”, tem, no entanto, uma vocação universal de proteção regional e de intervenção ao nível da ajuda humanitária.
Uma postura mais interventiva que obriga a outra perspetiva securitária, pois só assim fazem sentido: os exercícios militares “FELINO”; as iniciativas das Marinhas da CPLP; a Estratégia da CPLP para os Oceanos; o Protocolo de Defesa da CPLP; e a recente Identidade da CPLP no Domínio da Defesa. E só assim fará, igualmente, sentido discutir, num futuro próximo, a “nova visão estratégica da CPLP”, principalmente nos aspetos que à Defesa dizem respeito e que Portugal deve aproveitar, pois estará certamente em causa a centralidade geoestratégica de Portugal.
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Para concluir, sublinho que a componente de Defesa da CPLP tem, desde a sua criação, contribuído de uma forma construtiva para a operacionalização da “Arquitetura de Segurança da Comunidade” e para uma maior capacitação operacional das forças armadas dos Estados-membros. Processo onde Portugal teve, tem e continuará a ter um papel relevante.
Por outro lado, no caminho de afirmação global é essencial a contribuição da sua componente da Defesa, não só pelo carácter eminentemente construtivo e cooperativo, mas também pelo exemplo de coesão e proficiência que os diferentes órgãos desta componente têm demonstrado. Um destaque especial para o Centro de Análise Estratégica da CPLP (CAE/CPLP) que tem dinamizado e contribuído, a partir de Moçambique, para esta reflexão no seio da Comunidade e não só….
Em suma, seguindo os princípios adotados pela cooperação bilateral e multilateral, será a cooperação “bimultilateral” a nova forma de cooperação estratégica que a comunidade necessita para se afirmar neste mundo global. Aspetos que estão bem evidenciados na “Identidade da CPLP no Domínio da Defesa” que, sendo um documento que aposta na “cooperação transatlântica estratégica” no seio da Comunidade e entre a Comunidade e as demais organizações regionais, poderá contribuir para afirmar Portugal na Comunidade e a Comunidade em Portugal.
Processo onde Portugal teve, tem e continuará a ter um papel relevante. Assim haja vontade política e o empenho de todos...
* Sócio Efetivo da Revista Militar.
[1] Como curiosidade, refira-se que, em 1996, quando a CPLP foi constituída em Lisboa, existiam “apenas” seis (6) áreas de cooperação (onde não estava a área da Defesa) e, atualmente, temos, penso que, 26 (onde está incluída a Segurança e Defesa). A Defesa terá sido a sétima ou oitava área da cooperação sectorial a surgir na CPLP, em meados de 1998, dois anos depois da Cimeira Constituinte de Lisboa (logo, temos pouco mais de quinze anos na cooperação na área da Defesa…).
[2] Por curiosidade, refira-se que o Brasil, numa primeira fase, com o estatuto de observador, acabou por se assumir como membro de pleno direito cerca de três anos mais tarde (2001) e, posteriormente, Timor Leste (2002) e a Guiné Equatorial (2014) viriam a aderir à Comunidade, perfazendo os atuais nove Estados-membros.
Diretor-gerente e Sócio efetivo da Revista Militar.