Depois de receber o programa final do Seminário, resolvi rever o objeto da minha comunicação, centrando-a no papel e nos desafios que a atual conjuntura estratégica coloca às Forças Especiais.*
Durante a análise dos cenários estratégicos nas áreas de interesse, no desenrolar de todo o Seminário, naquilo que podemos referir como no Espaço Estratégico de Interesse Nacional, na conjuntura estratégica atual, foram levantadas questões que configuram em termos nacionais, objetivos estratégicos conjunturais, uns que nos afetam diretamente, porque se situam no interior ou na proximidade do espaço da lusofonia e outros, mais afastados, mas igualmente muito importantes, porque se inscrevem no âmbito da segurança cooperativa e exigem uma participação multinacional.
Vivemos uma nova “ordem internacional” marcada pela conjuntura estratégica atual em que se salientam os desafios à paz e à estabilidade internacionais, a situação no Médio Oriente; a barbárie conduzida pelo auto denominado “estado islâmico”; a situação na Síria, no Iraque e na Líbia, incluindo a interrogação em como lidar com o futuro de Bashar al Assad; na África do Sahel; na Nigéria e no Golfo da Guiné; a postura estratégica da Rússia e do seu líder Putin, que nos lembrou que a força é para ser usada, por quem a detém, quando estão em causa interesses considerados estratégicos, como foi o caso da Crimeia e subsequente instabilidade na Ucrânia. Paralelamente, Putin mantém uma atitude desafiante, em termos de relações internacionais, com a OTAN e com os EUA, agora patente na recente intervenção na Síria. Na Ásia, o dinamismo político e a crescente capacidade militar da China, a par das suas reivindicações territoriais no mar regional, lança a permanente interrogação, no quadro das relações internacionais, se deve ser entendida como um parceiro ou como um potencial competidor.
Constituem igualmente desafios à segurança internacional, o terrorismo, como os recentes acontecimentos em Paris demonstraram, a pirataria, a proliferação de armas de destruição maciça, a disseminação das tecnologias de mísseis balísticos, o cyberterrorismo, a necessidade de garantir o acesso às fontes e a continuidade dos fluxos energéticos, incluindo a água e o aumento permanente da procura de novas fontes de energia.
No caso particular da Europa, para além do referido e da proximidade de algumas das situações mencionadas, estamos ainda confrontados com o movimento massivo de refugiados, o maior desde o final da II GM, que sendo também um problema de segurança, é mais premente do ponto de vista humanitário e mostra, simultaneamente, quer a fragilidade da solidariedade europeia e a verdadeira face de alguns dos governos europeus quer a incapacidade para se encontrar soluções, incluindo no domínio da segurança coletiva, fruto da prevalência dos interesses nacionais, sobre os tão repetidos interesses europeus, cuja verdadeira realidade é o seu carácter difuso e, tantas vezes, conjuntural.
Paralelamente, subsistem os desafios das dívidas soberanas e as suas implicações na estabilidade do Euro e a situação económica e financeira dos países do sul da Europa, em particular da Grécia; também no espaço da lusofonia, interessa-nos a estabilidade política e militar dos países da CPLP, constituindo nesse sentido uma preocupação a situação da República da Guiné-Bissau e de Moçambique.
Em termos de estratégia militar, o reconhecimento deste clima penalizador da estabilidade e da paz não tem produzido a adoção de medidas preventivas, antes pelo contrário, tem-se assistido a opções naquele domínio estratégico, que não têm em conta a dimensão, a natureza sociológica e ideológica dos conflitos abertos, a intensidade e tipologia da conflitualidade aí presente e o seu carácter “ intra ou inter” estatal; parece assumir-se, de forma definitiva que, em termos futuros, a conflitualidade não irá além do que hoje se pratica, ou seja o conflito assimétrico ou o terrorismo e que as guerras entre estados e de alta intensidade estão erradicadas das relações entre os atores da cena internacional e que as estratégias nacionais deixaram de ser determinadas, politicamente, pelos interesses nacionais.
Preocupa-me se estamos na Europa, perante esta passividade, numa atitude psicológica, que parece disponível para deixar morrer o espírito de defesa, incluindo a pedagogia junto das gerações mais jovens, quanto à legitimidade da guerra e do emprego da coação militar, como instrumento político e estratégico, necessariamente não desejado, mas último e indispensável, para defender um projecto político legítimo, consentâneo com a defesa da soberania e da nossa identidade, com a segurança do nosso povo e com a salvaguarda e prossecução do interesse nacional.
