Nº 2569/2570 - Fevereiro/Março de 2016
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Soft Power ou Poder Suave – como pode ser usado em Moçambique
Coronel
Rodrigues Lapucheque

Introdução

“O poder suave é um conceito académico que chegou às primeiras páginas dos jornais e que tem sido usado por líderes da China, da Indonésia, da Europa e um pouco por todo o lado. Além disso, como o poder suave tem parecido ser uma alternativa à política de poder mais básica, muitas vezes tem sido abraçado por eruditos e governantes de orientação ética. No entanto, o poder suave é um conceito descritivo e não normativo”

Joseph Nye (O Poder do Futuro, 2012)

 

Como se pode ver pelas observações do citado autor, Joseph Nye, o poder suave, sendo um conceito académico descritivo e não normativo, recente na perspetiva da sua ampla difusão, o seu uso, no entanto, espalhou-se por quase todos os cantos do mundo nos dias que correm.

Acresce a isso o facto de o poder suave não se limitar apenas aos estados, às Relações Internacionais ou aos tempos modernos. Os líderes das sociedades democráticas, em geral, valem-se do seu poder de atração para serem eleitos. Os presidentes das universidades e outras organizações sem fins lucrativos chegaram mesmo à conclusão de que o seu poder suave é muito maior do que o poder duro.

Tal realidade se deve, grosso modo, à particularidade de o poder suave, regra geral, traduzir-se na resolução pacífica de conflitos entre os estados nas Relações Internacionais, permitindo, com isso, a manutenção e preservação da paz e segurança mundiais, que podem criar um clima favorável de estreitamento de laços de amizade e cooperação reciprocamente vantajosa entre estados e povos no nosso planeta Terra.

Porém, situações há em que o poder suave é usado, não somente para bons objetivos como para maus objetivos, também.

A esse propósito, Joseph Nye chama a atenção que “à semelhança de qualquer forma de poder pode ser usado com bons e maus objetivos. Hitler, Estaline e Mao detinham bastante poder suave aos olhos dos acólitos, mas isso não os tornava bons. Não é necessariamente melhor torcer mentes do que braços” (Nye, 2012; p. 103).

É tendo em atenção esta particularidade e especificidade radicalmente oposta que o presente trabalho aborda, com a devida cautela, a possibilidade de, no futuro, o poder suave vir a substituir o poder duro na resolução de conflitos entre estados nas Relações Internacionais. Abordagem com cautela, porque, como é sabido, a natureza humana é, de per si, imprevisível, sobretudo quando o ser humano detém nas suas mãos os poderes económico e político-militar que, mais tarde ou mais cedo, acaba provocando guerras para defender os seus interesses, saciar as suas ambições.

Não obstante essa histórica realidade milenar, o autor defende ser possível a substituição do poder duro pelo poder suave, na condição de existir pressão interna pública ao nível dos estados e a nível internacional, com a união de todos, contra o uso do poder duro na resolução de conflitos entre estados nas Relações Internacionais. Este assunto é desenvolvido mais adiante nos capítulos subsequentes.

 

Pergunta de partida

O poder suave, sendo por natureza um poder de persuasão, de atração a outros para estes seguirem determinados objetivos ou políticas de outros atores – estatais e não estatais –, pode, no futuro, vir a substituir o poder duro na resolução de conflitos entre estados nas Relações Internacionais? Em conexão com esta pergunta, a cultura, a política, a economia e o poder militar, podem produzir poder suave num país?

Estas e outras perguntas relacionadas com a matéria em análise encontram respostas nos capítulos que mais adiante se apresentam.

 

Objetivos da investigação:

Com o presente artigo, o autor prossegue dois objetivos fundamentais, designadamente:

1. Geral: fazer uma análise genérica a respeito do poder suave, suas fontes e importância na atualidade, visando a conservação e preservação da paz e segurança mundiais, através da resolução pacífica de conflitos entre estados.

2. Específicos: Refletir como Moçambique, aproveitando a sua potencial capacidade de resolução pacífica de conflitos, tanto a nível interno como no plano internacional, privilegiando vias pacíficas ou diplomáticas, pode conjugar este seu poder suave com o poder duro (neste último caso, quando esgotadas todas aquelas vias pacíficas de resolução de conflitos) para defender os seus interesses vitais quando ameaçados.

 

Importância do tema

O tema em abordagem “Soft Power ou Poder Suave – como pode ser usado em Moçambique na Defesa dos Interesses Vitais do Estado”, é de importância transcendental e atual, pertinente e oportuno, porquanto constitui, nos nossos tempos, a arma fundamental de combate ao recurso sistemático do poder duro (militar) para resolver litígios que envolvem os estados nas Relações Internacionais, sobretudo para defenderem os seus interesses vitais provavelmente ameaçados. Resulta importante pelo facto de muitos estados, hoje, terem chegado à conclusão de que o recurso constante ao poder duro para a resolução de conflitos entre estados constitui um caminho perigoso para a manutenção e preservação da paz e segurança mundiais, e que o uso do poder suave é a via mais segura, recomendável, que conduz à criação e consolidação de relações de amizade e cooperação reciprocamente vantajosas entre os estados e povos.

 

Metodologia utilizada

A metodologia científica utilizada para o desenvolvimento do tema em análise consistiu na recolha, compilação, análise e síntese do material bibliográfico de obras de alguns autores, mencionado na parte final do presente artigo, com destaque para a obra de Joseph S. Nye Jr, O Futuro do Poder (2012), na qual este autor analisa a questão do uso sistemático do poder duro na resolução de conflitos entre estados nas Relações Internacionais, aventando a possibilidade da substituição, no fututo, deste poder pelo poder suave; o surgimento de intervenientes não estatais nas Relações Internacionais, que obriga os governantes a mudarem da forma de governação de “comando” para formas mais próximas dos governados, auscultando as suas preocupações.

 

A problemática

Em face dos problemas atrás colocados e dos levantados nos capítulos I, II, III e IV deste artigo, adiante desenvolvidos, suscitam-se os seguintes problemas, a saber:

– O poder suave, um poder de persuasão e atração a outros para seguirem certos objetivos ou políticas de determinados atores, estatais e não estatais, sendo atualmente seguido pela maioria dos governos, políticos, organizações transnacionais, intergovernamentais e não-governamentais, bem como instituições éticas, a nível mundial, pode, no futuro, vir a substituir o poder duro na resolução de conflitos entre estados e atores não estatais nas Relações Internacionais?

– Os recursos culturais, políticos, económicos e militares, sendo importantes para a criação do poder suave, a redefinição de políticas estatais, prosperidade económica e social, e criação de Forças Armadas fortes num país, respetivamente, podem favorecer a criação desse poder suave, por forma a aproximar os estados e povos do nosso planeta Terra, resolvendo pacificamente os conflitos que os envolva?

– Que consequências traz o recurso sistemático do poder duro na resolução de conflitos entre estados, no que tange à manutenção e preservação da paz e segurança mundiais e para o próprio estado que o recorre?

– Se Moçambique usar o seu poder suave, combinando-o com o poder duro nas condições em que a situação assim o exija, reequipando primeiro as suas Forças de Defesa e Segurança (FDS), pode assegurar eficiente e eficazmente a defesa dos seus interesses vitais estatais que forem ameaçados?

 

Modelo de análise

A partir das questões atrás suscitadas e por suscitar mais adiante, e com vista a permitir uma melhor compreensão do tema em análise, o mesmo encontra-se dividido em quatro capítulos, designadamente:

– Capítulo I – Origem e difusão do poder suave – explica-se como surgiu e se está a difundir o poder suave a nível internacional nos nossos dias;

– Capítulo II – Fontes do poder suave e sua importância – são apresentadas as fontes do poder suave, destacando-se a sua importância prática num país e no contexto internacional;

– Capítulo III – Formas de empregar o poder suave através da diplomacia pública – explica-se de que forma os governos podem usar o poder suave para projetarem atração, enquadrarem objetivos e persuadirem os outros a seguirem esses objetivos ou políticas; a necessidade, importância e riscos de abrandamento de controlo da nova diplomacia pública por parte dos governos;

– Capítulo IV – Como pode ser usado o poder suave em Moçambique na defesa dos interesses vitais do Estado – apresenta-se um ponto de vista pessoal do autor sobre a forma que Moçambique pode usar na defesa dos seus interesses vitais estatais, através da combinação entre o poder suave e o poder duro, neste último caso, quando esgotadas todas as vias pacíficas possíveis.

 

Conceitos

Tendo sido utilizados certos termos técnico-científicos e jurídicos de diversas áreas do saber, nem sempre acessíveis para todos, com vista a permitir a sua compreensão, são a seguir apresentados e explicados os seus respetivos significados, nos termos que se indicam nos lugares respetivos:

– Instituição de ensino superior: estabelecimento de ensino de nível universitário ou equiparado, vocacionado para lecionar diferentes cursos com uma componente ou unidades de investigação científica. Quando se trata de estabelecimentos públicos de ensino, estes são pessoas coletivas de direito público, têm personalidade jurídica e gozam de autonomia científica, pedagógica, financeira e administrativa, sem prejuízo de adequada e necessária avaliação da qualidade do ensino, nos termos da lei (cfr. o n.º 2 do Art.º 114 da Constituição da República de Moçambique – CRM).

– Forças Armadas: são a instituição nacional incumbida de assegurar a defesa militar da República (cfr. Art.º 22º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho – Lei da Defesa Nacional [LDN], com a Declaração de Retificação n.º 52/2009, de 20 de julho, em conjugação com o Art.º 275 da Constituição da República Portuguesa).

– Defesa nacional: a defesa nacional tem por objetivos garantir a soberania do Estado, a independência nacional e a integridade territorial de Portugal, bem como assegurar a liberdade e a segurança das populações e a proteção dos valores fundamentais da ordem constitucional contra qualquer agressão ou ameaça externas (cfr. Art.º 1.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho – LDN –, com a Declaração de Retificação n.º 52/2009, de 20 de julho).

– Presidente da República: representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por incumbência, o Comandante Supremo das Forças Armadas (cfr. Art.º 9.º da Lei mencionada no parágrafo anterior).

– Governo: é o órgão de condução da política de defesa nacional e das Forças Armadas e o órgão superior de administração da defesa nacional e das Forças Armadas (cfr. Art.º 12.º, Idem).

