Implícita numa inexorável aceleração da mudança que condiciona decisivamente a Política e a Estratégia contemporâneas, a urgência emerge como paradigma na procura de dar resposta à quase instantânea repercussão dos fenómenos. É uma resultante da contracção do espaço e do tempo num “(…) Mundo de mobilidades físicas e virtuais e de geografias cada vez mais próximas”, no dizer do Prof. Doutor Sampaio da Nóvoa.
Um Mundo, portanto, em que as assimetrias ambientais e demográficas, nas suas consequências económicas e sociais, se repercutem com intensidade crescente, acentuando os desequilíbrios no bem-estar, no desenvolvimento e na segurança que estão na origem de um clima geral de instabilidade casuística que alimenta a desconfiança, a dúvida e o medo.
Acresce a desestabilização e a complexidade provocadas no sistema de relações internacionais, pela emergência e afirmação permitida de uma extensa diversidade de novos actores e poderes erráticos, da acentuação de uma multipolaridade de contornos multiformes e de uma nítida limitação na eficácia dos mecanismos reguladores.
Este conjunto de circunstâncias intensificou as consequências das crises que foram surgindo, de cuja acumulação resultou a permanência de uma crise global de contornos cada vez mais difusos e, portanto, mais difíceis de delimitar.
O ambiente recomenda, assim, que, às ameaças clássicas que não podem ser postas de lado devam ser somadas novas ameaças não menos intrusivas e violentas.
Ao tornar difícil, senão impossível, fazer a destrinça entre as dimensões internacional e regional, e, entre os domínios internos e externos, a segurança adquiriu uma dimensão globalizante que, para fazer face à contingência, exige vontade esclarecida, atitude vigilante, ponderação inteligente, previsão flexível e resposta pronta.
É neste contexto que devemos olhar para o nosso País num esforço para encontrar as motivações profundas e as capacidades disponibilizáveis, nomeadamente, as facultadas pela posição, infra-estruturas logísticas e conhecimento científico e tecnológico, para, sem prejuízo da identidade, fazermos convergir a nossa determinação em janelas de oportunidade proporcionadas pela evolução das conjunturas.
Na Europa, onde Portugal se encontra geograficamente ancorado, o desmoronar do espaço de influência soviético que incluía, além da URSS e da RDA, sete outros países europeus (a Jugoslávia e outros seis integrados no Pacto de Varsóvia), deu origem, na Europa Central e Oriental, a vinte estados (não incluindo a Arménia, a Geórgia e o Azerbaijão, dadas as suas características transcontinentais ou quase). Neste conjunto de estados, onze aderiram à UE, integrando-se, também, na OTAN (cinco destes pertencem igualmente à Zona Euro) e um faz somente parte da OTAN. Nesta reorganização do espaço político e estratégico europeu, onde avulta, como facto dominante, a reunificação da Alemanha (1990), é significativo o ritmo do progressivo alargamento da UE – dez países, incluindo Chipre e Malta, em 2004, dois em 2009 e mais um em 2013 – bem como o da adesão à OTAN – três, em 1999, sete, em 2004 e mais dois, em 2009 – e o consequente isolamento da Rússia na Europa. À extensão do espaço da União para Leste correspondeu, naturalmente, uma reorientação de recursos para a Europa Central e Oriental e à inclusão das tensões endémicas daquelas áreas geográficas nas preocupações de segurança da União. Verificou-se, assim, um sensível deslocamento para Leste do centro de gravidade da UE com reforço da sua continentalidade. A esta circunstância acrescem o carácter violento da crescente conflituologia na bacia sul do Mediterrâneo, as tensões e confrontos armados em áreas limítrofes da Rússia e o desenvolvimento do olhar dos EUA para o Pacífico. Todo este conjunto de questões pode tender para alguma perda de peso e significado das zonas costeiras do Ocidente atlântico europeu em que Portugal se insere.
Que janelas de oportunidade se poderão então abrir ao País mais Ocidental da Europa? Politicamente pouco relevante no contexto europeu, com acentuadas vulnerabilidades económicas e financeiras, voltado ao Oceano aberto onde, com uma importante posição geoestratégica, poderá dispor de vastos recursos não explorados, liberto da conflitualidade directa do Mediterrâneo, com uma influente diáspora espalhada pelo Mundo e com uma experiência histórica e uma identidade potenciadoras de se constituir como válida ponte nos arcos de relacionamento estratégicos, Portugal terá que se encontrar num desígnio motivador, consentâneo com os seus valores espirituais e materiais. O caminho a percorrer passará, inevitavelmente, por uma Estratégia de afirmação das competências nacionais que concorra com a desejável vontade de cada um dos Estados-membros e da UE no seu todo de eleger a defesa dos seus cidadãos, da sua cultura, da sua integridade territorial e dos seus recursos como seu interesse vital, o que obrigará a inverter o desinvestimento no vector militar da sua defesa, única forma de se tornar credível no sistema de relações internacionais.
Numa primeira aproximação, a auto-estima e o conhecimento esclarecido sobre o nosso passado e os interesses vitais a prosseguir, bem como sobre as possibilidades, as limitações e as capacidades disponíveis e passíveis de virem a ser alcançadas constituem premissas essenciais. Uma vez desenvolvidas no culto, quer do gosto pelo desafio e pelo risco quer no da resistência à lassidão e ao desânimo, quer, ainda, no da exigência da luta contra o facilitismo, o imobilismo, a incompetência e a desesperança, aquelas premissas constituem, no seu conjunto, alavancas indispensáveis à procura, levantamento e exploração de oportunidades que possam estar ao nosso alcance.
Se a extensão da nossa plataforma continental corresponde a um instrumento potenciador do nosso desenvolvimento, então devemos perseverar e fazer convergir as nossas capacidades negociais, intelectuais e produtivas, de modo a retirar o maior proveito dessa possibilidade.
Se a maritimidade da posição, a comunidade linguística, a configuração do território e a infra-estrutura logística da nossa base do poder nos podem propiciar vantagem no desenvolvimento das relações transatlânticas, em geral, e com os continentes americano e africano, em particular, então poderá não ser despiciendo considerar a nossa função no comércio e nos transportes internacionais e a unicidade estratégica do Atlântico como de interesse vital para o País.
Se o saber acumulado em áreas sensíveis do conhecimento se revela uma mais-valia com interesse para terceiros, então desenvolvamo-las sem nos dispersarmos e coloquemo-nos em posição de participarmos em projectos de cooperação com um vantajoso retorno.
Possíveis janelas de oportunidade e de esperança só existem se forem construídas através de uma postura pró-activa, confiante e responsável. Uma política de afirmação dos valores e das capacidades nacionais servida por uma estratégia pragmática que, evitando vazios de poder, seja eficaz para a preservação da paz, das condições do desenvolvimento e da segurança no Mundo. Só assim poderemos cumprir a especificidade da nossa vocação como fronteiros no mar-oceano europeu e como ponte cultural integradora de diálogos em vastos espaços de interesse estratégico para o nosso País.