Esta passividade está patente na incapacidade e na indisponibilidade política para explicar às opiniões públicas, a necessidade e a legitimidade das despesas com a Defesa e da necessidade do investimento na modernização dos instrumentos militares, à semelhança daquilo que é necessário fazer-se com qualquer outra Instituição estruturante do Estado; A capacidade militar da UE e as incoerências e fragilidades da PESD ajudam a tornar mais consistentes estas preocupações.
Espero também que o meu pessimismo, relativamente ao empenhamento europeu na alteração da atual situação de desinvestimento, no âmbito da defesa, seja infundado e que a recente invocação pela França do Art.º 42 – 7 do Tratado de Lisboa, a cláusula de solidariedade europeia em matéria de defesa, possa ser o ponto de partida para uma alteração qualitativa, na direção correta do reforço das capacidades militares europeias; contudo, a convicção moderada com que a “Europa” respondeu por unanimidade “sim”, ao pedido de assistência francês, remetendo o apoio concreto para uma negociação bilateral, constitui, uma vez mais, uma aposta na “afirmação política mediática”, diferindo decisões substantivas para a penumbra da discussão silenciosa das ações concretas.
Partindo da observação da história, podemos afirmar que na, atualidade, estamos perante uma conflitualidade que evoluiu, tirando partido da tecnologia disponível e também dual, da globalização e da informação e das tecnologias que lhe estão associadas, das ideologias radicais, religiosas ou outras, do poder dos “media” e da sua capacidade de difusão do acontecimento em tempo real, do fim da contenção geográfica das tensões entre atores, das crises e dos conflitos e do fim dos limites, tidos como éticos, do terrorismo, que agora procura provocar grandes destruições e elevados números de baixas, como forma de inibir os espíritos e a liberdade de decisão e de ação política.
Estamos naquilo que poderíamos designar por “guerras da quarta geração”, se entendermos que a “primeira geração” durou até às campanhas napoleónicas, onde o conceito de nação em armas, as Grandes Unidades, a Artilharia, a Logística e o planeamento de estado-maior marcaram a diferença; a “segunda geração” que durou até ao fim da I GM, onde a Artilharia e a Metralhadora, provocaram o massacre das Infantarias, a par da utilização massiva do caminho-de-ferro na concentração logística e estratégica de recursos humanos e materiais, materializando uma velocidade logística superior à operacional, nesse domínio, o combate era feito a pé ou a cavalo e o motor e o avião, só serão uma realidade no final da guerra; a “terceira geração” é período da utilização da manobra, do fogo e do movimento, das armas combinadas, das três dimensões do TO e, também, da ação psicológica sobre as retaguardas e sobre as populações e tem o seu epílogo nas guerras do Iraque.
As “guerras da quarta geração”, a conflitualidade atual, tem dois novos espaços de aplicação estratégica da coação militar, o espaço e o cyber-espaço, dirige-se prioritariamente às mentes e espíritos do inimigo para destruir a sua vontade de combater, mais do conquistar espaços, procura o seu controlo ideológico, utiliza a guerra da informação e os veículos não tripulados (os drones), a robótica, os satélites, os sensores diversificados, a visão termal e optrónica, a introdução de imagens virtuais (hologramas) no TO, tira partido da surpresa estratégica que confere indiscutível vantagem e tem novos atores, para além dos tradicionais, os “media” e, por falta de regulação, o capital internacional, os mercados e as “agências de notação financeira”, tudo isto criando um ambiente operacional em que o discurso é já ação.
Importa, contudo, ter presente que a superioridade tecnológica e de informação não dispensam as forças terrestres no terreno e que os conflitos da atualidade, demonstram que se ganham ou perdem nos teatros de operações terrestres. A superioridade tecnológica deve ser vista e tratada como um meio multiplicador da força, mas que não substitui a intuição, o espírito de iniciativa, a possibilidade de aproveitar “as janelas de oportunidade”, a inovação e a capacidade humana de dar resposta a situações inesperadas. Quanto à superioridade da informação, à que acautelar o seu eventual carácter perverso, pois o excesso de informação complica o processo de decisão e pode ainda contribuir para um irracional excesso de confiança e para um sentimento, irresponsável, de segurança e de sucesso garantidos.