– Ministro da Defesa Nacional: assegura a elaboração e a execução da política de defesa nacional e das Forças Armadas e é politicamente responsável pela componente militar de defesa nacional, pelo emprego das Forças Armadas e pelas suas capacidades, meios e prontidão (cfr. Art.º 14.º, Idem).

– Ministério da Defesa Nacional: é o departamento governamental que tem por missão preparar e executar a política de defesa nacional e das Forças Armadas, bem como assegurar e fiscalizar a administração das Forças Armadas e dos demais serviços nele integrados (cfr. Art.º 20.º, Idem).

– Estado: é uma forma de organização da sociedade estruturada de forma soberana no território bem definido, que se consolidou na Europa a partir do século XV e que viria a atingir o modelo atual com a revolução francesa e o Estado-Nação, no final do século XVIII (Nogueira, 2005; p. 25).

– Defesa: verdadeiramente o conceito de defesa, como de ação estratégica, recobre, tão-somente, a funcionalidade de interdição desta, isto é, a preservação de um mínimo de liberdade de ação e de decisão, que permite criar expetativas positivas quanto à realização do projeto de uma determinada entidade política em ambiente agónico, sem o qual não seria possível falar em capacidade política, nem em decisão soberana (Freire Nogueira 2005; p. 71).

– Ameaça: (…) A ação política em ambiente agónico enfrenta adversários e os respetivos desígnios destes que cabe à estratégia avalizar devidamente. Ora, na medida em que esses desígnios impulsionam ou podem impulsionar decisivamente o adversário, estamos perante uma ameaça potencial ou efetiva. A ameaça é assim sempre um ato ofensivo, uma antecâmara da agressão, portanto, uma realidade estratégica sem ser ainda guerra, que não desaparece quando a agressão é efetivada. Pelo contrário, enquanto não cessa a agressão, o ameaçado está sempre sujeito a novas pressões ameaçadoras que se podem ou não concretizar. Os continuados pavores pânicos nas guerras advêm disso mesmo. Os valores físicos e morais estão permanentemente ameaçados porque catalisados pela efetivação da agressão. Apenas num estado de estupor pleno, fruto de uma guerra absoluta e de uma total anarquia estratégica poderíamos eventualmente pensar a ameaça como anestesiada (Nogueira, 2005; p. 73).

– Crise: Freire Nogueira (2005; p. 49), citando o General Loureiro dos Santos, na sua obra Incursões no domínio da Estratégia, refere que se está perante uma crise internacional “quando se verifica uma ruptura no fluir normal das relações entre dois ou mais atores da cena internacional com uma alta probabilidade de emprego da força”. A partir desta definição, Freire Nogueira define a crise como sendo “uma sequência de interações entre os Governos de dois ou mais Estados, em conflito intenso, perto da eminência da Guerra, porém com a percepção do perigo que representa uma elevada probabilidade da Guerra”. Este mesmo autor, reporta o conceito da OTAN (Generic Crisis Management Handbook), definindo a crise como aquela que constitui “uma situação de âmbito nacional ou internacional que configura uma ameaça aos valores, interesses ou objetivos das partes envolvidas” (Nogueira, 2005; p. 50). Explicando o fenómeno, o referido autor explica que a crise corresponde à rotura do equilíbrio existente e enquadrável entre a paz e a guerra, mas sempre na perspetiva desta ser uma possibilidade eminente (Idem).

– Guerra: Idem (pp. 45 e 46), “(…) Já é um clássico a máxima clausewitziana, que diz ser a guerra a continuação da política por outros meios, a guerra limitada pelos objetivos políticos e condicionada pelas decisões políticas, pressupondo teoricamente uma guerra não absolutizada. Mesmo um conceito como o de guerra total é definível politicamente; uma política dominada pela lógica bélica e que subordina todos os objetivos políticos aos objetivos estratégicos. Depois desta primeira definição, Freire Nogueira, citando Cabral Couto, define a guerra como “violência organizada entre grupos políticos (ou grupos com objetivos de outra natureza), em que o recurso à luta armada constitui, pelo menos, uma possibilidade potencial, visando um determinado fim político (ou de outra natureza), dirigida contra as fontes do poder adversário e descontrolando-se segundo um jogo contínuo de probabilidades e acasos”.

– Poder: segundo Joseph Nye, o “poder” “é surpreendentemente esquivo e difícil de avaliar. Claro que tais problemas não roubam o sentido a um conceito. Poucos de nós poderão negar a importância do amor, mesmo que não sejamos capazes de dizer “Amo-te 3,6 vezes mais do que qualquer outra coisa”.

À semelhança do amor, deparamo-nos com o poder todos os dias e isso é algo que tem um efeito real, pese embora a nossa incapacidade de o medir de forma concreta. Os analistas, por vezes, sentem-se tentados a rejeitar o conceito como sendo absolutamente vago e impreciso, mas ele revelou-se muito difícil de substituir.

Ainda de acordo com Nye, ao longo dos anos, vários analistas tentaram encontrar fórmulas que quantificassem o poder nos assuntos internacionais. Por exemplo, Ray Cline era um oficial de alta patente da CIA cuja tarefa era dar a conhecer aos líderes políticos qual o equilíbrio de poder entre América e a União Soviética durante a Guerra Fria. Os seus pontos de vista afetavam decisões políticas que envolviam riscos elevados e milhares de milhões de dólares. Em 1977, publicou a destilação da fórmula que usava para avaliar o poder:

PODER PERCEBIDO=

(POPULAÇÃO + TERRITÓRIO + ECONOMIA + FORÇAS ARMADAS) x (ESTRATÉGIA + VONTADE)

Depois de inserir valores na fórmula concluiu que a União Soviética era duas vezes mais poderosa que os Estados Unidos. É claro que “(…), esta fórmula não foi um bom vaticinador de resultados”. (Nye, 2012; p. 22).

– Terrorismo: há vários conceitos acerca do terrorismo. O autor escolheu dois, de autores diferentes, por exemplo:

1. O autor Proença Garcia, na sua obra Da Guerra e da Estratégia, A Nova Polemologia (2010; p. 190), citando Mongiardim (2004; p. 417), refere que, habitualmente, e em consonância com as matrizes éticas do Estado tradicional, a definição do conceito assenta muito na legitimidade do seu aparelho político, administrativo, de segurança e defesa, inserindo-se assim numa categoria específica do discurso político, tendo por significado a sistemática utilização da violência sobre pessoas e bens para fins políticos e/ou religiosos, provocando sentimentos de medo e de insegurança, e um inevitável clima de terror.

2. No livro Estratégia, dos co-autores Adriano Moreira e Pinto Ramalho (2014; Vol. XXIII, p. 9), Adriano Moreira salienta que “(…) Temos orientado as reflexões sobre o terrorismo, depois que o ataque às Torres Gémeas de New York demonstrou a capacidade de o mais fraco infligir golpes tremendos ao mais forte, ao assumir, como elemento fundamental do conceito, a morte de inocentes, expressamente proclamada e praticada, criando um ambiente de insegurança das populações, e logo a introdução eventual da falta de confiança dessas populações na relação com o poder político em exercício”.

– Constituição: é a Lei fundamental proclamada pelo país, na qual se baseia a organização do Direito público dessa nação (Ferdinand Lassale, 1825-1864).

– Missão das Forças Armadas:

1. Nos termos da Constituição e da Lei, incumbe às Forças Armadas:

   a)    Desempenhar todas as missões militares necessárias para garantir a soberania, a independência nacional e a integridade territorial do Estado;

   b)    Participar nas missões militares internacionais necessárias para assegurar os compromissos internacionais do Estado no âmbito militar, incluindo missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte;

   c)    Executar missões no exterior do território nacional, num quadro autónomo ou multinacional, destinadas a garantir a salvaguarda da vida e dos interesses dos portugueses;

   d)    Executar as ações de cooperação técnico-militar, no quadro das políticas nacionais de cooperação;

   e)    Cooperar com as forças e serviços de segurança tendo em vista o cumprimento conjugado das respetivas missões no combate a agressões ou ameaças transnacionais;

   f)    Colaborar em missões de proteção civil e em tarefas relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações.

    2. As Forças Armadas podem ser empregues, nos termos da Constituição e da lei, quando se verifique o estado de sítio ou de emergência (cfr. Art.º 24.º da Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho – LDN, com a Declaração de Retificação n.º 52/2009, de 20 de julho).

 

Hipóteses

O poder suave, por natureza sendo um poder de persuasão e de atração a outros para aderirem a determinados objetivos ou políticas de certos atores – estatais e não estatais –, por isso mesmo seguido por governos, políticos e organizações transnacionais, intergovernamentais e não-governamentais, incluindo instituições éticas, a nível mundial, pode, no futuro, vir a substituir o poder duro.

Os recursos da cultura, usados de forma reiterada nas relações entre estados envolvidos, podem criar um poder suave suscetível de influenciar reciprocamente, de forma positiva, estabelecendo relações que aproximem os respetivos povos.

Os recursos políticos, económicos e militares, havendo forte interdependência entre si, e os económicos, sendo os determinantes para a concretização e prosperidade dos restantes dois (políticos e militares), se usados para bons e legítimos objetivos, podem criar um poder suave menos conflituante e, por conseguinte, garantir a resolução pacífica de conflitos entre estados, assegurando a paz e segurança mundiais.

Se Moçambique usar o seu tradicional poder suave, combinando-o com o poder duro nas situações entendidas imperativamente necessárias para os seus recursos, pode assegurar a defesa dos seus interesses vitais estatais que forem eventualmente ameaçados por outros estados ou por atores não estatais.

 

A observação

Observando, hoje, a tendência generalizada de muitos estados, políticos, organizações transnacionais, intergovernamentais, governamentais e não-governamentais, e éticas, de aderirem ao uso do poder suave na resolução pacífica de conflitos, quer no interior das suas fronteiras estatais quer mesmo entre os estados nas Relações Internacionais, quer ainda no seio das respetivas organizações.

Comparando este cenário com a pergunta de partida e com as hipóteses formuladas, bem como com os resultados esperados, pode constatar-se que há coincidência entre os objetivos gerais e específicos previamente traçados, em virtude do poder suave, objeto de estudo deste trabalho, constituir o caminho certo na resolução desses conflitos, tendo em atenção que o recurso ao poder duro (militar), em contrapartida, demonstrou à humanidade, desde os primórdios, a começar pela Primeira Guerra Mundial, passando pela Segunda – a mais sangrenta e destruidora da época moderna – até, mais recentemente, à invasão e ocupação do Iraque e do Afeganistão pelos EUA, as consequências catastróficas que daí resultaram, tanto no que tange à perda de milhões de vidas humanas como no que tange à perda de bens e serviços, tratar-se dum caminho perigoso, de consequências imprevisíveis para a manutenção e preservação da paz e segurança mundiais.

Deste modo, em consequência da coincidência entre os objetivos gerais e específicos previamente traçados, constitui o poder suave, no futuro, um poder que pode vir a substituir o poder duro na resolução de conflitos entre estados nas Relações Internacionais.

Em paralelo com isso, encontrar-se no presente artigo um apelo ao Governo moçambicano que, seguido, pode ajudar na busca de soluções de reequipamento das FDS, com vista à defesa tradicional da independência, soberania e integridade territorial de Moçambique, e dos seus abundantes recursos naturais, com destaque para o gás natural e petróleo, ambos na bacia do Rovuma, na província nortenha de Cabo Delgado, e para o carvão mineral, nas províncias central de Tete e nortenha do Niassa.

 

Análise das informações

Analisando as informações extraídas no material bibliográfico recolhido e devidamente mencionado na parte final do presente trabalho, que aborda assuntos relativos ao tema em discussão, confrontando-as com a pergunta de partida, com as hipóteses formuladas, bem como com os resultados esperados, pode concluir-se que elas coincidem com os objetivos pretendidos, quer os gerais quer os específicos.

Nesta ótica, este artigo pode ser considerado como reunindo os requisitos técnico-científicos exigidos e, consequentemente, credível do ponto de vista académico-científico e, como tal, suscetível de ser consultado por alunos, docentes e investigadores nas universidades e por aqueles que se interessam na abordagem destas matérias.

 

Resultados esperados

Analisados profundamente os aspetos que giram em torno e se ligam estreitamente com o tema em estudo, no fim, o autor espera obter os seguintes resultados:

– Ter abordado e demonstrado suficientemente que o soft power ou poder suave, por ser um poder de persuasão e de atração a outros para aderirem a determinados objetivos ou políticas traçados por outros atores – estatais e não estatais –, pode este seguido por muitos estados, políticos, organizações transnacionais, intergovernamentais e não-governamentais, bem assim por instituições éticas no plano mundial, e pode, no futuro, vir a substituir o poder duro na resolução de conflitos entre estados nas Relações Internacionais;

– Ter demonstrado claramente que as fontes Cultura, Política, Economia e os Recursos Militares, todas do poder suave, podem criar um poder suave, tanto para se obter bons como para obter maus objetivos, sendo que a primeira – Cultura – usada de forma reiterada nas relações entre estados e povos, cria um poder suave capaz de influenciar e aproximar os estados e povos envolvidos, que a segunda – Política – pode, em determinados momentos históricos, ver-se obrigada a mudar os seus planos inicialmente traçados, por influência da terceira – Economia – e que, finalmente, os Recursos Militares, só podem ser fortes se a fonte Economia for forte, próspera e sustentável;

– Ter alertado o Estado moçambicano que o uso sistemático do poder suave na resolução de conflitos que surgem com outros estados, nem sempre é suficiente para fazer face a uma situação político-militar concreta, havendo situações em que se torna imprescindível o recurso do poder duro, combinando-o com aquele primeiro, para defender os interesses vitais do Estado moçambicano quando ameaçados ou violados.

 

Quadro teórico conceptual

No quadro teórico conceptual, do qual o presente artigo tomou como base para a sua elaboração, consta a obra do autor Joseph Nye (2012) O Futuro do Poder, na qual explica o conceito e a origem do poder suave, aventa a hipótese de, no futuro, o poder suave vir a substituir o poder duro na resolução de conflitos entre estados nas Relações Internacionais. Na parte relativa aos conceitos, encontram-se as obras dos autores Francisco Proença Garcia (2010) Da Guerra e da Estratégia. A Nova Polemologia; José Manuel Freire Nogueira (2005), Pensar a Segurança e Defesa; os co-autores Adriano Moreira e Pinto Ramalho (2014), Estratégia; as Constituições da República de Moçambique (2004) e da República Portuguesa (2015); Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho – LDN –, com a Declaração de Retificação n.º 52/2009, de 20 de julho.

 

Capítulo I

Origem e difusão do poder suave

Conforme se fez referência logo na introdução do tema em apreço, numa citação ao autor Joseph Nye, o poder suave é um conceito académico que chegou às primeiras páginas dos jornais e que tem sido usado por líderes da China, da Indonésia, da Europa e um pouco por todo o lado. Por outras palavras, na época contemporânea, o poder suave tem a sua origem nos jornais, espalhando-se para todo o mundo a partir desse momento histórico.

Em relação a África, são vários os exemplos que podem ser apontados relativamente à origem e difusão do poder suave, sobretudo a partir da introdução de regimes políticos democráticos, onde muitos líderes usam este poder para serem eleitos ou para defenderem os seus projetos políticos de governação.

Outras referências quanto à origem, e sobretudo no que tange às formas de difusão do poder suave em África, mencionem-se, entre outros, os seguintes:

– Na África do Sul, Desmon Tutu, Arcebispo do Cabo, usou o seu poder suave para lutar contra o regime segregacionista do “Apartheid”, quer encetando negociações diretas com o governo sul-africano, com vista a libertar o líder histórico do ANC e lutador incansável contra o regime do “Apartheid”, Nelson Mandela, quer mobilizando ativistas negros de luta contra esse regime para se unirem nessa luta, quer ainda mobilizando a opinião pública internacional e a ONU, para a aplicação de sanções àquele regime, por forma a obrigá-lo a abolir a sua política de “Apartheid”. O uso desse poder suave por Desmon Tutu produziu resultados positivos, ao ver abolido o “Apartheid”, liberto Nelson Mandela e formada uma sociedade democrática multirracial na África do Sul;

– Por sua vez, Nelson Mandela, que cumpria pena de prisão perpétua no seu país, depois da sua libertação e ser eleito como o primeiro presidente negro da África do Sul pós-“Apartheid”, usou o seu poder suave para unir os sul-africanos de todas as raças, para construir uma nova sociedade democrática sul-africana, e criar credibilidade internacional na sua política externa;

– No Burundi, aquando da eclosão da guerra civil étnica de 1993-20051[1], entre Hutus e Tutsis, conflito que se iniciou logo a seguir às eleições multipartidárias, realizadas em junho de 1993, e ganhas por Melchior Ndadaye, da etnia Hutu, tornando-se no primeiro presidente burundês desta etnia, pertencente ao partido Frente para a Democracia (FRODEBU), conflito esse que ceifou centenas de vidas humanas burundesas, Julius Nyerere, antigo e falecido presidente da República Unida da Tanzânia, viria a usar o seu poder suave para persuadir as partes beligerantes a abandonarem a confrontação étnica e sentarem-se à mesa de negociações, visando encontrar uma solução negociada do conflito que os opunha;

– Em São Tomé e Príncipe, na Guiné-Bissau e em Madagáscar, aquando da ocorrência de golpes de estado nestes três países, na década de 1990, Joaquim Chissano, antigo presidente de Moçambique, usou o seu poder suave para convencer os golpistas militares, nos casos de São Tomé e Príncipe e da Guné-Bissau, e a André Rajoalina, que golpeara Mark Ravalomanana, em Madagáscar, a fim de encontrarem uma solução negociada das suas diferenças políticas que os opunham;

– No continente africano, em geral, o Coronel Muammar Kaddafi, líder líbio, morto em combate no seu país pelos rebeldes do movimento CNT, apoiados diretamente pela França, usou o seu poder suave para atrair grande parte dos governantes africanos a aderirem o seu projeto de construção dos Estados Unidos de África, um projeto concebido pelo líder pan-africanista e falecido primeiro presidente do Gana independente, Kwame N’grumah;

– Noutros quadrantes do mundo, como na América Latina, concretamente em Cuba, Fidel Castro, antigo presidente cubano, sistematicamente usou o seu poder suave para, por um lado, em diferentes épocas históricas, convencer o povo cubano a seguir e defender a orientação política da revolução socialista e, por outro, depois da queda do socialismo à escala mundial, para convencer o seu povo a enfrentar com coragem e determinação as restrições económico-financeiras e sociais, resultantes da crise económica e financeira internacional e, com maior incidência, o embargo económico decretado pelos EUA contra Cuba, desde os primeiros anos da revolução cubana, triunfada em 1959, contra o regime ditatorial de Fulgêncio Baptista;

Os discursos do presidente Fidel Castro no plano interno contribuíram decisivamente para a união do povo cubano, suscetível de enfrentar qualquer ameaça externa, ou quando esta convertida em uso real do poder duro, isto é, em agressão armada efetiva, formando um forte poder suave de verdadeira persuasão. No plano externo, Fidel Castro usou inteligentemente o seu poder suave, agindo de forma dinâmica, de acordo com as posições assumidas pelos atores estatais adversários e, em primeiro lugar, os EUA. Preparou o seu país, e as Forças de Defesa e Segurança, de forma a enfrentar qualquer emprego do poder duro contra a sua pátria;

– Na Venezuela, Hugo Chaves, antigo e falecido presidente venezuelano, usou o seu poder suave para persuadir os venezuelanos a seguirem a sua política de reforma económica, com vista a reduzir o desemprego e a melhorar as condições de vida do povo venezuelano, bem como a sua política antiamericana. A nível interno, os discursos do presidente Hugo Chaves formaram um poder suave, dividido entre apoiantes e opositores, o qual, em geral, soube controlar as resistências por estes oferecidas. Na sua política externa, porém, Chaves usou um poder suave conflituante, dirigido particularmente contra os EUA, facto que não lhe terá sido fácil de manter a situação sob o seu controlo;

– Na América do Norte, nos EUA, Barack Obama, presidente desta União de Estados, usou o seu poder suave de forma inteligente, hábil e equilibrada, quer durante a campanha eleitoral que o conduziu à presidência dos EUA, durante a qual utilizou dois programas eleitorais diferenciados – um, geral, defendendo interesses e necessidades gerais dos americanos, e, outro, particular, a defender interesses e necessidades locais e concretos dos cidadãos de cada Estado –, quer depois da sua eleição como presidente, tanto para convencer os seus opositores Republicanos como para convencer Estadistas de outros quadrantes do mundo, em relação aos assuntos da política doméstica e da política externa dos EUA, mantendo, na generalidade, um equilíbrio do seu poder suave.