Também a estratégia operacional evoluiu, desde a operação “Desert Strorm” no Iraque, em que o seu objetivo era esmagar o adversário, para uma postura de resolução das “guerras assimétricas”, a contra-subversão; no Afeganistão passou a falar-se da “guerra contra o terrorismo” e hoje, para algo que poderíamos designar por “caça ao homem”, com drones e Forças Especiais; as Forças Especiais deixaram de ser mais um instrumento, dos exércitos convencionais, para passarem a ser centrais, naquela estratégia.
É uma ilusão perigosa, pensar que se podem substituir e economizar efetivos no terreno por se dispor de melhor tecnologia, dispensando inclusive capacidades tradicionais no domínio convencional. A efetiva capacidade operacional dos instrumentos militares resulta da articulação de soldados bem treinados e dispondo de equipamentos e sistemas de armas adequados, com uma liderança competente, motivada, carismática e esclarecida, com a associação de tecnologias diversificadas, que funcionam como multiplicadores do potencial de combate.
Os decisores políticos devem ter presente que as unidades operacionais no terreno (boots on the ground) não são substituíveis por poder aéreo ou mais poder de fogo (air power/fire power), pois isso pode corresponder a uma real probabilidade de aumentar o risco das nossas baixas, a uma maior necessidade de apoio aéreo (helicópteros e apoio aéreo próximo), a um maior risco de baixas civis e danos colaterais, a uma maior necessidade do apoio de “forças locais”, por vezes ainda mal preparadas e equipadas, atrasando também o seu adequado desenvolvimento, a uma menor capacidade para controlar território subtraído à influência dos insurgentes e a um menor progresso nas áreas da Reconstrução, do Desenvolvimento e da Boa Governação, para além de um claro risco de perda da confiança das populações locais.
Estas considerações são pertinentes, porque a realidade destas “guerras de quarta geração” apresentam uma variante, materializada na continuidade da atual conflitualidade, conduzida no interior das populações, sem quaisquer regras, sob a luz e escrutínio dos “media” e, no caso das forças que se empenham na sua contenção, na fronteira do Direito Internacional; uma conflitualidade típica da guerra irregular, configurando aspetos da guerra revolucionária, porque se sustenta também num Tema político-ideológico, religioso ou outro, numa prática da guerra subversiva teorizada por Mao Tsé Tung, seguindo os princípios de que é possível levar a cabo pequenas ações, de forma prolongada e com grandes efeitos e de ligação, apoio e de controlo ideológico das populações, seja pelo eco das suas motivações, seja pelo medo, seja ainda pelo fornecimento da “assistência” que o poder contestado já não consegue proporcionar.
Num ambiente conflitual desta natureza assistiu-se à procura da adaptação dos exércitos regulares, acusados de falta de mobilidade, dificuldades em criarem a surpresa, com pouca flexibilidade e exigirem cadeias de apoio logístico complexas e extensas, isto perante a evidência da agilidade dos insurgentes, do seu fator surpresa, do apoio e vivência entre e com as populações e, ainda, uma gestão diferenciada do fator tempo. Neste quadro de avaliação, as Forças Especiais encontraram na contra-insurreição a sua tarefa principal, seja desencadeando ações operacionais estratégicas de destruição, deteção e captura de insurgentes, libertação de reféns ou servindo como assessores especiais, nas áreas do treino e formação de outras forças, como aconteceu com os Comandos, no Iraque, no treino específico do tiro de combate, incluindo a obtenção de informações através de uma presença em embaixadas, em países em crise ou conflito.
Assim, temos assistido a múltiplas referências a operações das forças especiais, relativamente a objetivos estratégicos, cerca de uma centena, em 2012 e 2013, mais de uma centena, em 2014, e mais de uma centena, no primeiro quadrimestre de 2015; operações conduzidas fora do conhecimento das opiniões públicas e dos “media”, divulgados mais os êxitos do que os fracassos, levadas a cabo por forças com características e missões distintas, como sejam os ‘Rangers’, os ‘Green Berets’, os ‘Air Force Commands’, os ‘SEALs’, os ‘Special Warfare Combatents’, os ‘Army Delta Force’ e outros no âmbito da CIA, do FBI e da NSA. Nas palavras do Comandante do US SOCOM, as operações especiais estão no auge e este é o momento de ouro do seu emprego, que têm aumentado em efetivos, obtido novas capacidades e moderna tecnologia e demonstrado estarem à altura do desempenho de missões diversificadas, com objetivos muito importantes.