 

Sobre aquelas questões, a primeira – que reporta as eleições presidenciais americanas – Joseph Nye, autor de que atrás se vem citando, observa que “(…) Podemos ver «experiência natural» interessante na eleição de 2008 de Barack Obama, que ajuda a dissipar os estereótipos negativos de um sistema político americano fechado, baseado apenas no dinheiro e nas dinastias familiares. Em 2009, os inquéritos mostravam um importante «renascer da imagem global da América em muitas partes do mundo, refletindo a confiança no novo presidente. Uma avaliação baseada em inquéritos de valor de marca chegou mesmo a sugerir que o efeito Obama valia dois triliões de dólares em capital de marca»”.

Em relação à última matéria, o mesmo autor observa que “(…) um relato do efeito convincente dos argumentos do presidente Obama, que levaram ao aumento de donativos (de ajuda alimentar para África) num encontro do G-20” (Nye, 2012; p. 116).

Aquele autor, analisando os efeitos do poder suave do novo presidente americano, ressalva ainda que “(…) Nos pedidos políticos específicos feitos por Obama no seu primeiro ano, como, por exemplo, mais tropas aliadas no Afeganistão, ou a disponibilidade de outros países para aceitar detidos libertados da prisão de Guantánamo, os resultados foram melhores, mas apenas modestamente, do que os obtidos por Bush. Por outras palavras, o efeito Obama foi positivo, mas com uma magnitude limitada a curto prazo” (Nye, 2012; p. 121).

Note-se que a aceitação temporária e limitada do poder suave de Obama, quer se trate do pedido de mais tropas aliadas para o Afeganistão quer se trate da disponibilidade de outros países para aceitar detidos libertados da prisão de Guantánamo, compreende-se perfeitamente que assim tenha sido, pois, com a presidência Bush, a guerra no Afeganistão iniciara-se com êxito e a ansiedade da opinião pública internacional em querer ver capturado ou morto o autor dos atentados do 11 de setembro de 2001, que derrubou as Torres Gémeas em Nova Iorque, e causou a morte de dezenas de cidadãos americanos inocentes – Ossama Bin Laden –, era maior e, por isso mesmo, era maior o favoritismo da política belicista de Bush. Porém, com o evoluir dos acontecimentos no teatro das operações, em que tropas americanas e aliadas foram sofrendo consideráveis baixas, humanas e materiais, já com a subida de Obama, num momento de desgaste moral e psicológico dos americanos e dos povos dos países aliados, em que a expetativa internacional era do fim da guerra – o que não veio a acontecer, pelo menos de imediato – as sondagens de opinião baixaram, pendendo a balança a seu desfavor.

Note-se, portanto, que as questões relativas ao pedido de mais tropas aliadas para o Afeganistão e à disponibilidade de outros países para aceitar detidos libertados da prisão de Guantánamo, se tratam de assuntos político-militares mais delicados e complexos para serem aceites, tendo em consideração o negativo impacto que daí advém, designadamente da perda de credibilidade internacional do país.

Todos os factos atrás narrados, analisados em sede da origem e difusão do poder suave no xadrez político-económico e militar mundiais, logo à primeira vista, podem levar a concluir que este poder é um fenómeno recente.

Todavia, recuando no espaço e no tempo, rapidamente se percebe que o problema, na verdade, não aconteceu dessa forma como hoje dá essa impressão, senão que, atualmente, o avanço impetuoso da ciência, da técnica e da tecnologia, em particular no domínio da informação, que transformou o mundo numa aldeia global, onde a ocorrência dos acontecimentos se conhecem no exato momento em que os mesmos ocorrem, facilitou a sua rápida difusão por todo o nosso planeta Terra, em contraposição à lentidão com que se verificava o mesmo fenómeno nos séculos precedentes.

Nesse sentido, o autor Joseph Nye, refere que “(…) Embora o conceito de poder suave seja recente, o comportamento por ele denotado é tão antigo como a história da humanidade. Está implícito no comentário de Lao-Tzu de que um líder não é melhor quando o povo obedece às suas ordens, mas sim quando a população mal dá pela sua presença”.

A breve análise que se faz nas linhas que se seguem tira qualquer dúvida a respeito da antiguidade do uso do poder suave nas Relações Internacionais entre os atores estatais.

 

Antecedentes históricos

Analisando em traços gerais os antecedentes históricos do poder suave, Joseph Nye explica que “(…) Na Europa setecentista, a disseminação da língua e da cultura francesas desenvolveu o poder francês. Em 1762, quando Frederico, o Grande, da Prússia estava à beira da derrota foi salvo pelo seu próprio poder suave quando «a czarina Isabel morreu e foi sucedida pelo filho Pedro, que idolatrava o rei soldado […] e que mandou retirar os exércitos russos»” (Nye, 2012; pp. 103-104).

Aquele autor, observando o lado controverso do poder suave, aquando da Guerra Civil Americana, refere que “(…) Durante a Guerra Civil Americana, alguns estadistas britânicos pensaram em apoiar o Sul, mas apesar dos interesses comerciais e estratégicos óbvios, as elites britânicas viram-se constrangidas pela oposição popular à escravatura e pela atração pela causa do Norte”.

Joseph Nye, enfatizando o impacto que o poder suave pode causar, explica ainda que “(…) Antes da Primeira Guerra Mundial, quando os Estados Unidos se debatiam com a opção de entrar em guerra com a Alemanha ou com a Grã-Bretanha, «a principal desvantagem da Alemanha em 1914 não era o seu registo de opinião em relação à América, mas sim a ausência de tal registo. Assim, pouco havia para contrariar a atração natural em relação à Grã-Bretanha […] que dominava os canais de comunicação transatlântica»”. Este autor prossegue concluindo que “(…) Ao contrário do que dizem os céticos, o poder suave já teve com frequência efeitos reais sobre a história, incluindo sobre o movimento de exércitos” (Nye, 2012; p. 104).

Em síntese, as manifestações do poder suave e seu impacto, quer nos assuntos internos dos estados quer nas Relações Internacionais, não constituem um fenómeno recente. No passado, também se reportaram, influenciando a história e o movimento dos exércitos. A diferença reside nos níveis de desenvolvimento científico-técnicos e tecnológicos de cada época histórica em presença, em que antigamente havia menos desenvolvimento e, consequentemente, a ocorrência de atrasos na disseminação das informações, mas, em contraposição, na época contemporânea, o avanço nessas áreas é consideravelmente significativo, com ênfase para o setor da informação, que transformou o mundo numa aldeia global, difundindo-se à velocidade luz os acontecimentos que ocorrem no dia-a-dia na arena mundial, e no preciso momento em que eles se dão.

 

Capítulo II

Fontes do poder suave e sua importância

De acordo com Joseph Nye, autor que vem sendo citado no capítulo anterior, “(…) O poder suave de um país assenta (…) em três recursos básicos: a sua cultura (em locais onde se torne atraente para os outros), os seus valores políticos (quando são defendidos a nível doméstico e externo) e as suas políticas externas (quando os outros as veem como sendo legítimas e tendo autoridade moral)”. E clarifica que “(…) As condições entre parênteses são a chave para determinar se os recursos potenciais de poder suave se traduzem no comportamento de atração que pode influenciar os outros a corresponder a resultados favoráveis” (Nye, 2012; p. 106).

Na análise que se faz em torno dos três recursos atrás mencionados, é importante destacar, antes de tudo, que, perante o poder suave, o que os alvos pensam é extremamente importante, e estes desempenham um papel preponderante em igualdade de circunstâncias com os agentes.

1. Em relação ao recurso Cultura

A “«Cultura» é o padrão de comportamentos sociais através dos quais os grupos transmitem conhecimentos e valores, e existe em múltiplos níveis. Alguns aspetos da cultura humana são universais, outros são nacionais e outros ainda são específicos de certas classes sociais ou pequenos grupos” (Nye, 2012; pp. 106-107).

Tendo como referência esta definição, pode considerar-se, sem margem a dúvidas, que a interação reiterada entre culturas de diferentes povos pode, grosso modo, influenciar o comportamento do poder suave de um país.

Sobre este assunto, Joseph Nye realça que “(…) Com o passar do tempo, as culturas influenciam-se mutuamente. Por exemplo, a Universidade Americana de Beirute desenvolveu originalmente o poder suave americano no Líbano, mas os estudos mostram que mais tarde serviu para desenvolver o poder suave libanês na América” (Nye, 2012; p. 107).

2. No que respeita ao recurso Valores Políticos

O recurso Valores Políticos liga-se, indissociavelmente, aos recursos económico e militar para a produção do poder suave de um país. A política, para se sustentar solidamente, cumprindo com os planos de desenvolvimento traçados pelo respetivo governo, precisa duma economia próspera. Por sua vez, o poderio militar de um país só se afirma e se fortalece com base na economia, que sustenta o seu reequipamento, formação e treinamento, bem como a construção de infraestruturas entendidas necessárias para a sua organização e funcionamento.

Nota importante a ressalvar, porém, é que os recursos económicos, em certos casos, podem produzir poder suave e, noutros, o poder duro, podendo ser usados, quer para atrair aos outros para aceitarem determinados objetivos ou políticas de um ator, estatal e não estatal, ou coagi-los para os aceitar. Contudo, conforme reconhece Joseph Nye, na situação do mundo real, por vezes, não é fácil distinguir qual a parte de uma relação económica que é composta por poder duro e qual a que depende do poder suave.

Quanto a esta matéria, Joseph Nye sublinha que “(…) os recursos económicos também podem produzir poder suave, bem como comportamentos de poder duro. Podem ser usados tanto para atrair, como para coagir” (Nye, 2012; p. 107).

Por outro lado, é de reconhecer que os recursos económicos podem, em certos momentos históricos, obrigar governos a mudarem as suas políticas para se adaptarem aos condicionalismos do progresso económico do momento. Assistiu-se a esse fenómeno depois da queda do sistema socialista, em que muitos países da Europa do Leste que seguiam o mesmo sistema mudaram as suas políticas socialistas para ajustá-las às políticas de economia de mercado e, com isso, entrarem para o sistema económico da União Europeia.

Sobre este assunto, Joseph Nye enfatiza que “(…) É impressionante (…), que os antigos países comunistas da Europa Central tenham orientado as suas expetativas e revisto as suas leis para se adaptarem à estrutura de Bruxelas”. Nye acrescenta, afirmando que “(…) A Turquia levou a cabo alterações nas suas políticas e leis de direitos humanos com justificações semelhantes” (Nye, 2012; p. 108).

3. No que tange aos recursos da Política Externa

Políticas externas de um país podem ser atrativas quando os outros países as veem como sendo legítimas e tendo autoridade moral. Políticas propagandísticas sem fundo de verdade ou camufladas para proteger interesses ilegítimos dos governantes no poder, podem resultar em descrédito do poder suave do país que as segue, sobretudo quando dizem respeito aos recursos militares, responsáveis pela segurança externa do país, já que estes recursos também produzem poder suave, quando fortes, ou seja, devidamente equipadas, bem treinadas, nutridas e disciplinadas.

A esse propósito, Joseph Nye observa que “(…) os recursos militares por vezes podem contribuir para o poder suave. Muitas vezes, os ditadores cultivam mitos de invencibilidade para estruturar as expetativas e para atrair outros a juntar-se às suas fileiras. Algumas pessoas sentem-se, de uma forma geral, atraídas pela força”. Este autor acrescenta, referindo que “forças armadas bem geridas podem ser uma fonte de atração, e a cooperação entre militares e programas de treinamento podem estabelecer redes transnacionais que desenvolvam o poder suave de um país”. Em contraposição, segundo refere este mesmo autor, “a indiferença para com os princípios da guerra justa da discriminação e da proporcionalidade podem destruir a legitimidade” (Nye, 2012; pp. 108-109).

Em síntese, as fontes do poder suave são extremamente importantes, porquanto podem produzir este poder para atingir bons objetivos, quando legitimamente usado, seguindo-se as normas e princípios dos recursos a que correspondem, e para atingir maus objetivos, quando o seu uso é negligenciado e desviante dos valores morais.

O contacto reiterado entre culturas de diferentes estados e povos pode produzir o poder suave que influencia reciprocamente estas duas partes.

Os recursos da política externa, económicos e militares são interdependentes entre si, sendo que os recursos económicos são determinantes, podendo mudar a política externa de um país, e que os recursos militares podem tornar-se fortes se a economia de um país for próspera, desenvolvida e sustentável.

 

Capítulo III

Formas de empregar o poder suave através da diplomacia pública

1. Considerações preliminares

Pelo alto grau de desenvolvimento da informação alcançado pela maior parte das sociedades na época contemporânea, uma época globalizada, em que a mesma se tornou mais barata e, consequentemente, mais utilizada não somente pelos estados como também por atores não estatais, que passaram a intervir ativamente nas relações internacionais, veio a complicar a tarefa dos governos de usarem o poder suave.

Assim, para os governos conseguirem uma atração sustentada, suscetível de persuadir mais seguidores para os seus objetivos ou políticas, precisam de redobrar esforços, dado que as vias para atingir esses objetivos, regra geral, não são diretas e, como tal, os efeitos desejados, muitas vezes, demoram a produzir-se, tendo em consideração que determinados objetivos gerais, através dos quais se orienta o poder suave, são difusos, e dificilmente os governos controlam a totalidade dos instrumentos (predominantemente políticos e diplomáticos).

Quanto a esta matéria, Joseph Nye, autor suficientemente citado nos dois capítulos precedentes e no subsequente, reconhece que “(…) é difícil para os governos empregar o poder suave. A atração sustentada (…) exige consistência de práticas com valores. Ir mais além para projetar atração, enquadrar objetivos e persuadir os outros é ainda mais difícil”. Nye prossegue, realçando que “(…) os caminhos causais são muitas vezes indiretos, os efeitos costumam demorar tempo a fazer-se notar” (Nye, 2012; p. 123).

Nesta perspetiva, refira-se que uma das maiores dificuldades de os governos criarem o poder suave, por via dos instrumentos da diplomacia pública, reside no facto de a política ser constituída por grande variedade de informações disponíveis, pela importância que as redes assumem e pelas mudanças das formas de governação nas sociedades democráticas dos nossos tempos.

Nesta ótica, para um governo ser credível na nossa época, onde o poder se compartilha entre os estados e atores não estatais, a criação do poder suave pelos governos passa necessariamente pelo reconhecimento de que um poder rigorosamente hierarquizado, de estilo comando, como no passado, não funciona nos dias que correm, pois a informação e as redes sociais assumem uma importância cada vez mais crescente. Por outras palavras, os líderes devem privilegiar a comunicação bilateral com os governados, que é a forma mais eficaz e eficiente, adequada ao momento atual, mais do que, apenas, dar ordens.

Sobre esta questão, bastante discutida entre os autores, Joseph Nye, adverte que “(…) Para ser credível num século em que o poder se difunde dos Estados para os intervenientes não estatais, os esforços do governo para projetar poder suave terão de aceitar que o poder é menos hierárquico numa era da informação e que as redes sociais assumiram uma maior importância”. Este autor acrescenta alertando que “(…) Os líderes têm de pensar em si como estando num círculo e não no cimo de uma montanha. Isso significa que as comunicações bilaterais são mais eficazes do que as ordens” (Nye, 2012; pp. 123-124).

É importante reconhecer, por outro lado, que a criação do poder suave é afetada por diversos atores não estatais, não raras vezes, de modo positivo e negativo, tanto no interior das fronteiras estatais de um estado como fora delas. Os mesmos atores não estatais afetam, quer o público geral quer as elites governantes de outros países, criando um ambiente favorável ou desfavorável para as políticas dos governos do dia. Em certos casos, o poder suave pode aumentar a possibilidade de as outras elites adotarem políticas que permitam atingir os resultados pretendidos e noutros não.

Note-se que, nos dois casos acabados de referir, segundo Nye, “(…) as interações entre as sociedades civis e os intervenientes não estatais podem ajudar a favorecer objetivos sociais mais gerais, como sejam a democracia, a liberdade e o desenvolvimento” (Nye, 2012; p. 124).

No passado, a diplomacia clássica, também conhecida por «diplomacia de gabinete», compreendia mensagens que os governantes trocavam diretamente entre si, sob a forma confidencial. Porém, os governos veem, ao mesmo tempo, a importância do estabelecimento da comunicação com os públicos de outros países, com vista a influenciar outros governantes, através de formas indiretas, conhecidas por «diplomacia pública», formas estas utilizadas desde os tempos recuados, na Europa e nos Estados Unidos da América.

A este propósito, Joseph Nye refere que “(…) A tentativa de afetar os públicos de outros países tem uma longa tradição. Depois da Revolução Francesa, o novo governo francês enviou agentes à América numa tentativa de afetar diretamente a opinião pública. Depois da Primeira Guerra Mundial, o governo americano organizou visitas e persuadiu Hollywood a fazer filmes que mostravam os Estados Unidos a uma luz positiva” (Nye, 2012; pp. 124-125).

Na atualidade, as transmissões radiofónicas não deixaram de ser importantes para a criação do poder suave. No entanto, nesta nossa era, de internet e das viagens aéreas económicas, acrescidas pelo desenvolvimento de organizações intergovernamentais e transnacionais, a propagação do poder para longe dos estados veio a tornar a diplomacia pública mais complexa, passando os meios de comunicação a não serem uma linha reta entre dois governos, públicos, sociedades e organizações não-governamentais.

Nesse sentido, Joseph Nye salienta que “(…) As transmissões radiofónicas continuam ainda hoje a ser importantes, mas na era da internet e das viagens aéreas económicas, e com o desenvolvimento de organizações intergovernamentais e transnacionais, a difusão de poder para longe dos Estados tornou a diplomacia pública mais complexa. Os meios de comunicação já não são uma linha reta entre dois governos, públicos, sociedade e organizações não governamentais”.

Assim, no mundo em que vivemos hoje, atores não estatais podem apresentar-se em melhores condições de usar o poder suave. O governo de um certo país pode influenciar o público de outro país, mas também as organizações transnacionais deste país podem igualmente realizar campanhas de informação visando influenciar os governos, tanto destes países como de outros. Para este fim, utilizam campanhas de nomeação e embaraço, com vista a influenciar outros governos, bem como para pressionar outros atores não estatais, nomeadamente grandes empresas.

Deste processo acabado de analisar, resulta na formação de um conjunto de coligações mistas de atores estatais, intergovernamentais e não-governamentais, onde cada um serve-se da diplomacia pública, com a finalidade de atingir os seus próprios objetivos.

Em relação a esta questão, Joseph Nye dá exemplo da Campanha Internacional pelo Banimento das Minas Antipessoal, que aliou governos mais pequenos, como o Canadá e a Noruega, a par de redes criadas por um ativista do Vermont e da fama pública da princesa Diana, para derrotar a burocracia mais forte (o Pentágono) da única superpotência mundial – os EUA (Nye, 2012; pp. 125-126).

Nos dias que correm, aumentou-se o uso da diplomacia pública pelos governos, visando exercer o poder suave, com o objetivo de promover imagem atraente dos seus países no além-fronteiras. Porém, as condições para o fazer mudaram significativamente, sendo o maior obstáculo a particularidade de a maior parte dos países à escala mundial serem democracias. Nestas situações, a diplomacia pública, para atrair a opinião pública, é de importância vital para produzir os resultados pretendidos.

Para a concretização desse objetivo, a informação desempenha um papel preponderante na criação de poder, em que, na atualidade, a maior parte da população mundial tem acesso a este mesmo poder, devido ao alto desenvolvimento tecnológico que levou à redução substancial do custo do processamento e da transmissão dessa informação, conduzindo à sua abundância. Consequentemente, uma abundância de informação provoca a falta de atenção por parte dos destinatários – o público –, que fica sem saber em qual das informações se deve concentrar.

Daí resulta que a atenção configura-se no recurso escasso e não na informação e, assim sendo, aquele que capitaliza para si a informação valiosa no meio dum misto de informações ganha o poder.