Esta evolução tem, necessariamente, de ser acompanhada pelas nossas Forças Especiais, quer em termos de lições aprendidas, decorrentes de novas opções tácticas, quer da adoção de novos equipamentos e novas capacidades, no sentido da sua incorporação, sempre que possível e economicamente sustentável, no acervo doutrinário e de material que configura operacionalmente estas forças nacionais. É igualmente muito importante que sejam proporcionados cursos de formação nestas forças, assim como intercâmbios e exercícios, envolvendo não só os quadros, mas também as tropas, numa óptica de formação e treino cruzado e partilha de experiências operacionais.
Contudo, na minha opinião pessoal, tendo em conta a nossa dimensão estratégica, os nossos recursos e posicionamento internacional, penso que não seja neste quadro político, estratégico e operacional, que deva ser encontrada uma matriz referencial para uma reanálise estrutural e organizacional das nossas Forças Especiais em geral e dos Comandos em particular. Estas Forças têm especificidades nacionais, quer históricas, que estão na base da sua evolução operacional, nos teatros africanos, no contexto da lusofonia e também europeus, quer doutrinárias, expressas num enquadramento, muito pensado e consolidado, numa concepção organizacional do Exército, que as potencia do ponto de vista operacional, no todo e no particular, e se consubstancia na constituição da Brigada de Reacção Rápida.
Nesta Brigada, promoveu-se a intenção de preservar a identidade e as capacidades operacionais de cada uma das Forças Especiais, permitindo qualificá-la e constituir-se como uma Initial Entry Force, em TO de grande exigência, a par de garantir, em permanência, o núcleo fundamental da Força de Reacção Imediata (FRI), à ordem do CEMGFA. Com a concretização do programa dos helicópteros ligeiros e dos médios NH-90, teria ganho a capacidade de projecção e mobilidade, que materializaria a sua efetiva modernidade, aptidão estratégica e qualificação tecnológica avançada, objetivo que o atual ministro da defesa inviabilizou, por razões economicistas, desperdiçando todo o investimento já efectuado em formação, infra-estruturas e custos de projecto que, à data, se cifravam em mais de 90 Milhões de Euros.
Os Comandos, os Pára-quedistas e as Tropas de Operações Especiais constituem uma valência operacional do Exército extremamente importante, pela sua versatilidade de emprego, determinação, disponibilidade, prontidão e possibilidade de projeção estratégica.
Os Comandos são inequivocamente uma força de primeiro emprego em TO de grande exigência, aptos à execução de golpes de mão, de emboscadas e de recuperação de ativos nesse ambiente operacional; os Pára-quedistas possuem uma grande capacidade operacional, com as suas unidades orgânicas, associando a possibilidade do seu lançamento em TO por pára-quedas; as Tropas de Operações Especiais congregam capacidades operacionais específicas que passam pelo patrulhamento e infiltração de longo raio de acção, obtenção de informações, realização de ações de sabotagem e de destruição de alvos importantes, nas retaguardas inimigas, recuperação de reféns e de atiradores “snipers”.
Aos Comandos espera-se ainda que sejam capazes de tirar partido de uma grande mobilidade e de um grande poder de fogo, através de uma capacidade de dispersão/concentração no TO, seja por viaturas “Fast Attack Vehicles – FAV”, seja por meios héli, que permitam reunir forças num determinado objetivo, a partir de módulos, o “Swarming”, com uma coordenação centralizada utilizando meios C2-banda larga, com acesso a informações atualizadas, provenientes de sensores diversificados e com capacidade de fazer intervir em teatro, sistemas de armas com grande precisão, letalidade e alcance, os intercetores diversificados.
Tendo em conta as realidades conflituais da atual conjuntura estratégica, as lições aprendidas por exércitos amigos, tidos por referência e a experiência operacional colhida pelas nossas Forças Nacionais Destacadas, nos diversos teatros de operações onde têm sido chamadas a atuar, considero que se colocam, na atualidade, às Forças Armadas em geral e às Forças Especiais em particular, quatro grandes desafios, que passo a enumerar e para os quais importa preparar as devidas respostas.
O primeiro está relacionado com a conflitualidade com que estamos confrontados e que, tendo em conta o que foi referido, parece ser legítimo prospetivar que, no futuro próximo, essa conflitualidade seja fundamentalmente terrestre, com um ambiente beligerante avançado, com carácter urbano, privilegiando a assimetria, mas tirando partido da tecnologia disponível, dos sistemas de informação e do papel dos “media” e do impacto da informação global em tempo real, capaz e inibir os espíritos, a liberdade de ação política e a vontade de combater.