Do que atrás ficou dito, Joseph Nye observa que “(…) A informação cria poder e hoje em dia uma muito maior fatia da população mundial tem acesso a esse poder. Os desenvolvimentos tecnológicos levaram a uma redução acentuada do custo do processamento e da transmissão de informação. O resultado é uma explosão de informação, e isso produziu um «paradoxo de abundância». A informação abundante leva à escassez de atenção. Quando as pessoas se sentem sobrepujadas pelo volume de informação com que são confrontadas têm dificuldade em saber no que se concentrar”. Nye acrescenta que “(…) É a atenção, e não a informação, que passa a ser o recurso escasso, e quem consegue distinguir informação valiosa de entre o ruído de fundo ganha poder. Os transmissores de deixas são mais procurados, e isso torna-se uma fonte de poder para quem nos consegue dizer onde concentrar a atenção” (Nye, 2012; p. 126).

Desta forma, nos dias que correm, entre editores e informadores, a credibilidade tornou-se no recurso principal e, consequentemente, numa relevante fonte do poder suave, configurando-se a reputação muito mais importante ainda que no passado e, por consequência, as lutas políticas, aliadas indissociavelmente ao poder tradicional, isto é, militar, passaram a centrar-se na criação e na destruição da credibilidade. Assim, os governos têm competido por conquistar e manter credibilidade, não apenas com outros governos como também com uma série de alternativas que, de entre elas, se destacam os órgãos da comunicação social, as grandes empresas, as ONG, as organizações intergovernamentais e as redes de comunidades científicas, segundo reconhece, nesse sentido, Joseph Nye.

Refira-se que uma informação que revele tratar-se de propaganda pode não somente levar a desprezo, como fundamentalmente mostrar-se contraproducente. A esse respeito, Joseph Nye exemplifica afirmando que “(…) As reivindicações exageradas quanto às armas de destruição maciça de Saddam Hussein e as suas ligações à Al Qaeda podem ter ajudado a mobilizar o apoio doméstico à guerra do Iraque, mas a subsequente revelação do exagero desferiu um rude golpe à credibilidade britânica e americana”. Este autor acrescenta dizendo que “(…) Tendo em conta as novas condições, mais do que nunca uma abordagem discreta poderá revelar-se mais eficaz do que uma abordagem de maior pressão” (Nye, 2012; p. 127).

2. Círculos concêntricos ou fases de diplomacia pública

Joseph Nye, autor que atrás vem sendo citado, considera três os círculos concêntricos ou fases de diplomacia pública importantes que, misturados com a informação governamental direta com relações culturais a longo prazo, varia com estes três círculos, sendo que o primeiro círculo, e mais imediato, é a comunicação diária, a qual implica a explicação do contexto das decisões políticas domésticas e externas. De acordo com este autor, a primeira fase tem igualmente de envolver a preparação para a gestão de crises e, por isso mesmo, “(…) A capacidade de reação rápida na diplomacia pública leva a que as acusações falsas, ou as informações erróneas possam ser rebatidas de imediato”, e que “(…) Este círculo é avaliado em termos de horas, dias e semanas” (Nye, 2012; p. 128).

Para Nye, a segunda fase, ou círculo concêntrico, é a comunicação estratégica, que desenvolve uma série de temas simples, mais ou mesmo da mesma forma que uma campanha política, ou publicitária. E “(…) Enquanto a primeira dimensão é avaliada em horas e dias, a segunda tem lugar ao longo de semanas, meses, ou mesmo anos”. Exemplificando, Joseph Nye explica que aqui “(…) encaixam-se acontecimentos especiais como a Exposição de Xangai de 2010, ou o Campeonato do Mundo de Futebol da África do Sul. O presidente Jacob Zuma justificou as despesas no Campeonato do Mundo como sendo «a maior oportunidade de marketing do nosso tempo»”. Considere-se, portanto, que os temas especiais concentram-se em iniciativas específicas. A este propósito, Nye dá exemplo da administração Reagan, quando decidiu materializar a decisão bilateral da OTAN, que consistia na instalação de mísseis, enquanto negociava a remoção de mísseis soviéticos de alcance intermédio, referindo que a União Soviética respondeu com uma campanha concertada para influenciar a opinião europeia e tornar a instalação impossível.

Quanto ao terceiro e mais vasto círculo, ou fase de diplomacia pública, aquele autor salienta que “é o desenvolvimento de relações duradouras com indivíduos-chave ao longo de muitos anos, ou mesmo décadas, através de bolsas de estudo, intercâmbios, formações, seminários, conferências e acesso a canais de comunicação social”. Exemplos concretos disso, Nye refere que “(…) Ao longo do tempo, cerca de 700 000 pessoas participaram em intercâmbios culturais e académicos americanos, sendo que esses intercâmbios ajudaram a formar líderes mundiais como Anwar Sadat, Helmut Schmidt e Margaret Thacher” (Nye, 2012; p. 129).

Note-se que cada uma das três fases de diplomacia pública atrás apontadas exerce um papel relevante de apoio a um governo na criação de uma imagem atraente, que melhore a perspetiva de vir atingir os resultados que deseja. Ressalve-se, no entanto, que uma estratégia de comunicação não produzirá os resultados desejados se for contra a orientação política. Para o efeito, as ações valem mais do que umas simples palavras. Assim, a diplomacia pública que transparecer uma mera decoração da projeção do poder duro terá poucas hipóteses de sucesso.

A esse propósito, Joseph Nye, referindo-se aos tratamentos cruéis, degradantes e desumanos praticados pelas forças americanas contra os prisioneiros de guerra do Iraque e do 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque, nas prisões de máxima segurança de Abu Ghraib e de Guantánamo, exemplifica afirmando que “(…) O tratamento dos prisioneiros em Abu Ghraib e em Guantánamo, de uma forma que é inconsistente com os valores americanos, levou a uma perceção de hipocrisia que não pode ser revertida com a transmissão de imagens de muçulmanos que vivem bem na América”. Nye conclui considerando que “(…) Com efeito, os elevados valores de produção da estação televisiva via satélite americana Al Hurrah não a tornaram competitiva no Médio Oriente, onde foi considerada um instrumento de propaganda governamental” (Nye, 2012; p. 129).

Nesta ótica, é de considerar que, na era da informação que vivemos hoje, a abordagem subtil dos assuntos político-militares torna-se mais eficaz que a pressão. Se a credibilidade nacional estiver ausente, os instrumentos da diplomacia pública ver-se-ão incapazes de transformar os recursos culturais num poder suave da atração. A este respeito, Joseph Nye salienta que “(…) A eficácia da diplomacia pública é avaliada pela quantidade de opiniões mudadas (…), não pelos dólares, nem pelos produtos com níveis de produção elevados ” (Nye, 2012; p. 130).

Por outro lado, críticos, analisando os cenários ocorridos na política internacional a partir dos acontecimentos do 11 de setembro de 2001, nos EUA, caraterizados pelo uso do poder duro (militar) por este país contra outros estados para resolver determinados conflitos em jogo, mostram-se preocupados que a exagerada militarização da política externa (dirigida por militares e não por diplomatas formados nesta área e em matérias de comunicações estratégicas) possa pôr em causa a credibilidade. Sobre este assunto, Nye, referindo-se a essa preocupação dos referidos críticos, observa que “(…) Um queixou-se de que «deixar as comunicações estratégicas nas mãos dos militares (…) é mais ou menos como pedir a um adido que dirija um ataque aéreo, ou a um diplomata que gira um hospital de campanha».” Nesta linha de pensamento, Nye sustenta que, “(…) Outros argumentam que é necessária uma nova diplomacia «vitaminada», orientada por diplomatas com formação sobre os novos meios de comunicação, comunicações interculturais, conhecimento local granular e redes de contacto com grupos minoritários” (Nye, 2012; p. 130).

Compreende-se que assim seja, pois, na época contemporânea, em que as tecnologias se tornaram mais complexas e diversificadas e, por conseguinte, a competitividade entre governos para ter a credibilidade internacional tornou-se assunto cada vez mais sério, a direção de diferentes áreas, em particular da área das comunicações estratégicas, mais propriamente das comunicações interculturais, conhecimento local granular e redes de contacto com grupos minoritários, exige que os respetivos dirigentes tenham conhecimentos especializados, a fim de assegurar êxitos no que tange aos resultados pretendidos.

3. Vantagem da abordagem dos órgãos da comunicação social

Nos dias que correm, a abordagem centralizada dos órgãos da comunicação social em torno da diplomacia pública ocupa um papel preponderante, e a grande vantagem dessa abordagem reside no seu alcance ao público e a capacidade de criar consciência pública e objetivos.

Dessa forma, conforme aconselha Joseph Nye, “(…) Os governos precisam de corrigir as representações erróneas diárias das suas políticas, ao mesmo tempo que devem tentar transmitir uma mensagem estratégica a longo prazo” (Nye, 2012; p. 130).

Porém, é imprescindível ter-se em linha de conta que os órgãos de comunicação social transportam consigo certa fraqueza, pela sua incapacidade de influenciar o modo como a mensagem é captada e interpretada em diferentes meios culturais. Em geral, o emissor sabe o que diz, mas, em contraposição, nem sempre o destinatário ou receptor compreende o conteúdo da mensagem, pois as barreiras culturais muitas vezes tendem a distorcer aquilo que é ouvido.

Tal problema, segundo aconselha Nye, pode ser resolvido pelas comunicações em rede, aproveitando-se das “comunicações bilaterais e das relações para a par para superar as diferenças culturais”. Para este autor, “(…) Em vez de haver uma conceção central e a transmissão de uma mensagem através das fronteiras culturais, «as redes primeiro estabelecem a estrutura e a dinâmica para se ter canais de comunicação eficazes, e depois os membros colaboram para criar a mensagem. Como a mensagem ou a história é cocriada entre culturas, não existem barreiras culturais (…). Em vez de ser uma barreira, ou um impedimento, a cultura é incorporada na dinâmica da rede»” (Nye, 2012; p. 131).

Todavia, o maior problema nesta forma de descentralização e de flexibilização radica na dificuldade de se atingir por parte dos governos, pela simples razão das suas estruturas serem de responsabilização central.