Embora os TO sejam terrestres e urbanos, o antagonista procura igualmente trazer os navios e outros meios navais para junto da costa, para executar ações de pirataria ou atentados, assim como levar os meios aéreos a voar mais perto do terreno, tornando-os assim vulneráveis aos meios de anti-aérea de baixa e muito baixa altitude; apesar destas características e de qualquer forma, continuará sempre a ser necessário garantir a utilização segura das SLOC, pois o abastecimento e a projecção de forças continuará a ser indispensável e a superioridade no ar constitui-se como requisito necessário ao sucesso na terra e no mar.
O segundo tem a ver com o novo ambiente operacional que privilegia a ameaça assimétrica, o terrorismo, a atuação transnacional, imprevisível e desproporcionada, relativamente à dimensão da destruição ou do número de baixas causada. O reconhecimento por parte dos insurgentes, de que não lhe é possível combater o Ocidente (Europa, EUA e OTAN), por ser demasiado forte do ponto de vista militar e da tecnologia que tem disponível, leva-o a procurar as nossas vulnerabilidades, que decorrem dessa mesma tecnologia e da nossa construção ética, mental e moral que nos impede de utilizar, de forma indiscriminada, a força.
A guerra assimétrica privilegia o teatro de operações urbano, obrigando a que as operações militares aí se desenvolvam, transformando este TO, como que num igualizador do potencial de combate, onde a tecnologia sai diminuída nas suas capacidades ou aí não pode operar, onde é reduzida a mobilidade dos meios mecanizados e blindados, assim como os meios de apoio de fogos, canaliza os movimentos, torna mais difíceis as evacuações e o reabastecimento, confunde frentes com retaguardas das forças, implicando que as mesmas tenham de ter idênticas capacidades de proteção e de reação.
É um TO que o adversário conhece melhor do que as forças militares que ali operam, que utiliza as três dimensões específicas daquele ambiente operacional, o cimo dos edifícios, as caves e sistemas de esgotos, as esquinas e janelas das casas; paralelamente, a utilização dos engenhos explosivos improvisados têm aqui uma possibilidade de emprego privilegiado, face às destruições e à obrigatoriedade de rotinas e de movimentos; é um ambiente urbano que se caracteriza ainda pelo isolamento visual dos efetivos, fruto dos edifícios e do traçado das ruas, que canalizam movimentos e aumentam o risco de baixas pelo fogo amigo.
Neste ambiente operacional verifica-se ainda a compressão dos três níveis de decisão operacional; cada vez mais, as ações ao nível tático podem ter repercussões ao nível estratégico; a ação de uma equipa pode ter efeitos ao nível mais elevado, pois pode comprometer operações de nível superior ou, mesmo, a credibilidade e os valores éticos de uma coligação.
O combate é assim conduzido de forma assimétrica, alterando-se o conceito tradicional de vitória, para a percepção de um ambiente de sucesso que permita parar e substituir o empenhamento militar por forças de estabilização ou policiais; porque o primeiro, sempre sob avaliação critica junto das opiniões públicas que interrogam as lideranças políticas, quanto à necessidade desse empenhamento, à sua justeza e mesmo quanto à sua legalidade, resultado do sentimento ocidental, atual, que aceita mal conflitos prolongados, o risco de baixas e os efeitos colaterais – uma sociedade e uma opinião pública que tolera números impessoais de baixas, mas incapaz de serem confrontadas com a imagem de mortos nacionais.
Os acontecimentos de Paris, na sua tipologia, dramatismo e consequências, tal como os atentados no Líbano, no seio do Hezbollah; a explosão que provocou a queda do avião civil russo A-321, no Egipto/Sinai; as explosões no mercado na Nigéria e, mais recentemente, o ataque com tomada de reféns num Hotel, no Mali, tudo isto num período de pouco mais de uma semana, constituem uma extensão da conflitualidade expressa na guerra assimétrica, conduzida pelo DAESH, como aliás o próprio afirmou, assumindo a responsabilidade pelas ações efetuadas e alargando a ameaça de novas ações a outros países.
O terceiro relaciona-se com as características do insurgente presente no atual ambiente conflitual de guerra assimétrica; o insurgente, é um combatente que vive no seio das populações e procura o seu apoio, genuíno ou através da intimidação, embora esta já não seja a sua única base de recrutamento que passou a ter, também, um carácter multinacional, de cariz radical e ideológico; está bem treinado, ou porque já teve preparação militar ou recebeu-a em campos de treino internacional; é bem qualificado, incluindo por vezes uma formação académica, usa explosivos improvisados de “forma estratégica”, com grande eficácia e eficiência, não segue o Direito da Guerra, ou qualquer quadro legal estabelecido nesse domínio, antes tira partido dele.