Mesmo assim, havendo abertura e colaboração dos governos, no sentido de abrandarem o controlo, a questão é solucionada sob três formas principais, designadamente:

– o uso flexível das redes pelas ONG, que originou hoje a chamada «nova diplomacia pública» com múltiplas funções, tanto de envio de mensagens às campanhas de promoção como de contactos governamentais diretos com os públicos estrangeiros ao serviço de objetivos políticos externos;

– a criação de relações com intervenientes da sociedade civil de outros países;

– a facilitação de redes entre partes não governamentais a nível interno e externo.

 

Refira-se que, à luz do que acaba de ser dito nesta abordagem à diplomacia pública, na ótica de Joseph Nye, “a política governamental está orientada para a promoção e para a participação, por oposição ao controlo, nesse tipo de redes a nível externo”. Nye conclui observando que “(…) um excessivo controlo por parte do governo, ou mesmo apenas a aparência disso, pode minar a credibilidade que tais redes têm como objetivo criar. A evolução da diplomacia pública, de comunicações unidirecionais para um modelo de diálogo trata o público como um cocriador par a par de significado e de comunicação” (Nye, 2012; p. 131).

Contudo, para os governos alcançarem êxito neste processo de abrandamento de controlo ao tipo de rede a nível externo, precisam de se precaver contra eventuais riscos, tendo em atenção que as políticas e os objetivos dos intervenientes não-governamentais da sociedade civil não coincidem com as do governo.

Para contornar tais riscos, Joseph Nye recomenda que “(…) Os governos podem aproveitar-se das novas tecnologias das redes sociais, com os seus funcionários autorizados a usar o Facebook e o Twitter”. De modo cauteloso, Nye considera mesmo que “(…) Podem até usar rédea livre, mas raramente estão dispostos a aceitar isso quando um dos pontos de uma rede tem teor oficial (Nye, 2012; p. 131).

Contudo, aquela solução recomendada por Joseph Nye oferece certos inconvenientes, pelo facto de, numa sociedade democrática, alguns deputados da oposição poderem conseguir certa vantagem, quando determinados funcionários descontentes ou incompetentes dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros deixam de proteger a mensagem e os interesses nacionais.

Aquele autor, reconhecendo os referidos inconvenientes, observa no mesmo sentido que “(…) Nas democracias, por exemplo, é muito fácil para os deputados da oposição obterem alguma vantagem quando funcionários desleais ou incompetentes dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros não conseguem proteger a mensagem e o interesse nacionais” (Nye, 2012; pp. 131-132).

Finalmente, é de considerar que o problema político nacional da nova diplomacia pública é sério e real. Porém, os efeitos internacionais podem vir a ser benéficos. A existência de dissidência ou oposição, ou rebeldia, e de autocracias poderá conduzir ao aumento de credibilidade das mensagens, ao mesmo tempo que pode criar certo grau de atração por parte da sociedade que se encontra disposta a tolerar a dissidência, conforme considera também, neste sentido, Joseph Nye.

Sobre esta questão, Nye refere que “(…) As críticas às políticas governativas de um país podem ser embaraçosas, mas também podem fazer incidir uma luz mais positiva sobre uma sociedade, ajudando assim a criar poder suave” (Nye, 2012; p. 132).

4. Paradoxo do uso da diplomacia pública para criar poder suave

Numa era da informação global, o uso da diplomacia pública para criar poder suave depara-se com um paradoxo, que é a circunstância de a descentralização e a redução do controlo poderem ser fundamentais para a criação do poder suave.

Relativamente a esta delicada problemática, Joseph Nye salienta que “(…) À medida que a diplomacia pública vai cada vez mais sendo feita pelos públicos, os governos veem-se num dilema sobre o controlo. Os cidadãos tumultuosos, como o pastor da Florida que em 2010 ameaçou queimar o Alcorão, podem destruir o poder suave” (Nye, 2012; p. 132).

Nestas circunstâncias, no ponto de vista do autor do presente artigo, o uso do poder suave, só por si, não se mostra suficiente, tornando-se então necessário combiná-lo com o poder duro para pôr termo a uma situação concreta.

 

Capítulo IV

Como pode ser usado o poder suave em Moçambique na defesa dos interesses vitais do Estado

Como qualquer outro país do mundo, Moçambique, para a sua sobrevivência como Estado independente, soberano, com a sua integridade territorial – um interesse vital –, precisa de se defender sob diversas formas, sendo a principal destas a defesa tradicional ou militar, contra eventuais agressões armadas sejam elas externas, sejam elas de origem interna, complementando esse processo com o poder suave, ou combinando-o com o poder duro, para defender os seus interesses vitais no momento ameaçados, e quando disso se torne extremamente necessário.

Porém, desde o fim da Guerra Fria, a partir do qual surgiu a globalização que trouxe consigo a difusão maciça de riscos e ameaças transnacionais à segurança dos estados, sob a forma predominantemente do crime transnacional organizado, designadamente, o narcotráfico, o tráfico de seres humanos e seus órgãos, e de armas, o terrorismo, a tendência de proliferação de armas nucleares, a pirataria marítima, a imigração ilegal, a ciberprostituição infantil, a degradação do meio ambiente, as catástrofes naturais, maioritariamente cheias, ciclones e seca prolongada, a defesa e segurança deixou de ser unicamente tradicional, na perspetiva da defesa militar das fronteiras estatais contra agressões armadas de outros estados, alargando-se para este e outro conjunto de riscos e ameaças transnacionais à segurança dos estados.

A este respeito, o autor Proença Garcia refere que “(…) A entrada no terceiro milénio continua cheia de incertezas, sendo evidentes as mudanças profundas da conjuntura internacional. Com a implosão a Leste, a ameaça que estava bem definida desapareceu, dando lugar a um período de anormal instabilidade, com uma ampla série de focos de convulsão regionais e múltiplos radicalismos. A instabilidade é igualmente criada pelos novos tipos de ameaças, algumas já manifestas, de que os trágicos acontecimentos de Nova Iorque, Madrid e Londres são o paradigma” (Garcia, 2010; p. 224).

Em relação ao alargamento do conceito de Segurança, Proença Garcia explica que “(…) O conceito de Segurança também sofreu alterações. Estas resultam essencialmente da turbulência e da instabilidade originadas pela simultaneidade dos movimentos globalizante e individualizante. Atualmente, a Segurança vê o seu conceito alargado a domínios como a política, a economia, a diplomacia, os transportes e as comunicações, a educação e a cultura, a saúde, o ambiente, a ciência e a técnica, procurando encarar riscos e ameaças, em que a vontade e os interesses particulares dos diferentes atores se manifestam neste ambiente” (Garcia, 2010; pp. 224-225).

É neste quadro de alargamento do conceito de segurança que urge recorrer não só o poder duro ou uso da força (militar) como, fundamentalmente, o poder suave, na resolução de conflitos entre estados, relativos à defesa de interesses vitais destes, estendendo-o, também, para atores não estatais que passaram a intervir, em larga escala, nas Relações Internacionais, na época contemporânea.

Sobre o uso do poder suave, particularmente, Moçambique tem privilegiado este poder na resolução de conflitos, quer no plano interno quer na arena internacional, tudo se baseando no art.º 22 da CRM, que estabelece expressamente:

“1. A República de Moçambique prossegue uma política de paz, só recorrendo à força em caso de legítima defesa.

2. A República de Moçambique defende a primazia da solução negociada dos conflitos”.

1. No plano interno

Tomando como base os dois mencionados dispositivos constitucionais, o Governo moçambicano, usando o seu poder suave, pôs termo a guerra de desestabilização movida pela Renamo, que durante dezasseis anos dilacerou a economia nacional e ceifou a vida de milhares de cidadãos moçambicanos, mediante a assinatura do Acordo Geral de Paz para Moçambique (AGP), a 4 de outubro de 1992, em Roma, entre estas duas partes então beligerantes.

No período pós-AGP surgiram divergências de interpretação e das formas práticas da sua implementação mas, o recurso sistemático do poder suave para a resolução destas divergências pelas partes evitou o retorno à guerra, pelo menos a curto e médio prazos.

No entanto, passados vinte anos e oito meses, em 2012, o líder da Renamo, Afonso Dlakama, decidiu abandonar a cidade nortenha de Nampula, onde residia nos últimos anos, para voltar às suas bases de guerrilha nas serras da Gorongosa e Santungira, província central de Sofala, a fim de retomar a guerra, com fundamentos da não satisfação do seu interesse de revisão da Lei Eleitoral, por forma a manter a anterior paridade entre a Renamo e a Frelimo, excluindo o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), novo partido político da oposição que obteve assento parlamentar, a partir das eleições de 2009. Quando esta guerra eclodiu, dois anos depois, as partes em conflito – o Governo e a Renamo –, uma vez mais voltaram a usar o seu respetivo poder suave, abandonando o poder duro, para pôr fim as hostilidades, o que foi conseguido nas vésperas das eleições gerais e presidenciais de 2014.

2. Na arena internacional

Na arena internacional, Moçambique, orientando-se sempre com base nos dois dispositivos constitucionais atrás citados, que preveem uma política de paz e atribui primazia à solução negociada dos conflitos, usou o seu poder suave, quer apoiando os países em conflito armado quer resolvendo conflitos surgidos com países vizinhos.

2.1. Apoio aos países em conflito armado

Solidarizando-se com os estados em conflito armado, particularmente com aqueles afetados por golpes de estado, nomeadamente, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Madagáscar, Ilhas Reunião e Lesotho, Moçambique, através do uso do seu poder suave, e baseando-se no art.º 19 da CRM, que preconiza a solidariedade com a luta dos povos e estados africanos, pela unidade, liberdade, dignidade e direito ao progresso económico e social, bem como a busca e reforço das relações com países empenhados na consolidação da independência nacional, da democracia (cfr. n.ºs 1 e 2 do art.º 19 da CRM), desempenhou um papel preponderante, negociando com os golpistas e com os estadistas golpeados, com vista a repor a ordem democrática instituída nestes países.

Nuns casos, como em São Tomé e Príncipe, Ilhas Reunião e Lesotho, o poder suave moçambicano obteve resultados satisfatórios, ao ver estes estados a voltar à normalidade democrática, enquanto na Guiné-Bissau os conflitos continuaram ciclicamente e, em Madagáscar, o golpista André Rajoalina, não aceitou devolver o poder ao seu adversário, Mark Ravalomanana.

2.2. Resolução de conflitos surgidos com países vizinhos

Na resolução de conflitos surgidos com países vizinhos, concretamente com o vizinho Malawi, Moçambique atribui primazia, como sempre, ao uso do seu poder suave na resolução do referido conflito.

No ano de 2008, as Forças Armadas Malawianas atacaram uma Esquadra da Polícia da República de Moçambique (PRM), na região fronteiriça com a província nortenha do Niassa, sem no entanto apresentar motivos que as levaram a efetuar o referido ataque. Mais tarde, a Marinha de Guerra do Malawi, sem previamente pedir permissão às competentes autoridades moçambicanas, penetrou e navegou com os seus navios de guerra nas águas do rio Zambeze, permanecendo por alguns dias, e só se tendo retirado por pressões políticas exercidas pelo Governo moçambicano.

Portanto, nos dois casos atrás reportados, Moçambique usou o seu poder suave para resolver as controvérsias então registadas.

3. Necessidade de combinar o uso do poder suave com o poder duro

Nem sempre o poder suave é suficiente para resolver pacificamente determinado tipo de conflito entre estados, visando defender os interesses vitais do estado ameaçado, havendo, por isso, necessidade de combinar o seu uso com o poder duro.

Relativamente aos dois casos atrás mencionados – de ataque à Esquadra da PRM no Niassa e à violação da fronteira fluvial no rio Zambeze pelas FA malawiana – sobretudo para este último, por se tratar de caso reincidente, haveria que resolver com o recurso ao poder duro.

Nestas circunstâncias, o autor Joseph Nye, suficientemente citado nos capítulos precedentes, defende que “(…) Há situações em que o poder suave garante muito poucas vantagens. É difícil, por exemplo, ver como o poder suave poderia resolver a disputa sobre as armas nucleares da Coreia do Norte” (Nye, 2012; p. 106).

Todavia, para se combinar o uso do poder suave com o poder duro, especificamente militar, é imprescindível que um país, no caso vertente Moçambique, disponha de meios de combate adequados e Forças Armadas devidamente equipadas, formadas e treinadas, para fazer face a um conflito concreto que assim exige.

4. Paradoxo

No caso de Moçambique, num passado recente, dispunha de meios de combate modernos e sofisticados, com Forças Armadas bem equipadas, formadas e altamente treinadas, com capacidade de fazer face a qualquer ameaça ou guerra, podendo combinar o uso do poder duro com o poder suave, em caso de necessidade, como foram os casos do ataque à Esquadra da PRM no Niassa e da violação da fronteira fluvial no rio Zambeze, atrás reportados.

Porém, tais meios de combate, na sua maioria, com destaque para os principais, com alto poder de fogo, como os mísseis terrestres e antiaéreos, os Caça Bombardeiros, os tanques, por um lado, foram desativados pela ONUMOZ, aquando da implementação do AGP para Moçambique e, por outro, tornaram-se obsoletos pelo uso ininterrupto e deficiente manutenção técnica periódica durante a guerra dos dezasseis anos entre a Frelimo e a Renamo.

5. Necessidade de Moçambique reequipar as suas FDS

Tomando em consideração os fatores de ameaça à segurança do Estado moçambicano atrás mencionados, por um lado, e, por outro, tendo em atenção a propagação, a passos galopantes, de outras ameaças transnacionais à mesma segurança, designadamente o crime transnacional organizado, em especial o narcotráfico, o tráfico de seres humanos e seus órgãos, e de armas, o terrorismo, a proliferação de armas nucleares, a pirataria marítima, a imigração ilegal, a ciberprostituição infantil, a degradação do meio ambiente, as catástrofes naturais, maioritariamente cheias, ciclones e seca prolongada e, mais ainda, a recente descoberta de abundantes recursos naturais energéticos, nomeadamente, o gás natural e petróleo, ambos na bacia do Rovuma, na província nortenha de Cabo Delgado, o carvão mineral na província central de Tete, onde se vem explorando desde o período colonial aos nossos dias, e na província nortenha do Niassa, torna-se imperioso que o Governo moçambicano reequipe as suas FDS, com vista a fazer face a estas ameaças, defendendo a independência, a soberania e integridade territorial de Moçambique (interesses vitais do Estado) e os referenciados recursos naturais energéticos, combinando, em caso de necessidade, o uso do poder suave com o poder duro.

Em conclusão, para Moçambique, tem sido sua tradição resolver os conflitos que surgem no interior das suas fronteiras estatais e fora delas recorrendo o seu poder suave, havendo, no entanto, situações em que se torna necessário combinar este poder com o poder duro, quando os interesses vitais do Estado se encontram ameaçados, como foram os casos de ataque à Esquadra da PRM na província do Niassa e à violação da fronteira fluvial no rio Zambeze, pelas FA malawianas, penetrando até o interior do território nacional.

Para que seja possível a combinação do uso do poder suave com o poder duro, e com isso alcançar-se sucesso, há necessidade de o Governo moçambicano reequipar as suas FDS.

A propagação maciça de riscos e ameaças transnacionais à segurança dos estados e, no caso do Estado moçambicano, bem assim a descoberta de recursos naturais energéticos abundantes como o gás natural, o petróleo, ambos na bacia do Rovuma, na província de Cabo Delgado, e o carvão mineral nas províncias de Tete e Niassa, requerem igualmente o reequipamento das FDS para assegurar a sua defesa, por forma que, em caso de necessidade, conjuguem o uso do poder suave com o poder duro, visando resolver determinado conflito então surgido.

 

Conclusões

Em face das perguntas de partida colocadas na nota introdutória, tais como:

– O poder suave sendo por natureza um poder de persuasão, de atração a outros para estes aderirem determinados objetivos ou políticas de outros atores – estatais e não estatais –, por via disso, sendo, na atualidade, usado por vários países, instituições transnacionais, intergovernamentais e não-governamentais, pode, no futuro, vir a substituir o poder duro na resolução de conflitos entre estados nas Relações Internacionais? Em conexão com esta pergunta, a cultura, a política, a economia e o poder militar, podem produzir o poder suave num país?

– E, por outro lado, tendo em atenção as hipóteses formuladas, comparando-as com os resultados esperados, que coincidem plenamente com os objetivos inicialmente traçados, pode concluir-se que respondeu cabalmente às perguntas colocadas, correspondendo, consequentemente, com as hipóteses formuladas e atingindo-se, deste modo, os resultados esperados, na medida em que se pode concluir:

Que o uso do poder suave nas Relações Internacionais não é um fenómeno recente. Difundiu-se rapidamente na atualidade, devido ao alto nível de desenvolvimento alcançado pela humanidade nos domínios da ciência, da técnica e da tecnologia, particularmente na área da informação, que tornou o mundo numa aldeia global, conhecendo-se os acontecimentos que ocorrem em qualquer parte do planeta Terra no exato momento em que eles se passam;

Que o poder suave não é apenas usado pelos atores estatais e políticos, mas, ainda, por instituições transnacionais, intergovernamentais e não-governamentais, académicas e de diversa natureza e orientação;

Que o poder suave pode ser usado para bons e maus objetivos;

Que o poder suave, dada a sua natureza atrativa e persuasiva, pode, no futuro, vir a substituir o poder duro na resolução de conflitos entre estados;

Que, numa era da informação global, o uso da diplomacia pública para criar poder suave depara-se com um paradoxo, que é o facto de a descentralização e a redução do controlo poderem ser fundamentais para a criação do poder suave;

Que, à medida que a diplomacia pública vai cada vez mais sendo feita pelos públicos, os governos veem-se num dilema sobre o controlo da informação. Os cidadãos tumultuosos, podem destruir o poder suave;

Que, nestas circunstâncias, o uso do poder suave, só por si, não é suficiente, tornando-se então necessário combiná-lo com o poder duro para pôr termo à situação concreta surgida;

Que, para Moçambique, tem sido sua tradição resolver os conflitos que surgem no interior das suas fronteiras estatais e fora delas, recorrendo ao seu poder suave, havendo, no entanto, situações em que se torna necessário combinar este poder com o poder duro, quando os interesses vitais do Estado se encontram ameaçados, como foram os casos de ataque à Esquadra da PRM, na província do Niassa, e à violação da fronteira fluvial, no rio Zambeze, pelas Forças Armadas malawianas, penetrando até o interior do território nacional;

Para que seja possível a combinação do uso do poder suave com o poder duro, e com isso alcançar-se sucesso, há necessidade de o Governo moçambicano reequipar as suas FDS;

A propagação maciça de riscos e ameaças transnacionais à segurança dos estados, e no caso em estudo do Estado moçambicano, bem como a descoberta de recursos naturais energéticos abundantes como o gás natural, o petróleo, ambos na bacia do Rovuma, na província de Cabo Delgado, e o carvão mineral, nas províncias de Tete e Niassa, requerem igualmente o reequipamento das FDS para assegurar a sua defesa, por forma a que, em caso de necessidade, conjuguem o uso do poder suave com o poder duro, visando resolver determinado conflito do momento.

 

Bibliografia

 

Livros

GARCIA, Francisco Proença (2010), Da Guerra e da Estratégia. A Nova Polemologia, Edição Prefácio, Lisboa.

JR. NYE, Joseph S. (2012), O Futuro do Poder, 1.ª Edição, Editor: Temas – E Debates, Círculo-Leitores, Maia.

MOREIRA, Adriano e RAMALHO, Pinto (2014), Estratégia Vol. XXIII, Edição: Instituro Português da Conjuntura Estratégica, MDN, I.P.C.E., I.D.I.C., A.I.C.P., Lisboa.

NOGUEIRA, José Manuel Freire (2005), Pensar a Segurança e Defesa, Edições Cosmos, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa.

 

Documentos

Constituição da República de Moçambique (2004), Edição: Imprensa Nacional de Moçambique, Maputo.

Lei Orgânica n.º 1-B/2009, de 7 de julho (Lei da Defesa Nacional), com a Declaração de Retificação n.º 52/2009, de 20 de julho.

 

Sites

http://www.globalsecurity.org/military/world/war/burundi.thm

 


[1] 1 http://www.globalsecurity.org/military/world/war/burundi.thm, consultado em 10 de outubro de 2015.

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Coronel

Rodrigues Lapucheque

Mestre em Direito e Segurança pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa-Portugal (2014).  [...]

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