É um radical e um fundamentalista ideológico/religioso, crítico das sociedades ditas ocidentais e está disposto a morrer pela sua causa, com uma forte crença post-mortem; é paciente, utiliza o fator tempo, detém a iniciativa de determinar a oportunidade, o ritmo e a tipologia das suas ações; procura desgastar a vontade de combater do oponente, quer pelo terror quer pela pressão psicológica; não é verdade que provenha apenas das classes mais débeis e conhece muito bem o ambiente operacional em que atua; é flexível e adaptável, organiza-se em “rede”, usa com eficiência as armas de que dispõe e é sofisticado no uso da internet e das redes sociais que funcionam, também, como veículos de recrutamento, de financiamento e de divulgação das suas ações.
Identificados os autores das recentes ações terroristas, no caso particular de Paris, torna-se evidente que, sendo franceses, houve uma evolução comportamental e ideológica, que começa numa radicalização, contra a sua sociedade nacional, cujas razões permitem alguma especulação, mas que fazem admitir uma desinserção das comunidades onde vivem, a que não serão estranhos, ambientes não inclusivos ou mesmo de rejeição, de sentimentos de ressentimento e de outros que, em termos ideológicos, os tornam recetivos a apelos radicais, neste caso, à “Jihad”, onde encontram uma afirmação e um reconhecimento pessoal, num contexto grupal, um sentimento de pertença e uma causa. É incontornável que, perante os acontecimentos verificados, estamos numa fase da conflitualidade, em que a resposta atual tem de ser militar, inclusive também por razões internas nacionais, mas, a montante, a avaliação das raízes do fenómeno e das suas respostas têm de ser políticas e ideológicas.
Quanto ao quarto e último desafio, a sua natureza é interna e, talvez por isso, seja aquele mais difícil de lidar, pois tem a ver com a disponibilidade e perceção política da necessidade do investimento nos instrumentos militares. Neste caso concreto, nas Tropas Comando, que necessitam de manter um fluxo de recrutamento que lhe permita ultrapassar as normais taxas de atrição que se verificam no período de formação e garantir o completamento e a operacionalidade das suas unidades orgânicas e, ainda, o equipamento, meios rádio e armamento adequado ao desempenho das suas missões previsíveis, assim como a mobilidade orgânica indispensável, meios auto, as tradicionais “FAV” e viaturas 4x4 com protecção, semelhantes às já utilizadas no Afeganistão, para além do indispensável acesso a meios héli.
Reconhecer a capacidade das Tropas Comando para se constituírem como uma “Força de Primeiro Emprego”, implica atribuir-lhes a prioridade no recompletamento dos efetivos orgânicos do seu Batalhão Operacional, o que seria também uma “lição aprendida”, de uma realidade que referi no início da minha comunicação; um recompletamento dirigido à Companhia de Comando e Apoio, às três Companhias de Comandos e, desejavelmente, ao levantamento da Companhia de Apoio de Combate; paralelamente, garantir os meios rádio orgânicos, o armamento atualizado, individual, coletivo e de apoio, a par dos necessários equipamentos de vigilância e observação do campo de batalha, protecção e visão noturna, adequados às missões que lhes poderão vir a ser atribuídas.
Termino com a expectativa que se continue a apostar, em termos nacionais e em particular na componente operacional terrestre, neste corpo especial de tropas, pois as Tropas “Comando” são uma referência no conjunto das forças terrestres nacionais, indiscutivelmente uma realidade que orgulha a Nação e uma mais-valia do Exército, que urge preservar e potenciar através do investimento na formação, no treino, na divulgação dos seus valores e das suas tradições e, acima de tudo, no reconhecimento da qualidade do seu elemento mais valioso, o seu potencial humano; os Comandos constituem um património do Exército e uma força incontornável da sua componente operacional, proporcionando uma certeza de êxito no desempenho das missões mais difíceis e mais exigentes da atual conjuntura estratégica e do quadro conflitual que a caracteriza.
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* Intervenção efetuada no Instituto de Defesa Nacional, em 23 de novembro de 2015, no Seminário do 40º Aniversário da fundação da Associação de Comandos (1975-2015).
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.